Com esta história da epidemia, a minha produtividade foi completamente pelo ralo. Não que o recolhimento obrigue a grandes adaptações relativamente à vida que eu fazia antes — quem já trabalhava em casa, como eu, não tem grandes adaptações a fazer. Na verdade, sou até capaz de ter passado a sair mais vezes, porque para lá de compras para mim agora também faço pelo menos parte das da minha mãe. Mas tudo isto originou uma busca obsessiva de informação, e a consequência é que todo o trabalho aqui na Lâmpada e no FCL, e até a própria leitura, se detiveram quase por completo, pelo menos durante a primeira semana. E tal. E isso teve e deverá continuar a ter consequências aqui nas Leiturtugas.
Que consequências? Atrasos. Grandes. O material para o FCL acumulou-se e no momento em que escrevo isto tenho quase 2500 posts por vasculhar, o que deverá demorar ainda bastante tempo. Ora, como as minhas fontes para o FCL são as mesmas que uso para as Leiturtugas, não será muito difícil imaginarem com quanto atraso estarão as coisas a ser divulgadas aqui. Por isso, se publicarem hoje um post relevante, não contem com vê-lo aqui antes de se passar pelo menos uma semana. Pelo menos.
Outra coisa: o sorteio do Sally. Vai ser feito mas não logo no princípio de abril, como eu tinha planeado, e sim apenas quando acabar de despachar todo o material acumulado de março. Como não sei ainda quando isso será, não vos posso dar uma data, nem mesmo aproximada. Quanto ao livro, e como eu, como qualquer de nós, não posso ter a certeza de não estar contaminado, vai ser empacotado assim que haja vencedor do sorteio que o aceite, depois fica a repousar dois ou três dias, o suficiente para a bicharada que poderá eventualmente assolar-nos se decompor no interior do embrulho, e só será enviado depois. Aconselho quem o receber a ter os cuidados normais com o embrulho, mas o interior deverá chegar totalmente livre de bichezas desagradáveis, ou seja, perfeitamente seguro.
(sim, sim, eu sei que não é um bicho)
Quanto ao envio propriamente dito, não garanto rapidez. Pode ser que tenha de fazer várias viagens ao posto dos correios até o encontrar vazio o suficiente para considerar razoavelmente seguro fazer o envio. Pode ser que seja à primeira tentativa, pode ser que não seja antes de um número indeterminado delas. Veremos.
Que mais? Bem... mais nada. Parece que é isto.
Ah, sim, já me esquecia. A Tita estreou o ano nas Leiturtugas com duas opiniões sobre dois livros da Catarina Janeiro, ambos publicados pela Coolbooks. O primeiro intitula-se Outubro Negro e o segundo, sequela deste, tem o título de O Hospital de Todos os Santos. Nenhum deles tem FC, ao que parece, pelo que a Tita arranca com 0c2s.
E por agora é tudo. Para a semana pode ser que haja mais.
segunda-feira, 30 de março de 2020
sexta-feira, 27 de março de 2020
Robert Louis Stevenson: O Ladrão de Cadáveres
De médicos e de monstros se fez um dos mais famosos romances de proto ficção científica intimamente ligada ao terror, ou vice-versa (é mais vice-versa, sim), da literatura mundial. Mas essa não é a única história do autor, Robert Louis Stevenson, que mistura esses dois elementos. A prova? Esta noveleta intitulada O Ladrão de Cadáveres (bibliografia).
É uma daquelas histórias de ouvir dizer, alegadamente reais, com um narrador que relata algo que uma segunda pessoa lhe conta, tão em voga no século XIX e início do século XX. Uma história de bar. Depois de assistir a um estranho confronto entre um companheiro de bebedeira e um desconhecido, médico, o narrador ouve do amigo a história que explica o confronto.
É esta que tem muitos pontos de contacto com a protagonizada pelo Dr. Jekyll e pelo Mr Hyde. À primeira vista, e durante muito tempo, parece apenas uma história de crime, sobre gente sem escrúpulos que assalta campas e rouba cadáveres para os fornecer a uma escola de medicina para as aulas de anatomia. E que não se limita a assaltar tumbas, pois tem também outras formas mais criminosas de se munir de cadáveres. Mas no final...
... No final surge o horror a sério, com forte indicação de sobrenaturalidade, ainda que outra interpretação o faça não passar de psicológico. Seja qual for a interpretação preferida, o final é bastante apoteótico em termos narrativos, contando com cadáveres, noite, tempestade e chuva. E medo, muito medo. Mais das personagens que deste leitor, que é muito imune ao medo vindo da literatura, mas medo, muito medo. Um final que explica a mudança acontecida no homem que conta a história, pois além do confronto que este tem com o desconhecido existe também nele uma mudança radical no rumo da vida que também contribui para o mistério que acrescenta interesse à história.
No fundo, e tal como O Médico e o Monstro, esta também é uma história sobre a natureza e a decência humana, e os limites éticos a que deve obedecer quem lida com a vida e a morte. Sobre as consequências de se ultrapassar esses limites. Sobre a consciência, no fundo. E é uma boa história, mesmo que a sua qualidade esteja bastante aquém do romance.
Textos anteriores deste livro:
É uma daquelas histórias de ouvir dizer, alegadamente reais, com um narrador que relata algo que uma segunda pessoa lhe conta, tão em voga no século XIX e início do século XX. Uma história de bar. Depois de assistir a um estranho confronto entre um companheiro de bebedeira e um desconhecido, médico, o narrador ouve do amigo a história que explica o confronto.
É esta que tem muitos pontos de contacto com a protagonizada pelo Dr. Jekyll e pelo Mr Hyde. À primeira vista, e durante muito tempo, parece apenas uma história de crime, sobre gente sem escrúpulos que assalta campas e rouba cadáveres para os fornecer a uma escola de medicina para as aulas de anatomia. E que não se limita a assaltar tumbas, pois tem também outras formas mais criminosas de se munir de cadáveres. Mas no final...
... No final surge o horror a sério, com forte indicação de sobrenaturalidade, ainda que outra interpretação o faça não passar de psicológico. Seja qual for a interpretação preferida, o final é bastante apoteótico em termos narrativos, contando com cadáveres, noite, tempestade e chuva. E medo, muito medo. Mais das personagens que deste leitor, que é muito imune ao medo vindo da literatura, mas medo, muito medo. Um final que explica a mudança acontecida no homem que conta a história, pois além do confronto que este tem com o desconhecido existe também nele uma mudança radical no rumo da vida que também contribui para o mistério que acrescenta interesse à história.
No fundo, e tal como O Médico e o Monstro, esta também é uma história sobre a natureza e a decência humana, e os limites éticos a que deve obedecer quem lida com a vida e a morte. Sobre as consequências de se ultrapassar esses limites. Sobre a consciência, no fundo. E é uma boa história, mesmo que a sua qualidade esteja bastante aquém do romance.
Textos anteriores deste livro:
quinta-feira, 26 de março de 2020
Mais um dos "meus": a primeira biografia
Até ao final do ano passado, tinha passado o tempo quase todo a traduzir ficção, e o "quase" está aqui por causa de um par de álbuns de BD que também traduzi. Fantasia, sobretudo, mas também FC, romance histórico, história alternativa, horror (ou pelo menos fantasia sombria), por aí fora. No final do ano passado, isso mudou: traduzi o meu primeiro livro de não ficção.
E foi este, cuja capa está aqui ao lado e que foi publicado recentemente por uma das chancelas da Saída de Emergência. Animal não é nome mas sim a alcunha de um criminoso violento, filho de emigrantes açorianos no Massachusetts. O nome é Joe Barboza, com Z provavelmente porque se fosse S os americanos pronunciariam "barbossa" e como todos sabemos o S de barbosa diz-se Z. O Animal aqui biografado era um assassino a soldo com ligações à Máfia, que esteve profundamente envolvido na guerra do crime organizado que houve em Boston, e na Nova Inglaterra em geral, nos primeiros anos da década de 60 do século XX.
Na guerra do crime organizado e também na destruição desse mesmo crime organizado, na criação do Programa de Proteção de Testemunhas e numa série de escândalos que abalaram profundamente o FBI no último quartel do século XX. É que o nosso Animal teve uma vida muitíssimo colorida, o que de resto é hábito em quem mergulha no mundo do crime. Mas no caso de Joe Barboza terá provavelmente sido mais colorida do que a maioria.
E o autor deste livro, Casey Sherman, não se limita a acompanhar a vida do protagonista pelo meio de todas essas convulsões. Ele é o fio condutor, sim, mas Sherman não vira a cara às ramificações, às ligações mais ou menos próximas entre acontecimentos exteriores ao caminho que Joe Barboza seguiu do nascimento à morte e esse caminho propriamente dito. Fala, brevemente, dos antecedentes familiares e sociais, da comunidade, da vida das comunidades operárias, em grande medida compostas por imigrantes, na Nova Inglaterra ao longo do século XIX e do início do século XX, fala bastante da Máfia e dos gangues irlandeses de Boston e zonas limítrofes, fala do FBI, de J. Edgar Hoover e de Bobby Kennedy, por aí fora. Barboza é retratado como um peão de acontecimentos mais vastos, que o influenciam e que ele por sua vez influencia. Um peão que deixa um rasto de sangue por onde passa.
