terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Lido: Tuj

É com alguma frequência que a ficção científica pouco preocupada com o rigor científico dos universos que cria toma um caráter muito onírico, frequentemente de pesadelo. Por vezes, o que daí resulta são obras de primeira água, e basta citar nomes como Stanislaw Lem ou J. G. Ballard para perceberem o que quero dizer. Mas o exercício é delicado e exige grande cuidado e não menos talento porque facilmente pode tornar-se catastrófico, especialmente quando os autores ignoram com tal militância o rigor científico que adulteram os conceitos e usam as palavras originadas na ciência como meras muletas poéticas. E lembrei-me agora, por algum motivo, do Artur Portela. E da Isabel Cristina Pires.

Walter Martins quase cai nessa armadilha, safando-se por pouco. A história que cria em Tuj é sobre um geólogo que se vê misteriosamente transportado para um mundo distante, um mundo de pesadelo, simplificado, seco, constituído por uma floresta aparentemente infinita de espinheiros arbóreos e castanhos, que arde (por vezes literalmente) sob a intensa luz de três sóis. Aí, vai encontrar uma espécie de civilização enlouquecida de criaturas escanzeladamente aladas, e, contra todas as expetativas, sobrevive, adapta-se até certo ponto e arranja um amigo. E este vai explicar-lhe (e aos leitores) o que se passa.

A história acaba por ser razoável, apesar de tudo. Martins usa o onirismo do ambiente que cria com conta, peso e medida, sem exageros, e fá-lo para explorar algumas ideias sobre o perigo da ciência quando remexe na estrutura da realidade e as consequências da imortalidade. Essas ideias não têm grande originalidade e estão um bom bocado às avessas das minhas, mas impedem que a história acabe por se transformar em mero escapismo vazio de conteúdo e o mistério criado em volta do que aquele mundo é e de como funciona sustenta bem a narrativa.

Não posso dizer que tenha gostado muito deste conto, tenho ainda menos motivos para o considerar memorável, mas também não posso achá-lo mau.

Contos anteriores deste livro:

Sem comentários:

Enviar um comentário

Por motivos de spam persistente, todos os comentários neste blogue são moderados. Comentários legítimos passam, mas pode demorar algum tempo. Como sempre acontece, paga a maioria por uma minoria de idiotas. Parece ser assim que o mundo funciona, infelizmente.