sexta-feira, 27 de maio de 2011

L'11: Competitividade e auditorias

Hoje estou demasiado cansado para escrever algo de coerente por aqui. Felizmente, houve quem o fizesse por mim, portanto posso simplesmente orientar-vos para dois textos que qualquer um que queira dizer que sabe o que está em causa nestas eleições tem de ler. Concorde depois com eles ou não.

Aqui fala-se de competitividade, palavrão muito na moda. E explica-se a diferença entre dois tipos de competitividade, e o que resulta de cada um deles para um país como o nosso num mundo como o nosso.

Aqui explica-se uma série de coisas muito relevantes sobre o que é e como funciona uma auditoria à dívida, elencando-se as várias formas que essa auditoria pode tomar, e separando-se os tipos de dívida que essa auditoria pode encontrar. Entre outras coisas.

É só sumo. Vão lá ler, andem. Informem-se, que é disso que esse povo precisa. Mais do que de pão para a boca.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

L'11: Porque é que o Bloco ia perdendo o meu voto?

Já o tinha dito: nestas eleições vou voltar a votar BE, mas estive bem perto de não o fazer. Explico aqui porquê.

A razão explica-se em três palavras: "moção de censura".

É que uma força política que se queira apresentar ao eleitorado como uma força responsável e diferente das outras não pode ceder à baixa politiquice, e foi precisamente isso que o Bloco fez com aquela moção de censura. O objetivo nunca foi derrubar o governo. O objetivo foi antecipar-se ao PCP, que tinha anunciado a intenção de apresentar uma moção semelhante (o que teria sido igualmente estúpido), e obrigar o PSD a votar contra para poder depois dizer que por mais que estrebuchem PS e PSD estão juntos nesta política desastrosa.

O problema é que não era precisa nenhuma moção de censura para toda a gente com olhos na cara ver que PS e PSD estão juntos nesta política desastrosa — bastaria ver quem aprovou os orçamentos e quem aprovou os PECs. A moção de censura só serviu, portanto, como veículo adicional de desestabilização de uma situação que já de si estava desestabilizada por intervenções anteriores de Sua Mediocridade Cavaco Silva e pela situação financeira, e para ajudar a que o PS se vitimizasse, no que aliás é exímio, apontando a artilharia pesada à "irresponsabilidade" do Bloco, que queria derrubar o governo num momento tão difícil para o país. No que, aliás, foi acompanhado por toda a direita, mesmo aquela que pouco depois ajudou a deitar o dito governo abaixo. Mesmo.

A apresentação da moção de censura foi, portanto, a maior idiotice que o BE fez em toda a sua história. Porque foi inútil, para começar. E porque forneceu armas aos adversários. E porque não ajudou em nada este país, pelo contrário. Com ela, o Bloco ficou com uma bomba de politiquice nas mãos que acabou por lhe explodir na cara. Não é assim que o BE deve agir se quer que as pessoas levem a sério a sua diferença. Nunca.

Também não gostei que não tivessem ido falar com a troica. Percebo a correção formal dessa atitude: é o governo português que negoceia com a troica, não os partidos, e etc. Está certo, e é verdade que os outros tipos que depois se vieram pôr em bicos dos pés a reivindicar negociações que nunca aconteceram tentaram atirar areia para os olhos dos papalvos. De acordo. Mas isso não implica que os partidos não possam, e se calhar não devam, ir dizer aos senhores do FMI e companhia que não os querem cá. E porquê. Até porque ainda por cima a não ida dá aos outros a oportunidade de virem com a estafada conversa de ah e tal, não querem fazer parte da solução e patati e patata. Era simplicíssimo evitar essa conversa: bastava fazer o mesmo que a CGTP fez. Nada mais.

Mas por falar nisso, já agora, há mais uma coisa que se aponta ao Bloco (e ao PCP também), mas essa, santa paciência, é duma hipocrisia que não tem tamanho. Diz o PS, e o resto dos verdadeiros responsáveis pela situação em que o país está, que a esquerda se "auto-excluiu duma tentativa de encontrar uma solução para o problema".

Treta da grossa.

Porque desde o primeiro PEC que tanto BE como PCP andam a dizer que não pode ser assim. Que isto não vai resultar, que só nos vai deixar cada vez mais endividados até cairmos num buraco de onde não conseguiremos sair. Que o caminho não pode ser este, que tem de ser outro. E andam também a dizer qual. O PS escolheu não lhes dar ouvidos. O PS escolheu dançar o tango com o PSD. Foi o PS que, quando confrontado com o precipício, decidiu dar o passo em frente. Não pode vir agora exigir que os partidos da esquerda apoiem medidas que desde o início disseram que não resultariam nem lhes pode cobrar falta de apoio na implementação dessas medidas. Sim, nem BE nem PCP são parte dessa "solução" para o problema pela simples razão de que nenhum deles alguma vez acreditou que os PECs fossem solução fosse para o que fosse. Como aliás se veio a demonstrar que não eram.

Se e quando o PS descobrir que esta política só nos enterra cada vez mais, se e quando o PS descobrir que o verdadeiro problema é esta receita desastrosa que tem implementado de braço dado com a direita, então veremos se o BE e o PCP se auto-excluem de alguma coisa. Até lá, qualquer sugestão nesse sentido não passa de demagogia da mais rasca.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Lido: Às Vezes eu os Vejo

Às Vezes eu os Vejo (bib.) é um conto de Saint-Clair Stockler que recupera um velho tema: o do contacto com inteligências extraterrestres. A protagonista, uma jovem que vive nos limites duma pequena cidade brasileira, é a única a ver estranhas criaturas antropomórficas e muito brancas que aparecem entre as árvores nas traseiras de sua casa. Mas o conto não se dedica muito a explorar estas visões, antes vagueia por uma caracterização da protagonista e do seu ambiente mais detalhada do que é hábito na FC, incluindo fraquinhos amorosos e outras relações sociais. O conto, literariamente, é interessante. Está bastante bem escrito e vai levando suavemente quem lê pelo enredo fora. Mas para um apreciador de FC, e em especial para um apreciador de FC que é biólogo de formação, tem algumas falhas importantes. Não direi qual é a pior de todas porque estaria a revelar o final, mas digo que há aqui uma recuperação de alguns clichés da FC mais próxima das histórias ufológicas (se bem que o conto também brinque com outros géneros além da FC, incliuindo mesmo o velho fantástico em versão todoroviana, o que até tem o seu interesse) que a meu ver melhor seria serem deixados em paz. O conto vale pela qualidade da escrita, mas tenho pena que essa qualidade não tenha sido aplicada a outro tema e a outra história.

L'11: A papinha toda feita

Tomem lá, e não digam que vão daqui. Eis os sites dos partidos que concorrem a estas eleições e não têm qualquer responsabilidade pelo estado em que o país está. Informem-se e escolham o melhor. Ou o menos mau.


Os outros? Os responsáveis por este desastre? Oh, pá, isso já é querer demais. Procurem vocês, desculpem lá.

Macaé

Nos mundinhos da FC lusófona o discurso mais comum é o discurso ranheta. Que nunca nada é bom, que nada se faz, nada acontece, que o mar de mediocridade não tem fim, que ninguém nos liga, que ninguém gosta de nós, que ninguém nos entende, mimimi, mimimi, mimimi. O velho pintainho preto com a casca de ovo na cabeça, o Calimero, não faria melhor. A choradeira parece imparável, e isso tanto acontece do lado de cá como do lado de lá, embora do lado de cá seja geralmente bem mais intensa, temperada que costuma vir com o fadinho do desgraçadinho.

Depois acontecem coisas destas. Do lado de lá, está claro. Um projeto de educação organizado pela perfeitura de Macaé (no Brasil a perfeitura é equivalente às nossas câmaras municipais), cidade de 200 mil habitantes no estado do Rio de Janeiro, ganhou um prémio de responsabilidade ambiental. O que é que isto tem de invulgar? É que o projeto foi idealizado por um escritor de ficção científica, Clinton Davisson, a partir de um livro de ficção científica, Hegemonia.

Sim, é isso mesmo. Um livro de FC e um autor de FC não só tiveram um projeto educativo aprovado e implementado por uma câmara municipal duma cidade que, para os padrões brasileiros, tem uma dimensão média, como ainda por cima foram premiados por isso.

Como é a tal cançoneta? Mimimi, mimimi, mimimi?

Pois.

terça-feira, 24 de maio de 2011

L'11: A confiança, essa estranheza.

Há dias, estava a ver o telejornal enquanto já não me lembro que jornalista entrevistava o Teixeira dos Santos, e aconteceu-me uma coisa que até acontece com alguma frequência: o ministro disse uma coisa muito séria e eu larguei uma gargalhada.

Que coisa muito séria foi essa?

Que ninguém tinha previsto a escalada das taxas de juro da dívida portuguesa. Que não era previsível, que tinha apanhado toda a gente de surpresa. Blá blá blá.

E porque foi que eu larguei uma gargalhada?

Simples: porque, ao contrário, aparentemente, da grande maioria das pessoas, não sou amnésico. E como não sou amnésico lembro-me bem de ouvir a esquerda, o BE e o PCP, a alertar, desde o momento em que chumbaram o primeiro PEC, para ser inevitável que um programa de austeridade, inerentemente recessivo, iria piorar a capacidade do estado português de fazer face às suas dívidas, e isto mesmo dando de barato que os "mercados" são uma força benigna ou no mínimo racional, o que está muito longe de ser dado adquirido. A cada PEC que o PS apresentava, dançando o tango com o PSD, de rosa na boca e saias vermelhas a rodopiar, a esquerda repetia o alerta, votava conta e apresentava alternativas. O PS, enamoradíssimo, só com olhos para o namorado novo e alaranjado, fazia ouvidos de mercador e sempre que um PEC falhava, conforme a esquerda tinha avisado que falharia, lá vinha outro, sempre disfarçado de coisa inevitável e salvadora da economia nacional. Até ao quarto, que teve o destino que vocês conhecem, sendo chumbado também pelo namorado dos tanguistas da rosinha para reaparecer em versão piorada por uns tipos estrangeiros que gostam de violar camareiras.

Ou seja: gargalhei porque o que Teixeira dos Santos disse foi uma mentira grosseira.

A verdade é que em todo este processo os únicos partidos parlamentares que foram acertando sucessivamente nas previsões que foram fazendo foram o Bloco de Esquerda e o PCP. Bem, OK, os Verdes também, mas esses pouco contam. Os únicos.

Ora eu, que até penso e tudo, vejam só, acho que se um gajo qualquer acerta sistematicamente nas previsões que faz das duas uma: ou tem uma sorte do caraças e, convenhamos, inverosímil, ou então se calhar até sabe do que está a falar. É um gajo a que eu vou passar a dar ouvidos daí para a frente, especialmente se aquilo que tiver a dizer for importante. Não há certeza nenhuma de que o que disser no futuro esteja tão certo como o que disse no passado, claro, mas eu tendo a depositar nele muito mais confiança do que nos que só disseram (e pior: fizeram) disparates.

E é essa a principal razão que me leva a pôr para trás das costas o tal disparate da moção de censura e a votar BE. Que vocês não achem o mesmo, ajuizando pelas sondagens, só me causa uma imensa estranheza. É como se estivessem num Titanic prestes a colidir com o iceberg que o acabará por afundar e preferissem dar ouvidos aos tipos que dizem que os icebergs são um mito em vez de prestarem atenção aos que já por quatro vezes predisseram, corretamente, que uma montanha de gelo ia aparecer a bombordo no momento tal.

Bizarrias da confiança. Ou da falta dela.

Um conto em podcast

Esta é mais uma novidade para mim. Nunca antes tinha ouvido um conto meu a ser lido em formato podcast. Aconteceu agora, via PodEspecular, e o conto é um dos velhinhos: "O Telepata Experiente no Reino do Impensável". Está um pouco adaptado ao dialeto brasileiro, mas nada de especial. Quem quiser ouvi-lo, pode dar um saltinho até aqui, onde têm acesso a download, em mp3 ou em zip, e a audição direta. Divirtam-se. Ou não.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

L'11: Ideologia, Tática, Protesto e Parvoíce

Há quatro tipos de voto.

O primeiro, e mais nobre, é o voto ideológico. O voto em quem sentimos que de facto nos representa, em quem acredita, mais ou menos, nas mesmas coisas em que nós acreditamos. E é sempre mais ou menos. Quem pensa pela própria cabeça nunca está inteiramente de acordo com nenhuma força política. Há sempre um qualquer ponto de discordância, aqui ou ali, mais ou menos importante. Isso, aliás, acontece mesmo com quem é militante, e mais ainda com a esmagadora maioria que não o é. Mas para isso é preciso pensar-se pela própria cabeça, não pela cabeça de outras pessoas.

O segundo, menos nobre mas não menos válido e legítimo, é o voto tático. O voto no partido X porque o achamos mais eficaz do que o Y, apesar de concordarmos mais com este último. Ou porque o Y fez uma asneira muito grande e nos desiludiu o suficiente para querermos puni-lo. Ou porque o Y esteve no governo mas só fez merda. Ou porque o nosso sistema eleitoral beneficia sistematicamente dois partidos e votamos num círculo pequeno, o que faz com que votarmos no Y seja o mesmo que deitar o voto à rua. Se tivêssemos um sistema como o que eu propus há um par de anos, perfeitamente proporcional, quase todos os votos contariam e a vontade do eleitorado seria mesmo respeitada, mas infelizmente não temos. Temos um sistema que beneficia sistematicamente os dois partidos mais votados, que gera maiorias absolutas no parlamento com menos do que maiorias absolutas dos votos expressos, que pode mesmo, em casos extremos, dar um número maior de deputados a quem não obtém a vitória em votos, embora isso, felizmente, ainda nunca tenha acontecido. E que desperdiça milhares de votos em todas as eleições, que os deita à rua sem que sirvam para eleger ninguém. Quanto mais o sistema eleitoral distorce a proporcionalidade, menos democrático se torna, e mais legítimo torna o voto tático. O voto útil é uma forma de voto tático, embora não seja a única (e raramente seja realmente útil). Votar, em círculos pequenos daqueles que só elegem dois ou três deputados, nos maiores partidos (os maiores nesse círculo, note-se) quando se preferiria um dos outros, também o é. Votar, em círculos médios, nos cinco maiores partidos, idem. Votar no partido X, preferindo as ideias do Y, porque na situação presente se acha que o X seria mais útil ao país é outra forma de voto tático. E há mais. Têm todas em comum uma coisa: não se está a votar na força política que ideologicamente melhor nos representa.

O terceiro é o voto de protesto. Ao contrário do que diz por aí quem não percebe grande coisa de democracia, os únicos votos que são real e incontestavelmente de protesto são o branco e o nulo. Todos os outros são votos numa alternativa qualquer e não é possível separar quem vota na força X porque realmente concorda com ela dos que votam nela para punir a força Y. E não é não gostarmos da alternativa que faz com que o voto seja de protesto. Talvez fale mais sobre isto noutro dia qualquer. Agora interessa-me é dizer o seguinte: este voto de protesto verdadeiro é legítimo, com certeza. Mas também é objetivamente inútil. Não tem o mínimo impacto na constituição do parlamento, não vai influenciar em nada o ambiente político que se segue às eleições. Em nada. Os números de brancos e nulos servem para preencher uns minutos com conversa de circunstância no dia das eleições, mais ou menos preocupada, com a velha conversa sobre o "alheamento dos eleitores da política", e depois são completamente esquecidos durante os quatro anos seguintes. Porque o que realmente importa é quantos deputados são eleitos por cada força política. E a rua. O resto é irrelevante. E porque quem assim vota está a baixar os braços e a dizer aos outros eleitores "decidam vocês, que eu me estou nas tintas." Está a alhear-se. Eu, confesso, já o fiz. Mas numa situação como aquela em que estamos agora parece-me muito irresponsável fazê-lo. Muito. É que os políticos não são todos iguais, por mais que a conversa de taxista insista nessa tecla.

E o quarto é o voto imbecil. O voto porque o "candidato a primeiro-ministro" tal é muito bonito. Ou porque fala bem, mesmo que não se perceba nada do que ele diz. Ou porque é simpático. O voto no partido X porque é o partido que as sondagens dizem que vai ganhar. O voto em Fulano de Tal porque fez Sicrano de Pimba gaguejar um bocadinho num debate qualquer. O voto em quem "ganhou os debates", como se o futuro do país fosse um campeonato de futebol. Quanto mais numeroso é este voto, mais burro é um povo e mais doente está a democracia. Devia ser dever de todos os políticos fazer profilaxia permanente contra este tipo de voto mas, pelo contrário, muitos cortejam-no ativamente, promovem-no, incentivam-no, em especial no centrão. Quando se vende um candidato numa campanha eleitoral como quem vende um sabonete está-se a promover este tipo de voto e a atacar os outros e a própria democracia. A democracia só funciona se for sobre ideias, não sobre o cheiro que têm os sabonetes em compita. E as campanhas eleitorais que temos tido nos últimos tempos têm tudo menos ideias. O descrédito da política em Portugal passa muito, muito, muito por aí. É que os políticos não são todos iguais, mas quando se reduzem a sabonetes parecem ser. Mesmo.

Lido: O Homem que Perdeu o Cérebro

O Homem que Perdeu o Cérebro (bib.) é mais um caso de coletânea que tem o mesmo título de um dos contos que a constituem. Trata-se de um conjunto de três histórias escritas por Reinaldo Ferreira, o Repórter X original, e datadas, suponho eu, dos anos 20 do século passado. São histórias folhetinescas, movimentadas e aventurosas, num estilo muito próximo do pulp, mas com mais elaboração estilística do que é hábito encontrar neste. Embora não seja propriamente esse o objetivo, Ferreira tem uma prosa interessante, com alguns verdadeiros achados linguísticos, embora tenha também uma característica que me irrita bastante: um grande abuso nos estrangeirismos. A ideia parece-me ser dar uma ideia de cosmopolitismo aos ambientes e enredos, mas a mim tantos estrangeirismos só me transmitem uma impressão de provincianismo armado aos cágados, embora tenha de reconhecer que parte deles acabaram por ser aportuguesados e incorporados na língua mais tarde.

Para aquilo que é pretendido com elas, as histórias são bastante boas, movidas sempre por um mistério que o repórter vai desvendar de uma forma caracteristicamente apressada. Nada de tempos mortos, nada de gorduras indesejáveis, os textos saem magros e diretos ao ponto. É, portanto, um livro eficaz, que cumpre bem o que dele se pretende. Nesse sentido é bom livro. Mas tenho de voltar a dizer isto: incluí-lo numa coleção de literatura fantástica foi um erro porque só muito de onde a onde e com grande boa vontade se pode encontrar nestas histórias algo de fantástico. Estas são no essencial histórias de aventuras e mistério, não histórias fantásticas. E o leitor que pegue no livro à procura de um homem mesmo desprovido de cérebro ou de criaturas realmente anfíbias a passear-se pelo Tejo, fecha-o sentindo-se defraudado. E isso não é bom. Culpa, obviamente, do editor, não do Repórter X; este fez o que lhe competia e fê-lo bem, aquele julgo que não.

Eis o que eu disse de cada uma das histórias:

- O Homem que Perdeu o Cérebro
- As Azagaias da Princesa Mulata
- Os Anfíbios do Tejo

Lido: Os Anfíbios do Tejo

Os Anfíbios do Tejo (bib.) é mais uma noveleta do Repórter X, que mantém no essencial o mesmo ambiente folhetinesco e aventureiro dos contos que li antes. Desta feita, a movimentada trama gira em volta de uma conspiração que começa a ser revelada quando um tal Manuel Belchior Sete-Línguas, anfíbio do Tejo, desaparece depois de recortar um anúncio de um jornal. Os anfíbios do Tejo são uma classe de gente que vive e ganha a vida entre a terra e o rio ou, mais precisamente, os paquetes que aportam ao porto de Lisboa, mas apesar do título a história só os toca de raspão. O fulcro da história é o desaparecimento do tal Sete-Línguas que se vem a descobrir ter a ver com uma antiquíssima conspiração histórica que o Repórter X desenvolve melhor noutra novela, Segredo dos Reis de Portugal, mas que aqui tem uma espécie de conclusão. Uma vez mais, esta noveleta pouco tem de fantástico. Há, é certo, um bem conseguido clima de horror no início do texto, mas o final acaba por anular esse clima quase por completo. Achei pena.

Lido: Cobranças Difíceis

Cobranças Difíceis é um conto curto de António Figueira, contado na primeira pessoa, que relata um episódio típico do Portugal empresarial, repleto de estratagemas e situações (e criaturinhas) dúbias, ignorâncias, pequenas e grandes aldrabices. Se fosse um conto brasileiro, certamente se diria que tratava do "jeitinho brasileiro". Mas não, é português. Não gostei lá muito. Pareceu-me mais um fragmento de algo maior, ou então, pelo contrário, um desabafo inconsequente, do que propriamente um conto. Achei que lhe falta estrutura para conto. O texto dispersa-se por aqui e por ali, contando isto e aquilo, em sucessivos apartes, e o enredo que lhe deveria conferir uma espinha dorsal praticamente não está lá. A consequência é um esquecimento rápido, quase imediato. Dias depois de o ter lido já só tenho dele uma vaga ideia, e de certeza que daqui a um mês descobrirei que nada ficou.

domingo, 22 de maio de 2011

L'11: Aviso

Aqui a Lâmpada é um blogue pessoal com tudo o que isso implica. Debruça-se sobre aquilo que vai interessando a quem a faz em cada momento. Não sobre tudo; sobre o que interessa o suficiente para se achar que vale a pena perder uns minutos a escrever alguma coisa. Ou ganhá-los. Depende. Também depende de haver tempo para isso ou não. Depende de haver vontade, porque não é propriamente uma obrigação. Depende de haver pachorra. E depende de se achar necessário.

E no momento que atravessamos, o que é mesmo necessário é falar de política. Das opções que temos, das que não temos mas nos querem levar a crer que temos, das que temos mas nos dizem que não temos, e das que não temos mesmo.

A Lâmpada nunca foi nem nunca será um blogue político, embora nunca tenha tido problemas em falar de política quando é caso disso. E agora, mais do que nunca, é caso disso. Por conseguinte, de hoje até às eleições, haverá aqui um post sobre política a não ser que não haja mesmo, mesmo, tempo para o escrever. Não será campanha eleitoral (na verdade uma das coisas que quero fazer é mostrar o que me desagrada mais profundamente nas campanhas eleitorais e porquê), não seguirá a campanha eleitoral a não ser que algo de especialmente sumarento nela aconteça. Serão posts sobre o que eu penso a respeito da situação em que estamos, do nosso sistema político, etc. Espero que também sejam posts informativos, que com tanta desinformação a circular por aí é muito necessário que se informem as pessoas.

Considerem-se, portanto, avisados. Os posts estarão todos identificados nos títulos com aquele "L'11" que veem ali em cima (de "Legislativas 2011", claro). Podem usá-lo para os ignorar, até para estabelecer filtros que os façam desaparecer dos vossos feeds, mas eu espero que os leiam.

Este é o primeiro, e portanto é só para avisar. Mas já agora faço os avisos todos. Aqui fica mais um. Já tenho o sentido de voto definido: vou votar no BE. Grande novidade, dirá quem me conhece melhor. É verdade que é em quem tenho votado nos últimos anos, mas também é verdade que este ano pensei muito seriamente em não o fazer, por causa da maior argolada que o Bloco cometeu na sua história: aquela moção de censura motivada por puro calculismo político e que lhe explodiu na cara. E se fosse eleitor num círculo grande era provável que acabasse por votar num partido pequeno, daqueles que não têm representação parlamentar. Acho importante que passem a ter, pelo menos alguns deles. Mas sou eleitor em Faro, e aqui nenhum desses partidos tem a mínima hipótese de eleger alguém, portanto mantenho-me no BE. Não é só por isso, mas é também por isso. Infelizmente, o nosso sistema eleitoral desperdiça votos em barda e favorece sistematicamente os dois partidos mais votados. Fraca democracia esta, não é? Pois é.

E antes que alguém pergunte: não, não sou militante do BE, ninguém do BE me contactou, ninguém me pediu para fazer nada. Isso, aliás, deve ficar claro em alguns destes posts. Estes posts aparecem porque sou um cidadão da república portuguesa, independente e livre e com ideias próprias. Porque tenho o direito de os fazer. E porque acho que no momento presente tenho o dever de os escrever.

Portanto, avisos feitos, até amanhã.

sábado, 21 de maio de 2011

Lido: Uma Boa Ideia

Uma Boa Ideia é um conto de Carlos Tê sobre um duo de bons malandros e os estratagemas, as negociatas mais ou menos ilegais, que eles arranjam para sobreviver. A boa ideia do título é uma caixinha para comprimidos para vender (fraudulentamente) a farmácias, com a forma da vaca do presépio, e o conto vai descrevendo como esta ideia surge e o que dela resulta. É um bom conto, bem escrito, com alguma ironia, mas que me pareceu muito mais melancólico do que humorístico como se supunha que fosse dado o livro em que está incluído. Ou seja: não me pareceu que se encaixa lá muito bem no livro. E também não se encaixa lá muito bem nos meus gostos. Mas achei-o bom.

Lido: Intolerância

Intolerância (bib.) é um conto algo invulgar de Philip K. Dick. Ao contrário do que é costume nas ficções deste autor, aqui não existe qualquer questionamento da realidade. Trata-se duma ficção científica eminentemente política e muito irónica, cujo protagonista não compreende e se recusa a aceitar o radicalismo, compulsório, exaltado e totalitário, das duas fações em conflito no momento: os Puristas, que defendem a extração cirúrgica das glândulas sudoríperas para acabar com o odor corporal, e os Naturalistas que acham que o corpo humano está bem é como a evolução o deixou, com cheiros e tudo. Centrada num referendo próximo, a ação vai em crescendo e rodeia o protagonista, que não participa, só quer que o deixem em paz, apesar de acabar por ver o clima de guerra surda invadir a própria família e de por fim acabar envolvido nele, com vontade ou sem ela. O conto é basicamente uma sátira à política americana e, por extensão, a muitas outras (lê-lo em tempo de campanha eleitoral em Portugal, e em particular nesta campanha eleitoral, também é altamente irónico), e um alerta para a facilidade com que as maiorias democraticamente constituídas se podem transformar em instrumentos de opressão tão violentos como qualquer ditadura. Muito bom.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Idiotices

Cito, só cito e digo amém: "Existem dois tipos de imbecis: os superficiais e os profundos. Eu prefiro os imbecis superficiais, são mais genuínos, terra-a-terra, dizem imbecilidades sem nenhum tipo de pretensão e normalmente têm graça. Os profundos são mais elaborados, complexos, pedantes adulterados pelo estudo e que recorrem normalmente à imbecilidade dos outros para elaborar teorias tolas, com duplo sentido."

Mas há mais, o post não se esgota aqui. Citações, palavras alheias com que o Bulhosa (auto)ironiza. E nem sequer se pode achá-lo espertinho, ao Bulhosa, senão pumba, cai-nos em cima o martelo do duplo sentido, e catrapaz, fica a cretinice própria à vista para o mundo ver. Portanto disfarcem comigo, assobiem para o ar. O homem é um palerma, não é? É, pois, havia de ser o quê?

(Mas lá que a citação que aqui reproduzo acerta na muche, acerta. Com duplos sentidos ou sem eles. E também prefiro os superficiais. De longe.)

terça-feira, 10 de maio de 2011

Lido: O Jardim de Infância

O Jardim de Infância (bib.) é um ambiciosíssimo romance de ficção científica de Geoff Ryman do qual começo logo por dizer que me é bastante difícil falar. Por vários motivos. Um deles é a altura em que foi lido, que contribuiu bastante para que a leitura se arrastasse durante longos meses, tornando difícil, senão mesmo impossível, chegar à tal imersão na história que as boas leituras provocam nos leitores. Mas, por outro lado, mesmo que tivesse lido este livro (e nesta edição) no momento ideal tenho sérias dúvidas de conseguir atingir tal estado com ele.

É que esta edição portuguesa é uma catástrofe, do princípio ao fim.

Começando pela capa que estão a ver aqui ao lado, uma coisa ridícula que, embora não esteja totalmente desligada do conteúdo do livro (a rosa aparece de vez em quando, aqui e ali), faz pensar que ele é tudo menos uma obra complexa de ficção científica. Segue-se a própria encadernação. É algo complicado desfrutar por completo de um livro quando ele começa a desfazer-se-nos nas mãos a partir aí da 100ª página (são cerca de 450) e há que fazer malabarismos dignos dum artista de circo para o manter mais ou menos inteiro. E por fim, mas não por último, a tradução. É de Samuel Soares, o homem responsável pela pior tradução que li na vida (Roderick, de John Sladek, publicado na coleção Argonauta dos Livros do Brasil). E este livro, embora não esteja nem por sombras tão assassinado como o do pobre do Sladek, está, ainda assim, muito longe de bem traduzido.

O livro conta a história de Milena, uma jovem lésbica marginal numa sociedade distopicamente uniformizada e governada pelo Consenso. Este é um conjunto de milhões de padrões de personalidade que habitam um sistema informático global, e é ele que decide o que é melhor para cada um. As pessoas são "lidas" no início da adolescência, mas Milena não o foi. Ryman chama a isto socialismo, mas não passa duma caricatura deformada de tal coisa. O pano de fundo completa-se com uma esperança de vida reduzidíssima devido à disseminação de vírus que curam as doenças ao mesmo tempo que transmitem às pessoas conhecimentos instantâneos. Em Milena, contudo, os vírus não funcionam. É esse, aliás, o motivo para não ser lida: é que a leitura também é feita através de vírus.

Francamente, custou-me engolir boa parte da premissa da história. Esta baseia-se em grande medida numa gigantesca salganhada que confunde a natureza e o modo de funcionamento dos vírus informáticos e biológicos, tratando estes como se fossem simplesmente versões daqueles. E a ideia de que a vida é longa por causa das doenças que nos acometem também me pareceu extremamente estapafúrdia.

Ou seja, com tantos motivos para não gostar do livro, foi isso mesmo que aconteceu: não gostei do livro.

Mas desconfio que se o tivesse lido no original, ou pelo menos numa edição portuguesa decente, talvez tivesse gostado bastante mais. É que por trás da tradução espreita por vezes literatura a sério. É que Ryman dialoga no romance com obras tão relevantes como 1984, de Goerge Orwell, ou A Divina Comédia, de Dante. É que há aqui e ali sinais de que Milena pode ser uma personagem bastante mais interessante e bem construída do que é hábito na FC. Portanto este é dos tais livros que conto voltar a ler um dia, noutra edição. Uma edição portuguesa que o respeite. Ou uma edição em inglês. Só assim poderei avaliá-lo com justiça. Após a leitura desta edição é que só posso dizer duas coisas: que em geral não gostei do que li e que não faço a mínima ideia se o livro é bom ou não.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O que faço com as regras que decorei?

Há momentos, num comentário a uma daquelas perguntas que agora há no facebook, reparei em alguém que se interrogava, a respeito do acordo ortográfico, "o que faço com as regras que decorei?"

E esta interrogação, inteiramente legítima, diga-se de passagem, põe o dedo na grande ferida de todo este processo. Uma ferida que tem muito pouco a ver com o acordo ortográfico e tudo a ver com a educação nos países lusófonos. Uma educação arcaica e estupidificante, ultrapassada, que não prepara as pessoas para aquilo que mais fundamental é na tão propalada sociedade da informação em que já vivemos e, a menos que haja algum cataclismo, viveremos cada vez mais no futuro.

Pensar.

Pensar implica ter a capacidade de recolher informação, de a analisar e de a partir dela tirar conclusões. Melhor dizendo: ter a capacidade e as ferramentas para tal. Ora, se a capacidade é em grande medida inata e depende do grau de inteligência de cada um, as ferramentas são adquiridas. E nesse processo de aquisição a escola poderia e deveria ser fundamental.

Uma escola que de facto preparasse as pessoas para pensar nunca obrigaria os alunos a decorar regras nenhumas. Explicar-lhes-ia as regras e os porquês das regras, a filosofia que lhes está subjacente. No caso da ortografia da língua portuguesa, explicar-lhes-ia que ela é um misto de história das palavras com a pronúncia que elas tomam, explicar-lhes-ia que a ortografia não é a língua, antes uma forma de a representar (tal como um mapa não é o território mas uma representação desse território), que a língua não é uma construção definitiva, um edifício estático, mas muda e altera-se todos os dias, explicar-lhes-ia de onde ela veio, quais as influências que teve, e explicar-lhes-ia também que nela não existem determinismos, que o futuro da língua não está predeterminado à partida, antes depende da vontade coletiva dos seus milhões de falantes. Mas não. A nossa escola, a nossa educação deseducativa, faz-nos decorar regras e por aí se fica.

E é precisamente daí que vem boa parte da resistência à mudança. As pessoas encaram as regras como coisas fixas, e obviamente chateiam-se quando lhes dizem que vão ter de substituir regras cujo sentido ninguém lhes explicou por outras regras que também são poucos os que se preocupam em explicar-lhes. É em grande medida daí que vem a imensa ignorância, a monumental quantidade de disparates que se dizem e escrevem todos os dias a respeito deste tema.

Mas a importância que isto tem ultrapassa em muito o simples acordo ortográfico. Porque um povo que não é capaz de pensar, na sociedade do presente e ainda mais na sociedade do futuro, está condenado ao fracasso. Está condenado a eleger eternamente líderes sem as qualidades necessárias para os cargos. Está condenado a não compreender os problemas com que se depara nem as soluções alternativas para esses problemas. Está condenado a ser enganado por vigaristas sem escrúpulos, e a ser roubado por outros vigaristas sem escrúpulos (ou pelos mesmos). Um povo que não sabe pensar é um povo que nunca deixará de ser pobre. E essa é a grande tragédia que perguntas deste género revelam: os nossos povos lusófonos não sabem pensar. Ensinaram-lhes regras, mas não lhes ensinaram a analisar o motivo por que as regras são essas e não outras ou por que mudam quando se decide mudá-las.

Que responderia eu se me fizessem esta pergunta a mim? "O que faço com as regras que decorei?" Simples: esquece-as. Esquece as regras e entende a lógica. Porque ao entenderes a lógica entendes também as regras e, mais importante ainda, estás automaticamente preparado para te adaptares com toda a facilidade a todas as mudanças com que possas vir a deparar-te.

E no mundo do presente, e mais ainda no do futuro, só uma coisa é certa: a mudança.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Lido: O Sangue, o Mar

O Sangue, o Mar (bib.) é mais um conto de Italo Calvino, protagonizado pelo seu extraterrestre Qfwfq. É um conto mais poético e menos irónico do que outros contos cosmicómicos que, partindo do velho conceito biológico sobre os animais terrestres terem encerrado nos seus sistemas circulatórios um bocadinho do mar primordial, filosofa, numa prosa poética que por vezes soa a exercício de estilo, sobre isso, o sangue e o mar, sobre o dentro e o fora, sobre as fronteiras criadas pela vida para se manter vivas, regressando aos tempos primordiais em que essa transformação do fora em dentro se processou, tudo isto enquanto vai decorrendo uma viagem de carro na qual Qfwfq e Zylphia, a sua amante de momento, são passageiros. Para o meu gosto pessoal, encontrei no conto demasiado malabarismo com as palavras, demasiadas formas diferentes, mas semelhantes, de expressar um conceito simples. Bem sei que é precisamente esse o objetivo, e acho mesmo que está plenamente conseguido, mas não me agradou lá muito. Quem se delicia com o puro fluxo do texto, com a qualidade da escrita em si mesma, ao ponto de achar tudo o resto pouco importante por comparação, certamente gostará deste conto. Os outros, tenho dúvidas. Eu não desgostei, mas também não gostei lá muito.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Lido: El Arma

El Arma é uma noveleta de ficção científica do cubano Yoss que nos leva a um planeta distante chamado Barsoom. Não, não se trata do Marte de Burroughs, mas sim de outro planeta, assim batizado em honra daquele, por apresentar um ambiente bastante semelhante. O planeta, contudo, é um enigma biológico. Aparentemente desprovido de vida moderna, apresenta uma inaudita riqueza de restos fossilizados que, no entanto, não se conseguem encaixar numa história evolutiva que faça o mínimo sentido. Numa base avançada, humana, encontram-se dois grupos de pessoas com objetivos paralelos. A maior parte do pessoal é militar, mas há também alguns cientistas civis. Ambos os grupos se dedicam ao estudo do planeta, mas com objetivos bem diferentes. E tudo isto tem importância para o desenrolar da história, que no entanto é movida principalmente a relações humanas. Uma velhíssima história de triângulo amoroso envolvendo um militar desdenhoso, um caixa-de-óculos alheado e uma mulher sexualmente hiperativa e infiel. O conto está muitíssimo bem escrito e muito bem concebido, embora perca um pouco de fulgor mesmo no fim. É um belo conto de ficção científica dura, daqueles que fazem ter muita, muita pena que tanta gente pareça só ter olhos para aquilo que é escrito em inglês. Porque este conto é melhor do que a grande maioria dos contos escritos em inglês. Merecia ser traduzido, publicado, antologiado e, acima de tudo, lido.

Leiam-no aqui.

Quem quer ouvir-me falar sobre Martin?

Se a simples ideia de me ouvir, junto com quatro brasileiros (Thiago Cabello, JP Miguel, Ana Carolina Silveira e Gabriel, "O Nerd Escritor"), falar durante uma hora e vinte minutos sobre George R. R. Martin, a série dele que eu traduzi, As Crónicas de Gelo e Fogo, e a série de TV que nela se baseou e estreou há menos de um mês, Game of Thrones, se esta ideia, dizia, não vos desencoraja logo à partida, então deem um salto ao site do Papo na Estante e divirtam-se.

Peço desde já desculpa por uma certa gaguez, e por um disparate que digo a minutos tantos, quando confundo idiolecto (o "dialecto pessoal" de cada falante duma língua) com sociolecto (os usos linguísticos característicos de determinados grupos e classes sociais). Em minha esfarrapada defesa posso só alegar que era tarde, muito tarde. Portugal e Brasil estão de momento com 4 horas de diferença, e para encaixar a gravação a horas decentes para os brasileiros eu, o minoritário, tive de aguentá-la já no dia seguinte. Comecei-a com a cama a chamar intensamente pelo meu nome, e acabei-a já à uma e um quarto. Sim, costumo estar acordado a essa hora, mas não propriamente a puxar pelo cérebro, a tentar lembrar-me de coisas e a procurar gerir cá dentro da pobre massa cinzenta uma viva conversa de cinco vias, todas elas pejadas de sotaque.

Eu avisei que a desculpa era esfarrapada...

Vão lá ouvir então. Se preferirem um link direto para um mp3 descarregável e zipado, está aqui.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Lido: Se Acordar Antes de Morrer...

Se Acordar Antes de Morrer... (bib.) é uma noveleta de João Barreiros que funde a ficção científica com a mais desmiolada forma de horror: as histórias de zombies. A história vai acompanhando um dia de trabalho de um robô de um centro comercial, em vésperas do natal, enquanto à sua volta o mundo desaba em pleno apocalipse zombie. O contraste entre o automatismo da máquina e o mundo desfeito que o rodeia, ao qual o automatismo já não se adequa, faz lembrar com insistência uma das mais extraordinárias histórias de Bradbury, Virão Chuvas Suaves. A história de Barreiros é mais longa e muito mais irónica, o apocalipse é de natureza bem diferente, mas há vários pontos de contacto entre ambas, incluindo, guardadas as devidas distâncias, a qualidade. É que esta é bem capaz de ser a melhor história que Barreiros escreveu na última década.

domingo, 1 de maio de 2011

Lido: As Azagaias da Princesa Mulata

As Azagaias da Princesa Mulata (bib.), um conto do Repórter X, conta uma mirabolante aventura em que o "autor"/protagonista se vê envolvido, centrada na princesa mulata do título, uma tal Princesa Zaizá da Abissínia. O clima é de novo folhetinesco, de mistério e crime, embora desta vez haja de facto algum cheiro a fantástico na trama. Ténue, muito ténue, muito longe de ser aquilo que mais salta à vista na história, mas está lá. Tenho alguma dificuldade em falar mais deste conto sem revelar aspetos do enredo que poderão prejudicar a leitura de quem for lê-lo (se é que alguém vai ler este livro depois de ler isto; não é propriamente coisa recente ou chamativa). É que o conto se sustenta quase por completo na gestão do mistério e do suspense, os quais só são desvendados no final, à boa maneira policial. Mas posso dizer que há uma falha lógica no enredo que me causou alguma espécie, uma falha que tem a ver com a relação do protagonista com um certo cheiro. Deteta-o e identifica-o, ou não, dependendo da conveniência para o evoluir da trama. É um truque a que eu torço o nariz e que contribui para que eu tenha ficado com uma opinião não muito boa sobre o conto.

Lido: As Regras do Jogo

As Regras do Jogo é um conto de um tal Jorge Ribeiro Botello Ferreira que, apesar do nome aristocrático, não passa de mais um pseudónimo de Pedro Manuel Calvete. E apesar de ter sido escrito por um pseudónimo diferente, o conto tem muitíssimos pontos de contacto com A Sétima Casa. De novo temos os horóscopos a determinar o curso das vidas, de novo temos a ideia de os influenciar para influenciar esse curso, e de novo temos uma prosa que, embora de boa qualidade, para o meu gosto é demasiado expositiva. Neste caso mais expositiva ainda do que no d'A Sétima Casa, pois este conto pouco passa de uma longa exposição de um pai a um filho sobre a forma como vê o mundo. A principal diferença entre os dois está na ideia expressa neste de que existem pessoas (quiçá por terem horóscopos iguais) que são como que clones de vida umas das outras, fazendo todos os dias os mesmos gestos, as mesmas deslocações e as mesmas paragens. Não gostei muito. Mas sim, também este é um conto fantástico.