domingo, 2 de novembro de 2008

Escrever, para quem?

De tudo o que aqui é dito (refiro-me, naturalmente, ao filme) uma coisa, acima de todas, vale a pena reter. Está mesmo no fim. Bradbury descobriu a dado ponto da sua carreira que o escritor não escreve para Fulano ou Beltrano; escreve para si próprio.

Por mais que custe aos egos dos leitores, que gostam de estabelecer uma relação quase pessoal com o escritor que escreve aquelas coisas que os tocam, por vezes, tão profundamente, é isso mesmo. Escritor que tente escrever para os outros é escritor que nunca deixará de ser medíocre, que nunca deixará de se limitar à superfície das coisas. Só escrevendo para si próprio é possível atingir a grandeza. Não que escrever para si a torne inevitável, longe disso, mas é a única coisa que a torna possível.

O mistério da escrita é muitas vezes esse. Como é que se passa de algo feito para si próprio, de algo capaz de satisfazer o crítico interno, capaz de tocar o nosso próprio âmago, para algo que desperte a curiosidade, o interesse, a apreciação e, nos casos mais bem sucedidos, a devoção, de outras pessoas. Desvendar este mistério tornaria a vida de toda a gente envolvida no grande mundo da literatura muito mais fácil. Falo por mim, que apesar de ter já passado por experiências semelhantes à que o Bradbury descreve, de terminar um conto e não propriamente rebentar em lágrimas mas sentir aquele aperto no peito que é o estágio imediatamente anterior (com este conto, por exemplo; aquela avó deve andar mesmo pelo lugar para onde vão as coisas que desaparecem), nunca consegui uma ligação tão forte, nem de perto nem de longe, como a que ele consegue estabelecer com os seus leitores. E escrevo para mim. Ou seja, sou a prova viva de que isso é importante, mas não chega.

Mesmo quando escrevo disparates, escrevo-os para mim. O Por Vós lhe Mandarei Embaixadores foi escrito para me divertir (e divertiu e continua a divertir), e também para resolver um velho trauma que a escola me causou ao obrigar-me à particularmente estúpida actividade de dividir orações nos Lusíadas. Resta saber é se diverte mais alguém. E se toda aquela brincadeira em volta do Camões tem interesse para alguém além de mim.

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