terça-feira, 29 de junho de 2004

Toc toc...

Ainda aí está alguém? Posso entrar?

Pois, às vezes é preciso fazer pausas nas coisas. Umas vezes, as pausas transformam-se em fins, como aquelas escolas portuguesas que são "provisórias" há muitas décadas. Outras vezes são só pausas.

A Lâmpada passou por uma dessas pausas, que acabou de chegar ao fim. Agora, é responder às mensagens que foram sendo deixadas, nos entrementes, nas caixas de comentários.

Volto já.

sexta-feira, 18 de junho de 2004

Aguasfurtadas nº 6

Hoje recebi o meu exemplar da revista aguasfurtadas 6, cuja capa irá parar ali à coluna da direita à primeira oportunidade. É que umas quantas das suas 252 páginas são ocupadas com um conto meu: A Primavera.

Trata-se de uma revista editada pelo Jornal Universitário do Porto, que anuncia um URL que parece não estar ainda funcional (www.aguasfurtadas.jup.pt). O formato é o de um livro grande, com as tais 252 páginas de que já falei, a preto e branco, dividida em secções de "poesia", "fragmento", "adaptação literária", "diálogo amoroso", "teatro", "argumento cinematográfico", "conto", "crónica barroca", "ensaio", "evocação" e "música".

Esta última secção vem ilustrada com um CD contendo 6 faixas, num total de 23 minutos de música erudita.

E tudo por 10 euros. Não faço é ideia nenhuma que tal será a distribuição da revista, embora tenha cá um passarinho a segredar-me ao ouvido que não deverá ser muito vasta.

segunda-feira, 14 de junho de 2004

Entretanto, noutro local...

Entretanto, noutro local, foi publicado o nº 41 do boletim Em Órbita, uma publicação electrónica sobre astronáutica, muito interessante para quem gosta do tema, fruto da carolice do bracarense Rui C. Barbosa.

Este boletim inclui, pela segunda vez, um pequeno conto meu. Depois de Uma mão vazia de jogo, publicado no nº 39 (edição de Abril) que também está disponível para download, o conto deste mês chama-se Eu, a Teia.

Espero que gostem.

Spam fiction

Como devem ter reparado, na semana passada não houve spam fiction. O motivo é simples: com os problemas de saúde do meu pai, não tive tempo nem disposição para escrever.

Mas o conto existe, só que, tal como o primeiro, está incompleto. Farei com este o mesmo que tenho vindo a fazer com o primeiro: completá-lo aos poucos, quando as spam fictions da semana deixarem tempo disponível.

Neste momento, a spam fiction número 1, Littleton, vai com 3000 palavras, e a spam fiction número 5, O teu dia, tem 2300. Mais tarde ou mais cedo, ambas chegarão aqui às páginas da Lâmpada.

Um post "vagamente" sádico

A esta hora, a direita futeboleira deve estar muito marafada...

Hehehehehehehe....

Esquerda/direita aditivado

As análises que andam por aí esquecem sistematicamente os partidos pequenos, mas se calhar seria melhor não os esquecer, visto que eles existem e houve largos milhares de eleitores que lhes resolveram dar votos. A análise mais básica, a da divisão esquerda/direita, portanto, não pode resumir-se a PSD+PP vs. PS+CDU+BE. Tem de incluir o resto. Os fascistas, o MRPP, etc.

As contas aditivadas da divisão esquerda/direita (fora aqueles partidos que não faço ideia se são de esquerda ou de direita) ficam então assim:

Esquerda (PS+CDU+BE+MRPP+POUS): 2 027 165 votos (59.73%)
Direita (PSD+PP+PND+PPM+PNR): 1 186 195 votos (34.95%)
Não-faço-ideia (MD+MPT+PH+PDA): 45 808 votos (1.35%)

Entre estes últimos, o MD e o PDA cheiram-me a direita e o MPT e o PH cheiram-me a esquerda, mas como são odores suaves, ficam à parte.

Depois, houve ainda o Partido do Saramago (brancos), com 2,57% (87 178 votos, um bom resultado) e o Partido das Frases Célebres (nulos), com 1,39% (47 324 votos, podia ser melhor).

