sábado, 30 de maio de 2009

Semana

E o tempo lá continua a minguar, os dias a fundir-se uns nos outros num continuum uniforme, e as semanas passam com a velocidade dum TGV, agora vem aí, e num instante vuuuch, já lá vai.

No livro restam 102 páginas. Duas semanas e picos, ou talvez simplesmente duas semanas, dependendo do estado da cabeça e do efeito que trouxerem os remates da nossa amiga Robin. O desta semana trouxe um poema. O último. Ficou porreiro, parece-me.

O wiki não tugiu nem buliu. Passou uma semana de férias. Às vezes tem de ser.

E no que toca a leituras, também não foram propriamente abundantes.

Li O Reflexo do Espelho, conto de Ray Bradbury com uma atmosfera vagamente mágica sobre as relações de dominância e submissão entre duas gémeas de meia idade. Este é mesmo muito bom.

E li A Novela da Chancela Negra, de Arthur Machen, novela que descreve as investigações de um cientista inglês, o qual descobre um artefacto com estranhas inscrições que lhe vai abrir as portas para algo de tenebroso, tudo contado por uma jovem arrolada por ele para lhe servir de testemunha. Gostei francamente mais do que de O Grande Deus Pã, apesar da estrutura desta história ser mais tradicional. Ressoou melhor cá dentro e manteve-me atento, em vez de me dar sono.

Li também Inspiração, de Victor Kolupaev, um conto fantástico sobre um operário que em tempos idos pintou e passadas décadas regressa ao seu antigo passatempo. Mas quando o quadro é exposto, todos os que o observam vêem coisas diferentes. É interessante, embora não seja memorável.

E li Tudo para Nada, conto surrealista de Rhys Hughes que parte do extravio de um pequeno cão e vai por aí fora com a textura dos sonhos mais desconexos, saltitando de tema em tema com a agilidade dum filme do Daffy Duck, embora sem nenhum do seu frenesim. Interessante, mas falta-lhe um fio condutor mais firme para me agradar mesmo a sério. O onirismo também pode ser excessivo.

E, resumidamente, foi isto. Agora com licença, que tenho aqui umas páginas a chamar por mim.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Books for sale at Amazon!


Um tweet do Luís Filipe Silva chamou-me a atenção para uma novidade interessante: A antologia Por Universos Nunca Dantes Navegados, que organizámos juntos e ele editou, está agora à venda na Amazon. Isto é interessante por vários motivos. Um deles é que, em princípio, o público potencial do livro se alarga bastante, visto que são muito mais as pessoas com conta na Amazon do que na Lulu. Mesmo apesar da taxa suplementar que a Amazon põe em cima do preço do livro. E recordo (ou informo) que esta antologia contém um conto meu e outro escrito a meias por mim e pelo meu pai. Além duma série de outras histórias porreirinhas.

Outro motivo é que se a PUNDN está na Amazon, talvez também lá esteja outra coisinha que eu cá sei? E uma pequena busca descobre que está, sim senhor.

Refiro-me a Os Pés e a Cabeça, um livrinho de pouco mais de 160 páginas onde reuni as cónicas que publiquei nos tempos em que ganhei a vida como jornalista no jornal Região Sul. Escuso-me a grandes descrições, uma vez que já o tinha descrito aqui, e não tenho grande coisa a acrescentar tanto à descrição, como à avaliação nada comercial que aí faço do livro e aos motivos que me levaram a publicá-lo. A página da Amazon é esta.

(Aliás, descubro agora que a Lulu já me tinha informado de que ia pôr o livro à venda na Amazon. Por email. Mas eu ando muito arredado do email. Duas mil mensagens por tratar são um repelente bastante eficiente. E por isso vão-se acumulando, e acumulando, e acumulando... vou ter de fazer algo a este respeito e depressa.)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Já anda por aí mais um dos meus

Segundo parece, já por aí anda nas livrarias, e em venda no próprio site, mais um livro cuja versão portuguesa me saiu dos dedos: O Punhal do Soberano, da Robin Hobb, segundo volume dum conjunto de cinco globalmente intitulado "A Saga do Assassino". No original eram três, mas embora o primeiro tenha um tamanho razoável os outros dois são enormes tijolões à volta das 700 páginas cada (na edição em mass market paperback com que trabalho), de modo que o total de livros na edição portuguesa subiu a cinco. 700 páginas de letra miudinha, texto denso e quase sem margens. Este é a primeira parte do Royal Assassin original.

