quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Lido: O Meu Dia de Trabalho

O Meu Dia de Trabalho é uma muito irónica crónica de José Gomes Ferreira, escrita em pleno PREC, sobre uma coisa muito característica desses arroubos revolucionários: o dia de trabalho voluntário. Sim, sim, caros desconhecedores de tal modalidade laboral, nos tempos já longínquos de 1974 as pessoas contribuíam com trabalho voluntário para pôr o país (e a Revolução, claro; não esquecer a Revolução) a andar para a frente. Avante, camaradas, pá! E é esse dia que o então já velhinho Zé Gomes descreve. O dele, não o dos outros. Durante o qual, não sei se estão a ver, não fez a ponta de um chavelhinho, ainda que dos mais pequeninos. Auto-ironia, ironia dirigida aos entusiasmos revolucionários, ironia apontada ao politicamente correto do tempo, ironia, ironia, ironia. Já vos disse que este texto é levemente irónico? Pois.

Lido: Um Mar de Rostos

Um Mar de Rostos (bib.), é um muito interessante conto de ficção científica de Robert Silverberg que descreve aquilo que basicamente é uma sessão terapêutica. De novo com grande ênfase na abordagem literária que é dada à história, o protagonista desta é um terapeuta (psicólogo, psiquiatra, algo assim) que aplica uma técnica nova, arriscada mas com bons registos de eficácia, para tentar resolver o que há de errado com a paciente: o mergulho da sua consciência na dela. Ao fazê-lo, mergulha na paisagem onírica e surrealista que seria de esperar, e é a descrição desta paisagem e do que ele lá vai fazendo que constitui o fulcro da história, entrecortada por breves analepses, onde se vislumbram fragmentos de conversas e acontecimentos anteriores ao mergulho, que servem para situar o leitor e levá-lo a tirar sentido do que está a ler.

É uma história que exemplifica bastante bem as principais características da New Wave da FC: é literariamente forte, usa as ciências humanas como fonte de ideias e experimentação intelectual, quebra com o paradigma da narrativa linear que dominou o género durante a idade do ouro, etc. E é também uma boa história, embora eu já tenha lido explorações mais bem conseguidas de mundos oníricos do que a que aqui se encontra. Em especial devido ao final que, mesmo não sendo inteiramente inesperado, é bastante eficaz.

Contos anteriores deste livro:

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Lido: In the Icehouse

In the Icehouse é uma noveleta de ficção científica de Sally Gwylan que me deixou muito pouco impressionado. A protagonista é uma jovem vagabunda que, no início da história, está numa busca desesperada por alguma espécie de abrigo numa região incompreensivelmente invernosa dos EUA. Mais tarde, encontra abrigo e com ele algum alimento e um grupo de outros vagabundos. Mas estes guardam um mistério qualquer, e alguns talvez não sejam o que parecem ser.

A história está bem escrita, com um bom uso do discurso direto e do registo informal da linguagem (e seria tão bom que tantos escritores portugueses que por aí há aprendessem a usá-los!), mas falhou redondamente em criar uma ligação com este leitor que aqui escreve. Em grande medida, julgo, porque não tem uma coluna vertebral minimamente sólida que a sustente; se no princípio o leitor fica com a ideia de que há um mistério que tem a ver com a bizarria do clima, ou talvez com a origem e história da protagonista, a noveleta acaba e fica-se quase sem saber nada sobre a protagonista e sobre o clima. Essa aparência inicial de fio condutor transforma-se, quase no fim, noutro que aparece vindo de nenhures e sem qualquer ligação com o original. O resultado é uma história algo desconexa e muito insatisfatória, cheia de pontas soltas. Fiquei mesmo com a sensação de que aquela mudança abrupta e as pontas que permaneceram soltas no fim se deveram a uma tentativa inábil de criar um final surpreendente. Ou que a ideia da autora era escrever um romance de que esta noveleta não passaria de extrato. E talvez seja — ela tem um romance publicado, anos mais tarde — mas a verdade é que me parece que esta história não se aguenta bem de pé sozinha.

Textos anteriores desta publicação:

Lido: E-zine BBDE, nº 1

O E-zine BBDE foi um fanzine em PDF editado pelo fórum Bad Books Don't Exist, do qual se publicaram, tanto quanto eu tenha conhecimento, dois números. Este primeiro número (bib.), sem data, inclui contos, poemas e uma entrevista. Cerca de dois quintos dos textos podem integrar-se em algum dos géneros fantásticos. Todos são, julgo, obra de pessoas que participavam no fórum à época da edição, quase todas muito novas, entre o fim da adolescência e os vinte e poucos anos. Trata-se, portanto, de uma publicação amadora com tudo o que isso implica, repleta de textos produzidos por gente que está apenas a apalpar a ideia de fazer literatura. Ou algo de parecido. Talvez.

Ao folhear as suas páginas virtuais, uma coisa se destaca de imediato: as ilustrações de Ricardo Rodrigues. E quando se termina a leitura dos textos, a impressão inicial de que estas seriam, muito provavelmente, o que o fanzine tem de melhor fica confirmada. Trata-se de oito desenhos de cariz infantil, feitos sobre fotografias a preto e branco, e o resultado está francamente bem conseguido.

Mas o que mais me interessa é a literatura, ou o que por ela passa. E neste número a generalidade dos 26 textos é entre o fraco e o muito fraco, chegando mesmo alguns a atingir o patamar do humor involuntário, das coisas que, de tão más, se tornam hilariantes. Há fartura de angst e sentimentalismo adolescentes, muitos sentimentos banais sem nada que os transforme literariamente em obra. Há falhas de português. Há enredos e diálogos cheios de deficiências. E assim por diante. Há muita coisa má.

Globalmente considerado, portanto, o zine é muito mauzinho. Mas inclui alguns textos que destoam pela positiva. Não que sejam propriamente bons, que nem todos o são, mas são pelo menos razoáveis. Sem ser exaustivo — estou provavelmente a esquecer-me de um ou dois — incluo neste grupo de cinco ou seis coisas que valem a pena a leitura os dois textos da Ana Vicente Ferreira, o mini-conto do Ricardo Loureiro, e sobretudo o conto do Gonçalo Mira, O Desenhador de Coisas que Ninguém Quer, um conto infantil com uma boa ideia, bastante bem executada, que me parece ser, de longe, o melhor texto do zine. Não destoaria num livro.

Quanto aos outros vinte, é melhor esquecer.