Em resumo: foi um ganda banho!

domingo, 13 de junho de 2004

Respira-se um pouco melhor neste país

Mas o Barroso já veio avisar que a catástrofe que lidera vai continuar...

Sobre o dia de reflexão

Se reflectir, não beba.

sábado, 12 de junho de 2004

O (meu) jogo inaugural do Euro 2004

Liguei a televisão do quarto pouco antes do jogo começar. A multidão fervilhante de assobios enchia o altifalante do pequeno receptor. Deitei-me. Esperei pelo apito inicial do árbitro, de telecomando na mão.

O árbitro apitou para o início da partida. Tirei o som à televisão, arrumei o comando, virei-me de costas para o jogo.

Pus-me a ler.

Resistência!

quinta-feira, 10 de junho de 2004

Bem-vindos ao admirável mundo novo dos hospitais-empresa

O meu pai passou esta noite no hospital.

Uma diabetes recém-descoberta, com níveis de glicémia que em análises realizadas há algum tempo eram acima do máximo, mas não muito, mas que entretanto tinham já subido para mais de quatro vezes o máximo, levou-o, primeiro, ao centro de saúde e, depois, às urgências do Hospital do Barlavento Algarvio, onde acabou por ficar internado para observação.

Já saiu, felizmente, com uma receita e instruções vagas sobre o que pode e não pode comer daqui para a frente.

Chegado cá fora, contou-nos a noite que passou.

Uma maca, num corredor, serviu de cama. Um corredor movimentado e, obviamente, bem iluminado, por onde passaram pessoas a noite inteira. Um corredor por onde também se passeou uma corrente de ar frio a noite inteira. Ele, vestido com um pijama fino do hospital, teve direito a um lençol como cobertura e nada mais. Diz que passou frio a noite inteira.

Também passou sede a noite inteira, apesar de a sua ficha dizer explicitamente que precisava de bastante água. Não lha deram. Ou antes, deram um par de garrafinhas pequenas e nada mais.

Também passou fome, apesar do soro, porque o pequeno-almoço chegou já bem depois das 10 de manhã.

E teria ficado entregue à miopia, a tentar adivinhar o que se passava em volta de si pela interpretação do significado de vultos desfocados, se não tivesse exigido (e conhecendo-o, deve ter sido um espectáculo ruidoso) ficar com os óculos. Queriam tirar-lhos. São normas, diziam.

Eu não vi nada disto. Como quando deixam entrar alguém para falar com os doentes é só uma pessoa, fiquei cá fora, à espera, enquanto a minha mãe tratava do que havia a tratar. À espera e na mais absoluta ignorância porque não há ninguém disponível para explicar a quem espera o que se vai passando lá dentro e porque é que as coisas demoram horas.

Para as estatísticas, contam os números: um doente internado, uma dormida, uma alta. Análises ao sangue. Soro, x litros. Duas garrafas de água. Um iogurte.

Poupadinho.

Bem-vindos ao admirável mundo novo dos hospitais SA. Vão-se mentalizando, porque de futuro serão todos assim.

Já devemos estar perto do Euro, não é?

É que só esta noite houve dois acidentes de viação na minha rua...

Hospitais

Os hospitais são lugares sombrios. E a iluminação brilhante só lhes acentua essa qualidade.

quarta-feira, 9 de junho de 2004

Na morte de Sousa Franco

Na morte de Sousa Franco o que verdadeiramente choca não é a morte. Esta acontece todos os dias, a todas as horas, em todos os lugares. Para os que ficam, quando é inesperada talvez doa mais, mas para o que vai é muito melhor assim do que passar meses, por vezes anos, em sofrimento, apenas à espera dela, como tantas vezes acontece. A morte choca sempre pelo irremediável que representa, mas não devia chocar mais quando atinge um candidato a um lugar no Parlamento Europeu do que quando bate à porta de um sem-abrigo. O que se perde é igual, especialmente para quem é realmente atingido pelo acontecimento. Nós, só o vemos, sempre de muito longe, sempre sem qualquer capacidade de imaginar o que ele significa para quem parte.

Mas a verdade é que a morte de Sousa Franco chocou mais do que a maior parte das outras mortes. Não pela morte em si. Essa foi uma boa morte, pelo menos tanto quanto uma morte pode ter de bom. Mas sim pela imensa hipocrisia dos que ontem ainda o insultavam e hoje, de repente, lhe vislumbram todas as qualidades. É como se as pessoas só valessem a pena estar vivas depois de mortas.

Nojo.

terça-feira, 8 de junho de 2004

A Lâmpada por email

Pessoal, estava aqui a pensar... haverá interesse em receber a Lâmpada por email? É-me relativamente fácil pôr o envio por email a funcionar e — sim, já testei — o sistema até que funciona bastante bem.

Críticas e catalogações

Um par de comentários do Boemius (é sina ;) ) a este post deu-me vontade de escrever umas coisas sobre "críticas e catalogações", como ele lhes chamou.

Do modo como eu vejo estas coisas, quer uma quer a outra são úteis para um enquadramento mas não são absolutas. Que quero eu dizer com isto?

Que, por exemplo, a crítica pode ter, para o escritor, a vantagem de lhe colocar à frente intepretações e problemas da sua obra de que poderia não estar consciente à partida, o que o ajuda a ajustar melhor o que escreve, e como escreve o que escreve, àquilo que pretende escrever, mas que não é absoluta na medida em que nunca é totalmente verdadeira. Seja ou não arrasadora, seja ou não ultra-elogiosa, dê ou não no cravo e na ferradura. Também para os leitores, a crítica não é absoluta, porque o gosto e a sensibilidade de cada um determinam em grande medida aquilo que obtém de uma obra. Mas pode dar dicas importantes, especialmente se o leitor tem afinidades com o crítico e sabe disso.

(é por isto, já agora, que é tão importante que a crítica seja honesta: um crítico que adapte as suas críticas às conveniências do momento não tem utilidade para ninguém, a não ser, talvez, para si próprio)

Quanto a críticas desenvolvidas vs. gosto/não gosto, do meu ponto de vista nem sempre é mais útil uma crítica desenvolvida. Já me têm sido mais úteis críticas de leitores que não sabem muito de determinado assunto ou género mas que foram capazes de me dizer se gostaram ou não e de me explicar porquê do que críticas muito desenvolvidas por pessoas muito conhecedoras. É aqui que bate o ponto principal: no porquê. Quando não existem porquês, a utilidade não é muita, mas quando existem, tudo muda.

Neste caso, por acaso, não é bem isso que acontece: a crítica desenvolvida do Luís foi-me muito útil: permitiu-me pensar um bocado mais profundamente no que quero e posso fazer com esta aventura meio inconsciente em que me meti. E de a explicar melhor, também, a quem lê.

Quanto aos rótulos, passa-se algo de semelhante. Parece-me que a maior parte das pessoas encara rótulos como caixinhas onde se metem as obras que, depois de serem lá enfiadas já não podem ir para nenhum lado. Esta categorização absoluta parece-me muito errada. Para mim, um rótulo é uma de muitas categorizações possíveis, e dizer que determinado texto é FC não exclui de modo algum que ele possa também ser uma série de outras coisas. É preciso aplicar aqui um pouco de teoria de conjuntos.

Para ilustrar o que quero dizer, costumo servir-me de uma analogia: Em Terragrande havia uma série de árvores, uma das quais, um ulmeiro, crescia junto ao riacho. Esse ulmeiro pertencia ao conjunto dos ulmeiros, obviamente, que é um subconjunto do conjunto das árvores. Também pertencia ao conjunto das árvores que cresciam em Terragrande (outro subconjunto das árvores). Como servia para os putos da terra mergulharem no riacho, pertencia também ao conjunto dos auxiliares de brincadeira. O Zé, quando se apaixonou pela Mafalda, deixou gravado na casca do ulmeiro a primeira mensagem de amor, a que se seguiram mais vinte e sete, transformando o ulmeiro num membro do conjunto dos meios de comunicação. E etc. Aquele ulmeiro, apesar de ser ulmeiro era também uma vasta série de outras coisas.

Assim são os meus contos, espero: FC, mas também uma série de outras coisas.

segunda-feira, 7 de junho de 2004

E viva o PÚBLICO e a sua promoção da leitura!

... ou será que não?

Quando um jornal de grande circulação como o PÚBLICO se põe a editar livros a baixo custo, em princípio a notícia é boa. Apesar de o objectivo principal ser, como é óbvio, vender mais jornais, a iniciativa não deixa de ter o efeito secundário de levar a muita gente literatura com que talvez de outro modo não contactasse. E isso é bom, mesmo quando não se concorda inteiramente com o critério seguido na selecção dos títulos.

Quando o mesmo jornal resolve embarcar numa iniciativa paralela, desta feita editando livros destinados à juventude, de novo a notícia parece boa. Promover os livros e a leitura junto dos mais novos é uma óptima ideia. Em princípio.

Foi, portanto, com um sorriso nos lábios que cá em casa se foi ao quisque comprar o jornal que trazia o primeiro número (grátis) da nova colecção do PÚBLICO: A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Júlio Verne.

Mas quando abrimos o livro, estremecemos de susto. Não vos digo porquê: deixo-vos apenas algumas citações retiradas das primeiras páginas do romance, prosa imortal de Júlio Verne e de uma tal Lúcia do Carmo Cabrita Harris. Os negritos são meus:

- Página 7 (tudo no mesmo parágrafo): "Ele vivia sozinho [...]. Ele somente precisava [...]. Ele almoçava e jantava [...]. Ele nunca fazia uso das salas acolhedoras [...]" e etc.

- Ainda na página 7: "[...] na galeria circular com a sua abóbora suportada por vinte colunas iónicas de porfírio vermelho [...]"

- Página 15: "Phileas Fogg, tendo fechado a porta de sua casa dele [...]"

Estão a ver, não estão? Não lemos o livro até ao fim. Não compraremos nenhum livro desta colecção. Desaconselhamos toda a gente a arriscar o seu dinheiro, por pouco que seja, nestes livros. Em vez de promover a leitura, esta colecção arrisca-se, sim, a promover a ignorância da língua portuguesa.

domingo, 6 de junho de 2004

E lá se foi o Reagan

E lá morreu o Reagan. Fica na história como o melhor presidente republicano que os Estados Unidos tiveram dos anos 70 a esta parte, o que diz mais sobre a completa ausência de qualidade dos outros do que sobre qualidades próprias. Quanto a estas, teve a grandeza necessária para aceitar a mão que Gorbatchov lhe estendeu com insistência do lado de lá do Muro de Berlim, coisa que o idiota actualmente no poder nunca faria. De resto, foi um típico presidente republicano: espalhou e apoiou monstros por todo o planeta, de Noriega à Al Qaeda, passando por Saddam Hussein.

Agora, que a terra lhe seja leve.

sábado, 5 de junho de 2004

Ena, ena, uma crítica à séria!

E esta, hein? O Luís acabou de publicar uma crítica à séria sobre "A Vida Bela de Klaus Miragata" e, por extensão, também sobre os dois contos anteriores. Nunca pensei que isto desse para escrever tanto, pá. Mas antes disso, vão lá ler, rapazes, andem. Podem ir à confiança, que ele não me passa a mão pelo pêlo.

Já leram? OK, então deixem-me comentar a crítica. Como disse, ele não me passa a mão pelo pêlo... e assim é que eu gosto.

Mas acho que o Luís comete um erro: trata as spam fictions como trabalhos acabados. Não o são, como não me canso de repetir: são esboços, minimamente coerentes, minimamente trabalhados para serem disponibilizados na Lâmpada, mas que precisam de muito trabalho extra para se transformarem em trabalhos acabados. Faltam todas as revisões que o distanciamento torna eficientes no expurgar de erros e na clarificação de conceitos.

Dito isto, a crítica é interessante e levanta alguns pontos dignos de atenção. Um deles é o individualismo. Outro é o enquadramento enquanto FC de algumas destas coisas. Há mais, mas vou só falar destes dois, para não estender isto em demasia.

Um projecto deste género tem algumas condicionantes à partida. Os contos não podem ser grandes, porque não há tempo suficiente numa semana para reunir ideias e escrever um conto grande; Pelo mesmo motivo, os contos não podem ser muito elaborados e têm de seguir uma linha relativamente simples, sem gastar demasiado tempo e número de palavras com enquadramentos muito exóticos ou com enredos ou personagens muito complexos, até porque eu não pretendo escrever para especialistas em FC mas sim para um público variado, com graus de experiência e de expectativas muito díspares no género.

O individualismo vem daí. É uma forma "barata" de captar a identificação dos leitores com uma personagem sem ter de dispersar atenções, esforço e texto por várias. E é também uma forma de enquadrar os exotismos que surjam sem afugentar leitores... o que nos leva à questão de ser, ou não, FC.

O motivo por que eu digo que estes contos (os três) são FC é simplesmente porque não concordo com a ideia de que a FC se tenha de reger, necessariamente, por um código em que a estranheza impera. Não. Aliás, penso mesmo que por vezes há FC que peca por excesso de estranheza, que destrói a verosimilhança, fundamental para suspender a descrença. E quando contos de futuro próximo são demasiado estranhos, é isso mesmo que acontece. Ora, é isso que são as spam fictions 3 e 4: contos de futuro próximo, e portanto a sua paisagem tem necessariamente de nos ser muito familiar. Mas não deixam de ser FC por isso. Muito menos deixam de ser contos, logo literatura, por serem FC.

Diria mesmo mais: há falta na FC de mais literatura do quotidiano, de mais literatura que nos apresente o modo como personagens vulgares interagem com o seu ambiente invulgar. Parte da crise da FC tem precisamente essa origem: demasiadas personagens extraordinárias em ambientes extraordinários tornam-se repetitivas e cansativas. Os leitores fartam-se. E partem para outra.

Mas enfim, isto já vai longo e já estou a pregar seca. O meu objectivo com a spam fiction é criar contos que resultem, independentemente de todos os condicionalismos e proposições teóricas, e mesmo sob a forma de esboço. Se o conseguir, ficarei satisfeito. É essa a base indispensável para desenvolvimentos futuros, aperfeiçoamentos. Mas esses ficam para mais tarde.

sexta-feira, 4 de junho de 2004

Ainda a spamesia

Comecei uma tarefa que irá demorar algum tempo: a construção de um índice da spamesia publicada aqui na Lâmpada Mágica. Para já, os 20 primeiros spamemas estão directamente linkados da página de arquivo, que foi totalmente reformulada e irá transformar-se assim numa espécie de arquivo temático manual. Como é manual (outros sistemas fazem isto automaticamente, mas o blogger não faz), é coisa para se ir fazendo aos poucos — não há paciência que chegue para encontrar duma vez só 366 links e títulos...

Vão visitando os arquivos de vez em quando, se estiverem interessados na coisa...

Sobre "A Vida Bela de Klaus Miragata"

De novo, há pouco a dizer sobre a spam fiction da semana. Volta a ser FC, volta a ser futuro próximo, desta vez numa atmosfera diferente, que não está muito longe da vivência de muita gente que vive em cidades grandes, ou até médias. Não há nada ali que me pareça que necessite de uma explicação a não-iniciados, portanto resta-me dizer que espero que gostem de mais este esboço.

Spam fiction (4)

A vida bela de Klaus Miragata


Baseado num spam intitulado "A vida e bela que por vez cai no cão" (sic)


Klaus sai já quase seco do cubículo a que chama duche. Vem ainda com restos de sabão pegados ao corpo, como todas as manhãs. A água nunca é suficiente, até porque ele aproveita sempre o banho para beber alguma. A água anda cara e escassa; há que aproveitar. Klaus olha para a janela. O remoinho pálido da manhã olha para ele, da janela, dizendo-lhe que é tarde, como de costume, como se fosse necessário. Klaus esfrega-se na toalha imunda, com o vago asco de todos os dias, um asco que já é quase uma segunda natureza, como que uma armadura que lhe reveste os poros para impedir a sujidade de entrar.
Klaus engole à pressa os flocos. Coisas brancas e secas, sem sabor, ou então com sabor a papel temperado com plástico em pó. Uma merda.
Klaus já devia estar habituado. Não está. Não parece haver maneira de se habituar a levantar-se sempre tarde, tomar banhos que nunca chegam a limpá-lo, apressado pelo tiquetaque subjectivo, mas impiedoso, do relógio embutido no pulso, que lhe destila urgência para as veias, passar a vida com sede, ou com fome, ou com sede e fome ao mesmo tempo, enquanto o corpo se desfaz em comichões, como se em vez de pele os seus músculos estivessem cobertos por uma membrana de parasitas.
E se calhar estão mesmo. Há por aí uma nova estirpe de ácaros, diz-se, dez vezes mais agressiva que os velhos causadores de alergias, diz-se.
Diz-se.
Diz-se tanta coisa...
Klaus sai do seu apartamento para o calor húmido da madrugada. Vai a pé até à paragem do electrocarro, mistura-se com a multidão, discreto, procurando passar à frente dos demais sem que ninguém dê por isso. Mas alguém repara no movimento, como sempre acontece. Nas ruas sobrepovoadas, os comportamentos alheios são vigiados com olhos penetrantes como os de falcões, capazes de detectar e interpretar os mais invisíveis dos sinais. Klaus é assediado por insultos, ameaças e cotoveladas e até por uma ponta de um cigarrino de canábis que lhe chamusca o cabelo da nuca. Aos insultos e ameaças, e mesmo às cotoveladas, Klaus responde quase sempre com indiferença. Mas esta é forçada, falsa, pouco mais que máscara e, por isso, por vezes cai, libertando a violência subjacente, especialmente quando aos insultos, ameaças e cotoveladas se acrescenta qualquer coisa.
Como agora. Klaus estende o braço, mão cerrada em punho, e esmurra quem lhe atirou a beata. Uma pancada seca e forte, na boca do estômago, e um olhar furioso, deixam o outro sem resposta, um pouco dobrado sobre si próprio, mas não muito para não dar parte de fraco.
Nas ruas, dar parte de fraco é perigoso.
Klaus sente-se filho de puta. E não gosta nada de sentir-se filho de puta. Nada.
Mas a vida é bela. A vida é bela.
O electrocarro chega, e Klaus consegue entrar. Começa a suar quase de imediato, ou então são os corpos dos vizinhos que suam por ele, enchendo-lhe os poros de gotículas, ajudando a que estas se agreguem em gotas e fazendo com que estas, por sua vez, se transfiram para a camisa de tecido grosseiro, alastrando por ela em grandes manchas escuras que se agarram à pele (aos ácaros?) como cola líquida.
A viagem é longa e incómoda, feita de empurrões e sacolejos, à medida que o electrocarro se vai tentando desviar dos buracos maiores, só para ir cair nos mais pequenos. Klaus agarra-se aos vizinhos para não cair. É sempre assim. As viagens nos electrocarros são uma náusea de encontrões, os passageiros transformados numa mole humana que quase se funde numa massa única de carne, pêlos e piolhos, intercalada de cabeças que tentam manter, a custo, alguma individualidade.
Cada paragem é um alívio para quem sai e uma ocasião para quem fica fornecer um exemplo prático das leis que regem os movimentos dos líquidos, à medida que as novas partículas dos passageiros que entram procuram encontrar maneira de preencher o espaço deixado vago pelos passageiros que saem.
Caos browniano em todo o seu esplendor. E com bónus: fede.
O electrocarro sacoleja por fim até à paragem de Klaus, que fura para a saída com a eficiência de uma vida de prática. Alívio. Mas alívio que não dura: o electrocarro chegou atrasado, como sempre, e Klaus tem menos de um minuto para chegar ao escritório.
Corre.
Depressa abranda.
A língua começa a secar-lhe na boca, e ele sabe que não terá água tão cedo, portanto acaba por parar numa sombra até recuperar o fôlego. O calor é uma manta que sufoca. O ar que lhe entra nos pulmões vem ardente e pesado de cheiros a substâncias insalubres. Não ajuda muito. A sede aperta.
O relógio embutido no pulso começa a estremecer. Está na hora. Deveria estar nesse momento a sentar-se e a estender as mãos para o equipamento.
É a terceira vez esta semana.
Corre.
Minuto e meio depois, de novo respirando com força e suando copiosamente, Klaus senta-se no seu cubículo: um monitor, um teclado, um equipamento de RV e uma cadeira. A paisagem de todos os dias durante dez horas. Mas hoje, preso no teclado, entre duas filas de teclas, está uma novidade. Um cartão de plástico com um garatujo:
"Miragata, favor aprezentesse no xkritório nº 11, logo de manhã"
Klaus relê o recado. Não compreendeu à primeira (favor quê?), mas o jogo de equivalências fonéticas que é obrigado a fazer finalmente dá os seus frutos.
Fica ainda uns minutos sentado, a recuperar completamente o fôlego, à espera que o seu metabolismo deixe de produzir calor em excesso e que as suas glândulas sudoríparas se aquietem. Não é boa ideia chegar ao escritório 11 encharcado. No 11, quanto mais fresco e descontraído se entrar, melhor é.
O ideal, claro, seria não entrar nunca no 11.
Mas a vida é bela.
Pouco depois, Klaus passa os dedos pelos cabelos, alarga a gola da camisa e abana-a, tentando fazer fugir o cheiro e os outros sinais do suor. Mas está muito calor, suar um pouco é natural, e Klaus levanta-se.
O escritório 11 é uma sala ampla, sem janelas, com um écran gigantesco a cobrir duas paredes, parte dele ocupado com uma vista aérea da cidade, a outra parte fragmentada em centenas de imagens individuais de cubículos individuais. Uma mesa enorme, em forma de L, ocupa o centro da sala, e sentado por trás dela, o Shiva parece resumir-se a uma careca enquanto digita qualquer coisa no teclado.
Klaus fica à espera, à soleira, que o outro resolva reparar nele.
Demora.
Mas enfim acontece:
— Ah, Miragata, estava à tua espera. Senta-te, senta-te. É só um pedaço.
Klaus senta-se e espera, em silêncio. O 11 é normalmente um sítio silencioso. Um sítio onde se ouve e não se fala.
O Shiva finalmente termina o que quer que estava a fazer e ergue os olhinhos de rato para Klaus:
— Miragata, imagino que não sabes porque é que te chamámos para aqui.
A língua que este gajo fala é pavorosa, pensa Klaus, e responde-lhe com um sorriso, dúvida e sabedoria de vida ao mesmo tempo, e com um gesto vago com a mão. Tudo em silêncio.
Na vida bela o silêncio é de ouro.
— Óptimo, óptimo — diz o outro, também ele com um sorriso nos lábios cobertos de feridas. — Miragata, és um bom elemento, mesmo de chegares atrasado ao trabalho muitas vezes.
Klaus esboça um gesto vago de desculpas.
— Eu sei, eu sei — atalha Shiva. — Os transportes são maus e nunca chegam a horas. Eu sei. Eu disse que és um bom elemento. Mas a verdade é que a empresa está em reestruturação — continua, de olhos baixos, como se estivesse a ler estas frases de um guião. — O novo software veio diminuir a necessidade de controladores, e estamos a reavaliar a nossa necessidade de pessoal. Além disso, todos os nossos concorrentes trabalham exclusivamente em teletrabalho. Nós escolhemos o método antigo por uma série de razões que não vêm ao caso, mas a administração acha agora que foi uma má ideia e quer mudar tudo. Portanto, estamos a ver alternativas.
Shiva pára de falar, ergue os olhos para Klaus e fica à espera. Este acena mas mantém-se em silêncio.
— Que dizias de ires trabalhar para casa? A companhia empresta-te o teu equipamento e tu fazes todo o teu trabalho em casa, à tua vontade, sem transportes nem chatices.
Era uma pergunta directa. A esta Klaus tinha de responder.
— E qual é a alternativa?
Shiva encolhe os ombros e abre os braços e volta a olhar para baixo:
— Acho que não ias gostar da alternativa. Digo-te só que estas instalações vão fechar para obras e depois serão vendidas para cobrir os custos das viagens deste ano da administração. Segundo os relatórios de desempenho, a representação da empresa nos congressos de Saaremaa, San Andrés e Tokelau saiu cara este ano, e as mais-valias lá obtidas não compensaram. — Shiva volta a erguer os olhos. Atrás deles vinha um sorriso diagonal, com uma ponta de desprezo — É o que acontece quando se leva a administração toda para as ilhas do Pacífico, mais secretariado e electroassistentes, mas pronto...
Klaus fica calado. O teste de lealdade era demasiado óbvio.
— Muito bem, muito bem. Adiante. Como vais passar a não estares presente aqui no escritório, o teu salário vai passar a ser calculado na base dos objectivos, como é natural. Se trabalhares bem, até pode ser que ganhes um bocado mais do que tens ganhado antes.
— Quanto?
A testa do outro franze-se com a pergunta directa. Mas diz quanto.
Klaus faz contas de cabeça. Sem contar com o que ia gastar a mais em energia, água e alimentação, ia ter de passar a trabalhar quase onze horas por dia para ganhar o mesmo.
Negócio de merda.
— Tenho tempo para pensar na proposta?
Shiva volta a baixar a cabeça:
— A administração quer resolver este assunto tão depressa quanto possível, de modo que preferíamos uma resposta já. Até porque isto, no fundo, é uma promoção. Quem não gostaria de ser dono do seu próprio tempo?
Então ele é isso. Querem que não haja tempo para pensar, pesar prós e contras, fazer contas, para que os empregados mordam a isca de serem donos de si mesmos e não se apercebam de que, para a empresa e para eles próprios, o negócio vai muito para além disso.
A vida é dura nas ruas. Mas quando se vive em escravatura voluntária no limiar da sobrevivência qualquer redução nos rendimentos pode pesar mais do que o medo.
Por outro lado, há o medo. Da mudança, do desconhecido, da violência, da fome. Da morte. Da morte dolorosa.
Klaus volta a fazer contas de cabeça, tentando, desta vez, contar com todos os factores.
Sim, é mesmo um negócio de merda.
Mas tem de aceitá-lo. Antes algum rendimento que nenhum, antes comer uma vez por dia papel temperado com plástico em pó do que ter de...
Até pensar nisso é difícil. Parece que o cérebro se recusa, como se alucinasse com flores onde só há lixo, como se bloqueasse o que é desagradável, o que põe em causa a esperança, o que dói.
Tem de ser. Pelo menos durante algum tempo. Pelo menos até arranjar qualquer outra coisa. Pelo menos...
Shiva interrompe-o:
— Então? Estou à espera. Não tenho todo o dia para falar contigo.
Que se lixe, pensa Klaus.
A vida é bela.
— Diz à tua administração, Shiva — diz, enquanto se levanta — que pode enfiar a promoção no olho do cu. De preferência num congresso qualquer no Taiti.
E sai, fechando com cuidado a porta atrás de si.

terça-feira, 1 de junho de 2004

E já tenho traquebaque!

... e já podia ter há muito tempo, se tivesse reparado, quando me inscrevi no Haloscan, que os tipos tinham também serviço de traquebaque. Distraído, distraído...

Também já tenho feed funcional. Ah, pois, A Lâmpada Mágica acabou de chegar ao século XXI. Agora só falta fazer umas alterações pequeninas no template para vos dar o endereço. É só Atom, mas encontrei um programinha freeware que trata do assunto: o BottomFeeder. Simples, levezinho e em desenvolvimento.

Pronto, Boemius, já tá.