Fantasia épica. E uma fantasia épica que não é pêra doce nenhuma de traduzir. Bem pelo contrário. Este deu-me uma trabalheira dos diabos, e o que se segue continua a dar. Só posso esperar que o resultado seja do agrado de quem compra.

sábado, 23 de maio de 2009

Semana

Bem, e cá estamos. Parece que o último sábado foi ontem ou anteontem, mas pelos vistos não foi. Para onde diabo voa o tempo?

Bem, um sítio para onde ele voa é o trabalho. Com 149 páginas a faltar para o fim, ele vai avançando a um ritmo estável, mas cada página tem um pouco (ou não tão pouco como isso) de tempo nela aninhado, entretecido nas fibras do papel que os leitores folhearão depois do livro publicado (lá para Setembro, acho eu).

Também voa um pouco para o wiki, que engordou mais 30 páginas, somando agora 16 380, ainda que já esteja parado há alguns dias.

E voa também para leituras, que nesta semana até que foram relativamente abundantes.

Para começar, acabei um romance bastante longo, 434 páginas de letra apertadinha: Regresso a Marte, de Ben Bova. Ficção científica, claro. Trata-se duma sequela a outro romance de Bova, intitulado (adivinhem) Marte, que tratava da primeira viagem tripulada ao planeta vermelho. Esta sequela descreve (adivinhem) a segunda viagem tripulada a Marte. Adivinharam? Vocês são mesmo bons nisto! É um original de 1999, de antes dos rovers marcianos e das sondas em órbita que revolucionaram o que sabemos sobre Marte, e como consequência já está algo ultrapassado pelos acontecimentos. Apesar disso é uma leitura interessante, que se lê bem. Não é um grande livro de FC, mas é um livro agradável e honesto, que tem no confronto entre a avidez do lucro e a vontade de preservar o património (natural ou não) o seu ponto mais forte. Gostei.

Mas se pensam que foi o único romance que acabei, desenganem-se, embora o outro faça parte duma colectânea. Falo de Poção de Marte, de Kir Bulitchev, um pequeno romance sobre aquilo que acontece a um grupo de habitantes duma cidadezinha da província soviética quando é descoberto por acaso um subterrâneo secreto onde se guardava uma garrafa com um líquido peculiar lá dentro. Vem a descobrir-se que esse líquido é uma poção da juventude, que terá vindo "de Marte", no dizer das duas misteriosas personagens que a andam a usar há 200 anos. Não é um bom romance. Começa de forma interessante e continua de forma interessante, mas quando nos preparamos para saber o que acontece àquelas pessoas quando partem para Moscovo a fim de tentar colocar a poção ao serviço da ciência, o romance acaba abruptamente com um final apressado, deixando um certo sabor amargo na boca. Em todo o caso vale pelo divertido retrato da cidadezinha e por personagens bastante mais sólidas do que é costumeiro encontrar-se na FC. Razoável, portanto.

E, como sempre, li coisas mais curtas.

O Grande Deus Pã, novela gótica de Arthur Machen, teve, confesso, o condão de me adormecer. OK, está construída duma forma interessante, como uma série de historietas interligadas que se estendem por uma porção de anos. E também consigo compreender a sua relevância no contexto da literatura inglesa da época vitoriana, visto que tem uma forte componente sexual (disfarçada, claro) e mexe não só com o sobrenatural, mas também com o paganismo. De modo que entendo, intelectualmente, o porquê de ser considerada um clássico do horror. Mas, oh, o aborrecimento que me causou! A soneira! A completa ausência duma ligação emocional, qualquer que ela fosse, com este texto!

Madame et Monsieur Isco, é outro conto mainstream de Ray Bradbury, com leves laivos de fantasia, e este nem sequer se pode chamar americana, visto passar-se em Paris. Um jovem "atraente" é contratado pelo dono dum restaurante para fazer companhia a uma jovem "belíssima" numa mesa colocada na montra do estabelecimento e comer gratuitamente. Mas depois ele apaixona-se. É uma história bem construída e, claro, bem escrita. Bom.

Etiquette With your Robot Wife, de Bruce Boston, é um poema muito divertido que também funcionaria bem em formato mini-conto. Para perceberem o estilo, começa assim: "Never tell her she tastes like metal" E continua, por mais umas quantas frases de semelhante catadura. Porreirinho!

