domingo, 31 de agosto de 2014

Lido: Guterres Lança Livro de Colorir

Guterres Lança Livro de Colorir é outra notícia falsa, também de Luís Filipe Borges e Luís Camilo Alves, que começa a perder, a estes anos de distância, logo na primeira palavra do título. Guterres? Quem é que ainda se lembra do Guterres?

De modo que o humor até podia ter piada na altura em que o texto foi escrito, era Guterres primeiro-ministro e estava por isso nas bocas do mundo, mas hoje que o visado só aparece de vez em quando se a ONU quer mais apoio para os refugiados ou quando alguém se lembra que "olha, aquele gajo era capaz de ser um candidato engraçado para presidente" a reação mais provável é um encolher de ombros. É o mal de todo o humor demasiado preso ao seu envolvente imediato: envelhece a grande velocidade.

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Lido: Taxista de Aeroporto Aldraba-se a si Mesmo

Taxista de Aeroporto Aldraba-se a si Mesmo é uma surreal notícia falsa, congeminada pelas mentes alucinadas de Luís Filipe Borges e Luís Camilo Alves, que descreve o caso de polícia do taxista que vai apresentar queixa contra si próprio acusando-se de se ter enganado à má-fila, não se percebe bem se nos trocos, se na bagagem, se nas voltinhas. Humor do absurdo, claro. Às vezes os resultados deste tipo de abordagem são quase catastróficos. Mas não neste caso; neste caso a coisa saiu bem. Bastante, até.

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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Lido: Entrevista a um Homem-Bomba

Entrevista a um Homem-Bomba é quase precisamente o que o título indica: uma entrevista a um homem-bomba. E digo quase, claro, porque o dito homem-bomba não existe. Trata-se, a entrevista, de um texto inventado de fio a pavio, um projeto de sketch humorístico a que para ser argumento só falta estar escrito como tal, no qual um repórter, alter ego de Zé Diogo Quintela, se desloca a Jerusalém para falar com um bombista suicida sobre essa sua vocação. É divertido, pondo na boca do homem-bomba os lugares-comuns que costumam sair das dos futebolistas quando apanhados em semelhantes assados, mas não muito. Há qualquer coisa no humor do Zé Diogo Quintela que não me agrada muito. Aqui falei de um certo tom engraçadinho, que voltei a encontrar neste texto e possivelmente é por aí que a coisa falha. É um tom que até resulta em sketch televisivo, especialmente quando representado por atores realmente engraçados, mas parece-me que em texto simples fica algo aquém do que seria desejável.

Em todo o caso, deu para sorrir e até para um ou dois daqueles resfòlegos divertidos que a malta às vezes solta. Não se trata, portanto, de um mau texto. Só de um texto que poderia, talvez, ser melhor. Talvez.

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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Lido: As Filhas do Defunto Coronel

As Filhas do Defunto Coronel é uma noveleta de Katherine Mansfield de que, apesar de estar bem longe do meu ponto ómega literário, até gostei bastante. Principalmente por causa das bizarras e francamente perturbadoras misturas que contém, humor negro com ternura, insensibilidade com finíssima sensibilidade, classismo com irreverência.

Como o título indica, as protagonistas são duas solteironas, filhas de um coronel bastante estereotipado na sua severidade e na forma como coarta a vida das filhas. Até que morre. E é aí que o conto as vai encontrar, acompanhando-as nos dias seguintes, enquanto elas tentam perceber como vão ser as suas vidas agora que tudo mudou. Mas sem nunca pensarem propriamente nesses termos, pois ambas são retratadas como mulherzinhas limitadíssimas, daquelas senhoras de sociedade que nada sabem fazer, que nem de tomar decisões simples são capazes, o que é sublinhado pelo óbvio desprezo que a criada lhes devota. A qualidade do conto reside principalmente no modo tão indireto mas tão indubitável como tudo isto é transmitido a quem lê, em conversas entre as duas que quase têm mais significado por aquilo que não é dito do que pelas palavras realmente pronunciadas. Muito, muito bem feito. E eu, que não costumo gostar nada de histórias destas, rendi-me.

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domingo, 24 de agosto de 2014

O zero à esquerda

Há poucas coisas mais patéticas do que alguém que expõe obra ao público ser incapaz de aceitar quando a avaliação dessa obra pelo público não é a melhor. E quando essa incapacidade de aceitar críticas ultrapassa certos limites, a coisa deixa de ser simplesmente patética para passar a sintoma de desequilíbrios mentais mais ou menos graves. Quando o "escritor" passa a percorrer compulsivamente a internet, à caça de tudo e de todos os que possam ter o desplante de não lhe estender passadeira vermelha e o colocar no pedestal que acha que merece, em estátua equestre e pose heroica e tudo, passando de seguida a tentar intimidá-los para que se calem, a insultá-los para que o insultem de volta e possa depois vir vitimizar-se, apontar dedos, rasgar camisas porque tudo é pessoal, a coisa só se resolve com visitas regulares ao psiquiatra e comprimidos, muitos comprimidos.

E quando nem é preciso que as pessoas manifestem reservas relativamente à qualidade da "obra" para haver intimidação, invariavelmente malcriada, bastando tão-só que não falem dela, por esquecimento ou pura e simplesmente por não estarem para alimentar malucos, então provavelmente nem o psiquiatra resolverá alguma coisa.

Octávio dos Santos levou anos a chatear-me por um motivo ou por outro. O mais comum foi a ausência de uma ou outra das suas "obras primas" no Bibliowiki, como se alguém tivesse alguma obrigação de fazer passar sua excelência à frente das centenas de outras publicações que estão à espera de haver tempo e paciência para as integrar no site. A princípio ainda lhe respondi, depois passei pura e simplesmente a ignorá-lo. Aí, a coisa escalou, e escalou ainda mais por causa do Acordo Ortográfico (o tipo é histericamente contra). Às tantas começaram a aparecer comentários completamente trogloditas aqui no blogue, ao mesmo tempo que um pseudónimo que ou era ele ou lhe imitava perfeitamente a falta de estilo destilava veneno por essa internet fora. Comportamento típico de troll.