Este livro não é ficção, mas até podia ser. Ou por outra, retrata aquela realidade que inspirou muita da ficção literária e cinematográfica que temos visto e lido ao longo do último meio século. Com uma diferença de monta, pelo menos para nós: o protagonista é lusodescendente. Tudo isto torna-o bastante interessante e espero ter-lhe feito justiça com a minha tradução.
E foi este, cuja capa está aqui ao lado e que foi publicado recentemente por uma das chancelas da Saída de Emergência. Animal não é nome mas sim a alcunha de um criminoso violento, filho de emigrantes açorianos no Massachusetts. O nome é Joe Barboza, com Z provavelmente porque se fosse S os americanos pronunciariam "barbossa" e como todos sabemos o S de barbosa diz-se Z. O Animal aqui biografado era um assassino a soldo com ligações à Máfia, que esteve profundamente envolvido na guerra do crime organizado que houve em Boston, e na Nova Inglaterra em geral, nos primeiros anos da década de 60 do século XX.
Na guerra do crime organizado e também na destruição desse mesmo crime organizado, na criação do Programa de Proteção de Testemunhas e numa série de escândalos que abalaram profundamente o FBI no último quartel do século XX. É que o nosso Animal teve uma vida muitíssimo colorida, o que de resto é hábito em quem mergulha no mundo do crime. Mas no caso de Joe Barboza terá provavelmente sido mais colorida do que a maioria.
E o autor deste livro, Casey Sherman, não se limita a acompanhar a vida do protagonista pelo meio de todas essas convulsões. Ele é o fio condutor, sim, mas Sherman não vira a cara às ramificações, às ligações mais ou menos próximas entre acontecimentos exteriores ao caminho que Joe Barboza seguiu do nascimento à morte e esse caminho propriamente dito. Fala, brevemente, dos antecedentes familiares e sociais, da comunidade, da vida das comunidades operárias, em grande medida compostas por imigrantes, na Nova Inglaterra ao longo do século XIX e do início do século XX, fala bastante da Máfia e dos gangues irlandeses de Boston e zonas limítrofes, fala do FBI, de J. Edgar Hoover e de Bobby Kennedy, por aí fora. Barboza é retratado como um peão de acontecimentos mais vastos, que o influenciam e que ele por sua vez influencia. Um peão que deixa um rasto de sangue por onde passa.
Este livro não é ficção, mas até podia ser. Ou por outra, retrata aquela realidade que inspirou muita da ficção literária e cinematográfica que temos visto e lido ao longo do último meio século. Com uma diferença de monta, pelo menos para nós: o protagonista é lusodescendente. Tudo isto torna-o bastante interessante e espero ter-lhe feito justiça com a minha tradução.
quarta-feira, 25 de março de 2020
Alan Moore: Doença de Fuseli
Andar a ler histórias sobre doenças, por mais excêntricas e desacreditadas que elas sejam, no meio do que provavelmente será a epidemia do século é uma sensação algo estranha.
Especialmente quando a doença desacreditada é das contagiosas. É o caso desta Doença de Fuseli (bibliografia), saída da pena de alguém conhecido sobretudo como autor de BD: Alan Moore. Como autor de BD de terror, mais precisamente e, sim, esta doença/história é de terror, com base numa ideia realmente muito boa: uma enfermidade onírica que se propaga pelo mundo dos sonhos.
Imaginam? De dia, ou melhor, enquanto acordadas, as pessoas não revelam qualquer sintoma e vivem as suas vidas, saudáveis ou enfermas de outras enfermidades, como se nada se passasse. Mas quando adormecem são assaltadas por sonhos vívidos em que estão doentes, com sintomas característicos, e se por acaso calha sonharem com outras pessoas verdadeiras é quase inevitável que os sonhos destas também passem a ser assim. Imaginam as consequências?
Alan Moore não nos dá as consequências, ainda que sugira algumas; afinal, isto é um livro de descrições de doenças. Mas deixa no ar o apetite de ler uma história mais extensa, com um estilo ficcional mais convencional, sobre um mundo assolado por uma epidemia deste género. Podia ser uma história magnífica. Assim, Moore fez provavelmente o melhor que poderia ter feito dentro das limitações da proposta, o que significa que o resultado é bom. Mas confesso: soube-me a pouco. Queria mais.
Textos anteriores deste livro:
Especialmente quando a doença desacreditada é das contagiosas. É o caso desta Doença de Fuseli (bibliografia), saída da pena de alguém conhecido sobretudo como autor de BD: Alan Moore. Como autor de BD de terror, mais precisamente e, sim, esta doença/história é de terror, com base numa ideia realmente muito boa: uma enfermidade onírica que se propaga pelo mundo dos sonhos.
Imaginam? De dia, ou melhor, enquanto acordadas, as pessoas não revelam qualquer sintoma e vivem as suas vidas, saudáveis ou enfermas de outras enfermidades, como se nada se passasse. Mas quando adormecem são assaltadas por sonhos vívidos em que estão doentes, com sintomas característicos, e se por acaso calha sonharem com outras pessoas verdadeiras é quase inevitável que os sonhos destas também passem a ser assim. Imaginam as consequências?
Alan Moore não nos dá as consequências, ainda que sugira algumas; afinal, isto é um livro de descrições de doenças. Mas deixa no ar o apetite de ler uma história mais extensa, com um estilo ficcional mais convencional, sobre um mundo assolado por uma epidemia deste género. Podia ser uma história magnífica. Assim, Moore fez provavelmente o melhor que poderia ter feito dentro das limitações da proposta, o que significa que o resultado é bom. Mas confesso: soube-me a pouco. Queria mais.
Textos anteriores deste livro:
sábado, 14 de março de 2020
Elsa Loff: O Museu
É curioso como os problemas no uso das vírgulas se correlacionam tão frequentemente com as pretensões à prosa poética, como se os autores mais inexperientes estivessem convencidos de que escrever bem e escrever rebuscadamente são uma e a mesma coisa, e por isso tentassem, sem saberem bem como, alcançar o segundo objetivo para conseguirem obter o primeiro.
Sim, é precisamente o caso deste O Museu (bibliografia) de Elsa Loff, mais um conto bastante fraco principalmente por conta de demasiados disparates na colocação de sinais de pontuação, sobretudo de vírgulas, e porque a autora, ao tentar fazer prosa poética, acaba a adverbiar e adjetivar em demasia o seu texto. Este é uma banal história de terror sobre uma criatura demoníaca mergulhada em formol num frasco num museu — e cá temos o título — mas nem por isso desprovida de um certo poder. A leitura não é particularmente agradável, mas o conto, muito curto (duas páginas), esquece-se num ápice.
Textos anteriores deste livro:
Sim, é precisamente o caso deste O Museu (bibliografia) de Elsa Loff, mais um conto bastante fraco principalmente por conta de demasiados disparates na colocação de sinais de pontuação, sobretudo de vírgulas, e porque a autora, ao tentar fazer prosa poética, acaba a adverbiar e adjetivar em demasia o seu texto. Este é uma banal história de terror sobre uma criatura demoníaca mergulhada em formol num frasco num museu — e cá temos o título — mas nem por isso desprovida de um certo poder. A leitura não é particularmente agradável, mas o conto, muito curto (duas páginas), esquece-se num ápice.
Textos anteriores deste livro:
sexta-feira, 13 de março de 2020
Em fevereiro falou-se de...
Fevereiro foi mais um mês francamente mau, mas esperem que sobre isso falarei mais adiante. Os apressados podem saltar já para as listas ou para os comentários... ou para os dois lados se tiverem o dom da ubiquidade. Para já, a conversa habitual, destinada àquela malta que cai aqui pela primeira vez. E olhem, este mês vou limitar-me a um copy-paste do mês anterior, em honra do recém-falecido Larry Tesler.
A explicação sobre o que vem a ser isto está no primeiro destes posts, aqui, onde também se dão conta das limitações que isto tem, do lugar de onde isto vem, do que se pretende alcançar com isto, e por aí fora. E se quem aqui chegar pela primeira vez tiver curiosidade sobre o que já se publicou de semelhante no passado (e no futuro, que se o leitor cá cair depois de março de 2020 já haverá coisas semelhantes posteriores a esta), basta-lhe clicar na tag leituras fc e empanturrar-se de informação. E siga para as listas, que depois delas há comentários.
