quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Lido: Antologia do Conto Fantástico Português

A Antologia do Conto Fantástico Português (bib.) é um maciço volume de 670 páginas que nesta segunda edição foi organizado por E. M. de Melo e Castro, com base na primeira edição de Fernando Ribeiro de Mello, de 1967. Contém 35 histórias de outros tantos autores, alguns dos quais nomes cimeiros da literatura portuguesa do século XIX e dos primeiros dois terços do século XX. A maior parte dos contos obedece à definição de fantástico conforme proposta por Todorov, ainda que haja alguns que se aproximam mais de outras correntes da literatura fantástica em sentido lato: a fantasia, o surrealismo, o horror, até mesmo a ficção científica.

A antologia é em geral muito boa. Inclui várias daquelas obras a que se costuma conceder o epíteto de incontornáveis; obras cujo desconhecimento implica a impossibilidade de se dizer com propriedade que se conhece fantástico português. Também inclui, é certo, obras que me pareceram menos bem conseguidas, e nem sempre se trata apenas de gosto pessoal, ainda que na maior parte dos casos o seja. Mas isso é inerente às antologias, ou na verdade a qualquer compilação de textos díspares: há sempre uns melhores e outros piores. Mas não só os melhores, pela sua qualidade e proporção, fazem com que a antologia seja muito boa, como a o todo é superior à soma das partes porque mesmo os piores contos ensinam alguma coisa sobre o que foi a produção fantástica portuguesa no período abrangido pela antologia. Este parece-me ser, realmente, um retrato fiel do fantástico português tal como era até ao início da década de 1970. Por outras palavras: até ao fim da ditadura. Mas não do fantástico português, ponto. Não do fantástico português que incluísse obras mais recentes.

E isso foi algo em que não consegui deixar de pensar ao ler as muitas páginas deste livro. Nas diferenças entre o antes e o agora, nos caminhos divergentes que a nossa tradição fantástica foi seguindo nas últimas décadas (tantas vezes através da pura e simples ignorância dessa tradição), tanto através de uma tradição de ficção científica que, ainda que frágil, tem mesmo assim alguma solidez e continuidade desde os anos 80, como através da recente enxurrada de fantasia que segue modelos importados da tradição anglo-saxónica (da qual existem, todavia, antecedentes na literatura portuguesa novecentista, o que é em si mesmo muito interessante), como através de outras formas mais próximas do espírito da maior parte dos textos presentes neste livro, mas incorporando novas abordagens e novos temas. E novos estilos também. E também algo que quase não existia antes: autores especializados em fantástico.

Talvez me engane, mas parece-me que o conto fantástico português, ou o fantástico português em geral, seja em conto ou em romance, mudou mais nos últimos trinta anos do que ao longo do período abrangido por esta antologia. E mudou de formas contraditórias. Se por um lado a sua literariedade tem sofrido, e a maior parte da produção é hoje bastante pior trabalhada, no que diz respeito aos aspetos puramente textuais da criação literária — e isto apesar de Saramago — por outro a qualidade conceptual e a sofisticação das ideias e dos enredos parece-me ser hoje superior ao que historicamente tem sido. Isto, claro, partindo do princípio de que o que se lê nestas páginas é representativo do que de melhor foi produzido durante os cento e tal anos que estas obras englobam. Não posso afirmar que seja; vários dos autores aqui presentes li aqui pela primeira vez, e de outros tinha lido apenas literatura realista, tendo-me passado ao lado a sua produção fantástica (até porque esta é geralmente vista como menor, especialmente no que toca aos contos). E houve vários que me despertaram curiosidade pelo resto da sua obra, o que é uma das grandes vantagens que têm as antologias sobre outros tipos de publicação. Especialmente quando são boas antologias, como é o caso.

Querem saber quais? Ficam com uma ideia lendo o que achei de cada um dos contos:
Este livro tem uma história de aquisição curiosa. Foi comprado... por telefone. Depois de um comentário num blogue. Engraçado, não?

4 comentários:

  1. Tenho este livro, foi nele que descobri a obra de Jorge de Sena. Não posso dizer que gostei de todos os contos, mas alguns são surpreendentes de tão bons.

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  2. Sim, eu também não gostei de todos os contos. Houve mesmo uns quantos que achei francamente maus. Mas outros são magníficos. A novela do Jorge de Sena, por exemplo.

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  3. Curiosamente "a novela" não aparece referenciada na lista acima publicada.

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    1. O anónimo está a ver mal. A novela de Jorge de Sena está entre "Ritinha" e "O Aplaudido Dramaturgo Curado Pelas Pílulas Pink".

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