Ora, um blogue é uma espécie de casa. Posso não ser o tipo mais arrumado do mundo, mas não estou disposto a abrir a porta a qualquer bestunto que assim que chega escarra para o chão, deita abaixo os quadros pendurados na parede, lança dois ou três insultos ao anfitrião, trepa para cima da mesa da sala, onde larga uma poia, invade o quarto e vomita em cima da cama, e desata depois a berrar que aqui d'el rei que o estão a maltratar quando é posto na rua a pontapé. Portanto, desde esse momento em diante Octávio dos Santos ficou proibido de comentar na Lâmpada, a menos que mantenha a mais absoluta delicadeza. Caso contrário, é apagado. Faria isso com qualquer indivíduo que se comportasse reiteradamente como ele. Mas embora já tenha havido por aqui vários casos de falta de chá, nenhum foi reiterado. Nenhum se prolongou no tempo. Com uma única exceção: ele.

Agora, atrevi-me a não gostar de um conto que a criaturinha pariu. Achei-o muito fraquinho, e na verdade não se percebe como é possível alguém achar muito fraquinho um conto que inclui superlativos exemplos de exímio estilo no manuseio da língua portuguesa como "para desse modo poderem mais facilmente atraírem e recrutarem" (p. 78), entre muitos outros que não cito agora porque não tenho pachorra para passar mais que trinta segundos a catar frases neste opus magnum. Só pode ser má vontade, com toda a certeza. Portanto lá veio o inevitável ataque de caráter, primeiro em comentário, que evidentemente foi apagado, e logo de seguida num blogue de uma pseudo associação, cuja sistemática instrumentalização para vendettas pessoais é bem o espelho da qualidade da criatura, incapaz de separar o que é pessoal daquilo que supostamente está a ser feito em nome de um coletivo, e do miserável estado a que a dita associação chegou.

(A propósito, uma associação, supostamente, não deve ter... associados? Sabem como é? Aquelas pessoas que se... associam? E não tem de prestar contas aos ditos cujos? Os associados daquilo, se é que existem, pactuam com este comportamento? Alguém sabe?)

No meio da diatribe, apercebi-me com espanto e não pouca vontade de rir que uma das coisas que o tipo me ataca por fazer é "revelar o fim do conto." Espanto e vontade de rir porque o fim do conto é óbvio desde a primeira página... ou mais especificamente desde o parágrafo que faz a transição da primeira página para a segunda. E descubro agora que isso não é propositado, que o autor pretendia fazer com que o conto tivesse um final surpreendente. Ou seja, que a coisa é ainda pior do que eu pensei a princípio. Que o tipinho não faz mesmo a mais pequena ideia do que anda a fazer.

Realmente o Santos tem razão e eu tenho de pedir desculpa aos meus leitores. O conto dele não é muito fraquinho. É, isso sim, uma gigantesca porcaria. Que me fique de lição.

E agora que venha a resposta malcriada tão fatal como o destino, que será rigorosamente ignorada. Depois de excecionalmente alimentar o troll, regresso à boa prática de o ignorar. Que é, basicamente, o que toda a gente acaba mais tarde ou mais cedo por fazer.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Dois pitacos sobre o projeto do Pimentel

Ernâni Pimentel é um professor de literatura brasileiro que pertence àquela fação dos críticos ao último acordo ortográfico da língua portuguesa que o criticam não porque se tenha ido longe demais, mas porque, segundo eles, não se foi longe o suficiente.

Desde há alguns anos que anda a promover a sua visão de como a língua deveria ser escrita. Não é o único: uma das poucas discussões civilizadas e construtivas que tive com opositores do acordo, em que de facto se trocaram argumentos com pés e cabeça em vez da habitual histeria, falácias e ausência de um mínimo de solidez argumentativa que tão deprimentemente comum é na margem opositora, foi com alguém que, muito provavelmente, concordará com Pimentel. Detalhe: era um português.

O que Pimentel propõe é radical. Quer levar a lógica do rompimento com a etimologia às últimas consequências, suprimindo os h iniciais em palavras como homem, disseminando o uso do k, abolindo o u em palavras como quem, dando coerência fonológica ao uso do x e do z, e por aí fora. Duvido que alguém tenha feito um estudo quantitativo do impacto dessa mudança, mas é seguro afirmar o seguinte: o número de palavras cuja grafia se alteraria caso a ideia fosse avante seria em muitas ordens de grandeza superior ao número de palavras alteradas pelo AO90. Provavelmente andará próximo da revolução causada pela reforma de 1911. E é possível que seja até superior.

Julgo que discutir esta proposta, os seus prós e os seus contras, faz todo o sentido, embora não me pareça que o momento certo seja agora. A ortografia não deve nunca ser encerrada numa redoma e, além disso, para muitas das alterações propostas por Pimentel existem precedentes nas próprias línguas latinas. A supressão do h inicial, por exemplo, foi feita na mais latina de todas elas (pelo menos no que diz respeito ao seu território de origem): o italiano. O nosso homem, o hombre dos espanhóis, o homme dos franceses, é o uomo dos italianos. Portanto sim, acho muito bem que a proposta surja, se bem que eu preferisse que ela aparecesse mais tarde, quando esta última alteração das regras estivesse assimilada, e gostaria que fosse discutida pesando bem os prós e os contras.

O Pimentel apresenta um único verdadeiro pró: a simplificação, com a remoção das irregularidades oriundas da etimologia, permitiria facilitar o ensino do português escrito e concomitantemente diminuir a quantidade de erros dados pelos utilizadores. Creio que é uma vantagem real, embora talvez não tanto como ele apregoa. No entanto, vejo também bastantes contras.

Para começar, há a questão do impacto. Se um conjunto reduzido de alterações como o que tivemos no AO90 tem um impacto igualmente reduzido, permitindo a transição sem grandes sobressaltos a quem realmente tem alguma capacidade linguística e/ou um mínimo de vontade para a fazer, uma revolução da ordem da de 1911 seria bem diferente.

Depois, e mais importante, há a questão de me parecer que Pimentel não pensou bem em todas as implicações do que propõe. Tomemos, por exemplo, a ideia de transformar em x tudo aquilo que tenha som de x. Parece lógico, não é? Chuva, por exemplo, passaria a ser xuva e nenhum mal daí viria ao mundo, exceto para quem se preocupa mais com a pegada gráfica das palavras do que com as palavras propriamente ditas.