Ficção portuguesa:
Num contraste absoluto, os comentários à FC brasileira podem ter batido o recorde (não tenho registado quantos comentários houve em cada categoria em cada mês, pelo que escrevo de memória, a qual é falível), e mesmo se não o fizeram ficaram certamente perto. 34 títulos são muitos títulos, especialmente tendo em conta que incluem relativamente poucos contos, e houve bastante mais comentários que esses. O destaque do mês vai outra vez para Fausto Luciano Panicacci, que continua a fazer marketing do seu romance, desta feita através de uma leitura conjunta que lhe rendeu este mês 12 comentários. Além dele, são de destacar Luis Braz, com 4 comentários a 3 títulos e A. Z. Cordenonsi, também com 4 comentários a 3 títulos.
Também as leituras internacionais foram bastante abundantes — embora aqui não haja de certeza recordes batidos — voltando o total de títulos a ultrapassar a centena: 106. O principal destaque do mês coube a Isaac Asimov, com 8 comentários distribuídos por 6 títulos, mas Max Brallier, com 5 comentários a 2 títulos, Arthur C. Clarke, com 4 comentários a 3 títulos, Blake Crouch, também com 4 comentários mas a 2 títulos, N. K. Jemisin, ainda com 4 comentários mas a outros tantos títulos, Kim Liggett, também com 4 comentários a um só título, e Marie Lu, de novo com 4 comentários a outros tantos títulos, também merecem destaque.
Por fim, havia em janeiro a dúvida sobre se a abundância de comentários a obras de não ficção seria epifenómeno ou tendência. Bem... é facto que a quantidade diminuiu significativamente em fevereiro, mas não deixa de ser também facto que a lista continua a ser múltipla. Ou seja: acho que ainda não há resposta. Teremos de esperar mais algum tempo. Talvez em março? Talvez.
Até lá.
A explicação sobre o que vem a ser isto está no primeiro destes posts, aqui, onde também se dão conta das limitações que isto tem, do lugar de onde isto vem, do que se pretende alcançar com isto, e por aí fora. E se quem aqui chegar pela primeira vez tiver curiosidade sobre o que já se publicou de semelhante no passado (e no futuro, que se o leitor cá cair depois de março de 2020 já haverá coisas semelhantes posteriores a esta), basta-lhe clicar na tag leituras fc e empanturrar-se de informação. E siga para as listas, que depois delas há comentários.
Ficção portuguesa:
- Mekanon, de Michel Alex
- O Submundo dos Antigos, de Susana Celina de Oliveira Augusto (conto)
- A Gaivota Ferida, de Jeracina Gonçalves (conto)
- Feridas de Ódio e Amor, de António Orta (conto)
- Ensayo Sobre la Lucidez, de José Saramago
- Saudações de Tau Ceti, de António Bettencourt Viana (conto)
- Vaporpunk, org. Gerson Lodi-Ribeiro e Luís Filipe Silva
- Epílogo, de Victor Allenspach
- Anacrônicos, de Luiz Bras (conto)
- Máquina Macunaíma, de Luiz Bras (2x)
- Paraíso Líquido, de Luiz Bras
- Não Jogue com a Morte, de Capitolina (conto)
- La Dame Chevalier e a Mesa Perdida de Salomão, de A. Z. Cordenonsi
- O Mistério dos Planos Roubados, de A. Z. Cordenonsi (2x)
- O Problema dos Cálculos Maquinares, de A. Z. Cordenonsi
- Morte Matada, de G. G. Diniz
- Gastaria Tudo com Pizza, de Pedro Duarte
- Back in the USSR, de Fábio Fernandes
- Engrenagens, org. Paola Giometti
- Hannah, de Bruno Godoi
- Elemento Alpha, de Priscila Gonçalves
- Elemento Infinito, de Priscila Gonçalves
- Leia Mulheres, org. Michelle Henriques, Juliana Gomes e Juliana Leuenroth
- Juízo Final, de Thiago Kansler
- Rio 2054, de Jorge Lourenço
- Três Meses no Século 81, de Jeronymo Monteiro
- Incompletos, de Sabine Mendes Moura
- Um Passeio no Jardim da Vingança, de Daniel Nonohay
- Ninguém Nasce Herói, de Eric Novello
- Às Moscas, Armas, de Nelson de Oliveira
- A Batalha dos Mortos, de Rodrigo de Oliveira
- O Senhor do Tempo, de Márcio Pacheco (2x)
- O Silêncio dos Livros, de Fausto Luciano Panicacci (12x)
- Crónica Extra-Terrestre, de José Guilherme Correa Pinto (conto)
- Por Onde Ela Esteve?, de Rebeka Prez
- Atlas Ageográfico de Lugares Imaginados, de Ana Cristina Rodrigues
- A Telepatia São os Outros, de Ana Rüsche (2x)
- Safra Macabra, de King Shelter
- Traição, de Márcia Silva
- Fanfic, de Braulio Tavares
- Ìségún, de Lu Ain-Zaila (2x)
- Das Estrelas ao Oceano, org. ??
- O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams
- O Restaurante no Fim do Universo, de Douglas Adams
- Mundos Apocalípticos, org. John Joseph Adams
- As Cavernas de Aço, de Isaac Asimov (2x)
- Eu, Robô, de Isaac Asimov
- Fundação, de Isaac Asimov
- Fundação e Império, de Isaac Asimov (2x)
- Nove Amanhãs, de Isaac Asimov
- O Fim da Eternidade, de Isaac Asimov
- O Conto da Aia, de Margaret Atwood (2x)
- Os Testamentos, de Margaret Atwood (2x)
- O Planeta dos Macacos, de Pierre Boulle
- Farenheit 451, de Ray Bradbury (2x)
- 4 Contra o Apocalipse, de Max Brallier (2x)
- A Marcha dos Zumbis, de Max Brallier (3x)
- Fortaleza Digital, de Dan Brown
- Filho Dourado, de Pierce Brown
- Laranja Mecânica, de Anthony Burgess
- A Parábola do Semeador, de Octavia E. Butler
- Bloodchild, de Octavia E. Butler (conto)
- Seres do Espaço, de Steven Caldwell
- O Enigma de Outro Mundo, de John W. Campbell (2x)
- Dacey's Patent Automatic Nanny, de Ted Chiang (conto)
- Doença do Arroz Claro, de Michael Cisco (conto)
- Desencanto Fúngico, de Alan M. Clark (conto)
- 2001: Odisseia Espacial, de Arthur C. Clarke
- O Fim da Infância, de Arthur C. Clarke (2x)
- Respire Fundo, de Arthur C. Clarke (conto)
- A Biblioteca Invisível, de Genevieve Cogman
- Naves Espaciais 2000 a 2100, de Stewart Cowley
- Jurassic Park, de Michael Crichton
- Matéria Escura, de Blake Crouch
- Recursão, de Blake Crouch (3x)
- Vox, de Christina Dalcher
- The Evil Goblins from Neptune, de Martin Day e Keith Topping
- O Homem do Castelo Alto, de Philip K. Dick
- A Libélula no Âmbar, de Diana Gabaldon
- Ecos do Futuro, de Diana Gabaldon
- Seres Mágicos e Histórias Sombrias, de Neil Gaiman e Al Sorrentino
- Herland, de Charlotte Perkins Gilman
- Uma Coisa Absolutamente Fantástica / Uma Coisa Absolutamente Incrível, de Hank Green (2x)
- A Mão Esquerda da Escuridão, de Ursula K. Le Guin
- Os Despossuídos, de Ursula K. Le Guin
- Guerra Sem Fim, de Joe Haldeman
- Metrópolis, de Thea von Harbou
- Hunters of Dune, de Brian Herbert e Kevin J. Anderson
- Chapterhouse: Dune, de Frank Herbert
- Heretics of Dune, de Frank Herbert
- O Homem da Areia, de E. T. A. Hoffmann (conto)
- Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley
- A Gaiola Dourada, de Vic James
- A Quinta Estação, de N. K. Jemisin
- O Céu de Pedra, de N. K. Jemisin
- O Portão do Obelisco, de N. K. Jemisin
- The Kingdom of Gods, de N. K. Jemisin
- O Mundo Invisível Entre Nós, de Caitlín R. Kiernan
- Cell, de Stephen King
- O Instituto, de Stephen King
- Lucky Thirteen, de Marko Kloos (conto)
- Measures of Absolution, de Marko Kloos (conto)
- Perelandra, de C. S. Lewis
- O Ano da Graça, de Kim Liggett (4x)
- O Fim da Morte, de Cixin Liu
- A Cor que Caiu do Espaço / A Cor que Caiu do Céu, de H. P. Lovecraft (3x)
- A Vida Depois de Legend, de Marie Lu (conto)
- Champion, de Marie Lu
- Prodigy, de Marie Lu
- Rebel, de Marie Lu
- Ladra de Almas, de Sarah J. Maas
- Intocável, de Tahereh Mafi
- Inspeção, de Josh Malerman (2x)
- O Outro Lado do Amanhecer, de John Marsden
- O Começo, org. George R. R. Martin
- A Memory Called Empire, de Arkady Martine
- Eu Sou a Lenda, de Richard Matheson
- Máquinas Como Eu, de Ian McEwan
- A Altura Deslumbrante, de Katharine McGee
- Cinder, de Marissa Meyer
- Levana, de Marissa Meyer
- Brumas do Tempo, de Karen Marie Moning
- Mais Forte que o Mar, de Kassandra Montag (2x)
- Gigantes Adormecidos, de Sylvain Neuvel
- 1984, de George Orwell
- Gato, de Bill Pronzini (conto)
- A Bússola de Ouro, de Philip Pullman
- Intruso, de Iain Reid
- Perdida, de Carina Rissi
- Pureza Mortal, de J. D. Robb
- De Sangue e Ossos, de Nora Roberts
- Nova York 2140, de Kim Stanley Robinson
- Território Lovecraft, de Matt Ruff
- A Última Colônia, de John Scalzi
- Vilão, de V. E. Schwab
- Frankenstein, de Mary Shelley (2x)
- O Projeto Rosie, de Graeme Simsion
- Matadouro-Cinco, de Kurt Vonnegut, Jr.