Este PDF foi obtido no fórum BBdE, há vários anos, quando tive uma participação ativa por lá. Fiz uma rápida busca por ele há um par de semanas, mas não o encontrei; é possível que já não esteja disponível, mas a busca foi realmente muito rápida e pode ter-me passado despercebido.

PS: Informaram-me aqui em baixo nos comentários que os dois números do e-zine continuam disponíveis, aqui. Fica a nota.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Lido: A Síndroma de Abraão

A Síndroma de Abraão (bib.) é um conto de João Barreiros que mistura elementos de história alternativa com a ficção científica mais habitual no autor. Tudo parte de uma primeira alunagem completamente diferente da que foi realizada no nosso mundo por Neil Armstrong. No mundo de Barreiros, Armstrong, ao chegar à Lua, desperta uma biosfera alienígena latente, a qual, como sempre acontece nos mundos de Barreiros, se vem a revelar agressivamente predatória. Isto muito embora neste caso essa agressividade venha disfarçada de benevolência, pois os organismos que os astronautas americanos encontram na Lua funcionam como uma espécie de mnemovírus parasitários, oferecendo aos hospedeiros acesso instantânio à Enciclopédia Universal. E é o que acontece à espécie humana quando a infeção se espalha pelo planeta que constitui o tema superficial desta história.

Trata-se de um conto que pode começar por parecer algo indigesto, dado o gigantesco infodump que ocupa as primeiras páginas, mas que acaba por revelar-se interessante lá mais para o meio, a partir do momento em que aparece um protagonista para a história, alguém com uma personalidade e opiniões próprias. Esse infodump inicial é, contudo, suficiente para arredá-lo imediatamente do conjunto dos melhores contos de João Barreiros. Além disso, trata-se de um conto marcadamente ideológico, sendo mesmo defensável, até certo ponto, vê-lo como propaganda da velha ideia de que não há jantares grátis. E embora nisso não destoe da maior parte da obra de Barreiros, bem pelo contrário, essa característica torna-se aqui mais evidente pela ausência do habitual enredo de ação, que em outras histórias tende a disfarçá-la um pouco.

De resto, retomam-se aqui outras ideias já muito exploradas por Barreiros, como a da invasão de alienígenas oriundos do centro da Galáxia, central, por exemplo, no romance Terrarium e na novela Disney no Céu Entre os Dumbos. Isso implica consistência? Sim. Mas é repetitivo? Também. E é mais um motivo para que quem já leu a obra quase completa de João Barreiros provavelmente não vá achar este conto grande coisa. O autor já tinha feito muito melhor com muitos destes temas.

Contos anteriores desta publicação:

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Ah, e tal, e os políticos

Uma das coisas que mais ouvi e li nos dias que antecederam a manifestação de 15 de setembro foi o generalizado enxovalho aos políticos. Sem nuances, sem graus, sem qualquer espécie de individualização. Era um enxovalho generalizado aos políticos, tratando-os como uma massa monolítica de crápulas e aldrabões, únicos responsáveis pela situação a que o país chegou.

E eu até percebo. E até concordo, em parte. Embora ninguém possa dizer com alguma seriedade que todos os políticos são iguais, até porque bem poucos serão os cidadãos deste país que sabem sequer quem são os 230 deputados da assembleia da república e o que cada um faz ou deixa de fazer, muito menos toda a classe política, que inclui gente como os autarcas, os dirigentes locais dos partidos, uma multidão que ninguém conhece e em que há de tudo, a verdade é que os políticos mais destacados, e muito em especial aqueles que têm passado pelos governos, são verdadeiramente miseráveis. É verdade que se estamos nesta situação é, em grande medida, por causa desses. Porque não souberam governar, porque não souberam (ou nem tentaram) resistir à ação dos piratas internacionais que puseram este país a saque, e sobretudo porque em vez de servirem o país se foram servindo, enchendo os bolsos deles e dos amigos, desbaratando os bens públicos, que são de todos, desbaratando o dinheiro dos nossos impostos em obras ineficazes e que tantas vezes nem sequer chegam a ser levadas a cabo (veja-se os milhões enterrados no TGV), tecendo uma vasta teia de corrupção e de parasitismo que suga os fluidos vitais do Estado e da sociedade. Ou seja, os nossos, porque Estado e sociedade somos todos nós.

Mas não nos iludamos. Culpar os políticos é fácil, mas é errado. A culpa é nossa.

Sim, é bem provável que na atual classe política estejam alguns dos maiores crápulas que este país deu ao mundo nas últimas décadas. Mas fomos nós que deixámos que eles subissem até às posições que atualmente ocupam. Ao virarmos as costas aos partidos, abrimos-lhes a porta. Ao virarmos as costas às eleições, deixamos que os outros, os parvos, os comprometidos ou os corruptos os elejam. Ao ficamos de braços cruzados, passivos, a ver o barco afundar, fizemos tanto mal como se tivéssemos sido nós a abrir os buracos no casco para a água entrar. Ao ficarmos de lado a barafustar contra "os políticos", sem sequer fazermos um esforço para tentar perceber mesmo se são ou não todos iguais, sem sequer levantarmos os cuzinhos do sofá para vermos quem vota o quê, quem propõe o quê, quem sai dos cargos políticos para ir para administrações de empresas públicas ou privadas com negócios com o Estado, quem sai para voltar ao que fazia antes de se tornar político, estamos a contribuir para que qualquer pessoa com um mínimo de vergonha na cara sinta uma enorme relutância em meter-se a tentar mudar as coisas. Porque se tem de misturar com canalhas de altíssimo calibre, que não hesitarão em enlameá-la e tentar rebaixá-la ao seu nível.

E ainda por cima, quando os partidos fazem ténues tentativas para ganharem algum decoro, expulsando do seu seio alguns dos mais notórios criminosos que deles se vão servindo, nós voltamos a elegê-los. Veja-se o que aconteceu com o Valentim Loureiro. Com a Felgueiras. Com o Isaltino. Porque os idiotas, os comprometidos e os corruptos votam neles, e porque os que se acham demasiado possuidores de valores morais demasiado elevados para darem atenção à política voltam as costas a tudo e, não votando nos outros, deixam que os idiotas, os comprometidos e os corruptos os elejam.

A culpa, meus caros, é nossa. É de quem desiste, é de quem manda tudo à merda, é de quem permite.

E o resultado está à vista.

Quando a verdade é que nem todos os políticos são iguais. Nem todos os partidos são iguais.