O problema é que a palavra chuva não tem o som de x em toda a língua portuguesa. A diferenciação entre x e ch, que hoje é apenas etimológica na quase totalidade dos territórios lusófonos, não o é em todos. Ela tem origem em dois sons diferentes que, embora se tenham fundido por quase todo o lado, ainda se mantêm diferentes numa zona do Norte de Portugal. Chuva, em Chaves, diz-se "txuba," não apenas "xuva" como na generalidade dos territórios em que se fala português.

E isto, esta falta de profundidade de base, somada à amplidão da mudança, para mim é suficiente para rejeitar a ideia. Há mais motivos, mas estes dois, para mim, bastam. Não devemos voltar a fazer mudanças ortográficas sem estudos sólidos e aprofundados sobre as realidades dialectais do português, e não só em Portugal e no Brasil mas também nos demais países de língua portuguesa. Depois desses estudos feitos — e bem feitos, por gente competente, por gente que vá à procura do que realmente existe e não apenas tentar arranjar argumentos para uma posição previamente assumida, atitude anticientífica demasiado comum entre nós — poder-se-á então verificar se existem vantagens em fazer mais mudanças que superem os contras que também existem sempre. Com argumentos, para variar. Baseados em realidades e não em fantasias, para não ser sempre a mesma coisa.

Enquanto esses estudos não existirem, que fique tudo como está. O que eu respondo a isto, portanto, é rotundamente não.

Lido: Ice Age

Ice Age é mais um pequeno conto de autor anónimo (ou então é de Iain Rowan) que tem na muito boa qualidade literária o seu principal ponto forte. A história é muito britânica, centrada no calmo desespero (sim, há aqui uma referência aos Pink Floyd) de um homem cuja vida se dissolve à sua volta, ao mesmo tempo que ele se convence, talvez por loucura, talvez porque assim é de facto, que uma nova Idade do Gelo está prestes a submergir o mundo num gelo que tem muito de simbólico, que é, talvez, mais interno do que externo. Trata-se de um conto sobre o vazio de uma vida despida de sentido e de contacto humano. Sendo embora muito diferente, fez-me lembrar com vivacidade alguns dos contos de Ballard. Bastante bom.

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segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Lido: A Marcha Sobre Lisboa

A Marcha Sobre Lisboa (bibliografia) é um conto de história alternativa de Octávio dos Santos, ambientado em 1933, ano em que, na história verdadeira, foi proclamada a constituição fascista que marca o início do período do Estado Novo embora não o da ditadura; essa já vinha desde 1926. Mas aqui não há ditadura: Portugal é um regime monárquico (o ponto de divergência estará, portanto, em algum ano até 1910) e o rei, D. Luís II, é benévolo. Aliás, é benévolo, corajoso e decidido, um exemplo a seguir por todos entre fanfarras heroicas. É uma tese comum entre os monárquicos: a de que uma monarquia poderia ter salvo Portugal da longa ditadura de Salazar, apontando para o que sucedeu na vizinha Espanha após a morte de Franco... mas geralmente esquecendo-se de que entre as nações do Eixo na Secunda Guerra Mundial só a Alemanha não era uma monarquia, tal como monarquias eram também as outras três nações europeias que se aliaram a alemães, italianos e japoneses: a Áustria, a Hungria e a Roménia. Santos não se esquece, mas quase: faz uma brevíssima menção a Vítor Emanuel, o último rei da Itália.

Em todo o caso, o conto, que relata uma tentativa de implantar uma ditadura em Portugal, liderada por Salazar e claramente inspirada na marcha sobre Roma de Mussolini, poderia ser interessante se não fossem duas coisas, que se interligam uma à outra: o tom de propaganda e o estilo. Aquele vê-se em duas ou três dissertações sobre a situação política e económica (isto e aquilo), infodumps que poderiam ser bem mais curtos se não servissem principalmente para exaltar as qualidades do regime monárquico, e sobretudo no tom exclamativo, exaltado e exaltante com que tudo o que rodeia el-rei é tratado, chegando ao ponto de bastar um olhar a D. Luís para silenciar um dos acompanhantes de Salazar. Já este é bastante fraquinho, hiperadjetivado, em especial no início (o rei é "sábio e ponderado", Duarte Pacheco, logo a seguir, é "inventivo e incansável" e por aí fora, isto e aquilo, isto e aquilo, isto e aquilo), e mostrando do princípio ao fim uma preocupação dir-se-ia patológica por deixar cair nomes.

São nomes em catadupa e apenas nomes de gente conhecida, como se outro regime político não tivesse o mais pequeno impacto na composição das elites. Até o pobre do Álvaro Cunhal se vê envolvido naquele rio enciclopédico... o que é uma boa ilustração de outro problema com este conto, infelizmente muito comum em trabalhos de história alternativa. Cunhal, que nasceu em 1913, teria nascido já depois do ponto de divergência... e no entanto ali está, igualzinho ao nosso Cunhal, embora monárquico, como se alterações da história global das nações não tivessem qualquer influência nas histórias individuais das pessoas que as compõem, quando a verdade é que basta mudar a hora do ato de conceção para já ser outro o espermatozoide a fecundar o óvulo e portanto já ser outro o indivíduo que dele resulta.

Em suma: muito fraquinho.

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domingo, 17 de agosto de 2014

Lido: Empata-Passeios, Para Quando Legislação?

Empata-Passeios, Para Quando Legislação? é um texto indignado de Zé Diogo Quintela que tem como alvo e tema aquelas pessoas que se passeiam entre o devagarinho e o parado pelas calçadas deste nosso Portugal. Quintela inventaria-as e depois (ou durante) indigna-se, exigindo que as autoridades competentes façam alguma coisa. Sendo, também eu, um caminhante rápido, e alto, conhecendo portanto em primeira mão a angústia que os empata-passeios podem causar, solidarizo-me. Mas não passo muito disso. Há qualquer coisa neste texto que não me agrada. Talvez um certo tom engraçadinho, ou talvez apenas desinspirado. Talvez insuficiências literárias, em especial quando se compara o Zé Diogo com o Ricardo Araújo Pereira. Não sei bem. Mas pareceu-me que o tema podia ter tido um desenvolvimento significativamente melhor. É pena.