- Utopia, LOL, de Jamie Wahls (conto)
- Fragmentos do Tempo, de Rysa Walker
- O Homem Invisível, de H. G. Wells
- A Queda Sombria de Elizabeth Frankenstein, de Kiersten White
- Uma Nova Esperança: A Vida de Luke Skywalker, de Ryder Windhan
- Frankissstein, de Jeanette Winterson
- A Sombra do Torturador, de Gene Wolfe
- Projecto Grande Ascenção, de Robert F. Young (conto)
- Nós e Outras Novelas, de Evguéni Zamiátin
- 21 Lições Para o Século XXI, de Yuval Noah Harari
- A Nova Idade das Trevas, de James Bridle
- Novacene: The Coming Age of Hyperintelligence, de James Lovelock
- Monstros Fabulosos, de Alberto Manguel
Num contraste absoluto, os comentários à FC brasileira podem ter batido o recorde (não tenho registado quantos comentários houve em cada categoria em cada mês, pelo que escrevo de memória, a qual é falível), e mesmo se não o fizeram ficaram certamente perto. 34 títulos são muitos títulos, especialmente tendo em conta que incluem relativamente poucos contos, e houve bastante mais comentários que esses. O destaque do mês vai outra vez para Fausto Luciano Panicacci, que continua a fazer marketing do seu romance, desta feita através de uma leitura conjunta que lhe rendeu este mês 12 comentários. Além dele, são de destacar Luis Braz, com 4 comentários a 3 títulos e A. Z. Cordenonsi, também com 4 comentários a 3 títulos.
Também as leituras internacionais foram bastante abundantes — embora aqui não haja de certeza recordes batidos — voltando o total de títulos a ultrapassar a centena: 106. O principal destaque do mês coube a Isaac Asimov, com 8 comentários distribuídos por 6 títulos, mas Max Brallier, com 5 comentários a 2 títulos, Arthur C. Clarke, com 4 comentários a 3 títulos, Blake Crouch, também com 4 comentários mas a 2 títulos, N. K. Jemisin, ainda com 4 comentários mas a outros tantos títulos, Kim Liggett, também com 4 comentários a um só título, e Marie Lu, de novo com 4 comentários a outros tantos títulos, também merecem destaque.
Por fim, havia em janeiro a dúvida sobre se a abundância de comentários a obras de não ficção seria epifenómeno ou tendência. Bem... é facto que a quantidade diminuiu significativamente em fevereiro, mas não deixa de ser também facto que a lista continua a ser múltipla. Ou seja: acho que ainda não há resposta. Teremos de esperar mais algum tempo. Talvez em março? Talvez.
Até lá.
domingo, 8 de março de 2020
Leiturtugas da semana #55
Depois de uma semana de pausa, eis que regressam as Leiturtugas, e agora já não chegam pelas mãos do Artur Coelho como tem sido hábito até aqui. É que um tal Jorge Candeias, não sei se sabem quem é, estreou o ano com uma opinião sobre um livro português de ficção científica que pelos vistos ninguém conhecia. Intitula-se o livro Maresia, o autor chama-se Fernando Correia da Silva, e o livro, um romance, foi publicado pela Campo das Letras nos primeiros anos do século.
Mas não me fiquei por este, que eu cá quando começo é logo à bruta (não é nada; até sou suavezinho). Também opinei sobre um segundo livro integrado no projeto, este sem qualquer sinal de FC mas com algum fantástico de outros matizes: a antologia Doze Escritores Portugueses Contemporâneos publicada pela Dom Quixote e organizada pelo respetivo editor, Nelson de Matos. E o tal Jorge Candeias estreia-se com 1c1s.
Para a semana? Eu não tenho nada. E vocês?
Mas não me fiquei por este, que eu cá quando começo é logo à bruta (não é nada; até sou suavezinho). Também opinei sobre um segundo livro integrado no projeto, este sem qualquer sinal de FC mas com algum fantástico de outros matizes: a antologia Doze Escritores Portugueses Contemporâneos publicada pela Dom Quixote e organizada pelo respetivo editor, Nelson de Matos. E o tal Jorge Candeias estreia-se com 1c1s.
Para a semana? Eu não tenho nada. E vocês?
sábado, 7 de março de 2020
Lançamentos de FC de fevereiro 2020 (segundo o FCL)
E cá temos a segunda lista mensal de lançamentos, depois da inauguração desta nova forma de fazer isto que tivemos no início de fevereiro e referente a janeiro. Convém ir lá dar-lhe uma vista de olhos para saber de limitações e critérios e essas coisas, e quanto ao que está aqui neste post, é tudo o que foi apanhado pelo FCL durante fevereiro subtraído do que já tinha sido apanhado pelo FCL durante janeiro.
E que tal correu?
Olhem, foi tudo bastante parecido com janeiro. A FC portuguesa está praticamente parada, contando este mês apenas com um lançamento algo marginal ao género (ou totalmente fora dele, pois os livros do António Bizarro só têm alguns elementos de FC e às vezes nem isso, pelo menos a ajuizar por algumas opiniões que se têm lido por aí) e uma reedição brasileira de Saramago. Ou então é tudo secreto, não divulgado, encerrado nos grupinhos murados das redes sociais.
Em contraste, no Brasil continua a lançar-se material se não com abundância, pelo menos com regularidade. E com muitos nomes novos, coisa que em Portugal só raramente aparece com lançamentos individuais, e quando aparece tem tendido a ser através daquelas pequenas edições de contos feitas pela Imaginauta. Este mês, de resto, as novidades brasileiras são praticamente só nomes novos; não vejo aqui nenhum clássico ou consagrado.
Quanto à ficção traduzida, desaparecido o efeito dos anúncios de novidades de médio e longo prazo os números desceram bastante, tanto em Portugal como no Brasil. Mas voltaram a ser equilibrados, o que continuo a achar surpreendente, ainda que desta vez haja uma ligeiríssima vantagem brasileira. Talvez devido à continuada ausência de anúncios de edições brasileiras de Perry Rhodan. Mas não só, pois as novidades portuguesas são desta vez mais próximas do núcleo central da ficção científica, estando a maior parte das brasileiras um pouco mais afastadas. Mas em ambos os casos os números são baixos; desconfio que talvez se venham a contar entre os mais baixos do ano.
De resto, tivemos um lançamento de não-ficção lusobrasileira, três lançamentos de não-ficção traduzida, todos no Brasil, e três lançamentos de periódicos, sendo aqui de realçar o aparecimento de um português, o que é uma raridade. E também aqui os números são baixos, com exceção da não-ficção traduzida publicada no Brasil. Está certo que nunca fiz isto mês a mês, portanto não posso ter certezas, mas três títulos num só mês não deve ser muito frequente.
Em suma: fevereiro não me agradou. Em abril logo veremos como foi março. Até lá.
Ficção portuguesa:
Edições portuguesas
Edições brasileiras
Edições portuguesas
E que tal correu?
Olhem, foi tudo bastante parecido com janeiro. A FC portuguesa está praticamente parada, contando este mês apenas com um lançamento algo marginal ao género (ou totalmente fora dele, pois os livros do António Bizarro só têm alguns elementos de FC e às vezes nem isso, pelo menos a ajuizar por algumas opiniões que se têm lido por aí) e uma reedição brasileira de Saramago. Ou então é tudo secreto, não divulgado, encerrado nos grupinhos murados das redes sociais.
Em contraste, no Brasil continua a lançar-se material se não com abundância, pelo menos com regularidade. E com muitos nomes novos, coisa que em Portugal só raramente aparece com lançamentos individuais, e quando aparece tem tendido a ser através daquelas pequenas edições de contos feitas pela Imaginauta. Este mês, de resto, as novidades brasileiras são praticamente só nomes novos; não vejo aqui nenhum clássico ou consagrado.