A Manhã Verde, de novo de Ray Bradbury, é um bom conto sobre um homem cuja missão na vida é plantar árvores em Marte, para que a rarefeita atmosfera do planeta ganhe mais oxigéneo e ele consiga aí respirar melhor. Olhado como ficção científica, é bastante mau. Olhado simplesmente como literatura, é bastante bom, e o curioso é que funciona lindamente no contexto do livro, que é mais ficção científica do que outra coisa.

Viagens na Minha Terra, de Saramago, é uma crónica que divaga sobre o livro de Garrett com o mesmo título. Nada de especial.

Por fim, Tritões Lunares, de Rhys Hughes, é um conto em que Hughes nos explica que na verdade a Lua é habitada por um povo de tritões ameaçados por pescadores de Saturno, que as crateras na verdade são telescópios e mais uma série de detalhes sobre a verdadeira Lua. Pelo menos a verdadeira tal qual existe na imaginação dele. Weird fiction divertida e bastante bem escrita.

E pronto, foi para isto que o tempo voou. E para mais uma série de coisas de que não serve de nada falar aqui. Quando voar outro período de sete dias, voltaremos a encontrar-nos. Até lá. Ou até algum post "não-semanal" que apareça entretanto. Está planeado, resta saber é se encontrarei tempo para passar dos planos aos bits.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Curtas

Um comentário do Francisco Norega no post aqui de baixo merece, creio, uma resposta "cá em cima" no blogue propriamente dito. Diz ele que as coisas relativamente à ficção curta estão a melhorar nos últimos tempos, com o aparecimento das revistas dedicadas ao género. E eu respondo-lhe que:

Sim, as revistas são fundamentais. Revistas, fanzines, sites, qualquer coisa onde a malta que escreve (porque há malta que escreve; os concursos estão sempre cheios de candidatos — mais sobre isto mais adiante) possa ir publicando. Mas não chega, até porque em geral todos esses veículos têm um círculo de leitores bastante limitado. Mesmo a Bang!: é descarregada por montes de gente mas, por conversas que tenho tido por aí, concluo que é muito pouco lida. A maior parte dos que a descarregam passam os olhos, pensam vagamente em ler ou lêem uma coisa ou outra, e acabam por deixar para depois. É preciso também chegar aos livros, e aqui as editoras são fundamentais e, para que as editoras apostem, é também preciso que o público se mostre interessado em colectâneas e antologias e as compre e comente como faz com os romances.

É que basta passar os olhos pelos blogues que falam de livros e literatura. Quantas vezes se vê referência a livros de contos? É só romances, romances, romances, romances e mais romances. Sagas atrás de sagas. Vejo gente a falar de todas as edições fantásticas da Presença, por exemplo, mas não me lembro de ter visto uma única referência a algo pertencente à colecção A Biblioteca de Babel fora das notas sobre lançamentos. Quando essa colecção é talvez a única colecção de literatura fantástica actualmente em publicação em que se publicam fundamentalmente contos. Do pessoal que vai escrevendo sobre o que vai lendo o único que fala mais de contos do que de romances, que eu saiba, sou eu.

OK, é verdade, podia ser pior. E já foi. Estamos melhor agora, com uma (em breve duas) revistas de contos e mais um ou dois fanzines, ainda que sejam muito baixadas dos sites e pouco lidas, do que estivemos aqui há uns anos, quando não tínhamos nada. Se isto fizer parte de um percurso, tudo do bom e do melhor, aplausos e assobios de entusiasmo. Mas julgo que continua a ser fundamental que quem gosta de contos os promova para desfazer os preconceitos ou desagrados no público que a eles é avesso, e para que a ficção curta volte a ser coligida em colectâneas e publicada pelas nossas editoras.

É que conheço gente com produção dispersa por contos e novelas que não a consegue reunir em livro e publicar. Inclusive alguns dos nossos melhores autores. E isto é francamente mau, e bem pior do que a situação que já houve em Portugal, há coisa de 15 anos, quando saíram dos melhores livros de FC&F que já se escreveram por cá, quase todos livros de contos. Óptimo seria que se voltasse a esse estado de coisas. Duma forma sustentada, de preferência.

sábado, 16 de maio de 2009

Semana

Sábado, e tal, ali ao lado a Rita Redshoes cantarola na TV, enfiada numa farfalhante farpela amarela, e aqui na Lâmpada é altura de mais uma notazinha sobre a semana que passou.

A calma que por aqui houve nas últimas semanas começa a reduzir-se com a aproximação do fim do prazo para a entrega do trabalho. E de mais alguns prazos que, suspeito, vão ser todos furados. O trabalho que paga tem e terá sempre prioridade sobre tudo o resto, e com os sarilhos em que este trabalho que paga me tem metido, o tempo e, pior, a disponibilidade mental para o resto cai a pique. Faltam 197 páginas, o que, ao ritmo a que tenho conseguido avançar, não dá grandes folgas, embora seja perfeitamente possível de cumprir.

