domingo, 26 de julho de 2009

Semana

Mais uma semana de merda. É o único descritivo que se aplica a semanas passadas entre idas a médicos, cuidar de doentes e estar preocupado com doentes. Principalmente estar preocupado com doentes. A única coisa que semanas destas têm de bom é reduzirem certas conversas, grupos e personagens à dimensão que lhes é própria. Quando a família sofre, a importância de tudo o resto é rigorosamente igual a zero.

Igualmente insignificante é estar aqui a falar das banalidades que fui fazendo nos intervalos na semana que passou. Sim, li umas coisas. E daí? Que interessa o que achei? Nem tenho a certeza de ter estado com a cabeça em estado de apreciar convenientemente a leitura. Não foi nem uma nem duas as vezes em que "lia" página atrás de página e só passado algum tempo reparava que tinha na verdade estado o tempo todo a pensar precisamente naquilo em que queria evitar pensar. Do que "lera", nem sinal. E lá voltava atrás, página atrás de página, para começar de novo. Fica aqui a lista, só para o caso da semana que aí vem permitir o regresso a algum tipo de normalidade:

- O Símbolo Circular, conto de Mário Carneiro;
- Candy Art, conto de James Patrick Kelley;
- Regresso a Zenda, de Rhys Hughes.

E basta. Logo veremos se na semana que vem ainda há um post destes por aqui.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Conflito e conteúdo segundo Rui Tavares

Sejam quais forem as outras qualidades que tem, que as terá certamente com fartura, Rui Tavares é acima de tudo um excelente cronista. Nos últimos tempos, sem dúvida fruto da campanha eleitoral e da montanha de trabalho que imagino que terá tido para se preparar para ocupar o seu lugar no Parlamento Europeu, tem-me parecido que tem descurado um pouco as crónicas no Público, mas na de hoje voltou ao seu melhor nível. E é de facto um nível muito elevado.

Quando a publicar no blogue, coisa que que costuma acontecer poucos dias depois da edição no jornal, farei aqui o link que lhe é devido, mas até lá não resisto a citar um par de passagens:

"Todos nós somos mais complexos individualmente do que em interacção com os outros. Quer dizer que as nossas ideias são mais vagas, mais confusas e menos concretas do que quando nos colocamos em conflito. Em conflito, de repente, já todos nós somos certezas, vontades inequívocas e dogmas. Basta haver uma discussão para nos revelarmos assim.
[...]
Não paramos para nos perguntarmos "se somos tão diferentes como pode ser que lutamos pela mesma coisa?" Não; enquanto se calcificam em nós as certezas sobre as nossas próprias qualidades, o adversário vai já adquirindo na nossa cabeça características cada vez mais condenatórias."


Como seria de esperar, ele passa destas considerações gerais para o campo político, e fá-lo de uma forma soberba. Se puderem, não deixem de ler.

Excelente, Rui. Simplesmente magnífico.

Adenda: e já lá está. Podem ir ler.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Curiosa coincidência

E no momento em que anda toda a gente a discutir pela enésima vez tudo e mais alguma coisa que tenha a ver com o fantástico português, os Blogtailors vão repescar ao baú da memória uma coleção e uma iniciativa de fidelização de há mais de 20 anos.

Um concurso cujo prémio foi uma viagem a Florença, ganho através dum sorteio a que só se teria acesso caso se apresentasse cupões obtidos em dez dos primeiros 14 números da coleção dupla, FC/policial, da Caminho. A das capas azuis e das capas pretas. De livros de bolso baratos, como era típico da edição de FC (e de policial) da época, com más encadernações e papel grosseiro, mas melhores traduções do que o costume de outras coleções, e uma variedade muitíssimo maior nos pontos de origem das obras que a constituem. Não faço ideia de qual terá sido o resultado do concurso. Sei que eu fui comprador regular desde o número 1 e tenho a coleção completa. É, aliás, a única coleção que tenho completa.

Uma década mais tarde, a coleção começava a morrer. Não sei se o que veio primeiro foi a queda nas vendas, se a mudança de formato e de preço, mas o que é certo é que a decadência veio de mão dada com livros de formato maior, papel bastante melhor e um preço 3-4 vezes mais elevado. Os livros, que até aí saíam com uma periodicidade regular, passaram a ser editados (e distribuídos, também) duma forma irregular, todos os anos menos. Até que a coleção fechou portas sem glória, a meio da trilogia Xenogénese da Octavia Butler, deixando por publicar não só o último volume dessa trilogia (que, segundo consta, até já estava traduzido e tudo) como também vários livros premiados no concurso que a editora promovia. Para a história ficaram alguns dos melhores livros que li na vida (e que se lixe a fraca qualidade do papel ou das encadernações — os livros eram em geral bons), e a mais importante série de livros lusófonos de FC já publicada seja onde for.

E ainda hoje provavelmente haverá fãs portugueses de FC que nem sequer sabem que a coleção existiu. Foi precisamente essa uma das primeiras coisas que me surpreendeu desagradavelmente quando comecei a conhecê-los, há coisa de 10 anos: que alguns nem sequer conhecessem uma das melhores coleções de FC que alguma vez existiu em Portugal.

domingo, 19 de julho de 2009

Eu e a Lua

Já sou suficientemente velho para ter assistido à alunagem da Apollo na televisão, mas sou novo demais para me lembrar dela. Sei que a vi porque os meus pais mo disseram, e porque fui encontrar, anos mais tarde, um desenho infantilíssimo que só podia ser a minha tentativa de representar o módulo lunar, com o seu aspeto anguloso, com as suas pernas rematadas por apoios circulares (embora no desenho fossem só três, em vez de quatro), com as suas proporções razoavelmente corretas. Mas de nada me lembro, ou pelo menos sou incapaz de decidir se as imagens que tenho na memória têm alguma coisa a ver com os acontecimentos em direto, se são apenas reminiscências da miríade de fotografias e vídeos desfocados que vi mais tarde.

Hoje, que o planeta comemora os 40 anos da Apollo com um aparato mediático que contrasta com o quase silêncio de há 10 anos, dou por mim algo incomodado. Este post é uma tentativa de perceber porquê.

Em primeiro lugar há o óbvio: todas as histerias mediáticas me incomodam. E embora esta seja bem mais contida e o acontecimento bem mais merecedor do que a vida do Cristiano Ronaldo ou o desaparecimento da pequena Maddie, vejo nela algumas das mesmas características. Não me verão a desabafar com um "Arre! Já chega!" a propósito da Apollo, mas sinto o mesmo incómodo que me levou a fazê-lo relativamente a outros excessos mediáticos, ainda que numa concentração mais diluída.

Mas não é só isso.

A verdade é que nunca fui grande fã do programa Apollo. Sim, o Homem pisou outro corpo celeste, caminhou por ele, deixou lá aparelhos científicos que continuam ainda hoje a fornecer dados, recolheu amostras e trouxe-as para a Terra para serem aqui estudadas. Houve ciência importante a nascer com e do programa Apollo, e houve também desenvolvimentos tecnológicos que nos beneficiaram a todos. Mas a verdade é que nunca foi esse o objetivo primordial. O grande objetivo era, desde o início, militar e de propaganda. O programa Apollo foi filho da Guerra Fria e do facto dos soviéticos terem tomado a dianteira da "conquista" do espaço (até aqui a terminologia é bélica) com o lançamento do Sputnik e a colocação em órbita dos primeiros cosmonautas. O programa Apollo nasceu porque os americanos precisavam de algo espetacular que pudessem brandir, dizendo: OK, vocês fizeram isso, nós fizemos isto, que é melhor. E mais: pôr um pé na Lua era um primeiro passo necessário para eventuais reivindicações territoriais. Nunca chegaram a concretizar-se (pelo menos por enquanto — se a indústria espacial privada se desenvolver o suficiente para conseguir chegar à Lua temos em mãos um problema sério), mas podem ter a certeza de que não deixaram de ser ponderadas por muita gente. Não é certamente por acaso que o Tratado do Espaço Exterior, que proíbe reivindicações territoriais no espaço, foi assinado em 1967, meros dois anos antes da primeira alunagem.

Isso, no entanto, ainda é o menos. O realmente mau é que o programa Apollo é precisamente o contrário do que deve ser feito para desenvolver uma presença sustentada fora da Terra, e isso é o que realmente me interessa quando está em causa a presença do Homem em órbita ou noutros corpos celestes. Como o objetivo era de curto prazo, nunca se pensou a longo prazo. É verdade que se aprendeu a levar gente lá e a trazê-la de volta, mas nada foi feito para pensar em termos de futuras bases, métodos industriais que pudessem funcionar in loco, maneiras de produzir provisões que reduzissem a dependência relativamente ao planeta-mãe, etc. Foi-se apenas lá. Na verdade, assim que a primeira alunagem aconteceu, a NASA começou a reduzir pessoal. O "salto de gigante para a Humanidade" apregoado por Neil Armstrong (e não tenho dúvidas de que ele acreditava realmente no que estava a dizer) não passou dum saltinho. Ter ido à Lua em 1969 é um pouco como se os portugueses tivessem iniciado os seus séculos de exploração e expansão visitando a Madeira apenas para dizer infantilmente aos espanhóis "encontrámos umas ilhas e vocês não, toma-toma!" Cumprido o objetivo propagandístico, resolvidas as eventuais pretensões territoriais com o Tratado do Espaço Exterior, solucionados os problemas políticos, a Lua foi basicamente abandonada. O programa Apollo, que começou em triunfo, terminou quase em fiasco.

Quase. Porque houve algo que o programa Apollo nos deu, algo que não estava nos planos dos políticos e militares que o planearam, algo que na realidade está em completa oposição à filosofia que presidiu a todo o programa, algo que pode ser resumido nesta imagem:


O nascimento da Terra sobre o horizonte lunar, a visão do lar de todos nós como uma bola azulada a erguer-se sobre um horizonte desolado juncado de crateras, foi uma das mais poderosas sementes dos movimentos pela paz e dos movimentos ecologistas que, embora frequentemente com origens anteriores, começaram a conhecer um aumento rápido na sua adesão a partir dos finais dos anos 60 e nos anos 70. A consciencialização de que todos vivemos no mesmo planeta, e de que este não passa duma esfera que, no grande esquema das coisas, é bastante insignificante, entrou em muitas cabeças a partir destas imagens das naves Apollo. E é este o mais importante legado da alunagem de há 40 anos que comemoramos agora. A alunagem em si mesma, aquilo que ela significou para a exploração do nosso satélite, foi, a longo prazo, mais desapontamento do que triunfo. Mas a mudança não planeada que ajudou a operar no modo como vemos o lugar da nossa espécie no Universo pode conter a chave do nosso futuro.

E é por isso que me sinto ambivalente relativamente ao programa Apollo e mais ainda às atuais comemorações. Não vejo este aspeto a ser referido com a frequência que acho desejável; vejo principalmente triunfalismo, palavras de circunstância sobre a proeza, um fechar de olhos voluntário relativamente às zonas escuras das circunstâncias que a geraram. E isso, essa mitificação do passado, é o primeiro passo para as amnésias voluntárias que tanto mal costumam causar.

sábado, 18 de julho de 2009

Semana

Esta começou bem e acabou mal. Mas como não interessa estar aqui com preocupações e queixumes públicos, fica só esta nota. A semana começou bem e acabou mal.

As leituras laborais estão quase no fim, faltando apenas cerca de 50 páginas. Já sei que o livro tem uma primeira metade relativamente fácil, mas a segunda é difícil como o raio, e até tem um longo poema que me vai dar água pela barba e mais alguns versejos. Mas que se lixe: é coisa para me preocupar só lá para dezembro, de modo que não vale a pena pensar muito nela agora.

O wiki continua parado. A vida anda em oposição a esse nosso amigo: sempre que faço planos para gastar nele algum tempo, surge algo mais inadiável a fazer.

E quanto a leituras de lazer, claro, foram poucas.

Só uma crónica do Saramago intitulada A Ponte. Mais uma reminiscência dos seus tempos de criança, uma viagem de comboio, uma ponte cheia de luzes, talvez uma cidade. Nada que me desperte muito o interesse.

Do Bradbury foi mais um dos contos minúsculos que servem para interligar os contos maiores do livro em que se integram. O que foi lido esta semana chama-se A Praia e é fulcral para explicar por que motivo o Marte bradbudriano é inteiramente americano, mas para além disso pouco interesse tem.

Doutro livro, mas também de Bradbury, foi também lido Trovoada Matinal, um conto fantástico sobre um condutor duma daquelas máquinas que percorrem as ruas de madrugada para as lavarem, que a páginas tantas começa a ouvir uma voz vinda de dentro da máquina a suplicar-lhe que a deixe sair. Uma voz de homem, quando homem nenhum poderia ali estar. Um conto interessante, dos mais interessantes do respetivo livro.

E foi só isto. Se a vida não me pregar mais partidas, a semana que agora entra vai ser muito diferente.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

(De novo) segundo o acordo

Em tempos que já lá vão, decidi passar a escrever a Lâmpada segundo as regras do acordo ortográfico. Fi-lo para dar o exemplo, mostrando que o que muda, vistas bem as coisas, é quase nada. Mas entretanto a minha vida profissional tornou-se cada vez mais ligada ao uso escrito da língua portuguesa e, para evitar usá-la duma forma esquizofrénica, com umas regras aqui e outras nos livros que traduzo, abandonei o uso do português do acordo até ao momento em que me passassem a pedir as traduções feitas segundo essas regras.

Esse momento é agora. E por isso, a partir de hoje, a Lâmpada volta a ser escrita segundo as novas regras ortográficas da língua portuguesa.

sábado, 11 de julho de 2009

Semana

Esta semana foi... hm... estranha.

Começou com três dias de violenta constipação, que veio de braço dado com toda aquela palhaçada do fim de semana, e seguiu-se uma quantidade de outros estímulos daqueles que parecem postos de propósito à frente dos nossos olhos para nos pôr a pensar. O artigo do Luís Filipe Silva e as fotos da I Grande Guerra. Uma crónica (ou será post? Web log?) de Saramago em que ele discorre de forma para mim inesperada sobre o que é escrever e o que é traduzir. Uma coisa que se afirma, num artigo do Público sobre os resultados dos exames do secundário, por uma docente não identificada: os estudantes, diz ela, têm em comum "pouca riqueza de vocabulário" e "grande dificuldade em interpretar, decifrar, sentidos implícitos". E várias outras coisas. Não sei bem se foi uma semana particularmente rica em estímulos, se estive invulgarmente atento aos que surgiram. O que é certo é que foi uma semana passada com o cérebro a 200, sempre pronto a desatar a correr em todas direcções assim que surgisse uma oportunidade para isso. Houve dois resultados dessas correrias, este e este, mas ainda haverá pelo menos mais um. Resultados produtivos.

Mas também houve resultados improdutivos. Tanta reflexão (e a palhaçada do fim de semana também, naturalmente) gasta tempo e concentração, que não podem ser usados a ler ou a trabalhar no Bibliowiki. Como consequência, as leituras laborais avançaram mas bastante menos do que poderiam: o livro está mais ou menos meio lido, já sei onde vai ser dividido, e desta vez até haverá um final razoável para a primeira parte. Como consequência, o wiki esteve rigorosamente parado. E também como consequência, voltei a não terminar nenhuma leitura de lazer. É a vida.

terça-feira, 7 de julho de 2009

And now for something completely different

Já vimos como o twitter pode ser mal utilizado, e os blogues podem servir para dar voz ao que de mais rasca existe na natureza de certos homens, mas para que a lição fique completa vejamos um exemplo do contrário. Começa com um tuito da @canochinha_: "1.ª Guerra Mundial a cores", seguido dum link para este fotoblogue, e mais especificamente para este post.

Não sei qual a origem da cor naquelas fotografias. Podem ser mesmo fotografias a cores, visto que a tecnologia já existe desde a segunda metade do século XIX, mas também podem ser velhas fotos monocromáticas "pintadas" com um qualquer programa moderno de edição de imagem. Ou talvez haja ali uma mistura das duas técnicas. Não sei.

Mas sei que a soma da cor a uma tragédia (ou estupidez) que estamos acostumados a ver a preto e branco lhe dá uma dimensão inesperada.

Aquelas fotos impressionaram-me.

Impressionou-me, antes de mais, o facto de serem retratos dum mundo despovoado. Mesmo quando mostram situações aparentemente quotidianas, ou quando reproduzem grupos razoavelmente numerosos de pessoas, há neles uma sensação de distância e silêncio. Talvez quem viva no campo reconheça essa sensação, mas para nós, os urbanitas que somos quase todos, rodeados de ruídos, movimento e gente vinte e quatro horas sobre vinte e quatro, é algo que se vai tornando cada vez mais profundamente alienígena. Uma Terra esvaziada de gente por um cataclismo qualquer seria muito semelhante àquilo, e não conheço ninguém que tenha descrito essa sensação melhor do que Ballard, nas suas histórias pós-apocalípticas. Acho que foi só agora que compreendi mesmo de onde lhe vem essa qualidade. A guerra que ele experimentou foi outra, e noutras geografias, em princípio muito mais densamente povoadas do que o norte de França ou a Bélgica, pois deverão ser estes os lugares mais representados nas fotografias. Mas é provável que tenha passado pessoalmente por algo de muito parecido.

E impressionou-me o verde. Foi esse o grande impacto que aquelas fotos tiveram em mim. O verde, em imagens que costumo imaginar cinzentas ou, por influência dos campos de batalha mais recentes, de um amarelo esbatido, torna-se insólito. Como que lhes reduz o impacto ao mesmo tempo que o aumenta. Como que diz que independentemente do que os homens façam uns aos outros, movidos por ambição descontrolada ou estupidez igualmente fora de controlo, a vida continua. É quase certo que a maior parte daquelas fotos tenha sido tirada ao som do chilrear das aves.

Por fim, também me impressionou o contraste. Hoje, não há fotorreportagem dos teatros de guerra que não foque a atenção no sangue, no fogo, em cadáveres desmembrados. Ali, só se vêem ruínas, apesar dessa guerra ter terminado com mais de oito milhões de mortes directas e bastante mais de 50 milhões de mortes causadas pela fome e por doenças que a guerra ajudou a tornar mais mortíferas. Não sei se foi escolha propositada de quem faz o blogue — não faltam imagens de mortos na primeira guerra mundial, embora eu não conheça nenhuma que seja a cores — mas se foi, parabéns. Faz com que as de hoje pareçam piores, embora na verdade não o sejam, e acentua a impressão de que nada aprendemos com a história, bem pelo contrário.

É o que acontece a quem é demasiado arrogante para reconhecer os erros que comete. Está condenado a repetir uma e outra vez as mesmíssimas cretinices.

Portugal, globalmente considerado, é assim. E se calhar o mundo também.

Ao Seixas

E em inglês, para compreenderes bem.

Get a life.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Os meninos crescidos

Quando os meninos que ainda não são crescidos fazem asneiras, e estas chegam ao conhecimento dos pais, costumam defender-se apontando para o irmão e dizendo "foi ele". Julgam assim evitar o açoite ou o ir para a cama mais cedo, ou no mínimo obterem companheiro para a desgraça. Às vezes, esta estratégia resulta, e quando os meninos crescem nunca deixam de fazer isso, como bem temos visto, por exemplo, no caso BCP. Ficam assim uns meninos pequeninos em corpo de grande, e continuam a amuar e a dizer "foi ele", ainda que com mais sisudez e gravatas.

Mas há meninos que crescem mesmo. E parte desse crescimento revela-se na capacidade de assumir as asneiras que fazem.

Ao longo do último fim de semana fiz várias.

A primeira, maior e fundamental porque foi a que deu origem às outras foi não ter em nenhum momento parado para pensar "espera lá, rapaz, tu estás doente, com febre, dói-te o corpo, a cabeça e a garganta, sentes-te mal e estás irritável, não achas que devias deixar isto para mais tarde?" Se o tivesse feito, o mais certo seria não reagir quando o Seixas pôs no blogue que "o Jorge Candeias [se dedica] em exclusivo à tradução", como se o Bibliowiki e todo o trabalho que dá não existissem, como se não houvessem aqui mesmo neste blogue, todas as semanas, pequenas opiniões sobre aquilo que vou lendo, em boa parte literatura fantástica, como se não estivesse envolvido no Odisseias Fantásticas. O mais certo teria sido ignorar mais esta pequena provocação como mais uma. Afinal, até quando ele atacou directamente a credibilidade do Bibliowiki só reagi depois de haver insistência, e isso foi muito mais sério do que esta insidiazinha insignificante de há dias.

Mas não. Cometi primeiro a asneira de lhe dar troco e depois a de lhe dar troco duma forma contaminada pelo modo como eu próprio vejo a questão da propalada ausência de público para a FC. De facto, relendo o que ele escreveu agora que já me passou a febre tenho de admitir que "Eu acho espantoso que o Seixas se queixe da ausência de edição de FC em Portugal. Dir-se-ia que ele não tem uma editora..." (o conteúdo do meu tuíto) tem mais a ver com a minha opinião de que se a FC vende pouco é porque as nossas editoras ainda não encontraram forma de chegar aos leitores que andam por aí do que com o que ele realmente escreveu. Eu de facto penso que proclamar a inexistência de público é uma forma fácil de evitar ter o trabalho de o encontrar ou de tentar ocultar o falhanço na estratégia que se segue, quando existe alguma. E essa opinião contaminou de tal forma o modo como li o texto dele que, somando-se à irritação pela provocaçãozinha, e a uma irritação antiga com a Livros de Areia por ter feito aquele que é, de longe, o seu pior trabalho de edição com o único livro de FC que editou (é preciso ter olhos de águia para conseguir ler-se o livro), me levou a algum enviesamento no alvo do tuito. Neste ponto, e apenas neste ponto, o Seixas tem razão.

Seja como for, não me parece que haja alguma justificação para a tempestade que se seguiu, para a chuva de provocações e insultos, cada um mais insidioso do que o outro, e aí o meu maior erro foi ter continuado a alimentá-la, e tê-lo feito durante algum tempo no twitter, com mensagens que nos seus 140 caracteres nunca chegaram nem perto de conseguir transmitir por completo a minha opinião. A questão do amador/profissional, por exemplo, nasceu num tuíto em que eu me interrogava sobre qual era o objectivo da editora porque "ganhar dinheiro não seria", querendo com isto referir-me a dinheiro suficiente para que os editores se tornassem (lá está) profissionais, ou seja, vivessem primordialmente dessa actividade. Ao primeiro estrondo do trovão, devia ter transferido a conversa para o blogue onde tenho todo o espaço do mundo para explicar as minhas ideias até ao fim. Ou antes, devia ter esperado até ficar em condições, com a cabeça livre de febre, dores e comprimidos, para sustentar uma discussão complicada, cheia
de veneno desde o princípio, que só piorou quando o Seixas publicou esta coisa inqualificável, seguida por isto, igualmente inqualificável não tanto pelo desmascarar da desonestidade do Seixas, que assumo por completo e nenhum remorso me causa, mas pela forma completamente bronca como o fiz. Como disse nesse mesmo post, o que não deixa de encerrar uma triste ironia, é precisamente este tipo de merdas (não têm outro nome) que descredibiliza o género e os seus actores, e eu também ganhei para mim um lugarzinho na tal câmara de vácuo.

Prefiro é que seja numa diferente da que o Seixas ocupa, se não se importam. Só por causa cá duns quinhentos...

Eis um artigo com que não concordo

Num contraste evidente com acontecimentos recentes e outras personagens (eu próprio incluído, sem dúvida), há quem tenha gasto o tempo a escrever o melhor artigo sobre a FC que eu li desde há muito tempo. E nem sequer concordo com ele.

Oh, não há dúvida de que a FC americana é dominante a nível mundial. Isso não tem discussão. Mas não me parece que os motivos sejam exactamente os que o Luís aponta. Há outros. A força de Hollywood, principalmente, que impôs no mundo todo uma forma de contar histórias na qual a FC americana se insere, tornando-nos, cá fora, mais receptivos a ela. Mais eficaz do que as outras num dado momento, sem dúvida. Mas melhor? Aí já tenho dúvidas.

E a história das pilhas é gira, mas sofre duma injustiça básica: todos nós consumimos FC norte-americana desde pequenos, porque, com raras excepções (raríssimas se excluirmos os autores britânicos), era essa a FC que se traduzia e traduz, foi essa a FC que formou o gosto de muita gente, foi entre essa FC que foram encontrados os primeiros autores preferidos. Em contraste, da polaca temos apenas o Lem. Da russa os Strugatsky. Da francesa, Verne e pouco mais. E das outras, nada.

Sem conhecer não podemos escolher. Se não temos acesso às coisas não podemos saber se são melhores ou piores do que aquelas a que temos acesso. E é precisamente por isso que eu escolheria a pilha do resto do mundo: a americana já conheço e levo-a comigo na cabeça. Que arda. Prefiro salvar os mundos de todos os outros. Os mundos que ainda não conheço.

domingo, 5 de julho de 2009

E dura, e dura...

E continua a novela dos profissionais vs. amadores, no twitter e agora também aqui nas caixas de comentários, até trazendo à baila definições (parciais, claro) de dicionário. OK, seja. Por uma última vez voltemos ao assunto. E vejamos o que diz um dicionário decente sobre o que é um profissional: o Houaiss.

Como geralmente acontece na língua portuguesa, a palavra profissional tem vários significados, e até é aplicada em duas funções gramaticais. Aqui estão todos os que o Houaiss lista:

adj 2g
1. Relativo a profissão
2. Próprio de uma determinada profissão
3. Responsável e aplicado no cumprimento dos seus deveres de ofício
4. joc. Que dá carácter de profissão a um modo de ser, seja por praticá-lo sistematicamente, seja por auferir lucros dele.

adj 2g s 2g
5. Que ou aquele que exerce por profissão determinada actividade.

No texto em causa, este, interessava-me separar as editoras que são obrigadas a vergar-se aos ditames do mercado porque se não o fizessem não seriam capazes de prover ao sustento dos editores e funcionários daquelas que nem por isso, porque os seus editores mantém outras actividades. O post é absolutamente cristalino quanto ao que entendo por profissional neste contexto (corresponde ao significado 5), mas certas pessoas preferiram partir do princípio de que era o 3, e vá de insulto para baixo.

O que é realmente patético é eu praticamente ter dito nesse mesmo post que achava que editores não profissionais (semi-pro ou amadores) têm mais liberdade para editar bem. Citando:

Como consequência, estas editoras são bem mais livres no que toca ao que editam e ao modo como editam, embora o reverso da medalha seja estarem geralmente em franca desvantagem no momento de negociar direitos. Mas tirando este detalhe, têm muito mais possibilidade de fazer uma edição de gosto, de prazer, do que as profissionais. E têm muito mais liberdade para editarem precisamente o quê e como lhes apetecer.


Isto porque são mais ágeis e estão menos agrilhoadas ao que vende ou não vende, logo não precisam de seguir modas, fazer edição baseada em fama, editar muito e depressa, etc. Se não querem perder dinheiro, podem espaçar edições e esperar que a última se pague antes de se meterem na próxima. Precisamente porque os editores não dependem unicamente do resultado financeiro da editora para manter o pão na mesa. E era só isto. Mas há quem não saiba ler bem o que se escreve, o que não deixa de ser tremendamente irónico se tivermos em conta o meio em causa.

E eis que o João Seixas desce às catacumbas do asco

Com isto caíram todas as máscaras que ainda pudessem existir. Nunca vi ninguém descer tão baixo, nunca vi tamanho arraial de deturpações, mentiras, insultos, e a mais vil das baixarias. O João Seixas revelou-se com absoluta clareza como aquilo que sempre foi.

Ainda bem. Quando o sol brilha sobre as coisas feias deste mundo, os homens sabem finalmente com o que contam.

Ainda pensei se valeria a pena meter as mãos em tal lodo, porque se há coisa certa quando se metem as mãos no lodo é ficar-se com elas sujas. Mas a coisa é demasiado grave para ficar sem resposta. Portanto, mola no nariz, e vamos lá mostrar quem aqui fala verdade e quem mente.

Escreve o Seixas:

É que quer o Jorge, quer o Nuno, parecem pensar que estamos ainda nos primórdios da FC Portuguesa. O Jorge, por exemplo, acredita que a FC Portuguesa nasceu com ele, em 2000, e que desde essa data o devia orbitar, fascinada pela sua capacidade de luminosa condução do género na agreste travessia dos vários desertos que tem enfrentado.


Se o Seixas acha que o Jorge e o Nuno pensam isso, lá com o Seixas. Nada de novo. Mas o exemplo sobre as "crenças do Jorge" chega a ser divertido quando se tem em vista que naquilo que eu realmente escrevi é referida uma quantidade de colecções que já estavam todas mortas ou moribundas em 2000. A honestidade resplandece.

O que o Nuno pensa ele o dirá, se quiser, mas o que eu penso é que se foram cometendo variadíssimos erros ao longo da história da edição de FC em Portugal, erros esses que foram afastando público, que, no entanto, continua a estar lá à espera de quem o saiba ir encontrar. Nenhuma semelhança, como qualquer pessoa com olhos na cara poderá ver, com a bojarda do Seixas. E sim, Seixas, editar colecções antes do seu tempo é um sinal de incompetência, é sinal de que o editor não está sintonizado com o seu público, e que portanto é um mau editor, seja ou não membro de alguma cáfila (de camelos?), seja ou não sinistro. A Contacto é por isso mesmo um excelente exemplo do tipo de erros que afastou os leitores. Posts como este do Seixas são outro exemplo, igualmente excelente na vertente asquerosa da coisa. São precisamente estas coisas que enterram a FC portuguesa. E a culpa dos erros é de quem os comete, certamente não do público leitor.

Mais. Escreve o Seixas:

No meio da sua diatribe, meio contrafeito, ele lá acaba por dar razão àquilo que eu aqui escrevi: o principal problema, assumido ou não, que assola a presente situação da FC Portuguesa é o público leitor. Isso transparece quando afirma, referindo-se aos Editores nacionais, que “nunca lhes entrou na cabeça que públicos leitores diferentes tomam opções diferentes de leitura, e tentaram impingir aquilo que achavam o supra-sumo da modernidade ou dos clássicos, importando padrões alheios que, como deveria ser evidente para qualquer um, não funcionam necessariamente por cá (…)”. Ou seja, o nosso público leitor, pelo menos de há 45 anos para cá (embora pudéssemos alargar isso à data da criação da Colecção Argonauta) não tem padrões de cultura que lhe permitam apreender e apreciar, nem as obras clássicas da FC, nem as mais recentes evoluções do género. Ou, porque o Jorge espalha esta sua asserção indiscriminadamente pelos anos 1980s, 1990s e 2000s, seria de perguntar quando perderam os leitores esses padrões? Ou mesmo, se alguma vez os chegaram a ter?


Admire-se o grau de deturpação que aqui está patente. Eu escrevo que editores incompetentes são incapazes de se aperceber de que públicos diferentes têm necessariamente opções diferentes quando chega a hora de preferir leituras, e que portanto é erro crasso tentar simplesmente macaquear padrões alheios como bom macaquinho de imitação. Aqui o nosso impoluto amigo diz que eu digo que o público português não tem padrões de cultura. Eu falo em padrões diferentes, o tipo diz que falo em ausência de padrões. Palavras para quê? É um artista português, e se calhar até lava os dentes.

E depois tem o desplante de pedir consultadoria grátis. Paguem-me, e eu explico. Se bem que de certos tipos nem a transferência do Cronaldo chegaria, até porque o mais certo seria o cheque vir sem cobertura. E porque de nada valeria. Há gente que é incapaz de acolher uma ideia nova na caixa craniana.

Depois, vem isto:

Certamente, uma editora gerida pelo Jorge Candeias seria um motor imparável na criação de um público leitor de FC em Portugal. Aliás, a actividade do Jorge Candeias nesse campo está cheia de sucessos e bons exemplos. Ele conhece perfeitamente o público leitor, e escreve especificamente para ele. Infelizmente, os seus trabalhos foram recusados por TODAS as editoras nacionais a que foram submetidos; o seu romance on-line, gratuito, teve um afluxo de leitores digno de um best-seller, alcançando quase… duzentos! Tudo isto, observe-se, são dados objectivos e frios, independentes de qualquer consideração sobre o mérito dos trabalhos do Jorge (que, como todos nós, é capaz tanto do melhor como do pior). Mas que impõe mais uma vez a questão: culpa dos Editores que não compreendem o Público Leitor? Culpa do Público Leitor que não compreende o Jorge? Culpa do Jorge que não compreende nada?

É verdade, os meus trabalhos foram recusados por todas as editoras nacionais a que foram submetidos. A contagem completa é a seguinte: O Por Vós lhe Mandarei Embaixadores foi submetido a uma editora: a Presença. E... hm... é só. Além dessa, houve uma única submissão (que não é bem submissão, é mais um sondar de interesse sobre trabalhos que ainda precisariam de ser trabalhados) cuja resposta ainda não chegou. E rejeitei um convite para publicar um livro de contos por achar que não tinha na altura nenhum conjunto suficientemente coerente. Isto quanto a trabalhos grandes, claro. Em contos e afins tive um rejeitado pela Ficções, e sei que estou aí em óptima companhia. E é só, porque as outras antologias foram todas organizadas por convite e não por submissão, e como toda a gente sabe no convite entra-se mais no território da clique do que de qualquer outra coisa. Os dois convites que tive rejeitei-os a ambos, embora por razões diferentes. O livro que publiquei não foi propriamente submetido à edição (foi a concurso), portanto se calhar não conta. E as publicações pagas que tenho lá fora não estão em Portugal. Voltando ao Por vós..., os dados da edição electrónica estão desactualizados. Neste momento, segundo o Google Analytics, o número de visitantes já soma 277. Fizeram 420 visitas e viram quase 700 páginas.

E é esta a verdade, pura e inadulterada por seixices.

Agora vamos à mentira. A mentira é dizer-se que eu "escrevo especificamente para [o público leitor]". Nunca na vida escrevi para o público leitor, e menos ainda quando escrevi o Por vós... Este foi escrito para me divertir a mim, como, aliás, está claramente dito aqui, onde também quem souber ler nas entrelinhas verá que não o considero propriamente o supra-sumo da minha produção literária. Se o Seixas não fosse o exemplo de honestidade que é... mas que digo eu? Se o Seixas não fosse o exemplo de honestidade que é, o inferno estaria coberto por um glaciar. Há hipóteses demasiado absurdas para sequer perder tempo com elas.

Quanto ao resto, sim, tenho feito pela vida. Nos últimos três anos passaram-me pelas mãos quase cinco mil páginas, que me esforcei por traduzir o melhor possível e respeitando escrupulosamente os prazos, e estou a contar só os livros já publicados. Há mais dois por aí a rebentar - mais umas 800 páginas, mais ou menos. Garanto que foi mais fruto dos timings da editora do que de opções próprias - eu teria preferido um ritmo mais brando, especialmente no ano passado. E construí quase sozinho um site bibliográfico com 16500 entradas. Não é nada, diz o tipinho. E depois acaba dizendo uma coisa óbvia:

Quem reclama a falta de publicação de ficção curta nacional, deve divulgá-la e criticá-la (e, já agora, comprá-la) quando esta é publicada.

Isto pretendendo subentender que não é o meu caso, claro. Ora, como sabe qualquer pessoa que tenha lido ainda que um punhado dos tais posts semanais, se há coisa que neles falo é dos contos que vou lendo. Lamento só ter começado a fazê-los depois de ter lido tanto a Sombra Sobre Lisboa, como as Ficções Científicas e Fantásticas, como os Contos de Terror do Homem-Peixe. É pena. Teria tido todo o gosto em esfregá-los na cara do Seixas, até porque felizmente bits não se sujam. Mas o que não falta ali é apreciações a contos e livros nacionais. Quem tiver dúvidas vá lê-los.

Mais palavras para quê? É este tipo que acusa os outros de má-fé. É este exemplo de honradez que acusa os outros de desonestidade.

Nota: post editado para remover o pior dos insultos. Foi estúpido publicar este post de cabeça quente. Os insultos fizeram-me descer ainda mais baixo do que o tipo. Não que não ache que os mereça, e a mais alguns, mas há coisas que fazem perder a razão onde ela existe e esta é uma delas. Por mais razão que eu tenha, ela ficou diminuída com a atitude à carroceiro. Depois de respirar fundo, lamento-a.

O bom é que nem tudo é mau

A parte boa disto tudo é que nem tudo é mau. E aqui está uma opinião que subscrevo quase por completo, embora tenha menos confiança do que o Nuno Fonseca no poder da promoção. O marketing só funciona até certo ponto, a partir do qual ou se gera o bate-boca, ou a coisa morre. Não é só por causa do marketing que as "vampiragens" se andam a vender tão bem: é porque há uma camada de leitores (ou, melhor dito, de leitoras) que gosta mesmo daquilo, e que recomenda os livros uns aos outros.

Dispensável só mesmo aquela referência às "ruas da amargura em termos de qualidade" da produção nacional, porque não é verdade. Como sempre aconteceu e sempre acontecerá, há o bom e há o mau. E ainda bem que assim é.

Há por aí quem precise duns sais de frutos

Hoje acordei, e deparei com o twitter cheio de mais um chorrilho de insultos vindos de um editor amador que está aparentemente com necessidade de meter no nariz uns saizinhos de frutos para ver se se acalma.

Deitando fora o lixo, que foi muito, e francamente rasca, deixem-me responder a um par de questões com alguma validade. Mas antes, acho que é preciso reiterar uma coisa que, pelos vistos, não ficou suficientemente clara no que escrevi ontem:

Profissional é quem vive do seu trabalho. Nem mais, nem menos do que isso. Não é quem o faz bem (Há maus profissionais, e também há bons amadores. E maus. E péssimos.) Não é quem o faz mediaticamente. Não é quem o faz prestigiosamente. É quem vive dele.

E depois de deitar fora o lixo, fica uma pergunta válida: um escritor que publica pela Lulu é amador ou profissional?

Vamos por partes.

A Lulu é evidentemente uma empresa profissional, em que se misturam as vertentes editora com gráfica. Lida profissionalmente com os clientes e com as queixas que eles têm, o que começa com o mínimo dos mínimos que é não os insultar. E produz livros bem feitos, no contexto da tecnologia utilizada, e consoante aquilo que os clientes lhe fornecem como matéria prima.

Com a Lulu (e com outras empresas de print-on-demand) trabalham empresas e indivíduos. Algumas dessas empresas e indivíduos vivem desse trabalho, embora a esmagadora maioria não o faça. Ou seja, a esmagadora maioria de quem publica pela Lulu não é profissional. Uns serão semi-pro, mas a esmagadora maioria nem isso. São amadores. Mas há profissionais lá metidos no meio.

E é tão simples como isto. Nada a ver com qualidade; tudo a ver com origem do rendimento. Entenda quem tiver capacidade para tal.

Candidatos a quê?

E já que hoje a febre me deu para pôr cartas na mesa, eis mais uma.

Será pedir muito que se acabe de vez com a fraude política que é a conversa dos "candidatos a primeiro-ministro" nas eleições legislativas? Esta conversa dos candidatos a primeiro-ministro foi criada por algum acessor de marketing político do PS ou do PSD, com o objectivo óbvio de menorizar os outros partidos, e quase toda a gente engoliu isco, anzol e linha, passando a papaguear a inventona como bom cãozinho de Pavlov.

Tal coisa, meus caros, não existe. Ninguém é candidato a primeiro-ministro, porque nós não elegemos primeiros-ministros e governos: elegemos deputados ao parlamento. Há pessoas que são candidatas a deputados e apenas isso, e é do equilíbrio de forças no parlamento que sai o governo. O sistema é esse, e nenhum outro. O povo elege os deputados, o presidente da república convida alguém para formar governo, e o programa do governo é aprovado, ou não, pela assembleia da república. Nem o PR é obrigado a convidar o líder do partido vencedor das eleições a formar governo, nem esse governo inclui necessariamente o partido mais votado. Querem um exemplo? Então eu exemplifico.

Imaginem que numas eleições nenhum partido alcança a maioria absoluta. Se alcançar, não há dúvida: quem esse partido escolher será primeiro-ministro, porque qualquer outra opção verá certamente o programa de governo chumbado pela maioria. E o partido maioritário certamente escolherá o líder. Mas imaginem que não há maioria absoluta. As coisas ficam logo mais interessantes.

Nesse caso, a obrigatoriedade é arranjar um governo cujo programa passe no parlamento. Isso implica o voto favorável, ou pelo menos a abstenção, de mais do que um partido, haja ou não uma coligação formal.

Agora imaginem que o PS era realmente um partido de esquerda. É difícil, bem sei, mas façam um esforço a bem do argumento. Já está? Óptimo.

Imaginem agora que o PSD ganhava as eleições. Com 32% dos deputados (não necessariamente dos votos). Imaginem que o PP ficava com 5% dos deputados. Imaginem que o PS ficava com 31% dos deputados, o BE com 16%, a CDU com 15% e que havia mais uns deputados de outros partidos para arredondar as contas, um do MRPP, ou assim, outro do partido da Laurinda, etc. Numa situação destas, PS+BE+CDU teriam 62% dos deputados. Uma maioria clara. Se o PS fosse realmente de esquerda, podiam conversar e decidir coligar-se para formar um governo de esquerda. Imaginem que isso acontecia. Numa situação destas, é evidente que não será o partido mais votado a formar governo, mas sim uma coligação do segundo com o terceiro e o quarto.

Ah, mas nesse caso o primeiro-ministro será o Sócrates, dirão vocês.

Errado. O primeiro-ministro será quem os parceiros de coligação decidirem que seja, e isso é algo que sai do processo de negociação. Imaginem que BE e CDU só aceitam integrar a coligação com outra pessoa à frente do governo e que o PS aceita e sugere, por exemplo, a Helena Roseta, sugestão que é aceite pelos outros. Informam o Cavaco da decisão, e o Cavaco, todo roído por dentro, convida-a. Nesse caso, é a Helena Roseta a ocupar o lugar de PM. Mesmo se nem sequer for deputada.

Tudo no nosso sistema depende da relação de forças no parlamento, e apenas da relação de forças no parlamento. Portanto da próxima vez que alguém vos vier falar de "candidatos a primeiro-ministro", mandem-no bugiar. É alguém que está convencido de que são ignorantes e procura tirar vantagem dessa ignorância. Nunca se esqueçam disto.

sábado, 4 de julho de 2009

A quem interessar possa

Gosto do twitter. É, ou pode ser se bem utilizada, uma ferramenta poderosa para fazer uma série de coisas, mas há algumas para as quais é manifestamente desadequado. E dificilmente poderia ser mais desadequado para discussões complexas.

Hoje meti-me numa. Partiu duma consideração que me parece perfeitamente óbvia: se um editor se queixa de não se editar o tipo de literatura xis, o que tem a fazer é ao menos tentar editá-la. Decentemente, se for capaz.

Esta constatação óbvia gerou uma série de reacções por parte de gente ligada ao editor em causa, levantando uma porção de lebres que serviram basicamente para desviar as atenções. Não podendo atacar a consideração, precisamente por ser evidente, atacou-se uma porção de outras coisas, incluindo a pessoa do constatador. Enfim. É o triste hábito.

Mas como as lebres foram muitas, e continuaram a insistir nelas, aqui vai o que eu penso a seu respeito.

Para mim, uma editora profissional é uma editora cujos editores são profissionais. Ou seja, é uma editora cujos editores obtêm da editora rendimento suficiente para se sustentarem. Uma editora cujos editores, mesmo que façam trabalhos por fora, não precisem de os fazer.

Pelo menos os editores. Já não falo de empregados e de outros profissionais que lhes prestem serviços.

Editoras que não cumpram este requisito não são editoras profissionais. Podem ser semi-profissionais ou amadoras, mas profissionais com toda a certeza que não são.

Há diferenças significativas entre uma editora que é profissional e outra que não o é, e a principal dessas diferenças é que uma editora profissional é obrigada, por uma questão de sobrevivência económica, a gerir muito bem o seu catálogo por forma a gerar um rendimento suficiente para continuar a pôr o pão na mesa dos seus trabalhadores e colaboradores.

Este objectivo pode ser atingido de várias formas. Pode apostar-se em grandes sucessos de vendas, independentemente da respectiva qualidade. Um único grande sucesso de vendas pode manter uma editora em funcionamento durante meses a fio, mesmo que nada faça a não ser preparar o próximo (e gerir as chatices com distribuidores, gráficas, e todas as outras coisas que se desenrolam nos bastidores). Outra forma é apostar em livros que lucrem apenas o suficiente para manter a máquina em funcionamento, o que implica um ritmo de edição acelerado, pois se cada livro lucrar pouco é preciso mantê-los a sair com regularidade para manter os profissionais alimentados, vestidos e, quando a coisa corre bem, com uma conta bancária não completamente depauperada.

É assim que funcionam as nossas editoras profissionais, e é por isso que tanta gente se queixa das prateleiras das livrarias estarem cheias de lixo. Eu, Carolinas, livros pretensamente escritos por vedetas de TV ou com presença assídua na TV e coisas que tais. É lixo, mas é lixo lucrativo, e capaz de pôr o pão na mesa dos profissionais. Estes editam o lixo precisamente porque são profissionais, e muitas vezes profissionais competentes. Goste-se ou não, a realidade é esta.

Uma editora que não é profissional funciona de forma bem diferente. Tanto as semi-profissionais como as amadoras aspiram no máximo a obter um rendimento modesto, que é complementado pelas outras actividades dos respectivos editores. Algumas podem mesmo dar-se ao luxo de perder sistematicamente dinheiro, desde que as outras actividades do(s) editor(es) lhe(s) dêem essa liberdade.

Como consequência, estas editoras são bem mais livres no que toca ao que editam e ao modo como editam, embora o reverso da medalha seja estarem geralmente em franca desvantagem no momento de negociar direitos. Mas tirando este detalhe, têm muito mais possibilidade de fazer uma edição de gosto, de prazer, do que as profissionais. E têm muito mais liberdade para editarem precisamente o quê e como lhes apetecer. Liberdade essa que é sagrada. Cada um que edite o que muito bem entender e como muito bem entender. Agora que não venha é depois, armado em Calimero, de ovo na cabeça, choramingar que não se edita aquilo que ele próprio não edita.

Entretanto, enquanto eu escrevia isto, o Seixas, no seu jeito troca-tintas e insultuoso do costume, deu um ar de sua falta de graça. Já que o fez, e já que o fez da maneira como fez, além de revelar que o tal editor que calimera porque não se edita o que ele não edita é precisamente o Seixas, acrescento o seguinte:

A edição de FC em Portugal tem sido, toda ela, baseada numa táctica simples: atiram-se livros cá para fora, geralmente muito mal traduzidos, não raro muitíssimo mal editados (com um texto que só com lupa se consegue ler, ou com páginas que começam a saltar assim que se abre o livro, etc.), sem qualquer tipo de promoção e reza-se para que o povo goste. A FC que se tem editado, quase exclusivamente estrangeira, é de dois tipos: a barata (autores obscuros e fraquinhos ou obras obscuras de bons autores) e a que o editor acha aposta segura (autores que já antes se editaram por cá, e com sucesso — motivo que leva a termos montes de material editado dum par de mãos-cheias de autores já bem entrados nos anos, e nada da generalidade dos mais novos.

(Um parêntesis para dizer que no que toca à ausência de divulgação, existe uma excepção. O romance Ar, de Geoff Ryman, que a Gailivro promoveu intensamente, com uma campanha de ofertas que provavelmente acabou por ser contraproducente quando chegou a hora de tentar vendê-lo — motivo pelo qual eu não aproveitei a oferta e preferi comprá-lo... mas suspeito de ter sido um entre poucos.)

As colecções de FC mais bem sucedidas e longevas que tivemos em Portugal seguiram um destes caminhos, ou ambos. A única excepção foi a colecção da Caminho, que sobreviveu durante década e meia com uma aposta na diversificação na origem geográfica e cultural dos autores, fugindo ao sufoco de autores anglo-saxónicos que sempre dominou as outras colecções (a Argonauta teve autores franceses, mas isso acabou nos anos 60) e em autores lusófonos, que têm a grande vantagem de não custarem direitos astronómicos nem precisarem de tradutores a que há que pagar, mesmo que mal.

Além disso, sempre reinou a incompetência. Algumas das pessoas que julgam que sabem alguma coisa de FC tentaram seguir parcialmente por outros caminhos, sempre com resultados desastrosos, porque nunca perderam cinco minutos que fosse a ponderar se aquilo seria, ou não, adequado ao público português. Nunca lhes entrou na cabeça que públicos leitores diferentes tomam opções diferentes de leitura, e tentaram impingir aquilo que achavam o supra-sumo da modernidade ou dos clássicos, importando padrões alheios que, como deveria ser evidente para qualquer um, não funcionam necessariamente por cá, e saltando apressadamente para a conclusão de que se aquilo que eles acham que devia vender não vende só pode ser porque não existe público para a FC.

Alguns exemplos foram a colecção Limites, da Clássica (que nem sequer foi distribuída para o país todo) ou a Contacto, da Gradiva, cujo único verdadeiro êxito foi um livro publicado à revelia do organizador da colecção. Esta última, que de facto tem livros muito bons e de autores suficientemente conhecidos do público para poder ter sido um êxito, falhou na parte física da edição e provavelmente no timing: numa época em que o público de FC estava acostumado às edições baratas dos livros de bolso, tentar impôr uma colecção de livros caríssimos de capa dura só podia ser suicídio. Como veio a ser. Se fosse hoje, a história teria provavelmente sido outra.

Culpa do público ignaro? Ou pura e simples incompetência? Eu voto, de caras, na segunda hipótese.

Para mim, é bastante evidente que existe um vasto público potencial para a FC em Portugal. Prova-o a quantidade de gente que consome ocasional ou regularmente ficção científica, ainda que muitos o façam através de outros media que não os livros e/ou em inglês, porque a imagem que o livro de FC em português tem é de ser pessimamente traduzido e caro. Muitas vezes merecida, há que admiti-lo.

De modo que pessoas que sejam sérias na tentativa de transformar esse público potencial em público real, e que tenham algum grau de competência, têm de partir desta base, e não de outra qualquer, sabendo à partida que o processo é necessariamente demorado. Têm de adaptar as suas estratégias à situação existente, fazendo as apostas correctas. A todos os níveis. Não me surpreende que muitos tenham medo sequer de tentar: não é um caminho fácil. É algo que só poderá ser feito por uma editora profissional respaldada por um grande sucesso, ou vários, ou por uma editora não-profissional com gente inteligente ao leme, gente com tempo para pensar bem na estratégia a seguir. Porque é preciso ter uma estretégia. Não basta querer e desistir à primeira dificuldade, e muito menos cair na choraminguice antes mesmo de se tentar.

E também é preciso ter estômago para aguentar os grãos ou verdadeiros calhaus que põe à primeira oportunidade na engrenagem quem diz ter interesse na evolução do género em Portugal mas na verdade faz todos os possíveis para destruir qualquer hipótese da FC singrar por cá, decretando a "ausência" de um mercado que ninguém procurou como deve ser criar, procurando desmoralizar quem produz, esforçando-se por diminuir as publicações que, apesar de tudo, existem, ou até, na verdade, toda e qualquer iniciativa que outros levem a cabo, etc., etc., etc. Os verdadeiros assassinos da FC em Portugal são estes, é esta gente que seria de toda a conveniência abrir a câmara de vácuo com eles lá dentro e deitar borda fora.

E se fosse só o Seixas, estaríamos nós bem.

Semana

Isto hoje é muito curto.

Como dei um salto a Lisboa, para, entre outras coisas, regressar à base com uma violenta carraspana (mas descanse quem esteve comigo: da saúde 24 dizem-me que não tenho sintomas da tal gripe. A febre é baixa demais e falta-me uma porção de outros sintomas), aquilo que costumo fazer todas as semanas reduziu-se consideravelmente.

Na actividade que dá dinheiro, estou a ler o próximo livro e já está um quarto lido.

O wiki subiu mais 41 páginas, e tem agora 16 521.

E, com as leituras laborais e a viagem, não houve nenhuma leitura de lazer concluída.

Que a semana que vem seja mais produtiva é o que se deseja.