Quanto à ficção traduzida, desaparecido o efeito dos anúncios de novidades de médio e longo prazo os números desceram bastante, tanto em Portugal como no Brasil. Mas voltaram a ser equilibrados, o que continuo a achar surpreendente, ainda que desta vez haja uma ligeiríssima vantagem brasileira. Talvez devido à continuada ausência de anúncios de edições brasileiras de Perry Rhodan. Mas não só, pois as novidades portuguesas são desta vez mais próximas do núcleo central da ficção científica, estando a maior parte das brasileiras um pouco mais afastadas. Mas em ambos os casos os números são baixos; desconfio que talvez se venham a contar entre os mais baixos do ano.
De resto, tivemos um lançamento de não-ficção lusobrasileira, três lançamentos de não-ficção traduzida, todos no Brasil, e três lançamentos de periódicos, sendo aqui de realçar o aparecimento de um português, o que é uma raridade. E também aqui os números são baixos, com exceção da não-ficção traduzida publicada no Brasil. Está certo que nunca fiz isto mês a mês, portanto não posso ter certezas, mas três títulos num só mês não deve ser muito frequente.
Em suma: fevereiro não me agradou. Em abril logo veremos como foi março. Até lá.
Ficção portuguesa:
- Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago (editado no Brasil)
- Os Filhos de Rambeau, de António Bizarro
- A Primeira Diretriz, de Paulo Batkai Louzada
- Canis Majoris, de Eduardo Bragança
- Ir Também é Ficar, org. Vanessa Brunt
- O Garoto das Dez, de G. S. Goméz
- O Herdeiro dos Deuses, de Victor Alves
- Passageiro do Caos, de Uziel A. Gomes
- Quadrado 111, de Gleisom Peixoto
- Signum, de Júlio César Bueno
- Unicelular, de Tarsis Magellan
Edições portuguesas
- A Tempestade, de Clive Cussler e Graham Brown
- Depois do Dilúvio, de Kassandra Montag
- Os Tempos do Ódio, de Rosa Montero
- Viagem ao Passado, de Kevin Emerson
- A Jangada, de Jules Verne
- Histórias Extraordinárias, de Edgar Allan Poe
- Nova York 2140, de Kim Stanley Robinson
- O Chamado de Cthulhu e Outras Histórias, de H. P. Lovecraft
- Território Lovecraft, de Matt Ruff
- Faces da Utopia, org. ??
Edições brasileiras
- 21 Lições Para o Século 21, de Yuval Noah Harari
- H. P. Lovecraft: Contra o Mundo, Contra a Vida, de Michel Houellebecq
- Inteligência Artificial, de Kai-Fu Lee
Edições portuguesas
- Orion, nº 5
- Conexão Literatura, nº 56
- Literomancia, nº 3
Nelson de Matos (org.): Doze Escritores Portugueses Contemporâneos (#leiturtugas)
Tenho o Bibliowiki basicamente parado, por falta de tempo para lhe dedicar. Consequência de várias coisas, quase todas positivas: ter tido trabalho, ter voltado a escrever, ter lido bastante ultimamente e portanto ter tido muito a dizer sobre o que vou lendo, e por aí fora. Mas o Bibliowiki sofre. O que não quer dizer que parem as leituras que vou fazendo para perceber se os livros têm lá dentro alguma coisa que interesse ao wiki. E aqui está mais uma.
Pois esta antologia de Doze Escritores Portugueses Contemporâneos, organizada por Nelson de Matos de forma algo clandestina, pois não aparece o seu nome em lugar nenhum e há que deduzir que a responsabilidade é sua a partir de elementos díspares, foi comprada (cegamente, num site de livros em segunda mão) especificamente para satisfazer essa curiosidade: conterá alguma coisa relevante para a literatura fantástica? Algum autor novo, algum autor a escrever textos com elementos não realistas de relevo?
E de facto contém. Não é como em certas antologias, em que, com grande surpresa, constatei que a literatura fantástica compõe um quinhão significativo dos textos nelas presentes, mas dois destes doze textos são realmente enquadráveis no fantástico, um de uma forma mais ténue, outro de modo decidido. Missão cumprida, portanto.
No entanto, não era esse o propósito deste livro. Trata-se de uma compilação de textos previamente publicados, entre contos e excertos de romances, com o objetivo de apresentar a putativos leitores, tradutores e editores uma série de autores da casa, a Dom Quixote. A ideia é, pois, despertar curiosidade pelo resto das obras de onde estes textos são extraídos e, por extensão, pelo resto das obras dos autores aqui incluídos. Terá sido nisso bem sucedido?
Bem, pela parte que me toca, mais ou menos. Se é certo que gostei de vários destes textos, e até os achei em geral boa ou muito boa literatura, a esmagadora maioria não me puxou o suficiente os cordelinhos do gosto para me levar a ter realmente vontade de arranjar os livros de que fazem parte. Ou por outra, alguns até levaram, mas de forma algo vaga, como um projeto a médio ou a longo prazo, não como algo para fazer em breve. E todos sabemos o que acontece com frequência aos projetos vagos de longo prazo, não é? Esquecem-se. São ultrapassados pelos acontecimentos e pelas vontades. Acontecerá? Só o futuro o dirá.
Se chegar a acontecer, não será surpresa para ninguém que aconteça sobretudo com aqueles textos e autores que me mostraram pegada fantástica: a Teolinda Gersão de A Árvore das Palavras e a Luísa Costa Gomes de O Fosso e o Pêndulo, embora eu costume não gostar dos contos desta autora. Mas não só: o Álvaro Guerra de Ponta Tenente também me despertou alguma curiosidade, o Mário Cláudio de As Chagas também e até, talvez, a Lídia Jorge de A Espuma da Tarde. Quanto aos outros, duvido mesmo muito que chegue a ler algum.
Seja como for, esta foi mais uma leitura que valeu a pena, mesmo tendo alguns dos textos passado um pouco (ou bastante) ao largo do meu gosto literário: encontrei mais coisas para o Bibliowiki, li alguns textos bons e descobri dois ou três autores que não conhecia e me parecem potencialmente interessantes. Tudo isto é lucro.
Contos anteriores deste livro:
Este livro foi comprado.
Pois esta antologia de Doze Escritores Portugueses Contemporâneos, organizada por Nelson de Matos de forma algo clandestina, pois não aparece o seu nome em lugar nenhum e há que deduzir que a responsabilidade é sua a partir de elementos díspares, foi comprada (cegamente, num site de livros em segunda mão) especificamente para satisfazer essa curiosidade: conterá alguma coisa relevante para a literatura fantástica? Algum autor novo, algum autor a escrever textos com elementos não realistas de relevo?
E de facto contém. Não é como em certas antologias, em que, com grande surpresa, constatei que a literatura fantástica compõe um quinhão significativo dos textos nelas presentes, mas dois destes doze textos são realmente enquadráveis no fantástico, um de uma forma mais ténue, outro de modo decidido. Missão cumprida, portanto.
No entanto, não era esse o propósito deste livro. Trata-se de uma compilação de textos previamente publicados, entre contos e excertos de romances, com o objetivo de apresentar a putativos leitores, tradutores e editores uma série de autores da casa, a Dom Quixote. A ideia é, pois, despertar curiosidade pelo resto das obras de onde estes textos são extraídos e, por extensão, pelo resto das obras dos autores aqui incluídos. Terá sido nisso bem sucedido?
Bem, pela parte que me toca, mais ou menos. Se é certo que gostei de vários destes textos, e até os achei em geral boa ou muito boa literatura, a esmagadora maioria não me puxou o suficiente os cordelinhos do gosto para me levar a ter realmente vontade de arranjar os livros de que fazem parte. Ou por outra, alguns até levaram, mas de forma algo vaga, como um projeto a médio ou a longo prazo, não como algo para fazer em breve. E todos sabemos o que acontece com frequência aos projetos vagos de longo prazo, não é? Esquecem-se. São ultrapassados pelos acontecimentos e pelas vontades. Acontecerá? Só o futuro o dirá.
Se chegar a acontecer, não será surpresa para ninguém que aconteça sobretudo com aqueles textos e autores que me mostraram pegada fantástica: a Teolinda Gersão de A Árvore das Palavras e a Luísa Costa Gomes de O Fosso e o Pêndulo, embora eu costume não gostar dos contos desta autora. Mas não só: o Álvaro Guerra de Ponta Tenente também me despertou alguma curiosidade, o Mário Cláudio de As Chagas também e até, talvez, a Lídia Jorge de A Espuma da Tarde. Quanto aos outros, duvido mesmo muito que chegue a ler algum.
Seja como for, esta foi mais uma leitura que valeu a pena, mesmo tendo alguns dos textos passado um pouco (ou bastante) ao largo do meu gosto literário: encontrei mais coisas para o Bibliowiki, li alguns textos bons e descobri dois ou três autores que não conhecia e me parecem potencialmente interessantes. Tudo isto é lucro.