Embora no trabalho a calma se tenha reduzido, no wiki não. Continuou a crescer ao ritmo lento que tem sido característico nos últimos tempos, subindo desta vez mais 52 páginas, para 16 350. Algum material brasileiro, algum material português, e também, sem contar para o crescimento no número de páginas, umas tarefazinhas de manutenção.

As leituras continuaram dominadas por romances, e esta semana um deles chegou ao fim. Trata-se de O Sentido Latente, de Nuno Neves. Um romance de estreia de um escritor muito novo e que é excelente como exemplo do mal que faz escrever romances sem passar antes pelo tirocínio dos contos e aprender neles a gerir coisas tão fundamentais como o ritmo de escrita e o desenvolvimento do enredo. Nuno Neves é evidentemente talentoso, e poderá dar coisas válidas à literatura e mesmo à FC portuguesa, desde que não siga por este caminho, desde que se refine como escritor. Porque este livro é mauzinho. Não que esteja mal escrito no que toca apenas ao texto. Não está, embora tampouco esteja particularmente bem. Mas está mal concebido, com elementos de FC que só deixam de ser apenas folclóricos (e com um folclore muito ultrapassado, ainda por cima) lá pela página 100, diálogos que põem investigadores policiais tarimbados a falar como putos do secundário, esfrangalhando por completo a sua credibilidade como personagens, enfim, uma porção de erros de principiante. E é muito desequilibrado como romance, pondo no fulcro da (pouca) acção a investigação policial sobre o assassínio do filho de um magnata da engenharia genética, quando o verdadeiro tema do romance, e o que lhe dá título, é um tal sentido latente, que ocupa uma dúzia de páginas, se tanto.

Quanto mais romances destes leio mais firme se torna a minha convicção de que é absolutamente fundamental que os escritores que pretendem dedicar-se à FC comecem a "treinar" em ficção curta, porque só na ficção curta podem fazer experiências (e falhar, pois falhar é inevitável por maior que seja o talento que se tem) com um investimento razoável de tempo e esforço. E mais firme se torna a minha convicção de que vale muito mais investir na publicação (as editoras) e leitura (os leitores) de colectâneas e antologias do que de romances como este. É que uma colectânea ou uma antologia raramente termina sem que o leitor tenha gostado, pelo menos um pouco, de alguns dos textos que a compõem. O mesmo não se pode dizer dum livro composto por um único texto. Se é mau, nada o salva.

Pensem nisso, oh vocês que tanto desprezam a ficção curta.

E por falar em contos...

Li também O Sem Título, de Simone Saueressig, um conto curtinho sobre um homem que descobre os textos de Lovecraft e acaba por descobrir um pouco mais do que isso. Não gostei muito, mas também não desgostei. Nasce na Serra de Albarracim, em Espanha, é uma crónica de José Saramago que mais parece uma declaração de amor ao rio Tejo. Embora o tema pouco ou nada me diga, a linguagem deste textozinho é uma delícia. Os Colonos, de Ray Bradbury, é outro dos seus contos muito pequenos que valem mais pelo efeito que têm no livro em que se inserem do que por si próprios. E Golden Bird, de Mary Rosenblum, é uma noveleta de ficção científica sobre um homem particularmente dotado para a engenharia genética que chega à cidade grande, violenta e paranóica, perpetuamente sob a ameaça do bioterrorismo, e aí encontra uma paixão em que a sua ingenuidade de rapaz do campo é posta à prova. Apesar de estar muito bem escrito, é apenas bonzinho, não me parece que passe disso. Acima de razoável, mas falta-lhe qualquer coisa para chegar a ser realmente bom. Ou tem qualquer coisa a mais, talvez; talvez funcionasse melhor, pelo menos a meus olhos, se fosse um pouco mais compacto.

E a semana foi isto. Muito resumidamente, claro.

sábado, 9 de maio de 2009

Semana

Cá estamos de volta à singularidade nestas notas semanais, desta feita uma singularidade muito rápida, pois quando não há muito a dizer é escusado tentar dizer muito.

