terça-feira, 20 de novembro de 2012

Ao meu camarada Luís Fazenda

Sim, isto agora é assim. Camarada para cá, camarada para lá. Não é uma questão de partidarite. Como escrevi há dias no twitter, neste momento da nossa história posso não gostar de todos os que, em Portugal, se batem pela demissão desta catástrofe de governo e pelo fim da desastrosa política económica imposta pela troika, mas são todos meus camaradas.

Bem, talvez com algumas exceções. Os idiotas das pedradas do outro dia, por exemplo.

Mas adiante. Quero falar sobre isto. Nesse artigo, Luís Fazenda enche-se de brios na defesa da sua dama contra um lamentável artigo de opinião escrito por João Assunção Ribeiro. Não tenhamos dúvidas de uma coisa: o artigo de Ribeiro é idiota e vigarista, como o PS é idiota e vigarista sempre que procura sacudir para cima de outros culpas que são só dele. E sim, fá-lo muitas vezes. Toda a gente sabe que nunca houve qualquer aproximação do PS à esquerda que não passasse de encenação. Toda a gente, incluindo os aldrabões que dizem o contrário. E incluindo muitos militantes e simpatizantes do PS que talvez até gostassem que as coisas fossem diferentes. João Assunção Ribeiro é, de facto, a nódoa tristemente habitual nas cúpulas deste partido "socialista", um lídimo representante de um partido cujos dirigentes estão enterrados até ao pescoço na lama das negociatas, corrupção e incompetência que levou o país ao estado em que está. Não tenhamos dúvidas quanto a isto. É verdade.

Portanto Fazenda tem toda a razão para defender a sua dama. O problema é que o faz da maneira errada. E, fazendo-o da maneira errada, torna-se parte do mesmo problema de que José Assunção Ribeiro é expoente.

Explico.

Indigna-se Fazenda contra a ideia de que o Bloco deve abdicar do seu programa em nome da convergência. Diz, e com razão, que estes dirigentes do PS só aceitarão a convergência com o programa do PS, e por isso mostra-se intransigente relativamente ao programa do Bloco. O que não percebe é que isso dá ao PS a possibilidade de inverter (de subverter, dir-se-ia melhor) as relações de causalidade. Que dá ao PS a possibilidade de dizer, como Ribeiro diz em parte do seu artigo, que a convergência não existe porque o Bloco é intransigente nos pontos mais "radicais" do seu programa. E que é precisamente assim que se vai alimentando esta estúpida rigidez mútua que paralisa a esquerda e faz com que a direita vá fazendo o seu caminho, com ou sem a cumplicidade do PS.

A questão é que a convergência só se faz com cedências como, aliás, qualquer bloquista tem obrigação de saber perfeitamente, visto que o Bloco resultou precisamente de uma convergência e das cedências das correntes fundadoras em prol do país e daquilo que tinham em comum. E portanto não, o programa do Bloco não é objeto sagrado e inviolável. Para haver uma convergência — e a convergência é urgente; Portugal não pode aguentar este governo criminoso por mais tempo — é fundamental que os partidos estejam dispostos a cedências, mesmo em alguns pontos fundamentais dos seus programas. E isto aplica-se tanto ao Bloco, como ao PCP, como ao PS, como a qualquer outra força de esquerda que tenha força suficiente para fazer parte de uma alternativa.

Já o disse aqui, mas repito-o, generalizando. Numas eleições futuras, que seria bom que acontecessem já para o mês que vem, as forças políticas devem apresentar-se ao eleitorado com duas listas na mão: uma, muito reduzida, com aquilo de que não abrirão mão, aquilo que qualquer partido que pretenda convergir com elas terá de aceitar. A outra, com aquilo que fariam se o eleitorado lhes desse maioria para governar sozinhas. O programa do Bloco é, para o Bloco, esta segunda lista, mas não pode de forma alguma ser também a primeira. A primeira lista tem de ser bastante mais reduzida. A rotura com o memorando é nela fundamental, claro, mas há muito poucas outras coisas que também o sejam. A nacionalização da banca intervencionada, por exemplo, é importante (é a única forma de evitar que os bancos sabotem o que é preciso ser feito para proteger o país do saque levado a cabo pelo capital financeiro), mas a meu ver não o é tanto como a exigência intransigente de uma governação ética que combata sem tréguas a corrupção e o compadrio e procure por todos os meios anular e reverter decisões passadas tomadas com base, precisamente, na corrupção e no compadrio.

Se os partidos tiverem essa confiança na inteligência do eleitorado, se conseguirem compreender que, sim, a maior parte do eleitorado compreende que numa negociação há que fazer cedências mútuas, se se lhe apresentarem com uma carta de pontos negociáveis e não negociáveis bem definida à partida, então talvez seja possível afastar do primeiro plano do discurso político em Portugal completas nulidades sectárias como João Assunção Ribeiro. E Luís Fazenda, que é um deputado competente, faria bem em não descer ao nível dele. Por si e por todos nós.

Caso contrário estamos, em bom português, completamente fodidos.

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