segunda-feira, 28 de março de 2011

Agradecimentos públicos

Ainda sobre o meu pai, queria deixar aqui um agradecimento público ao pessoal de Oncologia do Hospital de Faro, muito em particular o pessoal de enfermagem. O pessoal de enfermagem foi exemplar no tratamento do meu pai e, apesar do segundo tratamento de quimioterapia ter sido o que o deitou abaixo mais depressa, também não tenho queixas do pessoal médico. A quimioterapia, sendo embora o melhor método de que dispomos para atacar o cancro, é um método tosco, que faz quase tanto mal à parte do corpo que está saudável como ao cancro propriamente dito. Ou às vezes, como no caso do meu pai, faz pior ao corpo saudável do que ao cancro. E à partida nunca se sabe como as pessoas reagem. Não é culpa dos médicos que o meu pai tivesse reagido mal.

(O agradecimento não se estende ao pessoal administrativo. Não me esqueço, nem perdoo, que o pedido de consulta tenha andado perdido durante dois meses.)

Igualmente agradeço ao pessoal do Hospital de S. Camilo, em Portimão, onde ele acabou por morrer. Conseguiram tornar-lhe suportáveis os últimos dias de vida, quando já não havia qualquer esperança. Também aí foram exemplares.

Não posso dizer o mesmo do Hospital do Barlavento. Embora também aí haja boa gente, tanto entre o pessoal médico como de enfermagem (e a esses agradeço), nem todas aquelas pessoas estão talhadas para a função que exercem. Algumas precisam de aprender que os doentes que lá têm internados são pessoas com direito à dignidade. Compreendo o excesso de trabalho e as dificuldades decorrentes da sobrelotação do hospital, mas se alguns dos vossos colegas conseguem manter-se a um nível aceitável vocês também tinham obrigação de conseguir. Infelizmente, no HBA tive contacto com enfermeiras cuja real vocação era de caixas de supermercado (e com pelo menos uma médica também). Mas também contactámos aí com gente boa, e a essas pessoas também quero agradecer aqui.

Obrigado a todas estas pessoas, em meu nome e no de toda a família. Mas espero não vos voltar a ver nunca. Não é por mal.

domingo, 27 de março de 2011

Isto de ter razão é giro

Recebi há minutos uma notificação. Alguém tinha deixado um comentário num velho post aqui da Lâmpada. Neste velho e polémico post, mais precisamente. O comentário trazia um link para um vídeo do YouTube, doze minutos sobre a coleção Argonauta e principalmente sobre as edições do livro Estação de Trânsito do Clifford D. Simak. O vídeo arruma o assunto de vez, espera-se. Com factos, livros, essas coisas. Nem um deliriozinho para amostra. Assim é que deve ser.

Do que lá é dito só discordo de uma coisa: na minha opinião, a Argonauta não acabou por causa da mudança de formato. Já antes lhe tinham dado o golpe de misericórdia, aí por meados da década de 90, desbaratando décadas de prestígio com as piores traduções que vi na vida e livros que se começavam a desfazer no momento em que eram abertos. Foi isso que matou a Argonauta. A mudança de formato foi apenas uma tentativa desastrada de tapar o rombo. Concordo que só conseguiu escancará-lo mais, mas o rombo já estava feito. E o navio foi mesmo ao fundo.

sábado, 26 de março de 2011

1935-2011

Faz hoje três semanas que morreu o meu pai. E aqui a Lâmpada tem estado à espera que eu ganhe coragem para fazer este post. O terceiro post do ano, agora que este está prestes a concluir o seu terceiro mês, porque antes da morte houve a fase mais terrível e devastadora da doença e eu estive com a cabeça muito, muito longe daqui.

Não poderia voltar ao blogue sem fazer este post. Pensei por várias vezes fazê-lo mas em nenhuma dessas vezes deitei mesmo mãos à obra. Gostaria de poder fazê-lo dizendo ao meu pai tudo o que ficou por dizer, mas ficou tanto, tanto por dizer que não seria um post, seria uma série deles, e se ficasse à espera de escrever tudo antes de regressar à Lâmpada esta ficaria parada durante imenso tempo. Talvez para sempre. E o meu pai ficaria muito triste com isso. Este blogue foi durante muito tempo a sua única concessão ao mundo dos computadores. Lia-o sempre que o apanhava aberto e me apanhava por fora. Por isso entristecê-lo-ia muitíssimo não só que o blogue acabasse, mas que fosse ele a causar o seu fim. Portanto regresso agora à Lâmpada, e tenciono retomar o ritmo normal um destes dias. Para já, falo do meu pai e com o meu pai, num post relativamente pequeno que não é uma despedida mas um recomeço. E agora com licença que tenho de falar com ele.

Olá, pai.

Não te assustes, nem comeces já a gozar comigo. Não me converti a nenhuma teoria esotérica, descansa. Estou plenamente consciente de que não me ouves nem lês. Mas preciso de falar com aquilo que de ti ficou em mim, percebes?, e um modo de o fazer é assim. Como se ainda me pudesses ler, como se ainda pudesses olhar-me enquanto escrevo isto.

Queria só dizer-te, para já, que lamento imenso não termos podido ter uma última e longa conversa. Que a doença e os opiáceos que te tiravam as dores também te tenham roubado cedo demais o discernimento para essa conversa. Que eu tenha calado muitas coisas para te tentar dar alguma esperança e algum ânimo nos últimos meses da tua vida. Talvez tivesse sido melhor se tivéssemos tido essa conversa, tu e eu, de pai para filho, de amigo para amigo e de homem para homem. Ficou tanto por dizer!

É terrível quando ficam coisas por dizer.

Um dia dir-te-ei tudo, mesmo sem que me possas ouvir nem ler. Para já fica só isto. Amo-te, pai. Sempre amei e sempre amarei. E tudo na minha vida foi determinado ou influenciado por ti e pela tua, coisa de que julgo que nunca chegaste a ter plena consciência. Mais tarde te explicarei melhor como. É uma promessa que te faço aqui e agora. Mais tarde.

Por agora, só mais uma coisa. Tudo o que eu escreva e publique é para ti. Tudo o que traduza é para ti. Percebes? Tudo. E nem assim conseguirei algum dia pagar a dívida que tenho para contigo.

Pronto, chega por agora. Mais tarde continuarei, mas não aqui na Lâmpada. Quando tiver tempo e força para isso. Até lá.

PS: O meu pai tem um pequeno artigo na Wikipédia, que não foi criado por mim (nem por ninguém que eu conheça, aliás) mas que acabei de alterar. Provavelmente irei completá-lo no futuro, mas não será em breve.