quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Sobre a tradução de Martin no Brasil: a questão dos nomes

Voltarei, espero que em breve, à questão da edição no Brasil da minha tradução das Crónicas de Gelo e Fogo para falar um pouco de alguns dos aspetos mais delicados do assunto. Fá-lo-ei quando estiverem resolvidos os problemas que me tocam diretamente nessa edição e no modo como ela aparece. Ainda não estão, portanto por enquanto vou ter de pedir alguma paciência. Para lá se encaminham, mas ainda não estão.

Mas para já, a fim de esclarecer alguns critérios seguidos no que toca aos nomes, que tantas críticas e perplexidades têm levantado do lado de lá do Atlântico, e porque não sei se a edição brasileira a inclui, fica aqui sem mais comentários a nota de tradutor que consta da edição portuguesa. Tenho mais algumas coisas a dizer sobre o assunto, mas ficarão para mais tarde.

Aqui têm a nota:
Uma das regras básicas da tradução dita que nomes e topónimos não se devem traduzir. Mas os escritores nem sempre estão dispostos a deixar a vida dos tradutores assim tão facilitada, e por vezes escrevem histórias passadas em mundos de fantasia, nos quais se falam línguas que não são aquela em que a história é contada. Alguns, por esse motivo, encontram nomes exóticos para as suas personagens e locais; outros preferem “traduzi-los”, implícita ou explicitamente. Nestes casos, o tradutor é confrontado com um dilema: respeitar a regra que o escritor viola, ou violá-la também ele?

Aqui, optou-se por violá-la até certo ponto. Como a maior parte (mas não todos) dos topónimos de Martin é ou inglês puro ou uma derivação próxima, e dado que ele utiliza muitos desses nomes como uma forma rápida de caracterização do ambiente, considerou-se que se não fossem traduzidos se estaria a privar o leitor português dessa ajuda à ambientação. Por outro lado, a tradução de nomes é assunto delicado: não convém que, ao ser traduzido, o nome perca credibilidade e mine a suspensão da descrença necessária para apreciar a história. Assim, traduziram-se apenas aqueles nomes para os quais foi encontrado um equivalente viável em português. Topónimos sem tradução (Dorne, Pentos, etc.) permaneceram em grande medida inalterados, e o mesmo aconteceu àqueles raros topónimos para os quais nenhum bom equivalente português foi encontrado, entre os quais se destaca, pela centralidade que possui neste romance, Winterfell.

O caso dos apelidos das personagens é semelhante, mas o critério foi outro, pois só uma minoria desses apelidos vem num inglês provido de significado (Stark, Snow, Flowers e poucos mais), e não faria grande sentido ter na mesma história, e nos mesmos reinos, as famílias Targaryen, Lannister e Arryn, e Forte, Neve e Flores, tanto mais que além destes dois tipos de apelidos existe ainda um número considerável de alcunhas e cognomes e esses devem ser sempre traduzidos. A tradução de alguns apelidos, deixando intacto nos outros o “sabor” inglês, geraria uma situação ambígua para os primeiros e não se achou isso aconselhável.

Naturalmente, tudo isto é discutível. Numa tradução poucas são as coisas que não o são.
Para terminar, por agora, só uma outra nota muito curta, que pode servir como informação geral: é muito raro que seja o tradutor a escolher o título de um livro ou de uma série. O tradutor sugere, mas a decisão final é do editor, porque nela se tem de entrar em linha de conta com uma série de questões que ultrapassam a simples tradução, nomeadamente as estratégias de marketing. Todas as críticas ao tradutor pelo que se encontra no miolo de uma tradução são legítimas e, em princípio, justas. Mas criticá-lo ou elogiá-lo pelos títulos normalmente não o é.

5 comentários:

  1. Eu concordo que a tradução de Neve e Flores é totalmente inadequada.
    E além disso, não gostei de ter lido Correrio (Riverrun) e Rochedo Casterly (Casterly Rock), não acho que essas traduções fossem necessárias, acho que os nomes ficam estranhos desta forma.

    Outro nome que detesto a tradução é Mindinho, quando eu li a primeira vez nem compreendi que se tratava de Litlefinger! o.O

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  2. Mas não faria sentido, ao estar-se a ler um livro em Português, dar-se com um nome como Casterly Rock. Neste caso, Rock é claramente Rochedo, pelo que não faria sentido deixá-lo em inglês. O mesmo se aplica, na minha opinião, a Littlefinger, que significa Mindinho.

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  3. Acho que o princípio de que, nomes próprios/apelidos/lugares não se traduzem, poderiam ser aplicados. Deixaria a obra mais a par da originalidade.

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  4. Caro Candeias, perdão pelo atraso na questão, mas é que apenas há pouco interessei-me por sua tradução. Não deixaste claro acima o porquê da escolha por não traduzir Winterfell. Seria pela falta de nome estranho à língua ou com porte e força equiparáveis? Investigar estas escolhas tradutórias daria uma dissertação acadêmica, mas Winterfell, em particular, muito me quebra a cabeça para conseguir tradução para um termo tão impactante e estrangeiro como no original (considerando a etimologia germânica do termo). Ademais, ficam meus parabéns ao teu trabalho. Bastante árduo, porém belo, à altura de Martin.

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    1. Sobre Winterfell, o que aconteceu é o que digo na nota: "Topónimos sem tradução (Dorne, Pentos, etc.) permaneceram em grande medida inalterados, e o mesmo aconteceu àqueles raros topónimos para os quais nenhum bom equivalente português foi encontrado, entre os quais se destaca, pela centralidade que possui neste romance, Winterfell." Ou seja: não consegui encontrar, na época, tradução adequada para Winterfell. Se fosse hoje talvez tivesse traduzido para Invernadeiro ou algo do género (não me ocorreu na altura), ainda que esse termo só englobe parte do significado que o Winterfell inglês tem. Mas só talvez. Teria de pensar bem no assunto e pesar todos os prós e contras da ideia.

      De resto, obrigado.

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