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Lido: Manter o Lugar Fresco, mas Seco

Manter o Lugar Fresco, mas Seco é um texto de Tiago Dores sobre o candente problema de uma certa e determinada inovação no âmbito da higiene pessoal: o papel higiénico humedecido. O tema, que não se limita a dar papel para bundas mas também daria pano para mangas, é por Dores despachado num mero parágrafo mais opinativo do que propriamente analítico. Podia ter muito mais piada. Mas muito mais piada.

Dá para se ler com um sorriso, o que já não é mau. Fique o sorriso como lucro.

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sábado, 16 de agosto de 2014

Lido: Estranho Silêncio

Estranho Silêncio é uma crítica literária. Nela, Ricardo Araújo Pereira disserta com elevação e conhecimento de causa sobre alguns poemas casadebanhísticos em elevado grau produzidos e publicados por António Manuel Ribeiro, o sempiterno líder dos igualmente eternos UHF. Poemas esses que, segundo o crítico Pereira, foram ignorados pela crítica e pela academia até ao momento em que ele resolve corrigir essa suprema injustiça. Pois.

Sim, é um gigantesco gozo. Um gozo tão absolutamente hilariante que eu duvido de que mesmo o visado seja capaz de ler este texto sem se rir.

E agora fiquei a imaginar o António Manuel Ribeiro a ler isto sentado no bidé e a rir à gargalhada. E estou, claro, outra vez a rir-me.

Muito, muito bom.

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sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Lido: Este é que é o Homem da Conspiração

Este é que é o Homem da Conspiração é outro texto de Miguel Góis, este com muito menos piada. Muito menos piada. Consiste basicamente de uma notícia que ele prevê que sairá em breve no Le Monde Diplomatique, sobre Noam Chomsky, Saddam Hussein e, no fim, o Bloco de Esquerda. Mas tudo tão destrambelhadamente parvo que o efeito cómico que a coisa poderia ter desaparece, embora também possa haver nesta falta de piada alguma consequência de não se conseguir perceber, a esta distância no tempo (o texto é de 2003), o que poderia ter levado Góis a atirar-se desta forma ao pobre do Chomsky. Se houve na época alguma declaração estranha ou invulgar de Chomsky que pudesse justificar transformá-lo em alvo deste tipo de humor, ela entretanto foi esquecida, o que reduz significativamente a eficácia do humor. O que, por sua vez, torna este texto pouco adequado para um livro como este, parece-me. Dispensável.

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Lido: Profissão de Sonho

Profissão de Sonho, de Miguel Góis, é um pequeno conto contado na primeira pessoa sobre o modo como um homem consegue chegar à profissão que desde criança sonhou ter. Onde está a piada, perguntam? Na profissão: o sonho do protagonista era ser representante do governo civil, daqueles que vigiam os concursos e sorteios televisivos. E isso tem piada, interrogam-se? O que é mais engraçado é que tem, e até bastante, pelo menos quando a coisa é desenvolvida como o Góis a desenvolveu. O mais engraçado de tudo é a forma irrepeensivelmente séria como a história é contada, por um protagonista que atribui a máxima importância a atos que para nós, ignaros mortais, pouco passam da irrelevância.

Nada de muito profundo, é certo, mas não é menos certo que este é um texto francamente divertido.

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quinta-feira, 14 de agosto de 2014

And the winner is...

... outro gajo qualquer.

Os prémios são coisas mágicas. Funcionam assim mais ou menos como as lagoas de decantação das estações de tratamento de águas residuais, e refiro-me às primeiras, sempre cobertas por aquela camada de "limo", aparentemente sólida e inevitavelmente fétida, não às últimas, onde a água já está razoavelmente limpa. No caso dos prémios, o limo, aquilo que magicamente vem sempre ao de cima, é composto por mesquinhez e pelos mais baixos instintos movidos a inveja e a coisas piores, mesmo quando por vezes se procure maquilhar essas coisas de algo diferente.

E isso acontece em todos, seja qual for o seu prestígio, relevância ou modo de funcionamento. Porque quem se destaca numa área qualquer é inevitavelmente acompanhado por uma coorte de detratores e porque uma parte mais ou menos significativa (ela varia) desses detratores passou pela rua da honestidade a galope, não fosse apanhar alguma doença. Todos os que temos idade para isso nos lembramos das insinuações, quando Saramago venceu o Nobel, de que o único motivo para tal coisa foi a Academia Sueca ser um bando de comunas enrustidos que de literatura nada sabem. E outras, bem piores, mesmo que nessa época ainda nem houvesse redes sociais e o lodo estivesse geralmente coberto por uma fina película sanitária representada pela imprensa que então só muito raramente descia ao nível costumeiro no nosso atual Correio da Manhã.

Ora, se isso acontece com pináculos da cultura como Saramago e o Nobel, não deixa de acontecer com coisas bem menos significativas. Bem pelo contrário. E não é fenómeno só nosso, atenção: é universal, apesar de uns povos terem barreiras culturais mais fortes contra esse tipo de coisa do que outros. As do nosso, infelizmente, quase não existem.

Quem já anda nisto há alguns anos já sabe que insinuações a camada fétida vai lançar. Se o prémio é entregue por votação popular, é concurso de popularidade sem nada a ver com qualidade, há caixinha, campanhas subterrâneas, grupos de amigos a votar uns nos outros, compra de votos, etc., etc. Se o prémio é determinado por júri, o júri é incompetente, o júri é parcial, o júri está comprado, devia ser outro júri, quem foi que deu autoridade àqueles azelhas para escolher quem não me agrada, e por aí fora.

É evidente que nem tudo são só insinuações. Todas estas coisas acontecem mesmo, em maior ou menor grau. Ou, mais especificamente, em maior grau do que a organização dos prémios afirma, em menor grau do que a camada fétida insinua. E mesmo se não acontecessem, nenhum prémio seria perfeito porque todos dependem até certo ponto das múltiplas falibilidades humanas, especialmente quando pretendem premiar algo tão subjetivo como as realizações artísticas. E porque todas as formas de decisão dos vencedores são em si mesmas imperfeitas.

Algumas, no entanto, são mais imperfeitas do que outras.

Vem isto a propósito de eu ter recebido uma nomeação para melhor tradutor nos prémios deste ano da European Science Fiction Society (ESFS). A ela, depois de ter sido informado via facebook por um dos vagos contactos que por lá tenho, reagi com, e cito, "Olha, giro. Parece que fui nomeado para um prémio," preparando-me desde logo para esquecer o assunto. O grau de entusiasmo foi precisamente o mesmo de encontrar um vídeo de golfinhos (para vocês seria um vídeo de gatinhos, suponho) algures na web: é giro, dá um calorzinho íntimo durante cinco minutos, e esquece-se de seguida.

Mas claro, a camada fétida não deixou.

Antes de receber a nomeação já conhecia estes prémios, mas de uma forma muito vaga. Sabia que existiam e que tinham a ver com as convenções europeias de FC que acontecem todos os anos, e pouco mais. Como não tenho grande interesse por convenções, acho-as em regra uma perda de tempo (exceto numa coisa: as feiras do livro), raramente vou às portuguesas e nunca fui a nenhuma internacional, foi coisa que desde sempre me passou ao lado. E como há vários anos que procuro manter-me bem longe da mesquinhez que impera no chamado "fandom" português de FC, tratando calmamente dos meus projetos e do meu trabalho e borrifando-me no resto, nem soube, até há dias, que estes mesmos prémios já no ano passado tinham dado barulho.

Não é só camada fétida, embora o seja em grande medida. Estes prémios são bastante mais opacos do que é norma por se constituírem basicamente numa operação de voluntarismo. A ESFS pretende juntar comunidades de produtores e consumidores que, por questões que têm sobretudo a ver com as línguas e com a ausência das afinidades culturais europeias que muitas vezes se proclamam mas na prática não existem, se ignoram quase por completo umas às outras. Salvo as eternas exceções que confirmam as regras (e que normalmente só surgem por interposto inglês), em Portugal não se publica FC espanhola, país onde não se publica FC francesa, onde quase não existe FC alemã, e por aí fora. Assim, as listas de possíveis premiados estão sempre repletas de completos desconhecidos em todo o lado menos no país de onde são oriundos e ocasionalmente nos seus arredores linguístico-culturais (os franceses são conhecidos dos belgas e vice-versa (isto dos "arredores" é fenómeno de via dupla), os alemães dos austríacos, coisas dessas... e nós, à exceção da Galiza, só temos arredores linguístico-culturais fora da Europa). Que depois, acho eu (mas se calhar engano-me... não percebi bem como a coisa se processa e, francamente, não estou interessado em perceber) são escolhidos por quem vai às convenções, onde vale a força das nacionalidades. As próprias nomeações, feitas por "delegados" nacionais cujo modelo de escolha também, confesso, não percebi, estão sujeitas a todos os problemas inerentes aos prémios de júri, desde o gosto pessoal de não sei quantas pessoas a fenómenos menos benignos. E tudo porque na verdade não existe a comunidade europeia que a ESFS procura criar ou incentivar com os prémios e as convenções. Eu até acho o esforço meritório. Mas isso não quer dizer que a tentativa tenha até agora sido bem sucedida. Não tem. E, a menos que haja uma enorme revolução na forma como a produção cultural europeia circula, revolução essa que vejo tudo menos próxima, não terá nunca.

Daí o semi-indiferente "olha, giro." A nomeação nasce de opções de não sei quantas pessoas, que até pode ser só uma, e será avaliada por um conjunto de outras pessoas, seja júri europeu, seja participantes na convenção, que na sua esmagadora maioria não me conhecem de lado nenhum. É giro que alguém ache que eu mereço o prémio e/ou que represento bem o meu país no âmbito das regras estabelecidas pela ESFS (ou na sua interpretação dessas regras, pelo menos), mas daí não passa. É uma (ou duas, ou três, sei lá eu) opinião entre muitas. É um mini-prémio de júri, o qual foi escolhido não sei como, no seio de um prémio mais vasto que não ganharei nunca porque fora de Portugal e do Brasil ninguém faz a mais pálida ideia de quem sou. Pura e simplesmente não tem relevância suficiente nem para os nomeados (ou até os vencedores) embandeirarem em arco nem para os ataques de histeria da camada fétida. É giro, ou seria se não fosse a mesquinhez e até a canalhice que traz ao de cima, e mais nada.

E todos os prémios são assim, embora a maioria não o seja tanto. Ao contrário deste, alguns têm implicações económicas, outros acarretam ainda um prestígio que pode beneficiar carreiras, embora a camada fétida esteja a fazer os possíveis por destruir o de todos, mas, quando são reduzidos ao âmago, todos eles são apenas uma opinião de um conjunto mais ou menos reduzido de pessoas e disso não passam. São um elogio público, tal como o é uma boa crítica ou a compra de livros ou de bilhetes para espetáculos. E só. Estão longe de ser o mais importante.

O mais importante, isso, é a obra. Esta fica e está aí, haja prémios ou não haja. A minha, nesta área, são já algumas dezenas de traduções. O resto é, como diria o Boris Vian, embora bem longe deste contexto, l'écume des jours.

Se a camada fétida se coibisse de empolar a relevância dos prémios seria melhor para todos.

Mas não tenho a mínima esperança de que isso aconteça algum dia. Afinal, para ela não há pior crime do que alguém ter alguma espécie de sucesso, mesmo quando este é mais ilusório que real.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Lido: Velho Caxombo Sonhou com o Mar

Velho Caxombo Sonhou com o Mar é mais um dos pequenos contos fantásticos que José Eduardo Agualusa desenvolve com inspiração em velhas notícias saídas nos jornais angolanos de finais do século XIX ou, como no caso deste, no dealbar do século XX. Este, ao lê-lo, fez-me lembrar um velho filme de terror, de que tenho apenas uma muito vaga memória, sobre um forte (seria forte? Não me lembro) que é atacado por um mar de formigas assassinas. Pois é disso que se trata: o Velho Caxombo, o protagonista, guarda de uma pequena empresa agrícola algures no interior de Angola, vê-se de repente rodeado por um mar de formigas e procura sobreviver. Para isso, serve-se do engenho. Mas não contava que o engenho das formigas fosse superior ao seu. É um conto tão bem escrito como seria de esperar em Agualusa, mas pareceu-me demasiado curto para ter realmente o impacto que poderia ter. E também há a tal questão do filme a emprestar-lhe um certo tempero a déjà vu.