Eu fui em tempos membro de um partido. Saí porque cheguei à conclusão de que, devido à sua cultura interna, e apesar de ser em geral um partido de gente honesta, esse partido era irreformável (e continuo convicto disso). Nunca concordei com todas as posições do partido — nunca concordei nem nunca concordarei com todas as posições de nenhum partido, aliás — e desgostou-me o péssimo modo como lá se lidava com a divergência interna. Pura e simplesmente, esperava-se que os militantes não tivessem ideias próprias ou, se as tivessem, não as exprimissem publicamente. E os que o faziam eram segregados e muitas vezes expulsos. Para piorar as coisas, a direção desse partido embarcou numa série de crassos disparates, que provavelmente não teria cometido se desse ouvidos às vozes dissonantes. Portanto eu cheguei à conclusão de que o partido era irreformável e saí. Com a firme intenção de não voltar a entrar em nenhum.

Mas não deixei de votar. Raramente votei em males menores; votei quase sempre na força política com cujas posições mais me identificava, tivesse ou não possibilidades de contribuir com o meu voto para a eleição de alguém. A princípio não contribuí para eleição alguma. Mas a seu tempo isso aconteceu e se querem saber ainda não me arrependi... embora num dado período estivesse quase, quase a fazê-lo. Porque o partido de que me tornei eleitor desatou a fazer disparates.

Porquê?

Bem, em parte porque gente como eu não estava lá dentro. Eleitores independentes, com ideias próprias, descomprometidos com tendências internas, bem longe de certos radicalismos mais patetas (que entretanto se desvincularam do partido, aliás), com uma perspetiva sobre a sociedade não formatada pela vida partidária, a qual tende a deformar um pouco (ou muito) a realidade se não se tiver cuidado. Se lá estivéssemos, e em número suficiente, e se fôssemos participativos, talvez tivéssemos evitado algumas daquelas asneiras. E talvez, hoje, o partido tivesse mais força, não tivesse perdido tanta credibilidade junto de muitos dos seus eleitores habituais. Esteve quase a perder-me a mim. Mas acabou por me ganhar como militante.

Precisamente porque sendo-o posso intervir. Posso tentar mudar um pouco o rumo às coisas. Posso tentar persuadir aqueles com que não concordo ou dar mais força àqueles com que concordo. Não o sendo só poderia votar neles, noutros quaisquer ou em ninguém e não teria nenhuma influência sobre as decisões que o partido toma. Sendo posso ter.

E a questão é mesmo essa. Quem se alheia da coisa pública abandona-a aos outros. Aos que não prestam. Aos corruptos. Aos canalhas. Aos oportunistas. Aos que se servem do que é de todos. Àquela gente reles que nos levou até aqui. Se quisermos que daqui para a frente as coisas sejam diferentes, temos de entrar nos partidos, temos de os mudar por dentro, ou temos de criar partidos novos que mudem o sistema por fora.

Sendo muito claro, julgo que há partidos que são irreformáveis. Uns devido ao seu funcionamento interno muito pouco democrático, e refiro-me, obviamente, ao PCP. Outros devido à pura quantidade de gente rasca que contêm. Em parte pela sua condição de partidos de poder, em parte porque nunca fizeram um esforço sério para evitar transformar-se em cadáveres malcheirosos de partidos democráticos, o PS e sobretudo o PSD são basicamente centrais de negociatas, onde se acolhe tudo quanto é fura-vidas sem escrúpulos, tudo quanto é pulha apenas ansioso para encher a barriga com umas migalhas daquilo que é de todos nós. O PSD, um nome mais adequado para o qual seria PCE, Partido dos Chicos-Espertos, é completamente irreformável. Não vale a pena sequer tentar. Mais vale que as poucas pessoas decentes que ainda por lá restam saiam e criem um partido novo na mesma área política ou se juntem a algum dos que já existem — O Partido Liberal-Democrata, por exemplo, ou o Movimento Esperança Portugal, ou mesmo, caso tenham tendências ecologistas, o Partido da Terra. Quanto ao PS, o caso não é tão grave, e portanto não tenho completa certeza de também se tratar de um partido irreformável. Há lá dentro mais gente decente, embora também haja muito, muito, muito lixo, como aliás todos bem sabemos para mal dos nossos pecados. Mas se no PSD é difícil encontrar-se um dirigente que não seja um zero à esquerda, ou pior, no PS sempre há uns quantos. Mas não deixam de ser também uma minoria. E isso significa que para se ter alguma esperança de reformar o PS, ainda que ténue, seria necessário que muita gente boa entrasse lá para dentro. Talvez também aí seja melhor começar de novo, ou com um partido novo, ou com um que já exista naquela área política. Talvez o Trabalhista, talvez o Humanista.

E acima de tudo, é urgente que quem tiver um pingo de decência não volte a votar em algum destes partidos (e no CDS, que é outra central de negociatas ainda que em ponto mais pequeno) até que eles sofram uma completa limpeza. Nunca mais. Deixem-se de votos úteis; também foram os vossos votos úteis que nos trouxeram até aqui. Votem em quem está na política com alguma ética, não nesses crápulas.

É que tudo isto é urgente. É urgente que gente com algum sentido ético da vida em sociedade tome as rédeas aos partidos, afastando quem não presta. Este sistema partidário está podre e tem de ser reformado se quisermos que Portugal tenha futuro.

Há uma alternativa — há sempre uma —, a revolução. O nosso sistema político está centrado em partidos, e não vai deixar de estar sem uma revolução. São eles que controlam as instituições, e não vão abdicar voluntariamente desse controlo. Só de forma revolucionária é possível causar alterações de fundo num sistema político como o que temos sem a participação dos partidos. Mas será essa alternativa viável no atual momento? Não me parece. Estou convicto de que a esmagadora maioria do povo português não deseja e não participará nem apoiará uma revolução... pelo menos por enquanto; isso provavelmente mudará quando a fome que já se vai fazendo sentir passar a ser generalizada. A continuarmos neste rumo, dou uns dois anos até se chegar a essa situação.

Sinceramente preferia que não se chegasse. Não me apetece passar fome. Não me apetece perder o algum conforto que vou tendo. Por isso preferia que este sobressalto cívico levasse as pessoas a politizar-se, e a decidir arrancar duma vez por todas os partidos das mãos dos criminosos que os controlam. Ou, caso isso não seja possível, a matá-los, esvaziando-os do poder que o voto confere, criando e dando força a outros.

Pensem nisso.

domingo, 16 de setembro de 2012

Foi bonita a festa, pá.


