terça-feira, 24 de novembro de 2009

Lido: Vénus

Vénus (bib.) é um romance de ficção científica hard, de Ben Bova, que descreve uma expedição ao segundo planeta para tentar recuperar os restos de uma malograda expedição anterior. Tal como faz em Regresso a Marte, que também li há relativamente pouco tempo, e cujo original data do ano anterior, Bova apresenta-nos em Vénus protagonistas em conflito com pais controladores e absurdamente ricos, e uma abordagem mais ou menos ecológica da exploração planetária, ainda que em doses diferentes. Esta última estava mais presente no romance marciano do que no venusiano, ao passo que os conflitos pai-filho, que em Regresso a Marte se circunscreviam a um par de personagens secundárias (ainda que importantes), em Vénus transformam-se no principal motor do enredo e no motivo que leva o protagonista e narrador a embarcar na expedição. A somar a isso, temos um ambiente planetário extraordinariamente exigente, como é sabido, que acrescenta um forte elemento de perigo à missão, e uma segunda expedição liderada por uma espécie de capitão Nemo do espaço, igualmente autoritário, igualmente violento e ditador duma tripulação igualmente exótica, embora muito mais centrado em si próprio, nos seus agravos e raivas, do que a personagem de Verne. E, tal como em Regresso a Marte, temos a descoberta de vida autóctone a dar um sabor especial (e mais perigo ainda) à expedição.

Como já saberão se tiverem lido uns artigos que escrevi ultimamente, eu nada tenho contra clichés, desde que os veja a ser usados com inteligência e subtileza. A profusão de "capitães Nemos" que houve na FC do século XX em nada impede que um escritor que resolva arranjar mais um se saia bem da tentativa. O mesmo poderá dizer-se sobre os muitos milhares de histórias baseadas em relações difíceis com pais controladores, na FC e fora dela. E etc. Mas infelizmente, não encontrei essa inteligência e subtileza neste livro. Clichés, tem-nos em grande profusão (não, não falei já de todos... ainda há a única mulher que acaba como interesse romântico do herói, ainda há o fracote que se supera — e a todos os demais — quando posto à prova, e mais, e mais), mas não me parece que chegue a tratar algum com subtileza, apesar de haver uns quantos que até são tratados com uma certa inteligência. Aquilo que os clichés fazem logo prever que aconteça, acontece mesmo, apesar das reviravoltas do enredo, e isso torna o livro aborrecido. Não é um mau romance, propriamente, mas é bastante fraquinho. Um romance de aventuras, cuja principal personagem acaba por ser o planeta apesar de o livro dar mais atenção às relações humanas, talvez por ainda se saber tão pouco sobre aquele.

Francamente má só mesmo a tradução. De cada vez que via "asteroid belt" a ser traduzido como "Asteróide Belt" em vez do correto "cinturão de asteróides" (ou cintura), só me apetecia mandar o livro pela janela, e esse crasso disparate apareceu inúmeras vezes. E esteve longe de ser o único. É verdade que as asneiras foram mais comuns em detalhes mais ou menos básicos de cultura geral astronómica, o que é mais responsabilidade do editor do que do tradutor por não ter tido a inteligência de escolher o tradutor certo para o trabalho certo (nenhum tradutor do mundo sabe o suficiente sobre tudo), mas também existem na língua portuguesa propriamente dita. Não há desculpa nem justificação possível para coisas como "começei", por exemplo. Para esquecer.

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