A tradução lá vai avançando a um ritmo regular, ainda que calmo, sem nada do frenesi que tem acompanhado outras traduções recentes. A carteira não gosta, mas a cabeça agradece. Faltam 243 páginas para chegar ao fim, e em todas elas haverá certamente um problema bicudo qualquer a resolver. Esta autora é assim. Há autores que quaisquer 7 euros por página pagam bem; outros nem 20 fariam justiça ao trabalho que dão.

O wiki também vai avançando a um ritmo regular, ainda que calmo. Nesta fase, tudo é calmo. Neste momento com um total de 16 298 páginas, tem 72 novidades desde a semana passada, e novidade também é que as mais relevantes dessas novidades passaram a ser divulgadas através duma conta própria no twitter. Quem estiver interessado - e quem não estaria? - Pode segui-la em @bibliowiki.

Também calmas têm sido as leituras, muito dedicadas a romances. De tal forma dedicadas a romances, na verdade, que na semana que passou só li um conto: Alguém à Chuva, de Ray Bradbury. Trata-se de uma história melancólica sobre um casal que revisita um local especial do passado do marido, para grande desagrado da mulher, onde ele reencontra alguns fantasmas desse mesmo passado. Fundamentalmente mainstream, só com uns leves toques de fantástico, é agradável de ler, embora desprovido de qualquer rasgo que o pudesse tornar especial.

E nada mais tenho a dizer, portanto calo-me. O silêncio, há quem diga, é a maior das virtudes.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Koniec



Só os grandes se riem assim de si próprios. :)

Obrigado, Vasco. E até sempre!

As notas de rodapé, seja onde for

A Helena Pitta dá hoje, no Blogtailors, a sua opinião relativamente às notas de rodapé na tradução. Como é disso que vivo e já tive, naturalmente, de me confrontar com a decisão de colocar, ou não, notas de rodapé nas coisas que traduzo, o título despertou-me o interesse e fui ler.

E dificilmente conseguiria discordar mais.

Um tradutor, tal como um escritor, aliás, é, antes de mais, um leitor. E muitas das opções que toma no seu ofício são, em grande medida, determinadas por aquilo que lhe agrada ver, ou não, naquilo que vai lendo. É evidente, pelo que diz, que a Helena Pitta gosta de ler notas de rodapé, e provavelmente sempre gostou. Gosta de ser arrancada ao fluxo da narrativa e dispersar-se por linhas e mais linhas de letrinhas miudinhas, cheias de informações que considera relevantes. Já eu, detesto.

Oh, bem sei que por vezes são inevitáveis. Quando traduzi O Dilema de Shakespeare (ou Ruled Britannia, no original) vi-me obrigado a explicar trocadilhos intraduzíveis porque, sem a explicação, havia partes da tradução que deixavam de fazer sentido. Também usei as notas de rodapé para deixar ao leitor a possibilidade de ler o original de alguns poemas que surgem no texto e que, naturalmente, traduzi. E, se bem me lembro, houve um único detalhe histórico que achei conveniente explicar. Mas se tivesse usado uma nota de rodapé por cada poema, por cada trocadilho, ou por cada peculiaridade histórica de eventual interesse, provavelmente teria transformado as suas 477 páginas em 774.

De modo que vejo utilidade nas notas de rodapé, não digo que não. Mas só quando são inevitáveis. Quando o tradutor tem de reconhecer as limitações da sua arte e engenho, tem de reconhecer que não é capaz de transformar este ou aquele trecho em português inteligível. É para isso que servem as notas de rodapé, segundo o meu modo de ver as coisas. Para mais nada.

Porque quando se tenta pô-las a fazer mais coisas, cai-se geralmente em ratoeiras que estão sempre prontas a caçar os incautos. Cai-se na ratoeira de mostrar ignorância quando se usam notas de rodapé para explicar coisas que toda a gente sabe, tornando evidente que só o tradutor é que teve de ir à procura daquela informação para conseguir compreender o texto. Cai-se na ratoeira de mostrar arrogância, ao partir-se do princípio que quem vai ler é ignorante sobre o tema da nota. E cai-se na ratoeira de começar a irritar solenemente o leitor que até sabe as coisas que o tradutor acha que não sabe e não está disposto a ser arrancado ao fluxo da narrativa por causa de irrelevâncias. Anos de leitura de argonautas, em que os tradutores achavam, de vez em quando, boa ideia explicar detalhes de física, química ou biologia que aprendi no secundário, e quantas vezes com explicações cheias de erros, levaram-me a nutrir uma salutar antipatia por tais sintomas de falhanço na arte de contar histórias.

