sábado, 28 de abril de 2012

Lido: Ajolote

Ajolote é um conto de ficção científica do argentino Santiago Oviedo que postula um futuro biologicamente distópico, no qual a humanidade caiu vítima de uma epidemia para a qual não se consegue encontrar cura, ao mesmo tempo que as cidades vão submergindo, provavelmente inundadas em consequência do aquecimento global, muito embora isso nunca chegue a ser afirmado taxativamente. Pareceu-me um conto muito bem escrito, com uma linguagem cuidada, em especial no princípio, embora caia aqui e ali em infodumps que não me parecem particularmente bem interligados com o resto do conto. À parte essa questão dos infodumps, também me pareceu bem elaborado, no sentido de ter tudo mais ou menos no sítio certo. Um bom conto, portanto?

Mais devagar.

É que no que toca às ideias... custou-me muito engolir algumas. Há a recuperação de velhos conceitos New Age sobre a Terra como organismo vivo e consciente, a teoria de Gaia. Há uma certa atmosfera ludita, que encara o Homem e a sua tecnologia como uma doença que Gaia tenta expulsar. É isso que explica a epidemia. O Homem e a civilização que construiu estão a ser exterminados por uma espécie de sistema imunológico (e vão ter de ler para ficarem a saber qual é o principal — ou será único? — vetor desse sistema) de Gaia-enquanto-superorganismo, como se não passássemos de bactérias ou de vírus.

São ideias razoavelmente comuns nos meios ecologistas, mas eu julgo que são profundamente erradas e que fazem mais mal que bem. Não vou entrar aqui numa discussão dos motivos mas, em pinceladas muito esquemáticas, posso dizer que têm a ver com o facto de que num sistema biológico tudo influencia tudo, tudo tem impacto no sistema como um todo e, consequentemente, nós não somos exceção, e com eu pensar que a tecnologia é uma ferramenta, moralmente neutra, que tanto pode ser usada para criar os problemas como para os resolver. Não creio que o problema seja de tecnologia, ou sequer de natureza humana. Creio que está na ideologia, na ignorância e na atitude perante a sociedade e o mundo que nos rodeia, tudo coisas alteráveis, com maior ou menor esforço.

Portanto não, não creio que este conto seja bom. Mas é, isso com toda a certeza, um conto interessante. Um conto com sumo. E isso, só por si, é bom. Mas nada como avaliarem por vós próprios. O conto está aqui.

2 comentários:

  1. Jorge, dizes que estas «são ideias razoavelmente comuns nos meios ecologistas». Ora, mesmo substituindo "ecologistas" por "ambientalistas", esta afirmação não corresponde à realidade que eu conheço, principalmente no meio ambientalista português.

    P.S.: E desculpa lá só comentar para “dizer mal” — após ter acabado de ler uma dúzia de postas em que achei tudo muito bem! (E, ena!, meti neste comentário os três tipos de aspas, uma vígula seguida a um ponto de exclamação, e ainda uma vígula de Oxford!)

    ResponderEliminar
  2. Repara que eu não digo que são predominantes. Acho, de facto, e pelo que tenho visto, que são comuns (e és capaz de ter razão na dicotomia ecologistas/ambientalistas), mas não creio que predominem. São comuns mas minoritárias no mesmo sentido em que é comum cruzarmo-nos com imigrantes de Leste nas ruas.

    ResponderEliminar

Por motivos de spam persistente, todos os comentários neste blogue são moderados. Comentários legítimos passam, mas pode demorar algum tempo. Como sempre acontece, paga a maioria por uma minoria de idiotas. Parece ser assim que o mundo funciona, infelizmente.