Foi bom estar aqui. Muito bom mesmo. Nunca tinha visto tanta gente nas ruas de Portimão, numa demonstração de civismo exemplar, sem o mais pequeno sinal de incidentes. Cada um com as suas ideias, alguns antipartidários, outros apartidários, outros partidários, todos unidos contra esta corja criminosa que nos vai massacrando, que vai destruindo este país. A polícia, que pôs em campo um dispositivo exageradíssimo, não teve nada para fazer a não ser gerir o trânsito. E foi evidente que muitos dos agentes preferiam estar entre nós. Gritaram-se velhas palavras de ordem, subitamente rejuvenescidas. Viu-se um povo unido como há muito não se via, e de novo pareceu que realmente, assim, ninguém nos vencerá. Portimão, como o resto do país, acordou do marasmo em que andava mergulhado. Portimão, como o resto do país, pode ter ontem começado a mudar alguma coisa. Só começado; as forças que temos de combater são demasiado poderosas para serem derrotadas com uma só manifestação, por mais gente que nesta se reúna.

Hoje não direi muito mais, mas se tiver tempo nos próximos dias porei aqui na Lâmpada mais uns posts de caráter político. Por agora, ficam só duas notas:

1. Em toda a manifestação vi um único símbolo partidário ou sindical: alguém levou uma bandeira do PCP. Só reparei no facto já no fim da manifestação, pouco depois de tirar a foto que ilustra este post; não sei se antes alguém se tinha incomodado, se alguém disse alguma coisa sobre a bandeira ao comunista que a trazia. Sei que nesta fase da manifestação ele era apenas mais um de nós, tão consciente como todos os outros de que a esmagadora maioria dos que ali se encontravam não partilhavam a sua opção partidária, mas tão consciente como todos os outros de que tinha todo o direito a estar ali tal como estava. A liberdade é isso mesmo.



2. Uma das formas de continuar o que aqui se iniciou é construir uma verdadeira alternativa de esquerda que ultrapasse os bloqueios que têm sido tradicionais na política portuguesa. Uma alternativa que não se limite aos partidos mas os transcenda sem no entanto os pôr de lado. Há algumas iniciativas nesse sentido, sendo a principal, neste momento, o Congresso Democrático das Alternativas. Não só pela repercussão que poderá vir a ter, mas principalmente por fornecer uma plataforma para reflexão séria sobre os desafios que temos de ultrapassar e as formas de os ultrapassarmos. Eu subscrevi a convocatória, e convido-vos todos a pelo menos a lerem.

sábado, 15 de setembro de 2012

Lido: O Homem das Batalhas

O Homem das Batalhas (bib.) é uma noveleta de Dórdio Guimarães sobre um homem que se vê periodicamente arrebatado para fantasmagóricas batalhas do passado, sempre que chega àqueles pontos do território português onde elas tiveram lugar. Narrada por um seu amigo e colega, que o acompanha em viagens pelo país a publicitar medicamentos, a história vai desvendando a estranha vida secreta de Lúcio, assim se chama o protagonista (e não por acaso), que julga ser obrigado a reviver as antigas batalhas em desarvoradas pantomimas a fim de que quem nelas morreu não sobreviva. Ou talvez o seja mesmo.

A ideia é ótima. Mistura viagem no tempo com o fantástico mais tradicional, chega mesmo a roçar muito ao de leve a ficção científica, e a história está, no geral, bem desenvolvida. O problema é... bem, a poesia.

Dórdio Guimarães, cujo principal acesso à fama consiste em ter sido casado com Natália Correia, teve, no entanto, atividade cultural de relevo... mas no campo literário foi sobretudo poeta. E isso, infelizmente, nota-se aqui demasiado.

Note-se que nada tenho nem contra a poesia, nem contra a prosa poética. Até gosto. Mas gosto quando ela tem uma função, quando contribui para criar uma obra melhor do que se fosse escrita de outra forma. Pelo contrário, irrita-me sobremaneira quando os rodriguinhos do texto se intrometem na história, reduzindo-lhe a eficácia. Irrita-me quando um discurso direto desastrado faz com que as personagens deixem de parecer pessoas para passarem a soar como pavões balofos e presunçosos porque o autor acha que tem de burilar todas as frases. E depois aparecem personagens a dizer coisas como "e agora atenta bem no que vais presenciar, pois ninguém jamais repetirá as imagens a que vais assistir." Ou "digo-te, aproveita enquanto o teu império é tempo, meu caro." Ou até frases sem sentido algum (mas muito belas, mas muito belas), como "a tua supremacia, conquanto, suponhamos, a longo prazo pode ser temporal."

O Homem das Batalhas poderia, portanto, ser um belo conto fantástico. Mas a meu ver foi arruinado por um autor que não lhe soube dar o devido tom. É pena. Mas achei-o fraco.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Lido: Uma Coisa Atrás de Outra

Uma Coisa Atrás de Outra (bib.) é uma vinheta de Bruce Holland Rogers que na verdade não é uma vinheta, mas sim uma compilação de seis mini-contos insólitos, escritos segundo o mote "uma palavra segue-se a outra." Não são aqui descritíveis sem que se acabe por compôr um texto maior do que eles, portanto não vou tentar fazê-lo. Direi apenas que alguns são pequenas pérolas, ainda que outros nem tanto, e que a maioria traz consigo um elemento fantástico bastante forte, frequentemente originado por uma única palavra inesperada, que leva à reavaliação de toda a história contada até aí. O conjunto é bastante bom.

E amanhã...

... estarei aqui:


Evidentemente.

Porque já basta de tanta estupidez. Porque basta de uma política catastrófica que nunca poderá dar resultado em sítio nenhum do mundo. Porque basta de roubalheira. Porque basta de vender o país aos bocadinhos. Porque basta de canalhice. Porque basta de demitir administrações competentes para entregar empresas públicas aos amiguinhos das cervejas. Porque basta de roubar a quem trabalha para entregar o dinheiro ao capital. Porque nunca se construiu um país destruindo-o, e sempre que se tentou morreram milhões. Porque basta de ter no governo gente que é doente da cabeça. Porque basta de termos um povo inteiro a querer trabalhar e a ser sabotado por betinhos filhos da puta que nunca na vida mexeram uma palha.

Porque JÁ CHEGA! Porque PORTUGAL NÃO PODE MAIS!