Sim, porque, excepto quando se pretende com elas gerar precisamente o tipo de texto dispersivo e fragmentário que as notas originam, o que é em si mesmo um objectivo literário inteiramente válido no qual as notas são também literatura, elas são sempre um sintoma de falhanço. Um bom contador de histórias é capaz de integrar no fluxo da narrativa, e sem perda de interesse para o leitor, todas as informações de que esse leitor necessita para apreciar e compreender aquilo que está a ler. Alguém que tem de recorrer a notas de rodapé para fornecer a informação necessária é alguém que conhece mal a arte que supostamente domina.

Isto, naturalmente, na minha modestíssima opinião.

domingo, 3 de maio de 2009

Semanas

Na semana passada, esqueci-me dela. Por assim dizer. Um tipo esquecer-se duma semana é algo que só está ao alcance dum amnésico de alto gabarito, e não é propriamente o meu caso (ainda?), daí o "por assim dizer". Mas esqueci-me de vir aqui à Lâmpada falar dela, o que talvez se tenha ficado a dever à irreverência e subversão que costumam vir associadas ao 25 de Abril. A consequência é que hoje não falo duma semana, mas sim de duas.

Começando pelo mais importante: tinha um conto quase pronto quando descobri que estava a tentar forçá-lo a ser algo que ele se recusava terminantemente a ser: fantástico. Era eu a empurrá-lo para o irreal, e ele a empacar que nem jerico malcriado. Era eu a tentar introduzir-lhe goela abaixo umas pitadas de fantasia e ele a vomitá-las como se de veneno se tratasse. Foi uma luta com perdedor inevitável, e claro que acabei por ceder. Era inescapável que o conto seguisse o que lhe sai naturalmente das tendências congénitas e, por mais que me entristeça vê-lo assim, vou ter de deixá-lo ser quem é: um mainstreamzito qualquer, que nem a revista Bang! aceitaria publicar. Como vingança, vai ser todo reescrito, de cima a baixo. Já está a ser, aliás.

Seguindo em ordem de importância, tenho aqui um livrito a ser traduzido, ah pois tenho. Uma metade de livro, mais propriamente, que pega na história onde a deixou O Punhal do Soberano, que está previsto que saia daqui a 20 dias. Isto se não decidir dar um salto à feira do livro de Lisboa entretanto, que os livros andam cada vez mais saídos das capas. E neste momento faltam-me 269 páginas para chegar ao último ponto final, que neste caso será um ponto final exuberante como todos os itálicos.

Descendo mais um pouco da escada, o wiki esteve absolutamente imóvel durante cerca de uma semana. Nem tugiu, nem mugiu, o que de qualquer forma nunca faz, visto que não é vaca nenhuma. Mas depois dessas feriazinhas lá voltou a saracotear-se um pouco. Foram 64 páginas novas a somar às que já lá se encontravam, aumentando o total para 16 226. Tudo graças aos meus dedinhos, pois então. Infelizmente, ainda não se descobriu nenhum modo de pôr as boas intenções a trabalhar. Mas consta-me que os cientistas estão a estudar o problema, algures num laboratório da Terra do Nunca. O Peter Pan é que anda chateado com o assunto. É ludita, o raio do puto.

E cá estamos nós no rés-do-chão: os livros. Passei as semanas dedicado quase em exclusivo a romances. Um muito chato, que, portanto, se lê lentamente, outro bastante grande, que, portanto, tem muito para ler, e um terceiro muito russo. Não acabei nenhum, mas felizmente (pois de contrário nada teria para vos dizer) também li isto:

Colheres de Amor em Perigo, de Rhys Hughes, é uma história saltitona e muito surreal sobre colheres, morsas, icebergues, boémios e sereias, e se conseguirem tirar sentido desta salada sem ler o conto contactem o vosso psiquiatra com alguma urgência. Trocando por miúdos, é uma história de amor com uma construção bizarra e por isso mesmo interessante.

Esperando o Fim do Mundo, de Celso Gajo, é um conto lovecraftiano bem mais tradicional, sobre um homem coberto de tatuagens que realiza rituais diários que supostamente evitam o fim do mundo. Supostamente porque ele descobre que na verdade não acredita no que está a fazer, mais ou menos ao mesmo tempo que também descobre o amor duma mulher. Bom, especialmente porque o Gajo (não, não estou a destratá-lo: é mesmo nome) escapa à armadilha que condena à ilegibilidade tantos dos escritores que são fãs de Lovecraft: tentar escrever como o velho Howard Phillips.

E fico-me por aqui. O resto, foi a vida, e isso, lamento, não vos diz respeito.