terça-feira, 26 de março de 2013

Lido: O Centauro

O Centauro, de John Updike, é um livro estranho. Podia ser um simples livro realista sobre a relação entre um pai e um filho, George e Peter Caldwell, centrado em três dias de inverno repletos de peripécias. Podia ser um retrato dessa relação e uma daquelas explorações psicológicas das duas personagens principais que tão do agrado são do mainstream literário. Podia simplesmente mostrar-nos um professor liceal carente de autoestima, preso numa atividade em que se sente desadequado mas que gosta de fazer e numa família que o exaspera mas que encara como uma forma adequada de expiar as suas falhas. E podia revelar-nos um filho adolescente dividido entre o embaraço e o orgulho que o pai lhe provoca, a vergonha e o amor que dele e por ele sente, enquanto vai tentando inserir-se na sempre intricada teia social de uma escola secundária. Podia ser tudo isto.

E de facto é.

Mas também é outra coisa. Porque em trechos de claro cariz fantástico, os Caldwells são retratados como personagens dos mitos gregos, como que reencarnadas num Olimpo microcósmico constituído pela escola que frequentam, um como professor, o outro como aluno, aí acompanhados pelos outros deuses e semideuses dos velhos mitos clássicos. George Caldwell, o pai, é Quíron, o mais sábio dos centauros, e Peter Caldwell, o filho, é o Prometeu por quem, segundo o mito, Quíron sacrificou a vida.

Ou seja: este romance é uma releitura e uma atualização do mito grego. Poderia ser uma releitura realista se não fossem os (breves) capítulos em que o Olimpo espreita, na qual a história que é contada, todas as suas peripécias e azares, estão ao serviço do retrato psicológico das personagens. Haverá, sem dúvida, quem ache enternecedora a relação de Caldwell/Quíron com o filho/Prometeu. Haverá, sem dúvida, quem a ache fascinante. Será aí, talvez, bem como no tratamento dado à língua inglesa (que não me parece que a tradução consiga transpor por inteiro para a portuguesa) que residem os principais motivos do sucesso que este romance obteve.

Pessoalmente, não achei grande interesse nessa relação e a psicologia do pai Caldwell irritou-me bastante. Vítimas que o são por vocação tendem a dar-me uma certa volta ao estômago... tanta como quem lhes responde com o abuso que elas parecem desejar. Isto, bem entendido, diz mais sobre mim do que sobre o livro, e o mesmo é verdade no que toca ao outro motivo que me levou a não retirar da leitura deste livro tudo o que poderia retirar: um grande desconhecimento das mitologias greco-latinas. Conheço algumas lendas, sei quais são os deuses, semideuses e heróis principais, mas falta-me a profundidade de conhecimento que provavelmente será necessária para desfrutar de todos os detalhes aqui contidos.

Por conseguinte, não gostei muito. Não houve nenhum tipo de identificação com as personagens — elas nem sequer me interessaram — e não consegui mergulhar no romance. Senti-me, ao lê-lo, gota de azeite flutuando em água: o texto como que me repelia, levando-me a pensar em tudo menos no que estava a ler. E isso, quando acontece, é sempre mau.

Não sei como este livro veio parar cá a casa: faz parte da biblioteca dos meus pais.

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