domingo, 31 de maio de 2015

Lido: White Dream

White Dream, de autor anónimo (Neil Bristow, sussurra o desmancha-prazeres), é um brevíssimo conto sobre uma rapariga que, "como qualquer rapariga estranha poderia fazer," sempre tinha tido o sonho de morrer na neve. Não é dos melhores contos desta publicação, mas está na mesma muitíssimo bem escrito e contado com mestria. Um conto que conta uma história de suicídio, mas não chega realmente a aprofundá-la, antes trata a decisão como algo tão importante ou definitivo como a escolha de roupa para sair à rua. É estranho, um pouco perturbador até, mas a meu ver falta-lhe qualquer coisa para chegar ao nível de alguns dos outros contos aqui presentes.

Contos anteriores desta publicação:

Lido: Dagon, nº 0 (sexta parte)

A Sopa Mitológica Europeia é um artigo de Marcelo Ferroni sobre as mitologias europeias (mais precisamente do norte da Europa) e principalmente a relação que elas têm com a obra de Tolkien, detalhando alguns casos de inspiração mais ou menos direta. Um bom artigo.

O Senhor dos Anéis, Mito ou Realidade? é um artigo de Michael Tagge onde se traçam paralelos entre a ficção de Tolkien e personagens e acontecimentos do mundo real ou religioso, em particular as duas guerras mundiais e algumas histórias bíblicas. Também é um artigo interessante, ainda que defenda várias ideias discutíveis.

Segue-se uma minúscula entrevista a Tang Sin Yun, uma artista plástica, e um igualmente minúsculo artigo sobre Kerem Beyit, outro artista pláscito.

E o fanzine conclui com resenhas ao filme The Hunt for Gollum e aos anime O Castelo Andante e Spirited Away e dois artigos musicais, um sobre a banda Dream Theater e outro sobre o caráter ciencio-ficcional da música dos Ayreon.

Lido: O Chupão

O Chupão é outra crónica do Pedro Mexia, entre o humorístico e o umbiguista, sobre coisas que lhe terão acontecido. Desta feita acompanhamo-lo numa viagem à sua deprimente adolescência, e ao momento em que finalmente soube o que raio era isso de chupão, essa transcendental nódoa negra que por vezes surgia por artes misteriosas nos gasganetes das raparigas. Tem graça? Tem, embora não consiga mantê-la ao longo de todo o texto. Está bem escrita? Também, e bastante. Fez-me lembrar um pouco as crónicas do Nuno Markl, pelo ar autodepreciativo da coisa, mas apesar disso as diferenças são consideráveis.

Textos anteriores deste livro:

Lido: Alto Azul

Alto Azul (bibliografia) é uma noveleta de Ana Cristina Luz, que, numa toada muito semelhante a um certo fantástico mais próximo do realismo mágico, nos fala de uma aldeia fictícia, cujo nome intitula o texto, situada algures "para os lados de Alcobaça." Mas mais do que sobre a aldeia, o conto é sobre um homem que um dia lá chega e aí se estabelece, fugido a um passado doloroso, passando a ganhar a vida como fotógrafo e começando de imediato a devastar corações femininos. A esse prodígio, porque só pode tratar-se de prodígio, outros se somam, indo o conto culminar numa estranha e seletiva falta de água nos poços da aldeia e numa série de acontecimentos a que essa falta de água vai levar.

Apesar do amor instantâneo que o protagonista inspira, e do cliché de herói de histórias românticas que constitui o homem solitário de coração partido a que não há mulher que resista, e apesar também de algumas inconsistências na fluidez narrativa, esta noveleta lê-se bem e contém alguns detalhes interessantes. Embora não me pareça que seja um bom conto, também não é mau. É um conto simpático. Razoável.

sábado, 30 de maio de 2015

Sobre pessoas que nunca mais deviam pôr os pés na RTP

A história é edificante.

Aqui há tempos, a RTP emitiu, tanto no primeiro como no segundo canais, uma peça miserável sobre o acordo ortográfico, repleta de mentiras, de desinformação, de comentários ao lado sobre coisas que nada têm a ver com o AO, e por aí fora. Uma coisa inqualificável.

Margarita Correia teve o desplante, vejam só, de contactar o provedor do telespetador a queixar-se da peça, ainda para mais emitida numa estação que tem obrigação de fazer serviço público. O resultado desse contacto pode ser visto aqui.

Rita Marrafa de Carvalho ficou histérica. Publicou no facebook uma imagem retirada do programa com o seguinte comentário:


E eu, quando vi isto a ser partilhado no meu facebook, fiquei abismado com tamanha falta de noção. Quem diabo é a Rita Marrafa de Carvalho para querer proibir a Margarita Correia ou seja quem for de "pôr os pés na RTP," essa televisão de serviço público pago, também, com os meus impostos?!

Perguntei-lhe isto mesmo no twitter, onde era um dos meus contactos. Era. Já não é. Porquê?

Ora, porque respondeu desta forma:


Por enquanto, enfim, escapa. Apesar de se custar a perceber onde raio está a indecência de protestar contra uma peça miseravelmente mal feita e tendenciosa, ou qual a desonestidade intelectual de repor a verdade, isto é uma resposta que se aceita, com alguma boa vontade. Ah, mas logo a seguir veio isto:


À segunda mensagem, sem sequer me dar tempo para responder à primeira, veio o primeiro insulto. Quando eu finalmente consegui responder à primeira mensagem com um "Cuspir no prato?! Fazem peças carregadas de aldrabices e depois quem vos corrige está a cuspir no prato?!" a resposta foi a seguinte:

E logo a seguir:

E logo a seguir:

Não, não estou a omitir nada. A coisa veio mesmo assim, incoerente, saltando de umas coisas para outras sem que se perceba um fio condutor, com jornalistas que pelos vistos deviam ter sido "perturbadas," e por aí fora. Daqui, no meio de muita patetice, regista-se uma coisa importante: para a Marrafa, a jornalista não está obrigada a procurar o contraditório: pode dizer todas as asneiras possíveis e imaginárias numa peça, todas as aldrabices, que não se passa nada. Mas quem se queixa ao provedor, isso sim, tem de procurar contraditório. Nem é o próprio provedor, note-se, porque a sanha da Marrafa está dirigida contra a Margarita Correia, não contra o provedor e quem elabora o respetivo programa: para a Marrafa, são os que se queixam da qualidade miserável do trabalho jornalístico que têm a obrigação de tentar ir perguntar à "jornalista" que o fez quem foram as fontes, e se calhar, já agora, por que raio não consultou uma fonte que soubesse alguma coisa sobre o que estava a falar. Sabem? Porque raio não fez... como é a palavra?... Ah!, sim.

Contraditório.

Entretanto, eu tinha conseguido finalmente responder à mensagem com o primeiro insulto, a segunda deste arrazoado, com uma mensagem sarcástica:

Citando: "Se calhar, esta senhora nunca mais põe os pés na RTP, não? "

Não é proibir nada, claro. Naaada.

