quarta-feira, 19 de setembro de 2007

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

A gabarolice

Digo ou não digo? Digo ou não digo? Dizer ou não dizer, eis a questão. Dizer a certos invejosos que há quem tenha vencido o tabaco (e dois maços diários, ainda por cima - depois de enfrentar uma tempestade às 4 da manhã para ir comprar mais) sem sequer consultar o médico pode até ser educativo, mas também pode ser visto como gabarolice parola.

A gabarolice é defeito? E quando é parola?

Digo ou não digo? Raios partam estas dúvidas.

sábado, 1 de setembro de 2007

O outro tipo de fã

Bem, na verdade não é bem "o outro tipo". Em boa verdade, trata-se do mesmo, apenas com uma luz diferente a iluminar uma outra zona do seu rosto. O fã suave, mas nem por isso menos subversor das realidades em nome do objecto da sua afeição.

Refiro-me ao Bandeira, que anda há pelo menos 8 posts a tentar convencer-nos (ironicamente, pois claro) de que na ópera não há fat ladies.

Ao menos com este tipo de fã, ou aspecto de fã, temos direito a fotografias de miúdas giras com a boca aberta.

É um começo...

Os fãs

Sabe-se da objectividade dos fãs. Conhece-se bem até onde podem chegar na distorção da realidade para justificar os seus gostos. E por isso, em tudo o que mete fã, dá-se desconto. Tem de ser. É a única forma de se poder conversar com eles.

Para o fã, o seu ídolo é o maior. Pode ter a cara cheia de verrugas, que é invariavelmente lindo. Pode escrever ou proferir as maiores cretinices, que tem sempre razão. O fã não pensa: justifica. A realidade só faz sentido quando vista através de um filtro.

Por esse motivo, um jornalista não pode ser um fã. Ou por outra: pode sê-lo, mas na "vida civil"; assim que chega perto da profissão tem de deixar-se de fanzices. Caso contrário, arrisca-se, e seriamente, a cair no ridículo.

Vem isto a propósito da mais recente entrada de Nuno Galopim sobre FC, no blog que partilha com João Lopes, sound + vision. Depois de uma série de notas que, apesar de alguns erros de facto sobre a edição portuguesa (e que simples teria sido corrigi-los caso se soubesse informar onde a informação está disponível), são no essencial correctas, chega a nota sobre Heinlein. E o fã revela-se em todo o seu dúbio esplendor.

Arranca o Galopim a nota da seguinte forma:

Um dos mais destacados e importantes autores de ficção científica de “linha dura”, elevou consideravelmente a fasquia da plausibilidade factual e científica nestes domínios da ficção, tendo igualmente contribuído enormemente para a sua valorização literária.


E um tipo que saiba alguma coisa sobre o assunto começa-se logo a rir. Ah o Heinlein fez isto?

Vejamos: a carreira de Heinlein inicia-se em 1939, tendo editado o primeiro livro em 1941. É um dos chamados autores da "golden age", um grupo de autores norte-americanos e alguns ingleses que desenvolvia a sua actividade literária, essencialmente, nas revistas baratas (os pulps) da época. Não eram, no entanto, nem os primeiros autores nem os únicos autores de ficção científica. Bem antes da Golden Age, gente como Verne e Wells, entre outros, tinha desenvolvido o género com uma qualidade literária muito acima da que Heinlein alguma vez atingiu, e com uma plausibilidade científica, tendo em conta o estado de desenvolvimento científico da sua época, que em nada fica a dever ao melhor Heinlein.

OK, dirão vocês, mas ele referia-se à FC organizada enquanto género literário, não à proto-FC do tempo de Wells e Verne. Meus caros, respondo eu, não é isso que ele escreve, mas dando de barato que têm razão, vamos então cavar mais fundo.

E cavamos mais fundo, por exemplo, olhando para outros autores da mesma época. Ray Bradbury, por exemplo, iniciou a carreira nos pulps em 1943, tendo publicado o primeiro livro em 1947. A de Arthur C. Clarke arrancou em 1937, com o primeiro livro a sair só em 1951. Asimov também publicou os primeiros contos ainda nos anos 30, embora só tenha livros seus já nos anos 50.

Se algo se pode dizer a respeito de Heinlein é que foi o primeiro a conhecer sucesso. Não por especiais qualidades do que escrevia, mas porque as suas histórias estavam mais próximas do gosto militarista do público americano da época. Afinal, estava-se em guerra, ou recém-saídos dela. Porque se pensarmos em qualidade literária, Heinlein nem chega a ser uma unha no pé de Bradbury (e também é muito pior que Clarke), ao passo que a "linha dura" esteve sempre muito melhor servida por Clarke do que por Heinlein, que tem mesmo algumas histórias de fantasia, sem qualquer ciência mas cheias de magia. Clarke tem no currículo um número considerável de verdadeiras invenções, algumas tão relevantes para todos nós como o satélite de comunicações; a única coisa semelhante de que Heinlein se pode gabar é o remoto, descrito na novela (novela mesmo e não, como tantas vezes aparece, a tradução errada de "novel", que se traduz correctamente como romance) Waldo.

Heinlein foi, no máximo, o melhor dos escritores medíocres da "Golden Age" pulp. As suas histórias estão repletas dos defeitos característicos da FC comercial da época (personagens sem profundidade, enredos esquemáticos e formulaicos, etc.) e só raramente têm algo de redentor que as salve da mais banal das medianias. Pior: enquanto outros autores da "Golden Age" chegaram aos anos 60 e evoluíram, casos de Dick, Pohl, Silverberg e tantos outros, Heinlein ficou teimosa e conservadoramente no mesmo sítio, a produzir romancezinhos juvenis sem ponta de interesse, em tom vaga ou não tão vagamente de space opera, com as mesmas personagens estereotipadas, narcisistas e machistas dos anos 40. Salva-se um par de coisas, não mais.

Mas há um certo tipo de adolescente que gosta daquilo. Ainda hoje. E que depois de adulto não é capaz de aprofundar um pouco a análise.

Caso do Galopim, ao que tudo indica.

É que, ainda por cima, na mesma nota lê-se isto:

O seu célebre romance de 1959 Starship Troopers foi vilipendiado por alguns detractores seus como sendo fascista, confusão feita com o rigor da visão militarista de um texto nascido como resposta à decisão unilateral dos americanos em abandonar testes nucleares.


Pondo de lado o facto, esse sim objectivo, de que o militarismo é, na essência, e em si mesmo, fascizante, o nosso jornalista acha que quem vilipendia aquele romance (que é, realmente, uma enorme porcaria, e por motivos que vão bem mais fundo que a mera política) são "alguns detractores" que se "confundiram". Achará, porventura, o Galopim que gente como o autor de FC e veterano do Vietname Joe Haldeman não é capaz de compreender onde quer um livro como aquele chegar. E quem fala de Haldeman pode falar de Moorcock e de muitos outros (sim, não são "alguns"; são bem mais), que leram esse romance mas também leram os livros que Heinlein cometeu depois, nos quais as mesmas opiniões são reiteradas uma e outra vez, embora nunca mais com a crueza presente nos Troopers.

Ora, ora, Galopim!... Manda mais postais, que com esse não vais lá.