sábado, 17 de março de 2012

Lido: O Mistério da Estrada de Sintra

O Mistério da Estrada de Sintra, segundo se diz na contracapa desta edição, pode considerar-se o primeiro romance policial português. Mas quem julgue que isso implica que nesta história de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão se encontra um detetive a exercitar os seus poderes dedutivos, desengane-se.

Sim, de certa forma, esta história, escrita por dois grandes da literatura portuguesa do século XIX (e um deles é o maior de todos) mesmo que ambos tenham nesta a primeira obra de fôlego, tem qualquer coisa de policial. Afinal, arranca com um rapto na estrada de Sintra, e prossegue misteriosamente com um enredo adequadamente convoluto, que até mete um cadáver e tudo. Tudo num estilo epistolar, sob a forma de cartas que os protagonistas da história vão fazendo chegar à redação do Diário de Notícias, jornal onde ela foi primeiro publicada sob a forma de folhetim.

Mas a páginas tantas o rumo do enredo sofre uma reviravolta, os acontecimentos deslocam-se da zona de Lisboa para o Mediterrâneo, e o romance toma o caráter de literatura romântica, repleta de sentimentos vulcânicos e trágicos desenvolvimentos, um verdadeiro drama de faca e alguidar. A trama policial basicamente desaparece, dilui-se quase por completo nos encontros e desencontros amorosos de um pequeno grupo internacional de privilegiados em viagem até à ilha de Malta, à época colónia britânica. E não volta à superfície senão no final, e, aparentemente, a contragosto. É que se é certo que tudo no mistério acaba compreendido, se é verdade que a morte e o rapto se veem desvendados, não o é menos que o principal motivo que percorre o fim do romance é o aviso. Não sei se por casualidade ou desígnio, se estava planeado ou não, mas os autores acabam por transformar o romance numa história exemplar, numa história que acautela as donzelas e as jovens mulheres casadas contra os arrebatos do coração.

Ora, como já disse aqui por várias vezes, estes exageros do romantismo têm o condão de me encher de tédio, se bem que tenha bastante mais tolerância para eles quando as obras foram executadas na época em que era esse o estilo e a abordagem aceites nos meios literários. Ou seja, se este livro tivesse sido escrito hoje, teria poucas dúvidas em considerá-lo bastante fraco. Em 1870, contudo, ainda é época de romantismo, embora o movimento esteja já nos seus estertores finais em Portugal (onde chegou tardiamente, e onde terminou tardiamente, como é de tradição), portanto não será por aí que lhe pego. Não me agrada, mas não vou condenar o livro por isso.

Onde me parece que o livro peca mesmo é numa certa falta de solidez de abordagem. Dá ideia que os autores foram rumando um pouco ao sabor dos comentários que foram recebendo à medida que os capítulos iam sendo publicados no jornal e que a páginas tantas se deram conta de que o seu público seria maioritariamente feminino e decidiram escrever umas coisas primeiro para contentar as senhoras, depois para as avisar. Especulo. Não sei se assim foi ou não. Mas foi essa a ideia com que fiquei.

Daí que, embora não tenha desgostado da leitura, tampouco posso dizer que gostei. O português sai da experiência tão bem tratado como seria de esperar, mas o livro aborreceu-me bastante em vários trechos, em especial durante o longo interlúdio maltês. Não me encheu as medidas, longe disso. E diverte-me a popularidade de que continua a gozar ainda hoje. Não me surpreende, mas diverte-me bastante.

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