 E a Marrafa:


Claaaro que não é. Pois haveria de ser o quê?


Aqui seria eu a exclamar "olhem-me bem para a indecorosa desculpabilização que aqui vai!" Seria, mas não tive tempo, porque entretanto estava a tentar responder àquela em que a pseudo-dona-disto-tudo "garante que [Margarita Correia] não volta mesmo" a pôr os pés na RTP, mais ou menos ao mesmo tempo que me tentava fazer de parvo a dizer que não estava armada em porteira de discoteca a decidir quem entra e quem não entra. E devo confessar que aqui já estava eu também enxofrado. Um tipo só consegue aturar estupidez e má-criação até certo ponto. O que lhe mandei foi o seguinte:

A fürer Marrafa manda. Indecoroso é desinformar, indecoroso é mentir. Indecoroso é aldrabar o povo.
E aí, a nossa queridinha remata com:


Boa educação a toda a prova, hã? Mas esperem. A seguir ainda veio outra:
 
Sobre as dezenas de aldrabices que a coleguinha disse, nem palavra. Aliás, é "desonestidade intelectual" falar delas. Mas a única parte da intervenção da Margarita Correia em que ela não foi cem porcento factual (sim, é verdade, ratificar não é assinar, se bem que também seja absoluta verdade que TODOS assinaram... entretanto, a miserável peça que a Marrafa defende com unhas e dentes dizia que só quatro países ratificaram, quando a verdade é que SEIS países ratificaram... mas que interessa isso?), ah, isso justifica proibi-la de entrar na RTP. E quem chama a atenção para a vigarice da peça é intelectualmente desonesto, iletrado semântico sem uma "life" e um alarve que diz alarvidades.

E é a isto que o dinheiro dos meus impostos paga o salário.

De facto há aqui alguém que devia ser proibido de entrar na RTP. Mas de certeza que não estou a falar da Margarita Correia.

No meu twitter, pelo menos, não volta a entrar. O block é uma grande invenção. E espero bem que não me voltem a maçar no facebook com partilhas de asneiras bolsadas por esta senhora.

Adenda: Este blogue é moderado precisamente para evitar que comentários que comecem com "ó Candeias, mete o AO naquele sítio," ou coisas do género, venham poluí-lo. Querem mandar-me comentários desses? Façam favor. Eu até me divirto a lê-los. Fazem bem ao ego. Mostram até que ponto estou do lado certo. Mas não esperem que eles sejam publicados, porque não serão. Esclarecidos? Ainda bem.

Adenda de 2 de maio: Parece que os "tradutores contra o acordo ortográfico" (é pelo menos um tipo, que até já foi à televisão e tudo, começar a gritar por cima de quem estava — infrutiferamente — a tentar debater com ele) acham muito bem a atitude da Marrafa. Ora veja-se:


Parece-me naturalíssimo: não há nada que mais ameace os aldrabões do que haver quem lhes rebata as mentiras. É natural que queiram proibir quem fala a verdade de ir à RTP e a qualquer outro canal de televisão. E à rádio e aos jornais e por aí fora. Para esta gente, devia haver censura prévia, não fosse dar-se o caso de alguém conseguir furar o bloqueio de vigarice e explicar as coisas tais como elas são. Aliás, há quem se aproxime de tal forma de algo que só pode ser qualificado como fascismo ortográfico que qualquer dia vão querer enfiar os "acordistas", e especialmente os "empedernidos", num tarrafalzeco para lhes passar essa tendência para "trair a pátria". Já faltou mais. Não propriamente pelo texto (até porque é texto obtido na imprensa, não é de lavra própria), mas o título... ah, o título é todo um programa político.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Lido: A Televisão Mais Bonita do Mundo

A Televisão Mais Bonita do Mundo é outra historinha, provavelmente autobiográfica (ou talvez de um misto de ficção e acontecido) sobre o momento em que o miúdo-personagem-protagonista que pelos vistos é o fio condutor das histórias deste livro põe pela primeira vez os olhos numa televisão a cores. Muito semelhante em tudo ao conto anterior, nas qualidades e no que, a meu ver, não o é. Continuo vagamente desapontado.

Conto anterior deste livro:

Lido: Dagon, nº 0 (quinta parte)

Épica, Mágica e Gótica são três poemas de Carla Ribeiro onde a ideia, parece-me, é retratar sob forma lírica três facetas da literatura de fantasia. Não gostei lá muito.

O Original, ou Sua Ausência, na FC Portuguesa Face a Outros Países é a republicação de um artigo do Luís Filipe Silva onde ele defende, com exemplos, a tese de que falta originalidade a uma parte significativa da ficção científica que se escreve e publica em Portugal, em grande medida por desconhecimentodo que se faz, no género, por outras paragens. Não discordo.

Ficção Científica: A Difícil Definição de um Género é um artigo do Roberto Mendes onde ele se dedica à inglória tarefa de tentar definir o que vem a ser isso de FC. Não posso dizer que discordo do que ele escreve, mas também não concordo, propriamente: fui-me simplesmente convencendo aos poucos de que essa é discussão em grande medida estéril.

Por Universos Nunca Dantes Navegados é um artigo de apresentação da antologia homónima.

Lido: A Gravação

A Gravação (bibliografia) é um pequeno conto de J. G. Ballard, talvez mais insólito do que propriamente de ficção científica, sobre um homem com um passatempo absorvente: registar sons, com a maior qualidade e perfeição que a arte e a técnica permite.

Pois o nosso protagonista tem um amigo (?) ao qual gosta de mostrar as mais recentes peças sonoras da sua coleção, especialmente se puder interrogá-lo sobre a natureza de cada som, pedindo-lhe que o adivinhe.

E é o que faz neste conto. Pela última vez.

Um conto com interesse, ainda que de novo me pareça que Ballard tem contos muitíssimo melhores.

Contos anteriores deste livro:

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Lido: O Homem da Multidão

O Homem da Multidão (bibliografia) é um insólito conto de Edgar Allan Poe sobre um homem que segue outro pelas ruas movimentadas de Londres. Sim, só isso, mas não é bem só isso, porque Poe usa esta sumaríssima ideia para despir as histórias de detetives até ao seu âmago mais nu: um homem persegue outro e procura entendê-lo a partir do seu comportamento, tentando encontrar os seus móbeis, aquilo que faz com que ele faça o que faz.

Neste caso é, simplesmente, caminhar. Caminhar sem cessar, e quanto mais multitudinal é o que o rodeia, melhor. Será louco, o perseguido? Não se sabe e, na verdade, pouco importa. E o perseguidor muito menos.

Uma história curiosa, embora não tenha sido, entre as histórias de Poe, das que mais me agradaram.

Contos anteriores deste livro:

Lido: Dagon, nº 0 (quarta parte)

O que Fazer com Estes Clichés? é um artigo de um tal Jorge Candeias (outra vez este tipo?!) sobre clichés, fantasia e ficção científica, no qual o tipo defende umas ideias em contracorrente. Concordo com o gajo, e vou ainda mais longe. Um dia destes.

Batalhas Interiores, de Francisco Norega, é um conto de fantasia ao qual tem de se dar desconto: o autor tinha, à época, 15 tenros aninhos. E para um miúdo de 15 anos não está mal: há gente com 30 a escrever pior. Por outro lado, nota-se bem a verdura: este conto está muito longe de ser bom.

Segue-se uma entrevista ao Pedro Ventura, mais ou menos nos mesmos moldes das duas anteriores, ainda que mais focada nos livros dele. Tem o seu interesse, em especial para os seus leitores.

E segue-se uma antrevista de Roberto Mendes a Ian R. MacLeod, também mais ou menos nos moldes das anteriores, e também interessante. Com um interesse mais geral do que a do Ventura.

Lido: Nanoamour

Nanoamour (bibliografia) é um conto de Ricardo Cruz Ortigão, artista múltplo, que mete alpinismo social, paixões não correspondidas, uma peculiar (e elétrica) espécie de poção do amor, surtos psicóticos que não se sabe bem (ou até se sabe) se são acidentais ou provocados e por aí fora. Surpreendentemente bem escrito e bem construído, tendo em conta a estreia (não se conhecem outras obras dos RCO), e carregadinho de uma ironia que bate bem perto de uma espécie particularmente cínica de sarcasmo, o conto é bastante bom, só pecando, a meu ver, por algum excesso de rodeios e apartes que, a espaços, se intrometem um pouco no enredo. O que os safa é terem piada. E também o facto de esta história aparecer como bastante mais bem integrada do que algumas das outras no mundo partilhado que constitui a base da antologia.

É precisamente para estas ocasiões que se inventou a expressão "estreia auspiciosa." Usemo-la, pois.

Contos anteriores deste livro:

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Letra1

Há sensivelmente dois anos, recebi um simpático convite para participar num projeto online, o Letra1, iniciativa do Pedro Junqueira Lopes. Aceitei, embora com algumas dúvidas por não saber bem que tipo de colaboração poderia vir a dar ao site.

Essa indecisão teve impacto desde o início da minha participação no L1, reduzindo-a a coisa pouca e irregular. E no ano passado, a gigantesca seca de ideias e de vontade de escrever por que passei e que também levou aqui a Lâmpada a ficar inativa por longos períodos (foi de tal forma grande que ainda continuo a publicar opiniões a coisas que li em 2014, só para se ter uma ideia da quantidade de material que deixei acumular) conseguiu o feito de reduzir ainda mais essa participação, zerando-a por completo. Durante mais de um ano não publiquei lá nada.

Agora, com um último texto, ponho um ponto final oficial na minha colaboração com o Letra1. O saldo final soma meros 5 textos, e só posso pedir desculpa ao Pedro e aos demais colaboradores por a minha colaboração ter sido tão escassa.

Os 5 textos foram:

- De Empresariado e Parasitismo, um texto sobre empresários, parasitas, participação cívica e assuntos conexos. Continua inteiramente atual;
- Um Arremedozinho de Fábula que Talvez Leve Alguém a Pensar, um texto sobre passarinhos e raposas, que aparentemente não levou ninguém a pensar e que também continua inteiramente atual. Aliás, vamos ver exatamente quão atual quando tivermos na mão os resultados das próximas legislativas.
- Um Bode Alado a Fazer Mergulho com Garrafas Enquanto Canta a Grândola e Recita Pessoa, um texto sobre as esquerdas, como o título deixa mais que evidente. Aliás, orgulho-me bastante deste título. E mais atual, impossível.
- As Aspas dos Comentadores e Outras Socratices, um texto sobre o comentário político televisivo, um bocado datado, até porque o Sócrates entretanto mudou de endereço. Provavelmente o pior texto do quinteto.
- De Democracia, Representação e Ideologias, com um Saltinho à Natureza Humana, um texto sobre a democracia representativa, o que diabo isso significa e por que motivo tem alguma tendência a não correr lá muito bem. Talvez o melhor dos cinco textos, mas é bem possível que isto seja o mais fresquinho a falar.

Lamento não ter colaborado mais, mesmo, mas fez-se o que na altura se pôde. E chegada a hora da despedida, ela é feita à Sousa Veloso: com amizade.

Lido: Dagon, nº 0 (terceira parte)

Deste Lado de Cá, de Luís Filipe Silva, é um conto de ficção científica distópica em que se mistura uma história de amor e saudade — e tentativa de assassínio — com o dia-a-dia de um homem que simula uma tecnofobia descontrolada para se manter clandestino, afastado do admirável mundo novo em que a interconectividade é completa e inescapável, a menos que se aceite mergulhar no submundo. Muitíssimo melhor que as histórias anteriores. Não será das melhores histórias do Luís, talvez, mas é uma boa história.

Literatura Fantástica: Breve História e Desmistificação, de Fábio Júnio, é um breve artigo que procura enquadrar e defender o fantástico contra os preconceitos de que continua a ser alvo, o que é objetivo com todo o mérito, mas fá-lo de uma forma bastante superficial.

O Viajante no Tempo, de Jorge Candeias (quem?), é uma brincadeira a roçar a ficção científica. Deixem lá isso.

Segue-se uma entrevista ao Luís Filipe Silva, rápida mas interessante.

Lido: A Spot of Tea

A Spot of Tea é um conto de autora anónima (ah, e tal, diz o coiso, não é nada, é da Janet L. Hetherington) sobre a gerra das trincheias na Primeira Guerra Mundial. Ou por outra, sobre um batalhão de soldados que, no meio da confusão, descobrem por mero acaso que um dos camaradas, amante de chá e gozado por isso, dispõe uma reserva de chá capaz de sarar milagrosamente qualquer ferimento e portanto de salvar a vida a qualquer homem que não tenha ainda morrido. Mas um dia, a reserva esgota-se. E depois?

Mais um conto muito bom, e ainda por cima concluído de forma soberba, o que se torna repetitivo dizer a respeito desta publicação.

Contos anteriores desta publicação:

terça-feira, 26 de maio de 2015

Lido: Dagon, nº 0 (segunda parte)

A Última Viagem é um conto de horror de Roberto Mendes, escrito mais ou menos no mesmo estilo do editorial (mostrando que este foi escrito só ou sobretudo pelo Roberto e não pela Rita), e do qual, apesar de, a espaços, conter alguns pormenores interessantes, não gostei. Prosa poética é um estilo bicudo: exige muito em termos de domínio da língua, e o Roberto não o tem em suficiência, e exige ainda mais de subtileza e sensibilidade para se saber quando o estilo está a servir a história e quando está a prejudicá-la. Aqui, no fundamental, prejudicou-a, transformando uma história de vingança e morte no seio da família que, apesar de parecer chamar facas e alguidares, poderia ter sido transformada em algo de interessante, num longo e aborrecido lençol de palavras rebuscadas.

Segue-se uma crítica a Heart-Shaped Box, do Hill, que também não li e não comento.

O Último Deus é um conto de fantasia heróica de Carla Ribeiro, do qual gostei um pouco mais, apesar do longo infodump, em parte porque a qualidade da prosa é superior. Mas também porque há neste conto algo de profundo, apesar de coberto por camadas e camadas de maquilhagem fantasista. Uma história subjacente de deceção, engano e violência.

Segue-se mais uma crítica, agora a O Alquimista, do Scott, que também não comento.

Lido: Nós, os Gordos

Nós, os Gordos é uma crónica de Pedro Mexia sobre a sua recém-descoberta condição de gordo. Não que tenha lá chegado por si só, mas porque alguém mais o enfiou à revelia no grupo, obrigando-o a examinar-se para decidir se aceitava o ápodo, se mandava o indecoroso dar uma volta a algo grande. Muito bem escrita e com real piada, esta crónica só peca por ser talvez um pouco grande demais. O Mexia tem umas frases estelares, de engargalhar o mais sisudo, mas não consegue aguentar o mesmo nível ao longo de duas páginas. Pelo menos aqui e na minha humilílima opinião.

Textos anteriores deste livro:

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Lido: Love is in the Air...

Love is in the Air... é como começa um grupo de três pequeníssimas historietas reduzidas a pequenos parágrafos (um sobre peculiaridades eróticas do euro, outro sobre o sexo do multibanco e o terceiro sobre um atendimento telefónico sonâmbulo) de Pedro Mexia, sem título mas com piada. Muita. Decididamente, a brevidade e o Mexia dão-se bem.

Textos anteriores deste livro:

Lido: Dagon, nº 0 (primeira parte)

E cá está a terceira (e última... ufa!) das leituras de 2014 que tinham ficado esquecidas. Esta vai seguir mais ou menos o mesmo esquema das outras, com umas alteraçõezinhas de pormenor por motivos que já perceberão. É que eu já tinha começado a ler este fanzine, há anos, depois abandonei a leitura e retomei-a, de início, no ano passado. De modos que...

Editorial, de Rita Comércio e Roberto Mendes. Já tinha lido e já tinha falado dele. Só tenho a referir agora que gostei, à segunda leitura, bastante menos do que à primeira. Lá está: é um risco.

Darwar de Celénia, de Pedro Ventura. Também já tinha lido e também já tinha comentado. E desta vez nem sequer tenho nada a acrescentar.

Entrevista a: Jorge Candeias!, por Roberto Mendes. Quem diabo é este gajo? E por que raio o entrevistam? Seja quem for, só diz asneiras. Pfff.

Segue-se uma crítica a Brisingr, do Paolini, que não li e não comento.

Lido: Afinal

Afinal é uma quadra de Pedro Mexia sobre o que realmente importa. E sim, tem piada. Não concordo (e nem ele, suspeito), mas tem piada. E isto já vai mais extenso do que a quadra.

Textos anteriores deste livro:

domingo, 24 de maio de 2015

Lido: O Voo do Jika

O Voo do Jika é uma historinha (autobiográfica?) de Ondjaki sobre um miúdo, o Jika, que volta e meia ia a sua casa fazer-se convidado para almoçar e um belo dia terá metido na cabeça que havia de saltar do telhado com um guarda-chuva a fazer de paraquedas. É um continho ternurento e escrito com uma prosa bem viva mas, acho, demasiado breve. E eu, ainda assombrado com o romance Quantas Madrugadas Tem a Noite, fiquei desapontado: esperava bastante melhor.

Mas é só o primeiro conto de mais de vinte. A esperança continua viva.

Lido: Treze Para Centauros

Treze Para Centauros (bibliografia) é uma noveleta de ficção científica de J. G. Ballard, bastante mais ballardiana do que o conto anterior, sobre uma nave-geração a caminho de Alfa do Centauro.

Pelo menos é assim que as coisas se apresentam de início. E sim, daqui para a frente vai haver revelações de enredo com impacto no desfecho, portanto os alérgicos a tal coisa fazem favor de se pôr outra vez a andar. A gerência pede perdão, mas o que tem de ser tem de ser e tem muita força.

Pelo menos, dizia, é assim que as coisas se apresentam de início. Mas depressa nos apercebemos de que não é essa a realidade, de que não existe nave nenhuma, de que tudo aquilo não passa de um projeto a longo prazo, na Terra, destinado a avaliar como uma missão desse género ao sistema estelar mais próximo do nosso poderia decorrer e quais os problemas que poderia encontrar.

E claro que, como tantas vezes acontece, há questões éticas a dirimir, há problemas de financiamento, há opiniões diversas sobre a utilidade e pertinência do projeto... e há os próprios participantes que talvez não estejam tão ignorantes do que se passa como parecia à primeira vista.

Uma história complexa e multifacetada, talvez um pouco rápida em demasia (e daí, talvez não), e ainda inteiramente atual, apesar de já ter ultrapassado os 50 anos de idade, provando que nem toda a FC envelhece depressa. Muito boa.

Conto anterior deste livro:

Lido: William Wilson

William Wilson (bibliografia) é uma noveleta de horror de Edgar Allan Poe que conta na primeira pessoa a história de um homem dissoluto, chamado, pelo menos para efeitos desta narrativa, William Wilson (Poe faz aqui uma variante habilidosa e bastante inteligente ao cliché novecentista de usar iniciais para, alegadamente, proteger a identidade das damas e cavalheiros sobre os quais versa a história, assumindo um pseudónimo para o seu narrador-protagonista). Rico, o nosso "Wilson" tem uma juventude boémia, passada nos círculos mais hedonistas da alta sociedade universitária, até que conhece um outro jovem que com ele coincide de uma longa série de maneiras, das quais a primeira é o nome: também se chama (ou não) William Wilson.

Não é possível falar muito mais sem fazer revelações sobre o enredo com impacto no desfecho, portanto os alérgicos a elas deverão parar por aqui. Adeusinho e até à próxima. Voltem sempre.

Esta é uma magnífica história sobre a consciência. Wilson, o original, descreve resumidamente a sua queda, atribuindo ao Wilson, o outro, todas as culpas por ela. Wilson, o outro, é mostrado a persegui-lo, a sabotá-lo de todas as formas possíveis e imaginárias, revelando-lhe as batotas, as desonestidades, as aldrabices. O narrador tenta fugir-lhe, mas nem no estrangeiro, nas várias capitais europeias em que se exila, se consegue ver livre dele, enchendo-o de um terror crescente a cada aparição. E o leitor, se não tinha compreendido ainda, depressa compreende. Wilson, o outro, o duplo, não é mais do que uma faceta de Wilson, o original, o único.

O duplo é a consciência. O escrúpulo, que tantas vezes parece faltar ao homem que narra a história, assumindo-se criminoso. E é essa, e a forma como esse facto nos vai sendo revelado, aos poucos, subtilmente, as grandes qualidades deste conto. Muito bom.

Contos anteriores deste livro:

sábado, 23 de maio de 2015

Lido: O Último Anel

O Último Anel (bibliografia) é um romance do russo Kiril Yeskov que constitui uma espécie de anti-fan-fiction de J. R. R. Tolkien. Yeskov pega na Guerra do Anel descrita na trilogia do Senhor dos Anéis, e subverte-a, apresentando-nos, basicamente, o outro lado da história, o lado dos derrotados.

Existem, no entanto, diferenças entre as duas obras ainda mais significativas do que isso. Embora se possa dizer que Tolkien descreve a Guerra do Anel, a verdade é que o faz muito parcialmente, visto que se concentra fundamentalmente na viagem da Irmandade e nas peripécias que vão acontecendo a cada um (ou a cada grupo) dos seus membros, durante as quais o caos generalizado da guerra está quase sempre algo longínquo. Há, por exemplo, pouquíssimos soldados comuns na obra de Tolkien, e só não digo que não há nenhum porque já a li há bastante tempo e posso estar a ser traído pela memória (aliás, julgo que estou; surgiu-me agora de repente uma vaga recordação de soldados orcs a tentar apanhar Frodo e Sam). Tudo, ou quase, se passa entre as altas esferas, no seio dos líderes ou dos heróis.

Yeskov, pelo contrário, apresenta bastante melhor esse caos, mostrando-nos uma quantidade razoável de pessoas (ou criaturas) comuns, a tentar safar-se o melhor possível no meio da confusão, e criando no processo um ambiente mais texturado e por isso mais sólido do que o de Tolkien.

Embora ambas as histórias nos mostrem protagonistas perseguidos por forças na aparência infinitamente superiores, a história de Tolkien é no fundamental uma história de superação pessoal, ao passo que a de Yeskov é principalmente uma história de espionagem.

Tolkien também escreve uma história inteiramente maniqueísta, com o bem e o mal bem identificados e separados, até racialmente. Yeskov é muitíssimo diferente. Não só o bem e o mal de Tolkien não são, necessariamente, os mesmos de Yeskov, como o livro deste último nada tem de maniqueísta: Yeskov recusa ver as coisas a preto e branco, apresentando em vez dessa dicotomia uma série de tonalidades de cinzento, o que também contribui para a construção de um mundo significativamente mais complexo, e por isso mais interessante, que o de Tolkien.

Por outro lado, falta a Yeskov uma componente que é muito importante em Tolkien. Um dos principais interesses do autor britânico foi a criação de toda uma mitologia que, embora seja baseada nas sagas escandinavas e no folclore céltico, acaba por aparecer aos olhos do público como criação original bem sucedida. O russo, pelo contrário, não tem qualquer interesse pela criação de uma mitologia; o seu romance é declaradamente referencial e irónico, até iconoclasta (Yeskov não se limita a mudar o ponto de vista; altera também a própria história da Guerra do Anel). À para-mitologia tolkieniana contrapõe com realismo e até com um certo materialismo, apesar de este livro não deixar de ser uma obra de fantasia, visto que, por exemplo, as realizações de Mordor são apresentadas não como o resultado do poder mágico do mal (ou do bem), mas de uma civilização tecnológica e industrial, cética em relação a todas as superstições mágicas, e significativamente mais avançada do que os obscurantistas que a combatem, embora ainda primitiva para os nossos padrões.

Ou seja: O Último Anel é um livro melhor do que os de Tolkien? Será isso que estou a dizer?

Não, e digo-o mesmo não tenho gostado por aí além dos livros de Tolkien. É um livro mais terra-a-terra, é um livro mais texturado, é um livro mais sólido em termos de tridimensionalidade de personagens e ambientes, mas contrapõe a essas qualidades alguns defeitos bastante visíveis. Para começar, a própria história.

Um dos grandes predicados de Tolkien, e, julgo eu, uma das principais razões do seu sucesso, é a clareza da história. Não há dúvidas sobre que história está ali a ser contada. Não se pode dizer o mesmo de Yeskov. A história que este conta é bastante menos clara e a ideia que fica é que ao esforçar-se para conferir solidez ao ambiente e às personagens ele se esqueceu um pouco de escorar convenientemente a história.

Também no que toca à qualidade literária propriamente dita Tolkien parece levar clara vantagem. E escrevo "parece" porque, infelizmente, esta tradução, baseada não diretamente no original russo mas numa tradução espanhola cuja qualidade desconheço, e ainda por cima repleta de espanholismos, ficou muito, muito longe de me convencer. Mas mesmo muito. Ao ponto de eu não conseguir avaliar a qualidade literária de Yeskov por aquilo que li. A única coisa que posso dizer é que Tolkien é, mesmo em tradução, muito melhor, literariamente, do que esta versão portuguesa de Yeskov.

O resultado destas qualidades e defeitos é um livro que poderia ser muito interessante, em especial para todos aqueles que tenham lido a trilogia de Tolkien sem se prenderem demasiado a ela, mas que fica bastante aquém do seu potencial. Não o recomendaria a verdadeiros fãs tolikienianos, visto que Yeskov toma liberdades com a história que poderão para eles ultrapassar o limiar da heresia. Mas quem tiver uma costela iconoclasta e não tenha gostado assim tanto da trilogia do anel é capaz de gostar, em especial se conseguir fechar os olhos às falhas literárias (ou de tradução?) que o livro contém.

Para mim, foi um livro razoável. Longo, alternando trechos interessantes com outros bastante aborrecidos, com algumas qualidades fortes e alguns defeitos igualmente fortes. Mediano, portanto.

Este livro foi comprado.

Lido: Electrodependência

Electrodependência (bibliografia) é um conto de Ana C. Nunes que força um bocado a capacidade de suspensão de descrença do leitor, visto que a ideia básica tem a ver com pessoas viciadas em choques elétricos (ou em certo tipo de choques elétricos) e outras pessoas, os "electrokinéticos", com uma capacidade especial para manipular mentalmente a eletricidade, que as leva a tornarem-se valiosos... como escravos. E claro que, como consequência, os electrokinéticos (porquê o k?!) que não queiram acabar escravizados têm de mergulhar na clandestinidade. Essa parte não exige suspensão rigorosamente nenhuma da descrença.

No entanto, se a descrença for suspensa a contento, o leitor acaba por ser presenteado com um bom e movimentado conto, protagonizado por um telekinético clandestino, que ganha a vida a traficar eletrodrunfos (a Ana não lhes dá este nome, mas podia perfeitamente ter dado) junto da dissoluta nobreza da capital e de súbito se vê descoberto, não só como traficante, mas como telekinético. Segue-se a fuga e uma série de peripécias, bem construídas (à parte, talvez, um infodump demasiado longo que interrompe a ação durante demasiado tempo) e bem escritas, culminando num final francamente bem conseguido.

Gostei.

Contos anteriores deste livro:

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Lido: The Secret

The Secret, de autor anónimo (consta por aí que é de um tal G. W. Thomas) é um continho muito curto sobre a coisa mais importante do mundo. E também sobre o que move as pessoas a fazer o que fazem, tudo o que fazem. O ambiente é de fantasia mas esta pouco passa de acessório, e a conversa entre mestre feiticeiro (um tal "homem arco-íris") e aprendiz que percorre todo o conto podia ter sido tida por um mais-velho e um mais-novo quase em qualquer tempo, lugar ou ambiente. E tudo porque o aprendiz está num afã para domar um penteado rebelde que não se deixa enfiar no redil da última moda.

Trata-se de um conto moral, sim. Há quem deteste contos morais, e eu próprio confesso que não morro de amores por eles. Também não me agrada muito o uso tão cosmético das características da literatura fantástica. No entanto, o conto é divertido e isso compensa muita coisa.

Longe de ser o melhor desta publicação, este não deixa no entanto de ser um conto com o seu interesse.

Contos anteriores desta publicação:

Lido: 1º Concurso Cultural Cranik

1º Concurso Cultural Cranik é uma antologia virtual de literatura fantástica (incluindo fantasia, ficção científica e horror) organizada por Ademir Pascale, reunindo os contos premiados no dito concurso que, apesar de ser declaradamente o primeiro de um projeto que, segundo o organizador, pretendia ter continuidade, terá, tanto quanto sei, ficado por aqui.

E compreende-se bem porquê.

De facto, não só estes 11 contos, escolhidos, segundo nos é dito no prefácio, de entre mais de oitenta, nunca chegam a atingir uma qualidade suficiente para que se lhes possa chamar bons, apesar de um se aproximar bastante e mais dois ou três serem um pouco mais que interessantes, como a própria ordenação é, a meu ver, peculiar. Sim, é certo que a qualidade média decresce do princípio até ao fim (os onze contos estão ordenados do 1º ao 11º, e o livro respeita essa ordenação), mas há coisas estranhas, como o melhor conto não ter sido mais que 7º e o que ganhou nem me parecer merecer uma posição na metade superior da tabela.

Questões de gosto pessoal, certamente? Talvez. Mas o facto é que eu acabei a leitura sem conseguir compreender os critérios utilizados para ordenar os contos. Além disso, numa avaliação de obras literárias há questões razoavelmente objetivas, como a qualidade do tratamento dado à língua, que convém que se veja ter feito parte do processo de avaliação — e no entanto, são vários os contos aqui presentes que mostram falhas a esse nível, algumas das quais gritantes.

Sem nenhum conto bom e com mais do que um francamente mau, o resultado só poderia ser uma antologia globalmente muito fraca. É perfeitamente possível que essa fraca qualidade seja um reflexo dos textos propostos a concurso, mas só se poderia ter uma noção mais concreta sobre se assim é ou não se se conseguisse compreender os critérios de avaliação. Como eles não são fáceis de compreender, nem essa atenuante pode ser utilizada.

Quem queira saber o que achei de cada um dos contos, tem quatro opiniões separadas sobre isso aqui, aqui, aqui e aqui. Quem preferir avaliar por si próprio, encontra o livro, por exemplo, aqui, em PDF.

Lido: O Fiasco do Milénio

O Fiasco do Milénio é uma crónica de Rui Tavares sobre ficção científica. Ou melhor, sobre a dessintonia entre as promessas da ficção científica, particularmente a clássica, escrita lá pelos idos dos anos 50 e 60, e as realidades do futuro de então, ou seja, do século XXI. É uma boa crónica, que espelha muitas coisas que se dizem regularmente nos meios mais ligados à FC (o Rui Tavares, que eu saiba, não faz propriamente parte deles, mas não anda muito distante — é daquelas pessoas que são ou foram fãs sem nunca terem pertencido a nenhuma espécie de fandom mais ou menos organizado), e uma preocupação que é (ou deveria ser, vá) comum entre quem escreve no género: a obsolescência rápida das ficções futurísticas.

É uma boa crónica, já disse? Então repito. Não a acho é particularmente adequada para um livro como este, francamente. Porque este texto contém alguma ironia, sem dúvida, mas está muito longe de ser um texto de humor. Muito longe mesmo.

Textos anteriores deste livro:

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Lido: Svengali

Svengali é uma brevíssima citação, feita por Rui Tavares, de um trecho de George du Maurier. Lamento, mas não percebo nem a relevância do trecho nem onde poderá estar a graça. Falta-me contexto, provavelmente. É uma bela coisa, o contexto.

Totalmente dispensável.

Textos anteriores deste livro:

Lido: 1º Concurso Cultural Cranik (quarta parte)

Zéfiro, de Alana Menk, é um continho delicodoce sobre uma visita feita por Zéfiro, o deus grego do vento de oeste, à superfície do planeta e à humanidade. E é mais um conto em que a autora tenta esticar a perna muito para lá do lençol que lhe coube em sorte, o que resultou num conto mal escrito, mal concebido e mal rematado. Muito, muito fraco.

Memento Mori, de Luan Montà de Castro Pereira de Souza, é um conto que até tem uma ideia com algum interesse (um velho sem idade que, por intermédio de uma misteriosa esfera mágica e de uma não menos misteriosa criatura que a transporta, suga a vida de jovens, prolongando assim a sua), embora não propriamente nova, mas que está tão mal escrito, sob todos os aspetos, que se torna quase insuportável de ler.

Lido: O Homem do 99º Andar

O Homem do 99º Andar (bibliografia) é um conto de J. G. Ballard no qual se comete um crime perfeito. Não se trata, no entanto, de uma história policial, como quem reconhecer o nome do autor (ou a coleção a que pertencem capas como esta aqui ao lado) facilmente adivinha; é uma história de uma ficção científica que lida, não com as ciências exatas, mas com a psicologia.

Toda a história gira em volta de um homem que tem uma pulsão por chegar ao 100º andar do máximo de arranha-céus possível, e tem de ser ao 100º, não pode ser qualquer outro. No entanto, devido a alguma espécie de bloqueio psicológico, nunca consegue passar do 99º. E pouco mais é possível revelar sem se desvendar aspetos fulcrais do enredo. Digamos apenas que a coisa mete hipnotismo.

Sem ser das melhores ficções de Ballard, estando até algo longe disso, não deixa de ser um conto com interesse, capaz de sustentar a curiosidade do leitor até ao fim, evitando tornar-se previsível.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Lido: 1º Concurso Cultural Cranik (terceira parte)

O Medalhão, de André Luís, é, de muito longe, o melhor conto de toda a coletânea. Bem escrito, com um estilo sincopado que, no entanto, tem a flexibilidade suficiente para intercalar frases mais longas quando necessário, e que se ajusta bem à ação violenta descrita, conta uma história sobre a força que tem o que tem de ser, misturando assaltos, medalhões mágicos e viagens no tempo. Falta-lhe corrigir algumas falhas (por exemplo, alguma inconsistência no tempo narrativo) para ser um conto realmente bom. Mas para lá caminha.

Nuada, o Lendário Rei Tuatha Dé Dannan, de Dione Maria Souto da Rosa, é um conto de fantasia céltica, bastante fraco, daquelas historinhas banais e românticas de amor instantâneo (nem é preciso juntar água), piorada com um longo infodump e diálogos pouco credíveis.

A Noite Misteriosa dos Mortos-Vivos, de Andrea Carvalho, é um conto de zombies e passa-se de noite, o que explica o título. Embora não tenha grande originalidade, pelo contrário, está razoavelmente bem escrito e, se nos abstrairmos de uma ou outra fragilidade, até que se lê com certo agrado. Não será um bom conto, mas é razoável.

Lido: Um Bom Homem é Difícil de Encontrar

Um Bom Homem é Difícil de Encontrar, de Flannery O'Connor, é um conto um pouco estranho. De início parece uma sátira, mostrando-nos uma avó intratável que procura por todos os meios evitar uma viagem do Tennessee até à Florida, massacrando o juízo de toda a família, mas especialmente do filho. Cenas domésticas com ancião rabugento são coisas comuns, podem dar boas histórias e é o que parece vir daqui, apesar da incongruência que advém de um conto desses estar incluído numa compilação de histórias sobre crimes.

Às tantas, há umas referências que parecem inteiramente espúrias a um psicopata que teria fugido da prisão, mas a coisa passa como quem não dá nada por ela e lá começa a viagem com avó dentro.

Mas em breve a viagem começa a correr mal, tomam-se decisões erradas, e a partir daí o conto começa a ser previsível... mas ao mesmo tempo absolutamente terrível.

O que este conto tem de mais impressionante é a forma como O'Connor consegue escrever as cenas finais sem mudar grandemente de tom em relação à ligeireza inicial, mas transformando essa ligeireza em terror, puro e simples. Literariamente, este conto é magnífico, em grande medida por causa disso, e nem esta tradução com algumas falhas consegue maculá-lo.

Contos anteriores deste livro:

terça-feira, 19 de maio de 2015

Lido: 1º Concurso Cultural Cranik (segunda parte)

Erra Uma Vez, de Leandro Luiz, é um continho metaliterário, com alguma graça, sobre o Capuchinho Vermelho, o Lobo Mau e outras personagens das histórias infantis. Mas não passa disso.

A Depressão da Fênix, de Adam Minhoto, é um muito mal escrito depoimento de uma fénix, chateadíssima com a imortalidade. Um conto muito mau, daqueles que esticam o pé muito para lá da manta que lhes coube em sorte, tentando ser profundos mas só conseguindo ser banalíssimos.

A Mente Eterna, de Angelo Miranda, é um conto de ficção científica que, apesar da fraca qualidade do tratamento da língua, começa razoavelmente bem, apenas para se ir desfazer no cliché mais raso (e mais antigo) das histórias de robôs. Foi contra histórias destas que Asimov se rebelou, acabando por inventar as suas celebérrimas Três Leis... em 1942 (ou até antes; as Leis foram formuladas em 42 mas já estavam implícitas em histórias que ele vinha publicando desde 1939). É pena. Podia ter sido um conto com algum interesse se não tivesse resvalado daquela forma.

Lido: A Queda da Casa de Usher

A Queda da Casa de Usher (bibliografia) é um conto de horror de Edgar Allan Poe que... hm... eu já tinha lido isto, não tinha?

Tinha, pois está claro que tinha. A última leitura data de há cinco anos, mais mês menos mês, e não tenho grande coisa a acrescentar ao que disse nessa época. Só talvez que este é um conto bom o suficiente para eu dele gostar apesar não só do cliché em que foi sendo transformado ao longo dos últimos (quase) dois séculos, mas também de ser um conto romântico com todas as marcas do estilo (e) da época, marcas essas que, como já disse variadíssimas vezes, costumam desagradar-me bastante.

E também que não me lembro da qualidade da tradução que li há cinco anos, mas esta é de se lhe tirar o chapéu. Ou, vá, a cartola.

Contos anteriores deste livro:

domingo, 17 de maio de 2015

Lido: 1º Concurso Cultural Cranik (primeira parte)

Conforme ameacei prometi quando comecei a falar da IAM, eis-me a falar de outra publicação lida em 2014 e que tinha ficado esquecida (e afinal ainda há mais uma! Fica para depois), esta antologia do 1º Concurso Cultural Cranik. O esquema será o mesmo da IAM: três contos por post e um apanhado geral no fim.

O Bicho, de Ana Beatriz Cabral, é um continho romântico e fantástico sobre boas ações. A história, embora não seja nada de particularmente original (trata-se de um conto que mete metamorfoses e curativos, e a história é tão curta que dizer muito mais que isto já entra pelo terreno das revelações excessivas), está bem construída. Não gostei foi do estilo literário, que não só me pareceu desadequado da história (a sucessão de frases curtas joga razoavelmente bem com enredos de ação, o que este não é), como se tornou cansativo logo à página três.

Sopros do Mal, de Cláudia Curcio, é uma história de violência, à qual o mesmíssimo estilo do conto anterior (frases curtas e sincopadas) se ajusta bastante melhor... apesar de acabar por se tornar igualmente cansativo. Mas a história poderia ter interesse se fosse mais bem explorada: que consequências pode ter uma família desestruturada e violenta, em especial quando a homofobia se junta à homossexualidade. Este conto é realista, ainda que não deixe de conter também uma componente de horror psicológico.

Hora do Embarque, de Edweine Loureiro, é uma historinha de horror pós-morte, escrita num estilo que me agradou bastante mais, e cujas personagem são as almas penadas de pecadores, na hora de embarcar no comboio que as levará... para algures. O tema é bastante cliché, mas a autora dá-lhe uma volta curiosa e o conto, não me parecendo propriamente bom, é o melhor deste grupo de três.

sábado, 16 de maio de 2015

Lido: Contos Comédia Urbana

Contos Comédia Urbana é uma pequena antologia de dois contos, cuja identificação com a comédia urbana me deixou um pouco confuso. Em (grande?) parte por não saber lá muito bem o que vem a ser isso da comédia urbana. Será por oposição à rural? Não faço ideia.

Os contos têm alguns pontos em comum. São contos irónicos e com mais que uma pitada de melancolia, que lidam sobretudo com a natureza humana, ou pelo menos com a forma como os respetivos escritores a entendem. Contos muito pouco divertidos, nos quais a ironia que contém é bastante mais intelectual do que emocional.