Contos anteriores deste livro:

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Lido: O Marinho

O Marinho é um conto de George Sand, a pingar ironia por cada entrelinha, que conta uma história de amor. Ou melhor, que conta a história de como a paixão de um homem banal com mais ambição que posses desembocou na conquista da apaixonada que durante muito tempo o desdenhara. E tudo graças a um acidente. É divertido, francamente divertido, mesmo não sendo este tipo de conto da minha predileção pessoal, longe disso. Por isso, talvez, não me tenha enchido as medidas. Mas divertiu-me, isso sem dúvida. E gostei da crítica, só implícita para quem nada entenda do que lê (de contrário encontrá-la-ão bem explícita) ao viver de aparências que tão endémico é em certos meios e em certas formas de ver o mundo. Ainda hoje, oh sim.

Outra coisa que achei curiosa, mas esta por viés de ofício, foi a tradução de Amadeu Lopes Sabino, por ultrapassar o âmbito típico de uma tradução até mais propriamente se lhe dever chamar uma versão. Talvez. É que Sabino transplanta o conto de Sand para a zona de Lisboa e altera-lhe os nomes às personagens. Mas à parte isso, numa comparação rápida que fiz com o original (em domínio público — é conto já com quase dois séculos de existência), a tradução parece-me ser bastante fiel. Descontando as mudanças na geografia e nos nomes, portanto, o conto está francamente bem traduzido. Traduzido, não reescrito. Será assim versão? Tradução?

A decisão de alterar os nomes está explicada em nota de tradutor e eu, embora não possa dizer-me fã desta abordagem, compreendo-a. E rio-me à gargalhada com ela.

É que não há muito tempo me vi sob fogo de um pessoal pouco ou nada instruído nestas coisas das traduções e das literaturas por me ter atrevido, imaginem, a traduzir para português umas quantas alcunhas, vejam só a desfaçatez do bicho traduzideiro! Se fosse num western ou num livro de gangsters, em que décadas de traduções mais ou menos toscas em filmes e livros de BD baratos estabeleceram um hábito de manutenção das alcunhas no original, ainda vá. Mas não. Nem na Terra a história se passava. E de repente eis que me aparece à frente o Sabino a mandar às urtigas as regrinhas que os incultos semiaprendem nas faculdades (quando sequer por aí passam) e a fazer o que acha que o conto pede para melhor ser lido em Portugal por portugueses. Granda Sabino!, pensei eu cá com os meus botões, enquanto gargalhava.

A moral da história é: não há regras invioláveis, daquelas a preto e branco, indiscutíveis. Há abordagens e interpretações e, se souber o que está a fazer e porquê, o tradutor não só pode mas deve violar toda e qualquer regrinha que lhe seja posta à frente, se achar necessário. Cabe ao leitor compreender que assim é e desfrutar do texto, de preferência aprendendo qualquer coisa no processo. Ou amuar e espingardar nos paroxismos de histeria que tão tristemente habituais são, e sem aprender nada porque, como é óbvio, já sabe tudo de nascença. Como no velhinho programa de TV, você decide.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Lido: Buffet Freud

Buffet Freud, conto curto de autor anónimo (mas se me pedirem com jeitinho eu revelo que é de Dawn Andrews) é um continho curioso sobre uma mulher (será mulher?) que aceita ser psicanalizada pelo homem a que o título se refere mas em vez de lhe contar a verdade fornece-lhe um sem-fim de mentiras, levando-o ao engano. Um conto sobre a manipulação, contado pela manipuladora. Está muito bem construído e bem escrito, mas é daqueles contos que não causam impressão duradoura em quem os lê (ou pelo menos em mim), facilmente se esquecendo. E embora dependa da surpresa final para boa parte do seu efeito, esta acaba por ser pouco surpreendente, pelo menos quando ele vem inserido numa publicação de índole fantástico, como é o caso. Em suma: achei-o talvez um pouco mais que razoável, talvez um pouco menos que realmente bom. Algures por aí.

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domingo, 10 de agosto de 2014

Tuitos da semana, nº 2

Olha, lembrei-me. Como é domingo, cá estão os tuitos da semana passada, dominados, como talvez fosse inevitável, pelo Espírito Santo. Amém.
— Diga 1 2 3!
— BPN BPP BES.
——
"Com a habitualidade com que estão habituados". Uau. O homem é bom nisto.
Esta é comentário à comunicação do Carlos Costa, o do Banco de Portugal. Ou fui eu que ouvi mal, ou ele disse mesmo isto. E muitos "repito"s. Muitos "repito"s.
——
O fundo não inclui fundos públicos. O fundo contraiu um empréstimo temporário junto do Estado. Mas não são fundos públicos. Mas são.
——
Não sei porquê, mas a palavra que eu ouvi mais o Carlos Costa dizer foi "bullshit". Ele falou em inglês?! Não percebo isto.
——
Já ninguém trabalha neste país. Só se "colabora".
——
O que fariam as "contribuições periódicas" do fundo de resolução se não estivessem enfiadas aí? Financiavam a economia, não era? Pois.
——
Previsões para os próximos dias: amanhã há uma corrida ao "banco bom" para fechar contas. Antes de acabar a semana já há processos.
A primeira previsão cumpriu-se; a segunda não, mas só porque os advogados são uns molengões. Eles estão a tratar disso, mas levam tempo. Ou seja: como eu disse também noutro tuito passados uns dias:
O que vale é que eu não percebo nada disto e voto em malucos que percebem ainda menos.
Não é?
——
Ninguém me tira da cabeça que aquela coisa da Dona Inércia era boca ao Banco de Portugal.
——
Olha, olha. E não é que nem lá fora se acredita na mais recente aldrabice?
——
Coisas que me irritam assim um bocadinhozinho: quando brasileiros arranjam Argonautas que eu não tenho. Humpf. Ainda por cima aquilo tinha sempre escrito algures "venda interdita na República Federativa do Brasil".
——
Coincidências... puras coincidências...
——
"Porque assim se finge que não há nacionalização do banco." Pois.
——
Olha, giro. Parece que fui nomeado para um prémio.
Vou escrever um pouco mais sobre isto um destes dias.
——
Sabem quem não tem papas na língua? Os estrangeiros.
——
Malta que não sabe a diferença entre eminente e iminente: dicionário, tá?
——
O que o Baptista Bastos aqui não diz é que o seu "sistema" tem nome: capitalismo.
——
Não, queridos dedos, fritar não é o mesmo que gritar.
——
Ironias: o momento em que os banqueiros privados passaram anos a dizer como "tem de ser" mas o único banco saudável é o banco público.
——
Islândia: um "case study" sobre as consequências da traição.
——
Isto de dizerem que querem vender depressa o novo banco "para não perder valor" é giro. Estão a dizer que não vale o que pedem por ele.
——
Ah a internet voltou a matar o Jô Soares? Em quantas vezes já vai?
——
De acordo com isto. Mas acho que os partidos devem democratizar-se mais. Todos. Como consegui-lo é a questão.
——
Uma visão interessantre sobre a dimensão ideal do Estado. Não concordo por completo, mas...
——
Que bom que é ter um telemóvel com bateria que dure mais que 5 minutos.
Esta não tuitei, mas podia ter tuitado: no momento em que escrevo isto, o telemóvel que tive de comprar porque o antigo entregou a alminha ao criador está ligado há 80 horas desde o último (e primeiro) carregamento. Oitenta. E tem 42% da carga. Estou devidamente impressionado.
——
E tudo se começa a conjugar para a brilhante solução adotada para o BES vir a ser muitíssimo pior que a do BPN.
——
Não consigo evitar. É mais forte que eu. Sempre que vejo mensagens revolucionárias "enviadas do meu iPhone" parto-me a rir.
——
O Monteiro Lobato tinha uma das mais impressionantes monossobrancelhas que eu vi na vida. Aquilo era um albatroz negro.
Não conhecem? Então fiquem a conhecer.
——
Marques Mendes crítica a demagogia dos partidos da maioria. Um minuto depois faz demagogia sobre a subserviência de "todos os partidos" para com Ricardo Salgado.
"Esqueceu-se" dos alertas que Bloco de Esquerda e PCP (principalmente o primeiro; veja-se aqui) lançaram há montes de tempo, coitado.
——
Quando estou com sono (tipo agora) falo muito bem wookie. Serei só eu?

Lido: A Lombada do Moleskine

A Lombada do Moleskine (bibliografia) é um conto curto de Luís Bettencourt Moniz que tem vagamente a ver com história alternativa. Não é mau enquanto conto, mas deixou-me um grande sabor a pouco quando terminei a leitura, principalmente porque os ténues apontamentos ucrónicos não só são insuficientes para me parecer que o conto jogue bem com o tema da coletânea, como ainda por cima não têm rigorosamente nenhum impacto na narrativa. Sem esses apontamentos, o conto ficaria igual: um conto umbiguista, centrado na figura de um aspirante a escritor que reflete sobre a sua escrita e o modo como ela se entrecruza com a sua vida, num Portugal que, apesar de por duas ou três vezes receber alusões monárquicas, em mais nada se distingue daquele que conhecemos hoje em dia (ou no "hoje em dia" da época em que o conto foi escrito, há alguns anos). Não sendo nenhuma obra-prima, o conto não é mau, repito. Mas parece-me francamente desadequado nesta publicação.

Contos anteriores deste livro:

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Lido: TV & Movies Shop

TV & Movies Shop é um texto de Tiago Dores que troça daqueles anúncios intermináveis que passam a altas horas da madrugada nos canais de sinal aberto, misturando o TV Shop com cinema. Como? Pois por intermédio de uma baixela, que nem sei se é verdadeira ou invenção, uma vez que tem um nome... hm... estranho. Baixela Titanic. O Dores pega no nome, junta-lhe uns pozinhos domésticos de Leonardo DiCaprio e Kate Winslet e diverte. Não muito, bem longe da sofisticação literária das coisas do RAP, mas diverte.

Textos anteriores deste livro:

Lido: Desconto de Natal

Desconto de Natal, de novo de Ricardo Araújo Pereira, é um texto um pouco menos hilariante que o anterior, até porque se sujeita mais à lógica de comentário ao momento que desde sempre impera nos blogues. Aqui, o nosso jovem Ricardo comenta um daqueles tão bem conhecidos artigos de João César das Neves, também eles frequentemente hilariantes, ainda que com um humor inteiramente involuntário, no qual o "economista beato", como o RAP lhe chama, prega parabolicamente as superiores virtudes do cristianismo sobre as outras religiões. Só que está bem de ver-se que não é bem essa a conclusão que o Araújo Pereira, esse infiel, acaba por tirar.

Não aconselhável a beatos, especialmente aos carentes de espírito pouco santo. Os outros, divirtam-se.

Textos anteriores deste livro:

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Lido: O Código Tonicha

O Código Tonicha é um hilariante texto de Ricardo Araújo Pereira em que se disseca a conhecida letra de Tonicha sobre o "Zé que fumas" (não sabem o que é? Eh pá! Que lacuna do... não, não perdem nada. Mas se quiserem ficar a saber, pois está aqui, dizendo que é da Nucha. Não faço ideia de quem possa ser a Nucha e não, não quero saber). No texto do nosso amigo Pereira disseca-se a obra e especula-se sobre os significados ocultos que tão sublime letra poderá ter, mas a verdade é que o RAP não consegue chegar a nenhuma conclusão satisfatória, para grande tristeza (desespero?) sua (seu?). E frustração, também. Também há um bom bocado de frustração.

É RAP vintage: bem escrito, absurdo e gargalhento. Aprovado.

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domingo, 3 de agosto de 2014

Tuitos da semana

Se me lembrar, vou passar a fazer isto: uma compilação dos tuitos da semana anterior que, ao relê-los, não me parecerem inteiramente parvos ou irrelevantes. Talvez com algumas alterações, para expandir as abreviaturas tuiteiras, explanar melhor uma ideia ou piada ou juntar num só parágrafo vários tuitos sobre o mesmo tema. Se calhar devia chamar a isto "retuitos" em vez de só "tuitos." É caso para pensar. Se me lembrar.

Acham bem?

Então cá vai a compilação da semana que acaba hoje:
Reiterando algo que já disse uma vez — Caros sites que pedem likes ou têm nagscreens antes de mostrar conteúdo: encham-se de varejeiras.
——
O êxito dos oquestrada é para mim um dos grandes mistérios do universo.
——
Uma União Europeia que aceita calmamente isto é uma União Europeia a que eu recuso pertencer.
——
Se isto é verdade (Observador = pé atrás), o papel do Brasil na entrada do Obiang foi perfeitamente vergonhoso. Já agora: que raio interessa que um documento venha escrito em Comic Sans, em Garamond ou em Helvetica?! Que coisa mais parva.
——
Pelos cabelos quando as pessoas dizem "os partidos", referindo-se exclusivamente a coisas feitas por PS e PSD.
——
Continua, Israel. Ainda não convenceste toda a gente de que o melhor é riscar-te do mapa, mas lá chegarás.
——
Não há uma tenda grande o suficiente para cobrir a Madeira? É que circo já existe, só falta mesmo a tenda.
——
Os brasileiros (e em especial as brasileiras) têm uma relação de amor com a palavra "super".
——
Nunca deixarei de me surpreender com a estupidez humana. Nem de me deprimir com ela.
——
A princípio disseram que o cometa da Rosetta era um patinho de borracha. Não é: é uma bota.
——
E lá vamos nós para a nacionalização dos prejuízos e manutenção em mãos privadas de tudo o que dá lucro. Tão bom. E depois "o Estado é mau gestor." Pois.
——
Ideia para um programa de TV: um Shark Tank tuga, com Oliveira e Costa, Ricardo Salgado, Jardim Gonçalves e João Rendeiro. Ia ser tãlindo ver os liberaloides todos a apresentar ideias de negócio aos mestres!
——
Olhem uma lei fixe: "Empresa que tenha de ser nacionalizada só será privatizada depois de dar lucros ao Estado dez vezes superiores ao que custou." Sim, que o que se preparam para fazer ao BES é simplesmente pornográfico.
——
Coisas como o BPN e o BES continuarão a acontecer enquanto o Estado meter dinheiro e deixar as empresas voltar alegremente a mãos privadas. Coisas como o BPN e o BES continuarão a acontecer enquanto não se perceber que empresas demasiado grandes para falir devem ser públicas. E pelos mesmos motivos, os monopólios naturais também devem ser públicos. Sempre. Até porque um Estado financiado por mais-valias é um Estado que precisa de cobrar menos impostos para o mesmo nível de despesa.
——
Para que se perceba bem o que é a banca hoje em dia.
——
Normalmente não leio BD, mas quando leio, ela é brilhante!
——
Diz que o BES vai passar a ter um só acionista — uma empresa cujo capital é, em parte, dinheiro pelo qual o Estado está a pagar juros. Mas não, não é uma nacionalização. Nacionalizações são coisas malignas que só os comunistas fazem. E o Sócrates.

Lido: Porque não Odeio o Sporting (nem Sequer o FCP, que Mereceria)

Porque não Odeio o Sporting (nem Sequer o FCP, que Mereceria), de André Belo, é uma espécie de crónica tal como estas se transmutam nos blogues, sobre a clubite, essa doença que tão disseminada é entre os futeboleiros. Bem escrita e intimista, compreende-se a sua presença neste livro por vir acompanhada de uma fina ironia (que, aliás, se vê logo no título), mas para alguém, como eu, que há muito deixou de ligar à bola em boa medida por causa destes tão patetas odiozinhos que Belo aqui critica, acaba por ter pouco interesse. Mesmo apesar da crítica.

Por outro lado, é um texto de aconselhável leitura para os verdadeiros doentes da bola. Pouca esperança tenho de que alguém aprenda realmente alguma coisa ao lê-lo, mas basta a possibilidade, mesmo que remota, para que eu o aconselhe.

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sábado, 2 de agosto de 2014

Lido: A Minha Palavra Preferida

A Minha Palavra Preferida, de Rui Tavares, é um texto muito semelhante ao anterior: curtinho (embora um pouco mais longo), a reagir a algo que alguém disse pouco antes (aqui foi Pires de Lima) e muito concentrado na contemporaneidade mediática, como é habitual nos blogues políticos. Não tem Guerra nas Estrelas mas tem palavras e, tendo palavras, e sendo as palavras de então idênticas às de hoje, resistiu melhor ao passar dos anos. Dito de outra forma, mantém boa parte da graça que teve na altura. Dito ainda de outra forma, é melhor que o do Daniel Oliveira.

Textos anteriores deste livro:

Lido: Que a Força Esteja Contigo

Que a Força Esteja Contigo é mais um típico textozinho de blogue, este escrito por Daniel Oliveira, em que o autor goza com uma expressão usada por Paulo Portas num congresso do CDS, recorrendo a referências à Guerra das Estrelas. Não achei nada de especial — é demasiado curto (quase um tuito) e este tipo de ironias baseadas nos mediatismos contemporâneos podem ter graça logo no momento mas a anos de distância essa graça reduz-se de forma significativa.

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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Lido: A Boca da Terra

A Boca da Terra é um conto curto de José Eduardo Agualusa, mais uma vez baseado em notícia que o autor terá encontrado num velho jornal da Angola oitocentista. Este é um daqueles contos de ouvir contar, com dois protagonistas: aquele em quem a história aparentemente se centra, que serve de elo de ligação a um outro, o verdadeiro protagonista da história. No caso, o primeiro é um caçador, Afonso, em tempos guia do segundo, Carlo Emeraldi, um aventureiro italiano que desaparece algures em África. Essa ligação profissional é o que o leva a receber um bizarro relato de viagens, que sugere que o italiano teria encontrado um território alterado de uma forma quase surreal — a tal boca da Terra. Não gosto muito deste tipo de conto, que foi muito comum na literatura fantástica do século XIX e do início do século XX, e este tem ainda o defeito de ser demasiado curto, tornando o relato por interposta pessoa quase sumário. É interessante, sim, e está tão bem escrito como seria de supor, mas há contos muito melhores neste mesmo livro.

Contos anteriores deste livro: