sábado, 7 de março de 2009

Semana

Tenho de arranjar tempo para escrever uns posts que tenho aqui já matutados na cabeça. Isso e mais uma série de coisas. Contos, e tal. Mas enquanto não dá, a Lâmpada vai ter de continuar reduzida a estes updates semanais e a pouco mais. Para compensar, acrescentei ali ao fundo da barra da direita uma caixinha nova com os updates que vou fazendo no meu twitter.

Para mim, o twitter tem uma grande vantagem sobre o blog tradicional: serve para comunicação directa com as pessoas, quase em regime de mensagens instantâneas, para pensamentos rápidos, para desopilar e aliviar a pressão intelectual do trabalho, para disparatar à vontade. Desde que tenho twitter, nunca mais houve aqui na Lâmpada posts curtos de uma ou duas linhas, que constituíram uma boa percentagem do conteúdo deste blogue em certas fases da sua vida: isso foi transferido para o twitter. Aqui ficou apenas aquilo que não pode ser dito num instante. E como aquilo que não pode ser dito num instante também não pode ser pensado num instante, o conteúdo actual da Lâmpada exige tempo. Que é coisa que não abunda.

Mas divago. Este post pretende ser sobre a semana que passou.

Passou a traduzir, naturalmente. O saldo, contudo, foi fraco: só 45 páginas. Estou FARTO, assim mesmo, em maiúsculas, itálico e negrito, de viver rodeado por gente que acha que pode fazer o escarcéu que lhe dá na real gana às horas que muito bem entende, e mais farto ainda das leis deste país serem uma merda que não protege quem precisa de sossego porque trabalhar, para nós, significa usar o cérebro, o que implica concentração e exige noites bem dormidas, o que implica silêncio. Tivesse eu dinheiro, e mudava-me para o campo. Ontem.

Sim, que furar os tímpanos é capaz de ser solução demasiado radical.

Adiante. O wiki subiu para 15 857 páginas, com uma ajudinha dum amigo, o que equivale a 63 novidades. Também não é grande coisa.

Só nas leituras a semana foi igual às outras.

Terminei um romance bastante bom de ficção científica ciberpunk. Snow Crash, de Neal Stephenson, que em português recebeu o disparatadíssimo título de Samurai: Nome de Código. Uma idiotice, este título, capaz de fazer supor o pior da tradução, mas quem culpar o tradutor está a cometer uma tremenda injustiça, pois a tradução, que não é fácil, está muito boa, e tudo indica que o título não foi da responsabilidade do tradutor e sim da editora. Cheguei a essa conclusão sherlockianamente, mas para explicar isto vou falar um pouco do livro.

O romance conta a história de um hacker, Hiro Protagonista, que se vê envolvido numa movimentada trama em que se mistura a vida real passada nuns Estados Unidos pulverizados anarquicamente numa imensidão de minúsculos estados soberanos corporativos, e uma realidade virtual chamada "metaverso", e mete cultos antigos, umas ideias malucas do Stephenson sobre neurolinguística e os paralelismos entre a programação de computadores e a do cérebro. Tudo sustentado por uma súbita infecção de um terrível vírus que infecta tanto computadores como cérebros, a que ele chamou, precisamente, "snow crash". É esta infecção que constitui a linha dorsal do romance, motivo pelo qual o Stephenson escolheu o nome do vírus para título do livro.

Na tradução portuguesa, o tradutor decidiu chamar ao vírus "nevão marado". Assim, a seco, é uma opção discutível, mas perfeitamente compreensível dada a dificuldade de traduzir numa palavra suficientemente ágil o conceito de crash informático (motivo que leva, aliás, toda a gente a dizer coisas como "o computador crashou"). Lendo-se o livro, compreende-se que essa opção joga perfeitamente com todo o estilo do texto. E ao chegar ao fim, se se lerem os agradecimentos, lê-se uma frase que começa com "Para terminar, depois da saída da primeira edição de Nevão Marado [...]", o que indica que foi esse o título escolhido, correctamente, pelo tradutor. Aparentemente, a editora teve medo dum título assim tão iconoclasta. E alterou-o para o absurdo que ficou. Sem alterá-lo onde aparecia no corpo do livro, o que também é típico.

Esquecendo o título português, o livro é muito bom. Bem traduzido, bem concebido e bem concretizado, encontro-lhe apenas dois defeitos: torna-se algo maçudo durante os infodumps que Stephenson usa para explicar as ideias que o levaram a esta história (e as ideias são suficientemente estrambólicas para abalar significativamente a suspensão da descrença), e felizmente que só os introduziu depois de passar de meio, e, bem... ser ciberpunk, um estilo demasiado preso ao presente da época em que é escrito para continuar a funcionar bem enquanto FC alguns anos mais tarde. E Snow Crash foi publicado em 1992, já vai quase para vinte anos. Está demasiado repleto de anos 80.

E também li uns contos, não foi só o romance.

Um Natal há Cem Anos é uma pequena vinheta de José Saramago sobre a desilusão infantil de não se ser levado a sério. A identificação com o miúdo que tenta sem sucesso contar uma história aos adultos foi total. Julgo que algo de semelhante terá acontecido à maioria de nós em crianças. Muito bom.

Ylla, de Ray Bradbury, é um conto sobre o sonho e o ciúme. O Marte bradburiano está cheio de americanos, com algumas diferenças mas muito mais semelhanças com os seus compatriotas terrestres, e esta história é uma das que tornam isso mais evidente. O espantoso é ele conseguir safar-se com isso, graças a uma escrita de altíssima qualidade e a uma forma soberba de contar histórias.

Sete Andares, de Dino Buzzati, é um conto kafkiano que, em jeito de parábola sobre a vida, descreve o modo como um homem é internado com uma doença ligeira num sanatório, organizado por forma a que os casos mais leves fiquem no último dos sete andares e os irremediáveis no primeiro. Apesar de previsível desde as primeiras páginas, não deixa de ser um conto interessante.

Pick my Bones With Whispers, de Sally McBride, é uma óptima história de ficção científica, passada num mundo extraterrestre em estudo por um grupo de exploradores, que constituem uma sociedade isolada em que a generalidade dos membros se transferiu para a virtualidade, abandonando a biologia (mesmo assim transumanística, complementada com implantes cibernéticos e biónicos) excepto no que toca à reprodução. Vemos essa sociedade pelos olhos de uma jovem que vai ser forçada, por forças fora do seu controlo, a fazer o que não quer.

Lembra-se de mim?, de Ray Bradbury, é outra história mainstream sobre o encontro casual de dois americanos, vagamente conhecidos, em Itália. Nada de transcendente, sob todos os aspectos.

Finalmente, O Encontro no Sul, de Michel Jeury, é um conto fronteiriço entre a fantasia, o horror e a ficção científica, no qual um homem se vê compelido a procurar uma mulher que lhe invade o cérebro com um chamamento telepático a que ele não é capaz de resistir. Mas o mundo em que vive é um futuro violentamente distópico, no qual a noite está entregue a um banditismo mais ou menos institucionalizado. De modo que o homem vai encontrar a mulher mas não como estava à espera. Razoável.

E foi isso. Foi uma boa semana no que toca a leituras, mas má sob todos os outros aspectos. Oxalá a próxima seja melhor.

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