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Lido: Anjos Pistoleiros

Anjos Pistoleiros (bib.) é um romance de Paul McAuley que me deixou com uma sensação de ambivalência ao terminar a leitura, tal como já tinha acontecido, aliás, com o outro livro dele que li (A Invenção de Leonardo) e de que falei brevemente aqui. Trata-se de um romance de ficção científica centrado no conceito de universos paralelos e de linhas temporais divergentes, já bastante usado quer na FC que lida com viagens no tempo, quer em bastante história alternativa. A ideia é simples mas instigante: o tempo em que vivemos é apenas um de muitos tempos possíveis, e o universo também. Este, apesar do nome (universo significa a união do todo, e traz implícita a ideia de ser só um), é apenas um de uma infinidade de universos que, globalmente, constituem o multiverso. E sempre que há um acontecimento que pode ter vários resultados possíveis e/ou prováveis, está-se perante um ponto de divergência e o universo divide-se em dois, numa espécie de mitose cósmica. Num dos universos resultantes da divisão o acontecimento que deu origem à divergência teve um resultado, no outro outro.

A FC foi ao longo dos anos descrevendo uma série de variantes desta ideia base. Aqui, segundo é explicado no decorrer do romance, a divergência está dependente de atos humanos, e tende a anular-se com o tempo, a menos que outros atos subsequentes a vão reforçando até se tornar definitiva. Como costuma acontecer neste tipo de história, os vários universos (aqui designados por "feixes") são interligados por portais, e são esses portais, e a existência num dos feixes (o dito "Real") de uma América particularmente imperialista que decide imiscuir-se nos assuntos dos outros feixes, que estão no fulcro da história. Os Anjos Pistoleiros do título são um grupo de agentes secretos treinados no Real para alterarem as histórias dos outros feixes através de missões clandestinas muito ilegais, mas uma mudança no governo e algumas operações desastradas vão pôr cobro às suas atividades... embora continue a haver um núcleo operacional, à revelia das ordens superiores, ao qual o protagonista do romance vai ter de se opor.

Dá pano para mangas, sob vários aspetos. A ideia podia ser desenvolvida de várias formas diferentes, e, se o desenvolvimento fosse realmente bom, todas elas poderiam resultar em livros magníficos. Só que não é. Para começar, McAuley deixa alguma incoerência no ar, ao postular também a existência daquilo a que chama "feixes selvagens", isto é, universos nos quais não há homens. Não se entende como é possível a existência de universos desprovidos de seres humanos se a divergência entre eles depende de atos humanos. E também não se percebe o que pode ganhar o Real com a ingerência nos outros universos. É que se os atos humanos criam novos feixes, então os atos de homens oriundos de outros feixes também vão os criar. Logo, a ingerência não vai alterar nada de fundamental; vai limitar-se a criar um ponto de divergência entre a história original do universo ingerido e a nova história que é resultado da ingerência. Ou dito de outra forma, vai criar um novo universo no qual a ingerência teve efeito. Tudo aquilo que o "Real" encara como mal a ser corrigido nunca é realmente corrigido, permanece tal e qual como era, pelo menos em alguns dos feixes-filhos.

E essa incoerência, esse não pensar a ideia até às suas últimas consequências é sintomático do que me desagradou neste livro. McAuley dedica-se apenas a tecer um technothriller de espionagem, de enredo convoluto mas superficial, cheio de pontas soltas ou mal amarradas. A tal teia de peripécias digna de um blockbuster de Hollywood que também encontrei na Invenção de Leonardo, e pouco mais. E isso, apesar de ser provável que satisfaça os leitores que não se incomodam com incoerências desde que haja ação com fartura, sabe a pouco a quem não se contenta com esse tipo de superficialidade.

Por outro lado, há várias boas ideias espalhadas ao longo do romance. E apesar dos elementos inconsistentes há outras partes do ambiente em que a história se desenrola que estão bastante bem caracterizadas. Gostei particularmente do "Real", ponto de partida para todas as comparações e avaliações das personagens da história, não ser o nosso feixe, mas um outro, com uma América ainda mais agressivamente imperialista do que a nossa, parte de uma alternativa histórica na qual o desenvolvimento social e tecnológico seguiu rumos subtilmente diferentes dos nossos. Portanto não me parece que o livro seja mau. Tem motivos de interesse. Mas a verdade é que não me satisfez por inteiro. Deixou-me um certo travo a oportunidade mal aproveitada.

Não gosto de rotular autores. Acho que todos os autores têm umas obras mais bem conseguidas que outras, portanto convém avaliar cada uma dessas obras, não o autor. No entanto, A Invenção de Leonardo e Anjos Pistoleiros, dois romances com muitas diferenças entre si e escritos com 13 anos de intervalo, mas tão semelhantes nos seus defeitos, levam-me a crer que McAuley não consegue (ou não quer) sair disto. Que não consegue (ou não quer) fazer melhor. E isso leva-me a ganhar uma séria renitência a ler mais coisas dele. Para satisfazer aquilo que eu procuro nos livros, há por aí FC bem melhor do que esta.

Este livro foi comprado.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Lido: Nave-Irmã, Estrela-Irmã

Nave-Irmã, Estrela-Irmã (bib.) é uma noveleta de ficção científica de Robert Silverberg que, ao ser lida, me causou uma enorme sensação de dejà vu. E de facto essa sensação tem mais que razão de ser. É que se trata da base a partir da qual Silverberg desenvolveu o muito medíocre romance Nascidos nas Estrelas, de que falei nos velhos tempos do E-nigma.

Na verdade, agora ao ler a noveleta que lhe serviu de base, posso dizer que aquele romance nunca devia ter sido escrito. É que a noveleta chegava perfeitamente. Tem lá tudo, e tem-no de uma forma bastante mais interessante do que no romance, em grande medida porque a escrita está bem conseguida e por vezes toma aspetos experimentais que no romance são inexistentes. E também porque, ao contrário do romance, está bem construída. O enredo avança, não remói. Ou seja: a noveleta é eficaz onde o romance não passa de uma grande estucha.

Em todo o caso, não gostei muito. É que se, nas histórias anteriores deste livro, Silverberg apresenta principalmente aquilo que a New Wave teve de melhor, aqui, ao resvalar para um misticismo que chega a cair numa certa patetice, mostra-nos parte do que ela teve de pior. Mesmo num texto relativamente curto, pode ser algo penoso chegar ao fim para aqueles leitores que preferem uma ficção científica que seja realmente científica. Mas eu aconselho. É que o fim, a indeterminação que fica no ar sobre o que realmente acontece aos habitantes do planeta Terra, é bem capaz de ser o que esta noveleta tem de melhor.

E também aconselho ler esta noveleta a todos os que leram o romance, especialmente àqueles que gostam de dizer que não apreciam a ficção curta. É que estes dois textos fornecem um excelente exemplo de uma história — sim, uma, porque a história que contam é a mesma — que exige de tal maneira ser contada num texto curto que quando o autor tenta contá-la num longo se espalha ao comprido.

Contos anteriores deste livro:

sábado, 8 de setembro de 2012

E por falar em coisas repugnantes...

As coisas repugnantes andam à solta neste país. Começando pelo bando de salteadores que rouba a quem produz, a quem trabalha, para entregar o dinheiro que ganhámos com o suor do nosso rosto a especuladores e aldrabões, passando por criaturinhas que alguém parece que elegeu para o parlamento e que têm o topete de destratar de "queixinhas" quem tenta fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa, que é tão só a lei fundamental deste país, à qual todas as outras estão submetidas (basicamente, se fazer cumprir a constituição é ser queixinhas, fazer cumprir qualquer das leis deste país é ser queixinhas), e acabando nos socratinos que produzem coisas nojentas como esta.

Há, na democracia portuguesa, partidos comprometidos com o rumo que as coisas levam e com os saqueadores estrangeiros que parece que agora andam por aí. Esses partidos são o PS, o PSD e o CDS. É bom reavivar a memória, que parece que há por aí muita gente esquecida. Já aquando do PEC 1, apresentado pelo PS e aprovado pelo PSD (não me lembro se também pelo CDS) a esquerda parlamentar alertava para aquelas medidas serem estúpidas e terem como resultado a situação que vivemos agora. Consequentemente, a esquerda parlamentar votou contra. Porque a esquerda parlamentar desde essa altura dizia que a austeridade só podia ter como resultado a destruição da economia. Que a destruição da economia só podia ter como resultado a diminuição da receita fiscal e o aumento dos pagamentos de subsídios de desemprego e sobreviviência. Que a diminuição da receita fiscal e o aumento da despesa só podia ter como resultado mais défice, mais dívida, mais tudo aquilo que o PEC 1 pretendia combater.

E sim, a esquerda parlamentar avançava com alternativas: a renegociação da dívida, o primeiro passo indispensável para pôr a casa em ordem e recomeçar a crescer em vez de cair numa eterna recessão. O mesmo caminho seguido pela Islândia, com ótimos resultados. Também o que a Grécia já fez, parcialmente, e tarde e a más horas, e que por isso mesmo não deu grande resultado. E o que nós também vamos acabar por ter de fazer, só que muitíssimo mais pobres, muitíssimo mais gregos, muitíssimo mais tramados.

A direita, PS incluído, não quis saber. E veio o PEC 1, seguido do PEC 2, seguido do PEC 3. Todos aprovados pelo PS e pelo PSD, todos chumbados pela esquerda, sempre com o mesmo argumento: o argumento de que era o caminho para o desastre. Os PEC eram já este caminho, o caminho da troika e dos que, na sua impressionante estupidez, se ufanam de ser mais troikistas que a troika. Numa versão menos intensa? Sim. Mas a diferença entre os PEC e as troikices é a mesmíssima diferença que há entre percorrer uma estrada que vai levar a um precipício a 50 à hora ou a 100 à hora. O resultado é o mesmo, só que de uma maneira precipitamo-nos mais depressa, da outra mais devagar.

E por isso, a esquerda sempre votou contra todos os PEC.

Depois chegou o PEC 4, o tal que levou Sócrates a fazer birra e a demitir-se (o que não tinha de fazer; o chumbo do PEC 4 não implicava a demissão do governo. Ele demitiu-se porque quis). Ao chegar o PEC 4, o PSD, com uma monumental dose de cinismo, puxou o tapete ao PS, votou contra. E os socratinos, em vez de se atirarem contra o PSD, atiram-se à esquerda. Ou ao PSD e à esquerda.

A "lógica", porque há que lhe chamar alguma coisa, parece ser: "pronto, vocês sempre votaram contra, sempre disseram que isto era péssima ideia, mas agora que os nossos amigos do outro lado fizeram uma birra e nos querem tirar o chupa-chupa, façam favor e votam a favor da ideia que sempre acharam péssima. Senão a gente faz birra e vai-se embora." Como é evidente para qualquer pessoa com um mínimo de honestidade intelectual, a esquerda nunca iria dar tal cambalhota. Se o caminho era péssimo no PEC 1, 2 e 3, não era no PEC 4 que deixava de o ser. Se alguém deu uma cambalhota, e deu até várias, foi o PSD. Portanto a esquerda votou contra com toda a coerência. E os socratinos fizeram birra, e foram-se embora, e continuam ainda hoje a fazer birra.

É preciso não ter ponta de vergonha na cara para, mais que exigir que partidos que sempre foram contra este rumo idiota passassem a apoiar este rumo idiota, atirar-lhes para cima com as culpas por estarmos a seguir este rumo idiota. Para agir assim, é preciso ter-se um topete do tamanho do mundo. Para sacudir dessa forma a água do capote é preciso ser-se um enorme cobarde. E posts como aquele, que não é nem o primeiro, nem o segundo, nem sequer o centésimo, são um completo asco.

E é por estas e por outras que os partidos do dito "arco do poder" são um nojo pegado. E que é preciso votar nos outros.

Sim, não são todos iguais

E hoje, precisamente hoje que ficámos a saber que vamos ser ainda mais roubados por este bando de canalhas que quem votou neles elegeu, precisamente hoje convém sublinhar isto:
Partidos, académicos, opinadores, ativistas que alertaram para os erros evidentes da receita do memorando - em si mesma e não apenas na intensidade da sua execução - foram invariavelmente desqualificados pela retórica política oficial e pelos fazedores de opinião sempre prestáveis aos poderes do momento. Eufóricos no seu galopante "rumo ao infinito e mais além", os troikistas disseram de quem repudiou o empobrecimento como receita para o enriquecimento, o desemprego como receita para o trabalho ou a emigração como receita para o triunfo que não passavam de um bando de irresponsáveis. Pois agora o País percebe com clareza de que lado estava afinal a irresponsabilidade.
Porque não, não são todos iguais. Porque não, este não era o único caminho. Porque houve, sim, quem alertasse e voltasse a alertar para este ser o resultado inevitável desta política completamente imbecil que esquece uma coisa tão básica na economia como sem poder de compra não existir mercado e sem mercado não existir economia e sem economia não existir a mais pálida possibilidade de reduzir o défice. Portanto o défice sobe. Inevitavelmente.

Porque há anos que há quem seja consequentemente contra o rumo que foi seguido primeiro pelo PS, depois por esta desgraça de coligação que vocês que neles votaram elegeram, e durante o tempo todo pelo bando de políticos mais medíocres, mais vendidos, mais burros que a Europa teve desde a Segunda Guerra Mundial, avisando e voltando a avisar que o resultado ia ser precisamente este.

