domingo, 8 de abril de 2018

Lido: Xochiquetzal e a Esquadra da Vingança

Lido, que é como quem diz: relido.

Em tempos, Gerson Lodi-Ribeiro decidiu pregar uma partida aos leitores de ficção especulativa lusófonos. Não sei ao certo como se processou a coisa, mas suspeito de que terá sido convidado a fornecer uma história para uma antologia portuguesa, a Pecar a Sete, e "transferiu" esse pedido para uma "amiga", chamada Carla Cristina Pereira (surgida pela primeira vez numa outra antologia publicada um ano antes no Brasil), a qual teria pronto um conto de história alternativa muito bom, ambientado num mundo alternativo em que Colombo teria navegado em busca da Índia sob as cores portuguesas, anos antes da sua viagem real, e descoberto as Américas (ou Cabrálias) e as respetivas civilizações, ao mesmo tempo que as tentativas de dobrar o Cabo das Tormentas falhavam. Nesse mundo alternativo, os portugueses, pragmaticamente, teriam preferido celebrar uma aliança com a civilização asteca em vez de a exterminarem como fizeram os espanhóis, ainda que não em pé de igualdade, servindo-se antes de relações de suserania e vassalagem, segundo as quais a nobreza local permanecia localmente no poder, mas submetida ao rei de Portugal, que se teria transformado em rei dos reis. Essa aliança incluía o transporte para Lisboa de praticamente toda a juventude asteca de nascimento elevado, com o fim declarado de serem educados e instruídos, mas na realidade como reféns.

Essa história intitulava-se Xochiquetzal e a Esquadra da Vingança (bibliografia).

E a Carla Cristina Pereira não era senão o próprio Gerson.

A história passa-se anos depois dos factos descritos acima. Xochiquetzal é uma princesa asteca, educada nos usos e costumes portugueses e tomada como esposa por Vasco da Gama, o próprio. Este, apesar de nesta alternativa não ter a distinção de haver descoberto o caminho marítimo para a Índia (a qual cabe a Fernão de Magalhães... pela rota do Pacífico), é na mesma um destacado navegador, já idoso mas ainda rijo. Pois acontece que o Samorim de Calicute tem a má ideia de matar portugueses, incluindo o próprio Magalhães, que com ele negociavam o futuro das relações entre as duas entidades políticas, e como consequência Vasco da Gama recebe a incumbência de fazer cair sobre ele a vingança do rei portugês ao comando de uma esquadra tripulada por portugueses e cheia de guerreiros mexicanos. A bordo viaja também a sua mulher, Xochiquetzal.

O que faz com que esta história realmente funcione bem é este último facto. Libertada da necessidade de participar na ação, Xochiquetzal está livre para a narrar de uma forma razoavelmente distanciada. É ela o ponto de vista; é ela a cronista. O conto é escrito na primeira pessoa, ao jeito eminentemente descritivo das crónicas de viagem comuns na época, e tem o acrescido motivo de interesse de esse ponto de vista não ser português de nascimento, antes ser o de alguém que está entre duas culturas e portanto vê os acontecimentos com olhos culturalmente mestiços. A verosimilhança agradece.

E o leitor também: o conto é muito bom.

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