terça-feira, 24 de abril de 2018

Lido: Sol no Coração

Meus caros, devo dizer-lhes com toda a exasperação: os infodumps são uma praga.

A sério: cada vez tenho menos paciência para eles. Sim, é verdade, há exemplos desta forma de despejar informação sobre o leitor que são pequenas obras de arte. Só que para o serem precisam de estar mesmo muito, muito bem escritos, e, regra geral, escritor que é capaz de escrever assim tão bem prefere transmitir a informação necessária de outras formas. A consequência é que a generalidade dos infodumps que aparecem na ficção vêm imbuídos de graus variáveis de tosquice, raramente transmitem apenas a informação rigorosamente necessária, nem mais, nem menos (o que também seria desejável), cortam quase sempre o ritmo às narrativas e em geral diminuem, por vezes significativamente, a qualidade global das histórias em que são enfiados.

Sim, Sol no Coração (bibliografia) da Roberta Spindler também sofre com essa praga. Muito.

A ideia está cheia de potencial. Num futuro não identificado, a tecnologia das nanomáquinas está plenamente desenvolvida, e as pessoas têm vidas mais longas e mais saudáveis graças a milhões de minúsculos robôs que lhes correm pela corrente sanguínea e corrigem o que há para corrigir, alimentados por microplacas solares que lhes são implantadas como se fossem tatuagens. Não imediatamente, assim que nascem, pois é necessário que o organismo atinja um certo grau de desenvolvimento. Mas durante a infância. E claro que há pessoas renitentes ao procedimento.

Nesse futuro, um casal discute a operação do filho, entre a renitência de um e o entusiasmo da outra. Há uma carga dramática razoável, pois o miúdo é sobrevivente de uma leucemia e condicionado por esse facto (uma forma talvez demasiado óbvia de puxar ao sentimento), e também há traumas pessoais metidos ao barulho. E há infodumps.

Pois.

Os infodumps são suficientes para este conto não ser lá muito bom. E teria sido tão fácil integrá-los de forma mais interessante na narrativa! Bastaria contar esta história sob o ponto de vista da criança e deixá-la ainda ingénua, ainda desconhecedora dos detalhes da tecnologia e desejosa de aprender, até para saber melhor o que a aguardava. Mas não: Spindler escolheu os pais como protagonistas e reduziu o conto a uma discussão entre os dois, quase sem qualquer ação exterior a essa discussão. É pena. E quando a isso se soma um português correto mas pouco mais do que isso, mais simples que inspirador, o resultado é um dos piores contos desta antologia.

Contos anteriores deste livro:

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