Contos anteriores deste livro:
Este livro foi comprado.
Prosper Mérimée: A Vênus de Ille
Apesar de se integrar literariamente no romantismo, na prosa de Prosper Mérimée algumas das características do movimento que mais me desagradam — e desagradam-me muito — não são muito acentuadas. Não há nele grande exagero de sentimentalismo, não há adjetivação em excesso; há um sentimentalismo algo comedido e uma exploração razoavelmente sensata dos temas típicos do romantismo fantástico (ou não fantástico). Isso mesmo se comprova neste A Vênus de Ille (bibliografia), uma noveleta sobre uma estátua diabólica.
Trata-se de uma daquelas histórias, comuns na ficção oitocentista, em que alguém vindo de fora, normalmente da cidade grande, chega a um lugar que lhe é desconhecido e geralmente pequeno e trava conhecimento com tradições, superstições e histórias locais. Muitas das histórias de fantasmas vitorianas são assim, por exemplo. Mas aqui não temos propriamente um fantasma; temos um protagonista-narrador vindo da cidade grande, sim, que aparece numa terreola distante, sim, mas o interesse dele é arqueológico. E o que encontra é a estátua de uma divindade, provavelmente romana, que tinha sido recentemente encontrada na vilória de Ille, a qual se situa nos Pirenéus franceses muito perto da fronteira com a Catalunha.
A estátua fascina o seu anfitrião, um proprietário local também interessado em arqueologia, que procura nele a validação das suas teorias uma vez que o considera uma espécie de colega dotado de conhecimentos mais sólidos sobre o tema. Mas também amedronta; várias pessoas afirmam sentir que dela é exalada qualquer coisa de maligno. E também há uns acontecimentos estranhos...
O pior, porém, está reservado para o filho do anfitrião, jovem de casamento marcado para aqueles dias, o qual, por conta de uma atitude irrefletida, vai despertar uma ligação fatal entre si e o que quer que de sobrenatural anima o bronze da estátua. Não é difícil a partir daqui deduzir o desfecho da história, mas não entrarei em detalhes.
Concluo dizendo apenas que embora tenha, como não podia deixar de ter, algumas daquelas características das ficções do romantismo que tendem a colidir violentamente com o meu gosto literário, esta história de Merimée dilui-as o suficiente para que a qualidade de tudo o resto venha (quase) plenamente ao de cima. É uma noveleta bastante boa, algo previsível mas não tanto como tantas outras histórias da época (i.e., e para dar um exemplo, se a tragédia é previsível, a forma concreta que ela toma é bastante inesperada), bem narrada e bastante bem escrita.
Textos anteriores deste livro:
Trata-se de uma daquelas histórias, comuns na ficção oitocentista, em que alguém vindo de fora, normalmente da cidade grande, chega a um lugar que lhe é desconhecido e geralmente pequeno e trava conhecimento com tradições, superstições e histórias locais. Muitas das histórias de fantasmas vitorianas são assim, por exemplo. Mas aqui não temos propriamente um fantasma; temos um protagonista-narrador vindo da cidade grande, sim, que aparece numa terreola distante, sim, mas o interesse dele é arqueológico. E o que encontra é a estátua de uma divindade, provavelmente romana, que tinha sido recentemente encontrada na vilória de Ille, a qual se situa nos Pirenéus franceses muito perto da fronteira com a Catalunha.
A estátua fascina o seu anfitrião, um proprietário local também interessado em arqueologia, que procura nele a validação das suas teorias uma vez que o considera uma espécie de colega dotado de conhecimentos mais sólidos sobre o tema. Mas também amedronta; várias pessoas afirmam sentir que dela é exalada qualquer coisa de maligno. E também há uns acontecimentos estranhos...
O pior, porém, está reservado para o filho do anfitrião, jovem de casamento marcado para aqueles dias, o qual, por conta de uma atitude irrefletida, vai despertar uma ligação fatal entre si e o que quer que de sobrenatural anima o bronze da estátua. Não é difícil a partir daqui deduzir o desfecho da história, mas não entrarei em detalhes.
Concluo dizendo apenas que embora tenha, como não podia deixar de ter, algumas daquelas características das ficções do romantismo que tendem a colidir violentamente com o meu gosto literário, esta história de Merimée dilui-as o suficiente para que a qualidade de tudo o resto venha (quase) plenamente ao de cima. É uma noveleta bastante boa, algo previsível mas não tanto como tantas outras histórias da época (i.e., e para dar um exemplo, se a tragédia é previsível, a forma concreta que ela toma é bastante inesperada), bem narrada e bastante bem escrita.
Textos anteriores deste livro:
sexta-feira, 6 de março de 2020
Mia Couto: A Carta
É curioso como dois contos de Mia Couto integrados em dois livros bem diferentes e cuja publicação se distancia no tempo em várias décadas, um deles a assumir a sua condição de conto, o outro travestido de crónica, conseguem ter tanto em comum.
E é curioso também que os tenha lido quase um a seguir ao outro. Por puro acaso. Falo deste A Carta, claro, e de A Dona da Ausência, aqui comentado há dias.
Tal como no outro, também aqui o ambiente é guerreiro. Tal como no outro, também aqui uma mulher está no fulcro da narrativa. Tal como o outro também este conto é bastante curto, quatro páginas apenas. Também há algumas diferenças, naturalmente. O outro é um conto sobre relações de poder, este é um conto sobre saudade. O outro não tem elementos fantásticos que ultrapassem uma certa atmosfera vagamente mágica, de que Mia Couto nunca prescinde, neste a magia (ou telepatia, ou intuição, o que lhe queiram chamar) é pelo menos uma interpretação possível de um elemento do enredo. E mais algumas.
Uma dessas algumas é a tristeza. Este é um conto muito triste, um conto sobre a devastação da guerra. A carta do título é uma missiva de um filho guerreiro, a única, que o narrador lê repetidamente (alterando-a sempre) à mãe daquele. Até ao dia em que recebe a notícia que o filho morrera, notícia essa que não tem coragem de transmitir à mãe. Mas a mãe parece saber mesmo assim. O conto é muito bom. E muito "miacoutiano", também.
E é curioso também que os tenha lido quase um a seguir ao outro. Por puro acaso. Falo deste A Carta, claro, e de A Dona da Ausência, aqui comentado há dias.
Tal como no outro, também aqui o ambiente é guerreiro. Tal como no outro, também aqui uma mulher está no fulcro da narrativa. Tal como o outro também este conto é bastante curto, quatro páginas apenas. Também há algumas diferenças, naturalmente. O outro é um conto sobre relações de poder, este é um conto sobre saudade. O outro não tem elementos fantásticos que ultrapassem uma certa atmosfera vagamente mágica, de que Mia Couto nunca prescinde, neste a magia (ou telepatia, ou intuição, o que lhe queiram chamar) é pelo menos uma interpretação possível de um elemento do enredo. E mais algumas.
Uma dessas algumas é a tristeza. Este é um conto muito triste, um conto sobre a devastação da guerra. A carta do título é uma missiva de um filho guerreiro, a única, que o narrador lê repetidamente (alterando-a sempre) à mãe daquele. Até ao dia em que recebe a notícia que o filho morrera, notícia essa que não tem coragem de transmitir à mãe. Mas a mãe parece saber mesmo assim. O conto é muito bom. E muito "miacoutiano", também.
quinta-feira, 5 de março de 2020
António Bettencourt Viana: Probabilidades
Ao longo de boa parte deste conto, que vem na página de rosto anunciado como sendo de ficção científica, a primeira interrogação que não sai da cabeça de quem o lê é "mas o que raio tem isto a ver com a FC?" E a segunda é "e por que raio tem o título de Probabilidades?" (bibliografia). Porque o que António Bettencourt Viana parece fazer neste conto é um daqueles estudos de personalidade à Eça, aqui centrado num irascível dono de casa de penhores e seu sobrinho, com um enredo, que aparenta ser mais ou menos acessório, sobre um homem que tenta empenhar um anel. O conto está cheio de ironia (à Eça, lá está), o homem é retratado como um daqueles tipos miudinhos e desagradáveis que dão sempre boas personagens, mas que no fundo só quer ter um bocadinho de sossego nos fundos da loja enquanto o sobrinho atende o raio do cliente. Mas o sobrinho é novo naquilo, não sabe bem quanto há de oferecer pelo anel, que acha valioso, e por isso vai chatear o tio.
O tio corre com ele à pedrada. Figurativamente falando, calma. Mas depois aparece morto sem nada de figurativo. Mas com muito mistério à mistura.
E é aqui, prestes a terminar o conto, que se percebe finalmente o que tem ele de ficção científica. E com probabilidades. É que a explicação para a morte do homem é uma explicação de FC, relacionada com probabilidades, precisamente. Uma explicação bastante forçada, há que dizê-lo, embora Viana faça um bom trabalho a disfarçar o facto.
Este é um conto interessante, mais bem escrito do que o anterior, talvez em parte porque o caráter didático que também tem não se intromete tanto no desenrolar da história e faz sentido no contexto em que aparece.
Conto anterior deste livro:
O tio corre com ele à pedrada. Figurativamente falando, calma. Mas depois aparece morto sem nada de figurativo. Mas com muito mistério à mistura.
E é aqui, prestes a terminar o conto, que se percebe finalmente o que tem ele de ficção científica. E com probabilidades. É que a explicação para a morte do homem é uma explicação de FC, relacionada com probabilidades, precisamente. Uma explicação bastante forçada, há que dizê-lo, embora Viana faça um bom trabalho a disfarçar o facto.
Este é um conto interessante, mais bem escrito do que o anterior, talvez em parte porque o caráter didático que também tem não se intromete tanto no desenrolar da história e faz sentido no contexto em que aparece.
Conto anterior deste livro:
Isaac Asimov: O Sorriso que Rouba
Apesar de ter sido em geral uma pessoa progressista, Isaac Asimov não é propriamente um autor imaculado no que toca às relações com as mulheres, e sabê-lo acrescenta uma camada de algum desconforto à leitura deste conto. Pois O Sorriso que Rouba (bibliografia) é uma história onde, nas entrelinhas, assoma a violência doméstica. Não que Asimov fosse culpado de tais práticas, pelo menos que se saiba. Mas exerceu, tudo o indica, outras formas de abuso. Quais? Bem, digamos que era muito liberal com os lugares onde punha as mãos...
Alegadamente...
Este conto é, claro, mais uma história em que surge o demónio Azazel. Ou por outra, é e não é, pois do demónio propriamente dito não aparece nem sinal; esta é apenas uma história contada pelo (extraordinariamente arrogante e vaidoso) homem a quem o demónio faz favores, sobre mais uma obra demoníaca cheia de boas intenções que terá originado efeitos secundários inesperados e desastrosos.
A situação é a seguinte: uma mulher anda perturbada porque o marido, que ela vê como carinhoso e amantíssimo, nunca aparece nas fotografias com aquela expressão que ela tanto adora. E o vaidoso, que tem um fraquinho por ela, resolve requisitar o demónio para lhe dar uma mãozinha e capturar a tal expressão numa fotografia. Consegue, naturalmente. Mas vem-se a perceber que captura mais do que isso e o marido de amantíssimo passa a abusador.
O que é realmente perturbador é a reação da mulher. A inventar desculpas para os abusos, enquanto vai minguando em tristeza. A atribuir culpas a si própria. Uma reação demasiado comum, na verdade. E é necessária uma intervenção externa para voltar a colocar tudo nos eixos; é preciso que o vaidoso tenha um ataque de decência e remorso e decida recuperar a fotografia e destruí-la. Coisa que a mulher não perdoa.
Convenhamos que para um conto curto cuja ambição primordial é ser divertido, este Sorriso que Rouba tem entrelinhas poderosas. E digo-o mesmo sem ter gostado lá muito de o ter lido.
Contos anteriores deste livro:
Alegadamente...
Este conto é, claro, mais uma história em que surge o demónio Azazel. Ou por outra, é e não é, pois do demónio propriamente dito não aparece nem sinal; esta é apenas uma história contada pelo (extraordinariamente arrogante e vaidoso) homem a quem o demónio faz favores, sobre mais uma obra demoníaca cheia de boas intenções que terá originado efeitos secundários inesperados e desastrosos.
A situação é a seguinte: uma mulher anda perturbada porque o marido, que ela vê como carinhoso e amantíssimo, nunca aparece nas fotografias com aquela expressão que ela tanto adora. E o vaidoso, que tem um fraquinho por ela, resolve requisitar o demónio para lhe dar uma mãozinha e capturar a tal expressão numa fotografia. Consegue, naturalmente. Mas vem-se a perceber que captura mais do que isso e o marido de amantíssimo passa a abusador.
O que é realmente perturbador é a reação da mulher. A inventar desculpas para os abusos, enquanto vai minguando em tristeza. A atribuir culpas a si própria. Uma reação demasiado comum, na verdade. E é necessária uma intervenção externa para voltar a colocar tudo nos eixos; é preciso que o vaidoso tenha um ataque de decência e remorso e decida recuperar a fotografia e destruí-la. Coisa que a mulher não perdoa.
Convenhamos que para um conto curto cuja ambição primordial é ser divertido, este Sorriso que Rouba tem entrelinhas poderosas. E digo-o mesmo sem ter gostado lá muito de o ter lido.
Contos anteriores deste livro:
quarta-feira, 4 de março de 2020
Escrita de fevereiro
As minhas previsões sobre o momento em que teria as coisas concluídas não seriam as minhas previsões sobre o momento em que teria as coisas concluídas se não as falhasse pelo menos uma vez. No que se refere à escrita de material original, note-se, que no resto costumo ser muito certinho.
Sim, sim, não acabei a história que estou a escrever e tinha dito que provavelmente acabaria em fevereiro. Os motivos para isso foram dois: escrevi um pouco menos em fevereiro do que tinha escrito em janeiro, 8200 palavras (não chega a 25 páginas) em vez de 9100, e o facto de a história, que eu apontava para vir a ser uma noveleta longa ou uma novela curta se estar a encaminhar para a novela curta. Está atualmente quase a chegar ao limite superior da noveleta e deverá acabar por volta das 21-22 mil palavras.
Ou seja: acaba em março, salvo alguma hecatombe. Depois? Bem. Depois se verá. No início de abril cá estarei para vos contar.
terça-feira, 3 de março de 2020
Fernando Correia da Silva: Maresia (#leiturtugas)
Tem sido assim há algumas décadas: sempre que eu acho que se calhar sou capaz de já conhecer toda a ficção científica portuguesa que se foi publicando por aí, seja por a ter lido, seja por dela ter tido conhecimento através de leituras alheias, lá aparece qualquer coisa a desmentir tal convencimento. Normalmente é um conto aqui, outro ali. Mas por vezes são livros inteiros. Incluindo romances. Como este.
Nunca tinha ouvido falar de Fernando Correia da Silva até ter tropeçado neste Maresia, algum tempo antes da editora fechar as portas. Comprei o livro apenas porque a sinopse me chamou a atenção, e todos os leitores sabem como as sinopses por vezes são enganadoras, mas fi-lo sem grande esperança de encontrar aqui algo de interessante, até porque a capa remete mais para um livro de poesia budista do que a alguma coisa que mexa mais de perto com o meu gosto. Mas desta vez a sinopse acertou e a capa não. O livro é um romance de FC, variante distópica. Ou vá, que está na moda: uma distopia. Uma distopia política, mais propriamente.
Estamos, aparentemente, no futuro. Sem que seja explicado como — e não é necessário — uma estranha forma de teocracia tomou conta do país (do mundo?), que agora é governado por mandarins (uma piscadela de olho ao Eça?) sob a autoridade não só nominal mas efetiva do Papa. A teocracia levou de uma forma igualmente misteriosa a uma alteração profunda das relações sociais e sexuais entre homens e mulheres. Os dois sexos vivem agora separados, os homens nas várias estruturas económicas e de poder, as mulheres em gineceus, uma espécie de guetos murados, acompanhadas pelos filhos pequenos de ambos os sexos. A líbido é inexistente... exceto um mês por ano, durante janeiro, altura em que explode com violência. Então, os homens invadem os gineceus, num frenesim de sexo e pancadaria que só termina ao terminar o mês, e aí são recebidos pelas mulheres, que não estão menos irracionais, menos afetadas pelo cio brusco, mas que mesmo assim são sujeitas a todas as formas de indignidades. É a "maresia" do título.
O romance segue a vida de um rapaz inteligente, primeiro no gineceu da mãe, depois como jovem cativado por um dos mandarins, depois como guerreiro, um dos homens de confiança do mandarim, um dos "fortes", por aí fora. Embora a abrangência temporal seja aqui bastante mais vasta, há muito em comum na progressão do protagonista com o bombeiro Montag de Fahrenheit 451, de jovem ingénuo a revolucionário. Porque é nisso que o protagonista de Correia da Silva se transforma: num revolucionário. Alguém que quer acabar com o sistema da maresia e dos gineceus e dos mandarins e do reino da força como único poder verdadeiro, com a própria teocracia de que o papa se serve simplesmente para enriquecer. E não tem nisso mais sucesso do que Montag, pelo menos na aparência, acabando em fuga e perseguido.
Mas não um revolucionário qualquer. Como em muitas outras distopias, também nesta o protagonista é uma espécie de revolucionário conservador, alguém que deseja reverter as alterações políticas e económicas (e neste caso também biológicas) que transformaram a sua sociedade num pesadelo, trazendo-a de volta a um estado próximo da sociedade do autor, encarada como "normal". Contudo, ao mesmo tempo, Fernando Correia da Silva aproveita para criticar alguns elementos da sociedade que temos (a ganância, a exploração dos fracos pelos fortes, ou seja, do homem pelo homem, a desigualdade sexual, etc.) por via do exagero. Com um ponto de vista que se não é marxista dá uns certos ares disso. Mas há neste livro uma certa ambivalência, o que também o aproxima de outras distopias, e também algum desencanto, pois o livro não termina propriamente numa nota de esperança, mesmo que o autor se esforce por deixar entreaberta essa possibilidade.
E é um livro com uma brutalidade intrínseca que chega a fazer lembrar as ficções, também muitíssimo distópicas, de Telmo Marçal. Toda a sociedade se baseia em relações de força bruta, e por isso a violência e a morte violenta estão sempre presentes, a pairar sobre todos. E Correia da Silva usa um estilo narrativo a condizer, com uma prosa seca e despida de qualquer sinal de sentimentalismo, frases curtas e capítulos também curtos, nos quais os acontecimentos são descritos em primeira pessoa pelo protagonista. É o seu ponto de vista que o leitor acompanha, e é à sua forma de encarar o que o rodeia que se vai habituando. Nem sempre é fácil: o tipo pode até ter boas intenções, até pode ser invulgarmente inteligente, mas não deixa de ser um brutamontes, com uma racionalidade muito própria, baseada num conjunto de valores que, no fundo, são aqueles que a educação numa sociedade daquelas lhe deu. Mesmo a sua relação com a mulher que escolhe no fim para compartilhar aquilo a que chama "suave maresia" traz consigo uma frieza e um calculismo que quase arrepiam.
Este é, portanto, um romance interessante de ficção científica portuguesa que parece ter passado completamente ao lado dos leitores habituais do género. Não me lembro de ter visto alguma referência a ele entre 2003, a data de edição, e o momento em que este texto foi publicado. E é pena, até porque entretanto a editora faliu e por isso não sei se ainda é possível encontrar o livro em algum sítio.
Eu ainda consegui comprá-lo, meio por acaso. E ainda bem que o fiz.
Nunca tinha ouvido falar de Fernando Correia da Silva até ter tropeçado neste Maresia, algum tempo antes da editora fechar as portas. Comprei o livro apenas porque a sinopse me chamou a atenção, e todos os leitores sabem como as sinopses por vezes são enganadoras, mas fi-lo sem grande esperança de encontrar aqui algo de interessante, até porque a capa remete mais para um livro de poesia budista do que a alguma coisa que mexa mais de perto com o meu gosto. Mas desta vez a sinopse acertou e a capa não. O livro é um romance de FC, variante distópica. Ou vá, que está na moda: uma distopia. Uma distopia política, mais propriamente.
Estamos, aparentemente, no futuro. Sem que seja explicado como — e não é necessário — uma estranha forma de teocracia tomou conta do país (do mundo?), que agora é governado por mandarins (uma piscadela de olho ao Eça?) sob a autoridade não só nominal mas efetiva do Papa. A teocracia levou de uma forma igualmente misteriosa a uma alteração profunda das relações sociais e sexuais entre homens e mulheres. Os dois sexos vivem agora separados, os homens nas várias estruturas económicas e de poder, as mulheres em gineceus, uma espécie de guetos murados, acompanhadas pelos filhos pequenos de ambos os sexos. A líbido é inexistente... exceto um mês por ano, durante janeiro, altura em que explode com violência. Então, os homens invadem os gineceus, num frenesim de sexo e pancadaria que só termina ao terminar o mês, e aí são recebidos pelas mulheres, que não estão menos irracionais, menos afetadas pelo cio brusco, mas que mesmo assim são sujeitas a todas as formas de indignidades. É a "maresia" do título.
O romance segue a vida de um rapaz inteligente, primeiro no gineceu da mãe, depois como jovem cativado por um dos mandarins, depois como guerreiro, um dos homens de confiança do mandarim, um dos "fortes", por aí fora. Embora a abrangência temporal seja aqui bastante mais vasta, há muito em comum na progressão do protagonista com o bombeiro Montag de Fahrenheit 451, de jovem ingénuo a revolucionário. Porque é nisso que o protagonista de Correia da Silva se transforma: num revolucionário. Alguém que quer acabar com o sistema da maresia e dos gineceus e dos mandarins e do reino da força como único poder verdadeiro, com a própria teocracia de que o papa se serve simplesmente para enriquecer. E não tem nisso mais sucesso do que Montag, pelo menos na aparência, acabando em fuga e perseguido.
Mas não um revolucionário qualquer. Como em muitas outras distopias, também nesta o protagonista é uma espécie de revolucionário conservador, alguém que deseja reverter as alterações políticas e económicas (e neste caso também biológicas) que transformaram a sua sociedade num pesadelo, trazendo-a de volta a um estado próximo da sociedade do autor, encarada como "normal". Contudo, ao mesmo tempo, Fernando Correia da Silva aproveita para criticar alguns elementos da sociedade que temos (a ganância, a exploração dos fracos pelos fortes, ou seja, do homem pelo homem, a desigualdade sexual, etc.) por via do exagero. Com um ponto de vista que se não é marxista dá uns certos ares disso. Mas há neste livro uma certa ambivalência, o que também o aproxima de outras distopias, e também algum desencanto, pois o livro não termina propriamente numa nota de esperança, mesmo que o autor se esforce por deixar entreaberta essa possibilidade.
E é um livro com uma brutalidade intrínseca que chega a fazer lembrar as ficções, também muitíssimo distópicas, de Telmo Marçal. Toda a sociedade se baseia em relações de força bruta, e por isso a violência e a morte violenta estão sempre presentes, a pairar sobre todos. E Correia da Silva usa um estilo narrativo a condizer, com uma prosa seca e despida de qualquer sinal de sentimentalismo, frases curtas e capítulos também curtos, nos quais os acontecimentos são descritos em primeira pessoa pelo protagonista. É o seu ponto de vista que o leitor acompanha, e é à sua forma de encarar o que o rodeia que se vai habituando. Nem sempre é fácil: o tipo pode até ter boas intenções, até pode ser invulgarmente inteligente, mas não deixa de ser um brutamontes, com uma racionalidade muito própria, baseada num conjunto de valores que, no fundo, são aqueles que a educação numa sociedade daquelas lhe deu. Mesmo a sua relação com a mulher que escolhe no fim para compartilhar aquilo a que chama "suave maresia" traz consigo uma frieza e um calculismo que quase arrepiam.
Este é, portanto, um romance interessante de ficção científica portuguesa que parece ter passado completamente ao lado dos leitores habituais do género. Não me lembro de ter visto alguma referência a ele entre 2003, a data de edição, e o momento em que este texto foi publicado. E é pena, até porque entretanto a editora faliu e por isso não sei se ainda é possível encontrar o livro em algum sítio.
Eu ainda consegui comprá-lo, meio por acaso. E ainda bem que o fiz.
segunda-feira, 2 de março de 2020
Mais dos "meus" em edição especial
Já não é grande novidade. Este mês tenho estado muito atarefado com o trabalho e com a escrita de opiniões sobre coisas que vou lendo e este post atrasou-se pelo menos umas duas semanas. Mas aqui fica mesmo assim a nota de que saíram mais dois volumes da edição especial, em capa dura, das minhas traduções d'As Crónicas de Gelo e Fogo do George R. R. Martin.
Trata-se desta vez dos dois volumes que correspondem ao segundo volume original, o terceiro e o quarto da edição portuguesa: A Fúria dos Reis e O Despertar da Magia.
E eu continuo a babar com estas capas.
A babar, digo-vos eu!
É que não é só as capas serem bonitas, e são. É que quem, como eu, já conhece bem a história consegue encontrar nelas pormenores que se referem a acontecimentos fulcrais contidos em cada livro.
E quem não conhece, imagino, terá uma experiência ainda mais recompensadora ao chegar às partes da história relevantes e passar por aquele momento de revelação: "Aaaaah! Então era isto!"
De modo que continuo em modo "quero!" Talvez me passe. O espaço em estante e a carteira agradecerão que me passe. Mas ainda não passou.
Trata-se desta vez dos dois volumes que correspondem ao segundo volume original, o terceiro e o quarto da edição portuguesa: A Fúria dos Reis e O Despertar da Magia.
E eu continuo a babar com estas capas.
A babar, digo-vos eu!
É que não é só as capas serem bonitas, e são. É que quem, como eu, já conhece bem a história consegue encontrar nelas pormenores que se referem a acontecimentos fulcrais contidos em cada livro.
E quem não conhece, imagino, terá uma experiência ainda mais recompensadora ao chegar às partes da história relevantes e passar por aquele momento de revelação: "Aaaaah! Então era isto!"
De modo que continuo em modo "quero!" Talvez me passe. O espaço em estante e a carteira agradecerão que me passe. Mas ainda não passou.
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