São bons contos? Sim, até são. Mas não são das minhas ficções preferidas.

Eis o que achei sobre eles:
Este livro foi comprado.

Lido: As Duas Caras de António

As Duas Caras de António (bibliografia) é um mirabolante conto de Carlos Eduardo Silva que segue as peripécias de um agente germânico infiltrado numa instituição de investigação e desenvolvimento portuguesa, onde se desenrola pesquisa de ponta cheia de interesse para os militares germânicos. As coisas parecem estar a correr bem até que se dá um assassínio no laboratório. Como o morto é precisamente o homem sob cuja alçada o protagonista estava a trabalhar, e há um determinado aparelho que desaparece, este vai ser obrigado a improvisar.

É uma história com muitas ideias interessantes, que no entanto tem alguns dos defeitos que encontrei na história anterior, o que faz com que a meu ver não ultrapasse o razoável. Além de dois ou três casos de descuido na revisão, pareceu-me que o desenvolvimento da história é um pouco apressado, deixando-a com um ritmo sacudido e uma certa tendência para gerar pontas soltas. Julgo que houve pontos de enredo demasiado (e desnecessariamente) explicados enquanto outros não o foram o suficiente para evitar dois ou três casos de "de-onde-veio-isto-agora?"

Parte desta impressão vem do meu pouco gosto por histórias que se concentram mais em criar reviravoltas no enredo do que em desenvolver cada parte deste realmente bem. Peculiaridades de leitor. Quem gostar mais de enredos ziguezagueantes do que eu, certamente gostará mais deste conto. Quanto a mim, julgo que esta história se sairia melhor como argumento para uma história de BD do que como conto. Na forma de conto não ficou má, mas a verdade é que não chegou a um ponto que me satisfizesse por inteiro.

Contos anteriores deste livro:

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Lido: Isaac Asimov Magazine, nº 1

A Isaac Asimov Magazine (bibliografia - ainda incompleta), uma antiga revista publicada no Brasil no início dos anos 90, que começou por traduzir para português contos e artigos publicados na Asimov's Science Fiction e a dada altura começou também a publicar produção local, arrancou com este número. E arrancou de uma forma que não me parece que ultrapasse muito o razoável, ainda que seja possível que o tempo transcorrido desde a sua publicação esteja a poluir um pouco a avaliação.

De facto, dos 10 contos e noveletas que compõem este número, só dois ou três me pareceram realmente ficções de primeira água. É certo que não há nenhum conto mau, mas há vários que ficaram bem longe de me encher as medidas, enquanto a outros, apesar de serem melhores, lhes falta, a meu ver, qualquer coisa.

Seja como for, é uma publicação que vale bem a pena ser lida, e que à época, num Brasil em que coisas destas não abundavam, deve ter constituído uma verdadeira pedrada no charco. Tal como seria em Portugal caso algo assim tivesse saído por cá, sublinhe-se. Por certo este número é em tudo muito superior a adaptações semelhantes que houve por cá, anos antes, entre as quais será de destacar o Magazine do Fantástico e Ficção Científica.

Quem quiser saber o que achei de cada texto tem as respetivas opiniões distribuídas por quatro partes. A primeira está aqui, aqui a segunda, eis a terceira e por fim a quarta.

Lido: Nothing

Nothing, de autor anónimo (murmuram-me aqui ao ouvido, pedindo para não dizer a ninguém, que é de John Travis), é um pequeno e dolorido conto, tenuemente fantástico, sobre a perda. Conta a história de um homem que se recusa a aceitar a morte da mulher e da filha, de um homem cujo sofrimento o leva a mergulhar numa espiral de isolamento e autodestruição pela inércia, de resto muito comum em estados depressivos, que o vai levar a um desenlace que depressa se adivinha.

Este é daqueles contos que, por mais curtos que por vezes sejam, são dotados de uma força invulgar. É um daqueles contos que mexem bem fundo com as emoções de quem os lê, em especial se o leitor também já passou por episódios semelhantes de perda. Um conto violentíssimo sem sinal de violência que não seja a da vida banal de todos nós. Um conto muito bom.

Contos anteriores desta publicação:

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Lido: Isaac Asimov Magazine, nº 1 (quarta parte)

Patamar, de Walter Jon Williams, é um conto ciberpunk, pós-singularidade, ambientado portanto num mundo em que os sobreviventes humanos estão sob o domínio de máquinas superinteligentes. Mais propriamente, ambientado no submundo desse mundo, uma complexa teia de desesperados, traficantes e revolucionários que, cada um à sua maneira, procura reformular o que o rodeia de forma a parecer-se mais com aquilo que considera ideal. É um conto bastante bom, literariamente interessante (é escrito na segunda pessoa e funciona), embora a história que conta mostra um caráter francamente sombrio.

Carta Registrada, de Lee Walingford e Carol Deppe, é uma história futurista de espionagem, centrada num pesquisador de armas microbiológicas e numa amiga sua, professora de genética, que se acha um dia sob a mira dos serviços secretos depois do amigo ter sido assassinado. É uma história razoavelmente banal, com algumas ideias interessantes, mas nada de especial.

O Anel, de Alexander Jablokov, é um conto de viagem no tempo, no caso sem máquina (afastando-se assim da história de Wells e suas descendentes), mas com droga, no qual dois homens se perseguem entre presente, futuro e passado em busca de vingança. Mostra o enovelamento de enredo típico deste tipo de história, que, juntamente com a ação de uma longa perseguição, fará decerto as delícias de muitos leitores, mas não as minhas. Há um ponto em que este tipo de história começa a parecer-me algo gratuita. E esta, embora no fim compense um pouco, ultrapassa esse ponto.

Lido: A Rainha Adormecida

A Rainha Adormecida (bibliografia), de Cristina Flora, é talvez o mais estranho conto deste livro. Misturando algo de semelhante a ficção científica com uma espécie de fantasia hermética e sebastianista cheia de profecias e predestinações, Flora cria uma história em que a salvação do mundo num futuro longínquo depende da clonagem de uma velha rainha, obviamente portuguesa.

Apesar da ideia estapafúrdia, e embora tenha achado o conto ideologicamente lamentável, o certo é que ele está muito mais bem escrito e estruturado do que vários dos outros contos que o acompanham, o que faz com que não possa achá-lo mau. Não gostei de o ler, mas o conto não é mau.

No entanto, uma coisa é certa: esta história destoa do resto. Todas as outras são peças de história alternativa, ainda que no caso de algumas isso não passe de uma levíssima demão dada sobre as histórias a fim de as adaptar ao tema do livro. Aqui, nem isso existe. De história alternativa não há nem sinal. Esse facto não diminui em nada a história, mas torna-a pouco adequada ao volume em que veio publicada.

Contos anteriores deste livro: