segunda-feira, 23 de maio de 2011

L'11: Ideologia, Tática, Protesto e Parvoíce

Há quatro tipos de voto.

O primeiro, e mais nobre, é o voto ideológico. O voto em quem sentimos que de facto nos representa, em quem acredita, mais ou menos, nas mesmas coisas em que nós acreditamos. E é sempre mais ou menos. Quem pensa pela própria cabeça nunca está inteiramente de acordo com nenhuma força política. Há sempre um qualquer ponto de discordância, aqui ou ali, mais ou menos importante. Isso, aliás, acontece mesmo com quem é militante, e mais ainda com a esmagadora maioria que não o é. Mas para isso é preciso pensar-se pela própria cabeça, não pela cabeça de outras pessoas.

O segundo, menos nobre mas não menos válido e legítimo, é o voto tático. O voto no partido X porque o achamos mais eficaz do que o Y, apesar de concordarmos mais com este último. Ou porque o Y fez uma asneira muito grande e nos desiludiu o suficiente para querermos puni-lo. Ou porque o Y esteve no governo mas só fez merda. Ou porque o nosso sistema eleitoral beneficia sistematicamente dois partidos e votamos num círculo pequeno, o que faz com que votarmos no Y seja o mesmo que deitar o voto à rua. Se tivêssemos um sistema como o que eu propus há um par de anos, perfeitamente proporcional, quase todos os votos contariam e a vontade do eleitorado seria mesmo respeitada, mas infelizmente não temos. Temos um sistema que beneficia sistematicamente os dois partidos mais votados, que gera maiorias absolutas no parlamento com menos do que maiorias absolutas dos votos expressos, que pode mesmo, em casos extremos, dar um número maior de deputados a quem não obtém a vitória em votos, embora isso, felizmente, ainda nunca tenha acontecido. E que desperdiça milhares de votos em todas as eleições, que os deita à rua sem que sirvam para eleger ninguém. Quanto mais o sistema eleitoral distorce a proporcionalidade, menos democrático se torna, e mais legítimo torna o voto tático. O voto útil é uma forma de voto tático, embora não seja a única (e raramente seja realmente útil). Votar, em círculos pequenos daqueles que só elegem dois ou três deputados, nos maiores partidos (os maiores nesse círculo, note-se) quando se preferiria um dos outros, também o é. Votar, em círculos médios, nos cinco maiores partidos, idem. Votar no partido X, preferindo as ideias do Y, porque na situação presente se acha que o X seria mais útil ao país é outra forma de voto tático. E há mais. Têm todas em comum uma coisa: não se está a votar na força política que ideologicamente melhor nos representa.

O terceiro é o voto de protesto. Ao contrário do que diz por aí quem não percebe grande coisa de democracia, os únicos votos que são real e incontestavelmente de protesto são o branco e o nulo. Todos os outros são votos numa alternativa qualquer e não é possível separar quem vota na força X porque realmente concorda com ela dos que votam nela para punir a força Y. E não é não gostarmos da alternativa que faz com que o voto seja de protesto. Talvez fale mais sobre isto noutro dia qualquer. Agora interessa-me é dizer o seguinte: este voto de protesto verdadeiro é legítimo, com certeza. Mas também é objetivamente inútil. Não tem o mínimo impacto na constituição do parlamento, não vai influenciar em nada o ambiente político que se segue às eleições. Em nada. Os números de brancos e nulos servem para preencher uns minutos com conversa de circunstância no dia das eleições, mais ou menos preocupada, com a velha conversa sobre o "alheamento dos eleitores da política", e depois são completamente esquecidos durante os quatro anos seguintes. Porque o que realmente importa é quantos deputados são eleitos por cada força política. E a rua. O resto é irrelevante. E porque quem assim vota está a baixar os braços e a dizer aos outros eleitores "decidam vocês, que eu me estou nas tintas." Está a alhear-se. Eu, confesso, já o fiz. Mas numa situação como aquela em que estamos agora parece-me muito irresponsável fazê-lo. Muito. É que os políticos não são todos iguais, por mais que a conversa de taxista insista nessa tecla.

E o quarto é o voto imbecil. O voto porque o "candidato a primeiro-ministro" tal é muito bonito. Ou porque fala bem, mesmo que não se perceba nada do que ele diz. Ou porque é simpático. O voto no partido X porque é o partido que as sondagens dizem que vai ganhar. O voto em Fulano de Tal porque fez Sicrano de Pimba gaguejar um bocadinho num debate qualquer. O voto em quem "ganhou os debates", como se o futuro do país fosse um campeonato de futebol. Quanto mais numeroso é este voto, mais burro é um povo e mais doente está a democracia. Devia ser dever de todos os políticos fazer profilaxia permanente contra este tipo de voto mas, pelo contrário, muitos cortejam-no ativamente, promovem-no, incentivam-no, em especial no centrão. Quando se vende um candidato numa campanha eleitoral como quem vende um sabonete está-se a promover este tipo de voto e a atacar os outros e a própria democracia. A democracia só funciona se for sobre ideias, não sobre o cheiro que têm os sabonetes em compita. E as campanhas eleitorais que temos tido nos últimos tempos têm tudo menos ideias. O descrédito da política em Portugal passa muito, muito, muito por aí. É que os políticos não são todos iguais, mas quando se reduzem a sabonetes parecem ser. Mesmo.

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