Precisamente hoje há que recordar estes factos para ver se vocês acordam duma vez. E para ver se começam a fazer alguma coisa, em vez de se ficarem pelos lamentos nas redes sociais e pelas piadas sobre essa anedota nacional que é o Relvas. Podem começar por uma manifestação que está marcada para Lisboa, no próximo sábado, dia 15. Mas isso só pode ser o começo. Isto não mudará com uma manifestação. Mas tem de mudar, e temos de fazer o que for preciso para que isto mude.

O que for preciso. TUDO o que for preciso. Senão este bando de cretinos leva-nos a todos à miséria mais abjeta.

domingo, 2 de setembro de 2012

O que a malta lê

Conhecem o Ficção Científica Literária? Aquele meu scoop.it onde vou agregando tudo o que vou apanhando na web (em especial na blogosfera) lusófona e se debruça de alguma forma sobre a ficção científica na literatura? Pois bem, um dos efeitos secundários de fazer aquilo foi permitir-me ter uma ideia mais fiável sobre o que a malta que fala de livros realmente vai lendo e sobre o que é divulgado e o que não é.

Como?

Através das etiquetas.

Vejamos, por exemplo, os autores que foram referenciados mais de 10 vezes. Não são muitos; a generalidade dos autores que constam da lista têm uma ou duas referências. Alguém leu, alguém falou de, algum livro foi lançado, mas nada mais. O impacto é, no máximo, ligeiro. Os que são mais comentados são os seguintes:
  1. Ray Bradbury tem 53 referências. Por ter morrido, claro, mas não só. Já antes de morrer era dos mais comentados.
  2. Suzanne Collins tem 20 referências. Fruto do grande sucesso dos seus Jogos da Fome em particular e das distopias juvenis em geral. Retumbante mesmo, pelo menos por enquanto. A ver vamos se daqui a 10 anos ainda alguém lê Collins.
  3. Isaac Asimov tem 17 referências. Fruto, em parte, de um blogger ter lido recentemente parte da série da Fundação. E de ser um dos monstros sagrados da FC e o seu nome ser quase sempre mencionado quando se fala do género.
  4. George R. R. Martin tem 16 referências. A popularidade d'As Crónicas de Gelo e Fogo levou as editoras a publicar também alguma da FC dele, e os leitores a recebê-la com interesse. Pessoalmente acho ótimo.
  5. Phillip K. Dick tem também 16 referências. E, o que é mais interessante e talvez relevante, são referências a uma grande variedade das suas obras, embora algumas digam respeito a adaptações.
  6. Douglas Adams tem 13 referências. A série do mochileiro continua a ser bastante comentada, mesmo sem edições recentes, o que não deixa de ser curioso. E o que não deixa de me levar à questão do motivo por que não há edições recentes. É que pela amostra parece haver público para elas...
  7. João Barreiros também tem 13 referências. Em parte por culpa minha, visto que tenho andado a ler e comentar contos dele.
  8. William Gibson também tem 13 referências. Fruto em parte do lançamento recente d'A Máquina Diferencial no Brasil. Mas só em parte. Ser o pioneiro tanto do ciberpunk como do steampunk dá-lhe uma projeção especial e, aparentemente, duradoura.
  9. Júlio Verne tem 12 referências. Muitas delas não se referem propriamente à obra do velho decano da FC francesa, mas a algumas adaptações que ela tem sofrido nos últimos tempos.
  10. James Dashner tem 11 referências. Distopias juvenis, e tal e coiso.
  11. Frank Herbert tem 10 referências. A recente reedição de Duna, tanto em Portugal como no Brasil, continua a gerar comentários. Mas não é só daí que eles vêm.
  12. Scott Westerfeld tem 10 referências. Muitas são algo marginais à FC, roçando o género só de leve. Também se trata de juvenilia.
  13. Veronica Roth também tem 10 referências. Mais uma das autoras distópico-juvenis.
E é só isto. Apenas 13 autores com mais de 10 referências cada e uma longa lista de outros mencionados só raramente. Será interessante voltar a fazer este apanhado daqui a algum tempo, para ver como muda a lista. Em todo o caso, acho curioso ver aqui lado a lado os novíssimos frutos da moda distópica com os velhotes da FC mundial, embora haja também algo que salta à vista: a quase total ausência, tanto nesta lista como na lista geral, de quem escreve FC madura contemporânea.

E agora este artiguinho prepara-se para se ir juntar aos outros lá no scoop.it. Sabem o que isso significa, não sabem?

INCEPTION!

sábado, 1 de setembro de 2012

Lido: Antologia de Contos Temáticos

Antologia de Contos Temáticos (bib.), organizada por Henry Alfred Bugalho, é precisamente aquilo que o nome indica: uma antologia que reúne contos elaborados por participantes de uma oficina de escrita criativa, sujeitos a tema. Os temas são sete, ou oito, se se incluir também o tema livre. Os autores são o organizador e mais oito, incluindo um português, embora nem todos tenham igual participação no livro: se por um lado Bugalho e Denis Clebson da Cruz têm um conto por tema, por outro três dos autores estão presentes com apenas uma história. Ao todo, os contos são 32, quase todos contos curtos ou vinhetas. As abordagens são variadas, os géneros também, ainda que precisamente metade dos contos se integrem nalgum dos géneros fantásticos, do maravilhoso à ficção científica.

O resultado geral é bastante fraco. Apesar de haver alguns contos com interesse, nenhum deles é realmente bom, e mesmo se o fossem diluir-se-iam na mediocridade geral e seriam anulados por outros tantos francamente maus. E isso, na verdade, era de se esperar.

A questão é que oficinas de escrita são locais de experimentação, geralmente povoadas por escritores inexperientes que ainda estão à procura de tudo, desde os temas que lhes dizem alguma coisa, ao seu próprio estilo. Também costuma haver alguns totalmente despidos de talento e com um domínio da língua portuguesa no mínimo frágil. Para além disso, se por um lado a existência de temas pode ser inspiradora, por outro leva os autores a uma atitude de simples resposta ao estímulo externo e não à busca interior do que realmente os afeta, daquilo que realmente mexe com eles, que é o principal motor da escrita de qualidade. E embora haja casos em que uma e outra coisa se cruzam, o mais frequente é que o resultado deste tipo de exercício seja no máximo competente. E tudo o que não passa de competente torna-se esquecível.

(Esta crítica, diga-se em jeito de parêntesis, também pode ser feita à atual moda das antologias temáticas, em especial no Brasil. É ótimo que existam, é ótimo que forneçam essa oportunidade de publicação, mas podem ter como efeito pernicioso afastar os autores dos seus próprios temas e inquietações, da busca interior que é necessária para criar obras de maior qualidade)

Não sei até que ponto esta oficina foi restritiva nas dimensões dos exercícios que propunha aos membros, nem sei quanto tempo lhes era dado para escreverem as suas histórias, mas pela amostra ficou-me a ideia de que era razoavelmente restritiva e/ou de que eles dispunham de pouco tempo. Isso tem outra consequência nefasta: reduz o espaço para elaboração de complexidade e solidez em enredos, cenários, personagens, etc. E promove o cliché como forma de escape rápido e fácil aos constrangimentos. Tudo elementos que se encontram com grande frequência nestas histórias.

Tenho poucas dúvidas de que esta oficina em concreto foi útil para os autores nela envolvidos. Mas também tenho poucas dúvidas de que o que nela produziram está muito longe do que pelo menos alguns deles terão potencial para produzir um dia. Não sei bem, portanto, se a publicação deste livro não lhes terá sido mais prejudicial que benéfica. Talvez fosse benéfica se lhes tivesse sido dada a oportunidade de fazerem uma revisão profunda das suas histórias depois de as deixarem a repousar durante algum tempo na gaveta, por forma a elaborarem melhor a linguagem, a taparem buracos de enredo, a se livrarem de alguns clichés ou pelo menos a dar-lhes outras roupagens e reduzir-lhes a importância. Mas não me parece que isso tenha sido feito. A ideia que ficou foi que as histórias foram postas no livro tal e qual como foram enviadas para a oficina.

No fundo, a ideia que ficou foi que falta aqui bastante trabalho. É pena.

Este livro foi obtido sob a forma de ebook gratuito, aqui.

Lido: The Great Game

The Great Game é um conto de Stephen Baxter que se insere no seu universo Xeelee. Para quem não conhece, trata-se de ficção científica militar, centrada num confronto entre uma humanidade futura em expansão pela galáxia e uma civilização alienígena oriunda do núcleo galáctico. Neste conto estamos no halo galáctico, num planeta de uma pequena estrela, tão pequena que nem devia existir, onde há uma colónia humana e onde aparecem os xeelee. Ou talvez não apareçam, não se sabe bem. O que se sabe é que o planeta entrou num inexplicável período de intensa atividade geológica. A guerra ainda não está declarada, e a missão dos marines que protagonizam a história é recuperar um cientista que tinha sido enviado para a colónia a fim de investigar o que se passava, ou pelo menos a informação que ele recolheu.

O conto provocou-me sentimentos contraditórios. Não gostei muito dele, mas achei-o interessante por vários motivos. Não gostei muito porque o achei pouco imaginativo. Exemplos? Há uma largada de infantaria sobre o planeta que parece copiada do Starship Troopers, de Heinlein; boa parte do enredo gira em volta de uma erupção vulcânica que é escarrapachadinha a do Monte Santa Helena, e o resto tem quase todo a ver com uma hierarquia militar ansiosa por entrar em guerra, que vê como inevitável, indiferente à verdade, à procura apenas de um pretexto.

Mas isto achei interessante. Porque é uma reflexão sobre a forma como os Estados Unidos agiram nas vésperas da invasão do Iraque, e um ótimo exemplo de como a FC à primeira vista mais alheada do concreto e do realismo da vida tem na verdade tantas vezes neles a base e é sobre eles que reflete. E o meu lado escritor também viu interesse na amálgama de referências e influências e na forma como elas são transplantadas para uma situação completamente diferente e se interligam para formar um todo com alguma coerência. Não me pareceu particularmente bem sucedida, há que dizê-lo, mas há ali técnica, e isso despertou-me o interesse.

Textos anteriores desta publicação:

Lido: Noite de Paz

Noite de Paz (bib.) é um dos grandes contos de FC de João Barreiros. Todos os anos, por alturas do natal, uma estranha anomalia que segue à risca a velha máxima sobre a tecnologia suficientemente avançada ser indistinguível da magia surge no norte da Finlândia, dando início a uma invasão de organismos miméticos de todos os clichés natalícios, comandados por uma unidade central que replica a figura bonacheirona do Pai Natal, ainda que com proporções descomunais. O conto é narrado por um comando, membro de uma equipa enviada para a zona de anomalia para tentar controlar a praga, e descreve as peripécias da missão, do início catastrófico ao final razoavelmente feliz, apesar de amargado pela consciência de que não é final de nada, só um adiamento, de que para o ano há mais.

Com alguns ecos de ribofunk, subgénero de FC que é uma espécie de ciberpunk da biologia, e também do Stalker, dos Irmãos Strugatski, este conto é basicamente um exemplo de como aplicar o estilo literário certo à história certa e de como jogar com clichés, utilizando-os de uma forma que não o é. Até o cliché absoluto do título ganha com a história que intitula uma camada de ironia que o subverte e o transforma noutra coisa bem diferente. Realmente muito bom.

Contos anteriores desta publicação:

Lido: O Cavalo Branco

O Cavalo Branco (bib.) é uma vinheta de Álvaro Guerra sobre uma fuga e uma metamorfose. Um homem, preso num quotidiano e num casamento que o aborrecem, escapa transformando-se num dos cavalos brancos de um jogo de xadrez. O conto, um único parágrafo de duas páginas, contado na primeira pessoa, descreve esse processo e descreve-o muito bem, recorrendo com perícia à voz subjetiva do narrador. E remata ainda melhor, deixando no ar uma dúvida muito todoroviana sobre se aquela irrupção do fantástico no comezinho do dia-a-dia será verdadeira ou não passará de um ataque de loucura do protagonista. Este é daqueles contos que tendem a irritar os leitores que gostam do concreto nas histórias, mesmo quando esse concreto é fantástico, mas de que aqueles que se sentem atraídos pela ambiguidade tendem a gostar. Eu gostei.

Lido: Curriculum Vitae

Curriculum Vitae (bib.) é mais uma das vinhetas de Bruce Holland Rogers a que o qualificativo de brilhante se aplica por completo. A história, com uma prosa que, apesar de concreta, é bastante poética, faz de certa forma aquilo que o título sugere: um curriculum vitae. O curriculum vitae de um cadáver. Do cadáver de um homem alto e estreito de ombros que aparece morto com uma mala na mão em vários locais e momentos históricos. Contado na primeira pessoa, ainda que no passado. A ideia é fenomenal, e está executada na perfeição. Muito, muito bom.