terça-feira, 25 de outubro de 2005

Sobre o Glossário da Sociedade da Informação

Há um par de dias ouvi pela primeira vez falar de uma coisa que eu, em princípio, achava utilíssima e que já fazia falta há muito, muito tempo. É que sou, há muito, defensor de que todos lucraríamos com uma adaptação bem feita da miríade de anglicismos que nos têm entrado à martelada na língua por via da informática. Defendo, entre outras coisas, que os brasileiros deviam deixar-se de "mouses" a adoptar o nosso "rato" e que é bom que nós paremos de falar em barbarismos como "dauneloudear" ou "fazer dauneloude" e adoptar o "baixar" brasileiro duma vez por todas.

Hoje, resolvi ir lá ver que tal era, afinal, o novíssimo Glossário da Sociedade da Informação, formal e academicamente disponível aqui (em PDF).

Aparentemente, o glossário junta terminologia bem estabelecida, descrevendo o significado e indicando o equivalente (ou a ascendência) inglês a tentativas de tradução e adaptação de termos que nós teimamos em usar em inglês. Parece bem feito, em geral, mas padece de um enorme defeito que, na minha modesta opinião, irá corroer grande parte da sua eficácia.

Para explicar melhor, deixem-me divagar um pouco. Tudo na minha modestíssima opinião, bem entendido.

Uma das forças da língua inglesa, e um dos motivos por que se presta tanto à penetração noutros idiomas (àparte o poderio comercial de coisas como a música ou o audiovisual) é a facilidade, o à-vontade e mesmo o humor com que integra e desenvolve neologismos ou adapta palavras para tudo quanto surja de novo. "Bit" é simplesmente uma nova palavra que resulta da contracção de "binary digit", o seja "dígito binário". "Byte", por seu lado, significa "mordida" e é um caso de aplicação cheia de humor de uma palavra pré-existente a um novo conceito por via da sua semelhança fonética e gráfica com o neologismo bit. Se fôssemos transpor esta filosofia para o português, ao bit chamaríamos "dib", e ao byte "bibe", ou algo de semelhante (um bibe, afinal, é algo usado pelos putos).

Mas no português não temos essa tradição. Especialmente em Portugal. Tratamos a língua de um modo demasiado sisudo, demasiado sacrossanto, demasiado inflexível na plasticidade que as palavras poderiam ter. A excepção são as camadas mais marginalizadas, onde surgem gírias e termos novos que, no entanto, é raro atravessarem a barreira da exclusão e entrarem no léxico comum, muito menos em léxicos especializados como o informático. O Brasil, nisso, tem a grande vantagem de ser mais aberto à experimentação, mas a verdade é que os resultados são frequentemente catastróficos, porque em vez de se basearem no conhecimento da língua se baseiam principalmente na sua ignorância. O mesmo, diga-se de passagem, aconteceria em Portugal caso por cá arriscássemos mais. Se há coisa que nos une aos brasileiros é o nosso fraco conhecimento da língua que partilhamos.

Além disso, em Portugal há muito quem tenha orgasmos quando consegue complicar o que é simples.

E é assim que no tal glossário que é o tema deste post aparecem termos como "administrador web" (para "webmaster" - e podia ser-se tão criativo com "webmaster"), "análise criptográfica" (para "criptoanalysis" - mas que mal tem "criptoanálise"?!), "barreira de segurança" (para "firewall"), "caixa de envio" (para "outbox"), "centro de atendimento" (para "call center"), etc., etc.

Se repararem bem, todos estes exemplos têm uma coisa em comum. Ou antes: duas. Em primeiro lugar são traduções sem qualquer imaginação. Em segundo, as expressões portuguesas são maiores que as inglesas. E este último facto é quase omnipresente em todo o glossário, com raríssimas excepções.

Ora, como os feitores do glossário tinham obrigação de saber, a língua, especialmente a oral (que é a que realmente interessa), é preguiçosa. Tende a seguir atalhos sempre que os encontra, para poupar tempo e esforço. E é por esse motivo que ninguém dirá coisas como "administrador web" quando pode dizer "webmaster". Só se tivesse de enrolar muito a língua, o que não é o caso (facilmente se pronuncia a palavra "uebmasster"). E é por isso que me parece que este glossário será em grande medida ineficaz. Toda a gente continuará a preferir "email" a "correio electrónico" ou "e-trade" a "trocas comerciais electrónicas" (gah!) por falta de uma alternativa realmente boa. E isso, é uma pena.

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