Alguns destes contos dos Irmãos Grimm, essencialmente aqueles que são de forma muito clara apenas recolhidos, sem nenhum retoque dado pelos compiladores, são tão simples que chegam a ser simplórios. É o caso deste O Malho do Céu, uma anedotazinha de fundo vagamente cristão sobre um agricultor que, no meio de uma série de prodígios, acaba por subir ao céu de onde regressa com um malho.
Só com uma página, mesmo sendo as páginas deste livro bastante grandes, esta é uma daquelas histórias em que os acontecimentos se sucedem sem grande sentido ou objetivo aparente e de uma forma pouco ou nada aprofundada. Terá o seu interesse como literatura popular, talvez, mas é muito mazinha enquanto literatura propriamente dita.
Contos anteriores deste livro:
quinta-feira, 21 de abril de 2022
segunda-feira, 18 de abril de 2022
Leiturtugas #149
De novo com um dia de atraso, por motivo de razões, cá estamos de volta com mais uma nota de divulgação de Leiturtugas. E há bastantes a divulgar ainda que, mais uma vez, nenhum dos participantes oficiais no projeto tenha dado esta semana um ar de sua graça. O que vale é que os oficiosos mais que compensam.
Começou com José Saramago, comentado por Maria Pinto num artigo que não é propriamente uma opinião clássica e onde fala de dois romances, um realista, Levantado do Chão, e o outro fantástico, Memorial do Convento. Este último, que é o que mais nos interessa, foi publicado originalmente pela Caminho, em 1982, ainda que os livros que ilustram o artigo pertençam às edições recentes da Porto Editora. FC? Aqui não há.
Segue com mais uma das republicações dos textos da Almerinda Bento, cabendo a vez agora à coletânea de Valter Hugo Mãe de que já falámos na semana passada. Intitula-se Contos de Cães e Maus Lobos, foi publicada pela Porto Editora em 2015, e também não tem FC.
De seguida chegou a vez da Inês Santos, que leu e comentou um romance de fantasia que já por cá tinha aparecido no ano passado. O ano, de resto, em que M. G. Ferrey fez publicar o seu Aquorea (ou Inspira) pela Nuvem de Tinta. Nada de FC também.
A seguir mudámos pouco de agulhas, uma vez que volta a ser um romance de fantasia de uma autora portuguesa a ser lido e comentado. Mas sempre muda alguma coisa: quem comenta (em estreia) é agora a Daniela RC, a autora chama-se Carolina Rodrigues e o livro tem o título de A Sombra da Água. Edição já deste ano da Cordel d'Prata. FC? Népia.
A FC começa a aparecer pelas mãos da «Anónima de Vidro», que comentou uma das coletâneas do António Bizarro. Mais precisamente, O Invisível, a Sua Sombra e o Seu Reflexo, uma edição da CoolBooks datada de 2019.
E é o LV Paulo quem nos traz finalmente um livro de FC, com um comentário incaracteristicamente extenso ao muito velhinho romance A. D. 2230, de Amílcar de Mascarenhas. É uma edição de 1938 da Parceria António Maria Pereira.
A rematar a semana, a Maria João Covas publicou mais um dos seus vídeos, onde comenta o terceiro romance de fantasia de autora portuguesa da semana. A autora chama-se R. C. Vicente, o livro intitula-se O Ressurgir dos Eternos Titãs, e foi publicado no ano passado pela Velha Lenda.
E é tudo e não é pouco. Para a semana deverá haver mais. Até lá.
Começou com José Saramago, comentado por Maria Pinto num artigo que não é propriamente uma opinião clássica e onde fala de dois romances, um realista, Levantado do Chão, e o outro fantástico, Memorial do Convento. Este último, que é o que mais nos interessa, foi publicado originalmente pela Caminho, em 1982, ainda que os livros que ilustram o artigo pertençam às edições recentes da Porto Editora. FC? Aqui não há.
Segue com mais uma das republicações dos textos da Almerinda Bento, cabendo a vez agora à coletânea de Valter Hugo Mãe de que já falámos na semana passada. Intitula-se Contos de Cães e Maus Lobos, foi publicada pela Porto Editora em 2015, e também não tem FC.
De seguida chegou a vez da Inês Santos, que leu e comentou um romance de fantasia que já por cá tinha aparecido no ano passado. O ano, de resto, em que M. G. Ferrey fez publicar o seu Aquorea (ou Inspira) pela Nuvem de Tinta. Nada de FC também.
A seguir mudámos pouco de agulhas, uma vez que volta a ser um romance de fantasia de uma autora portuguesa a ser lido e comentado. Mas sempre muda alguma coisa: quem comenta (em estreia) é agora a Daniela RC, a autora chama-se Carolina Rodrigues e o livro tem o título de A Sombra da Água. Edição já deste ano da Cordel d'Prata. FC? Népia.
A FC começa a aparecer pelas mãos da «Anónima de Vidro», que comentou uma das coletâneas do António Bizarro. Mais precisamente, O Invisível, a Sua Sombra e o Seu Reflexo, uma edição da CoolBooks datada de 2019.
E é o LV Paulo quem nos traz finalmente um livro de FC, com um comentário incaracteristicamente extenso ao muito velhinho romance A. D. 2230, de Amílcar de Mascarenhas. É uma edição de 1938 da Parceria António Maria Pereira.
A rematar a semana, a Maria João Covas publicou mais um dos seus vídeos, onde comenta o terceiro romance de fantasia de autora portuguesa da semana. A autora chama-se R. C. Vicente, o livro intitula-se O Ressurgir dos Eternos Titãs, e foi publicado no ano passado pela Velha Lenda.
E é tudo e não é pouco. Para a semana deverá haver mais. Até lá.
sábado, 16 de abril de 2022
Marcelina Leandro: Sonhos Numa Noite de Natal
Mais uma história sobre a qual não é possível falar sem fazer revelações sobre o enredo, daquelas de que os leitores que gostam de ser surpreendidos ao longo da leitura não costumam gostar nada. Sim, a designação comum é spoilers, e vai haver. Considerem-se advertidos.
É um conto sentimental, este. Uma fantasia centrada numa avó e numa neta, ambas depositárias de um conhecimento mágico antigo, a arte de adivinhar o futuro penetrando no mundo dos sonhos por intermédio da queima de certas ervas. Bruxedos. Marcelina Leandro não é inteiramente hábil no entrelaçar da sua história, não conseguindo fazê-la fluir tão bem como seria desejável (é uma estrada com alguns buracos quando devia ser lisa, digamos), mas mesmo assim logrou fazê-la bem o suficiente para funcionar.
Os Sonhos Numa Noite de Natal não são agradáveis para quem os sonha. A idade pesa, a morte espreita, e quem espreita o futuro vê-a a espreitar, com os corações quebrados que seriam de esperar. Há na história uma atmosfera onírica bastante adequada, e alguma insegurança na teia da realidade, que é propositada e está quase bem feita. Pena o final do conto ser fraco, e pena também um sentimentalismo excessivo para aquilo que o meu gosto literário tende a aceitar, que é assumidamente pouco. Outros gostos aceitarão mais.
Não foi um conto que me tivesse agradado muito, e mesmo pondo de parte aquilo em que colide com o meu gosto não creio que chegue realmente a ser bom. Mas é uma história interessante, que talvez até não esteja muito longe de ser boa. Está algures entre o razoável e o bom. Não envergonha ninguém.
É um conto sentimental, este. Uma fantasia centrada numa avó e numa neta, ambas depositárias de um conhecimento mágico antigo, a arte de adivinhar o futuro penetrando no mundo dos sonhos por intermédio da queima de certas ervas. Bruxedos. Marcelina Leandro não é inteiramente hábil no entrelaçar da sua história, não conseguindo fazê-la fluir tão bem como seria desejável (é uma estrada com alguns buracos quando devia ser lisa, digamos), mas mesmo assim logrou fazê-la bem o suficiente para funcionar.
Os Sonhos Numa Noite de Natal não são agradáveis para quem os sonha. A idade pesa, a morte espreita, e quem espreita o futuro vê-a a espreitar, com os corações quebrados que seriam de esperar. Há na história uma atmosfera onírica bastante adequada, e alguma insegurança na teia da realidade, que é propositada e está quase bem feita. Pena o final do conto ser fraco, e pena também um sentimentalismo excessivo para aquilo que o meu gosto literário tende a aceitar, que é assumidamente pouco. Outros gostos aceitarão mais.
Não foi um conto que me tivesse agradado muito, e mesmo pondo de parte aquilo em que colide com o meu gosto não creio que chegue realmente a ser bom. Mas é uma história interessante, que talvez até não esteja muito longe de ser boa. Está algures entre o razoável e o bom. Não envergonha ninguém.
segunda-feira, 11 de abril de 2022
Leiturtugas #148
Com um dia de atraso, em virtude de motivos, eis chegado o momento de divulgar o que houve durante esta semana relacionado com Leiturtugas.
E a resposta é: nada. Não houve nada, pelo menos entre os participantes oficiais no projeto. Há semanas assim.
No entanto, como tantas vezes acontece, o facto dos oficiais terem andado por outras paragens não significa que os que não o são tenham feito o mesmo. Não fizeram. Longe disso, até.
Começou pela opinião da Almerinda Bento sobre o romance de Valter Hugo Mãe intitulado Homens Imprudentemente Poéticos. Já cá tinha aparecido na semana passada, mas foi agora republicada noutro sítio. É uma edição da Porto Editora de 2016 e não tem FC.
Prosseguiu com a opinião da Eduarda Magalhães sobre um romance (ou novela) fantástico de Eça de Queirós: O Mandarim. Não faço ideia de qual a edição lida para a elaboração do texto, mas o livro foi publicado originalmente em 1880. Também não tem FC, claro.
Depois chegou a "Toupeira", trazendo a sua opinião sobre mais um romance fantástico. Agora o autor é José Saramago, o título é O Evangelho Segundo Jesus Cristo, e de novo não sei que edição foi lida, sei apenas que o livro data de 1991. E também que não tem nenhuma FC.
De seguida regressou a Almerinda, agora no seu próprio blogue e agora com uma opinião sobre uma coletânea de contos, de novo de Valter Hugo Mãe. De novo, não parece haver nenhuma FC, mas há fantástico. Contos de Cães e Maus Lobos é uma edição da Porto Editora datada de 2015.
E por fim, a inevitável opinião sobre um livro infanto-juvenil. O Gigante com Pés de Princesa foi escrito por Pedro Fernandes, publicado já este ano pela Porto Editora, e lido agora pela Cris. Mais uma vez não tem nenhuma FC.
Uma semana de muita variedade, mas com um par de ausências gritantes. A ver vamos o que nos trará a próxima.
E a resposta é: nada. Não houve nada, pelo menos entre os participantes oficiais no projeto. Há semanas assim.
No entanto, como tantas vezes acontece, o facto dos oficiais terem andado por outras paragens não significa que os que não o são tenham feito o mesmo. Não fizeram. Longe disso, até.
Começou pela opinião da Almerinda Bento sobre o romance de Valter Hugo Mãe intitulado Homens Imprudentemente Poéticos. Já cá tinha aparecido na semana passada, mas foi agora republicada noutro sítio. É uma edição da Porto Editora de 2016 e não tem FC.
Prosseguiu com a opinião da Eduarda Magalhães sobre um romance (ou novela) fantástico de Eça de Queirós: O Mandarim. Não faço ideia de qual a edição lida para a elaboração do texto, mas o livro foi publicado originalmente em 1880. Também não tem FC, claro.
Depois chegou a "Toupeira", trazendo a sua opinião sobre mais um romance fantástico. Agora o autor é José Saramago, o título é O Evangelho Segundo Jesus Cristo, e de novo não sei que edição foi lida, sei apenas que o livro data de 1991. E também que não tem nenhuma FC.
De seguida regressou a Almerinda, agora no seu próprio blogue e agora com uma opinião sobre uma coletânea de contos, de novo de Valter Hugo Mãe. De novo, não parece haver nenhuma FC, mas há fantástico. Contos de Cães e Maus Lobos é uma edição da Porto Editora datada de 2015.
E por fim, a inevitável opinião sobre um livro infanto-juvenil. O Gigante com Pés de Princesa foi escrito por Pedro Fernandes, publicado já este ano pela Porto Editora, e lido agora pela Cris. Mais uma vez não tem nenhuma FC.
Uma semana de muita variedade, mas com um par de ausências gritantes. A ver vamos o que nos trará a próxima.
domingo, 10 de abril de 2022
Luiz Bras: A Última Árvore
Uma das coisas que por vezes se dizem, e que até fazem algum sentido, de vez em quando, é que a ficção científica é uma linguagem universal. Especialmente a hard, mas não só. Porque lida mais com o mundo físico e as suas características e possibilidades do que a generalidade das outras literaturas, porque toma muitas vezes por tema a imaginação de futuros que tendem a ser apresentados como culturas mais ou menos homogéneas, pelo menos à escala planetária, é frequente pensar-se na FC como coisa razoavelmente distante das especificidades culturais dos seus autores e leitores, capaz de ser apreciada de forma razoavelmente homogénea por todos os leitores integrados na cultura global, ou pelo menos da subcultura global que se interessa por FC.
Faz sentido, algum, mas não é bem verdade, como bem sabe quem já leu mais que FC americana e por isso sabe que outras culturas fazem FC de uma forma pelo menos um pouco diferente. Até dentro da mesma língua há diferenças: Ballard só podia ser inglês; Heinlein só podia ser americano; os Strugatsky são soviéticos até à medula.
E este conto de Luiz Bras só podia ser brasileiro.
E sim, vai haver spoilers.
A Última Árvore é um mito. Um mito entre o povo da favela, que luta pela sobrevivência no mundo futuro criado por Bras de uma forma muito semelhante à mesma luta no Brasil de hoje, ainda que com as evoluções tecnológicas que seriam de esperar do futuro. E com o detalhe da favela estar isolada do resto do mundo (ou da metrópole, o que talvez seja a mesma coisa) por uma cúpula. O conto, fragmentário, é feito de fragmentos-memória e fragmentos-diálogo, ambos puros, ou quase. Os fragmentos-memória fornecem o contexto, e neles não há diálogos, com duas exceções; os fragmentos-diálogo são diálogo puro. Ambos estão centrados num chefe de bando, que procura gerir os seus homens e proteger o seu poder o melhor que pode, constantemente confrontado com o inesperado e procurando orientação na memória. E no mito da última árvore.
Mas o último diálogo, no qual as personagens se põem a divagar sobre a realidade e a ficção, transforma o conto num exercício de metaliteratura. Muito bem feito.
É mais um conto bastante bom de Luiz Bras, claro está.
Contos anteriores deste livro:
Faz sentido, algum, mas não é bem verdade, como bem sabe quem já leu mais que FC americana e por isso sabe que outras culturas fazem FC de uma forma pelo menos um pouco diferente. Até dentro da mesma língua há diferenças: Ballard só podia ser inglês; Heinlein só podia ser americano; os Strugatsky são soviéticos até à medula.
E este conto de Luiz Bras só podia ser brasileiro.
E sim, vai haver spoilers.
A Última Árvore é um mito. Um mito entre o povo da favela, que luta pela sobrevivência no mundo futuro criado por Bras de uma forma muito semelhante à mesma luta no Brasil de hoje, ainda que com as evoluções tecnológicas que seriam de esperar do futuro. E com o detalhe da favela estar isolada do resto do mundo (ou da metrópole, o que talvez seja a mesma coisa) por uma cúpula. O conto, fragmentário, é feito de fragmentos-memória e fragmentos-diálogo, ambos puros, ou quase. Os fragmentos-memória fornecem o contexto, e neles não há diálogos, com duas exceções; os fragmentos-diálogo são diálogo puro. Ambos estão centrados num chefe de bando, que procura gerir os seus homens e proteger o seu poder o melhor que pode, constantemente confrontado com o inesperado e procurando orientação na memória. E no mito da última árvore.
Mas o último diálogo, no qual as personagens se põem a divagar sobre a realidade e a ficção, transforma o conto num exercício de metaliteratura. Muito bem feito.
É mais um conto bastante bom de Luiz Bras, claro está.
Contos anteriores deste livro:
terça-feira, 5 de abril de 2022
Liliana Novais: Morte Branca
Um leve cheirinho a ficção científica não ajuda a salvar esta história de Liliana Novais, porque cai numa armadilha fatal de que já falei por aqui algumas vezes. E de que vou voltar a falar agora. E que exige spoilers para nela falar, pelo que façam favor de ir passear para outro sítio de por acaso forem alérgicos a tal coisa.
OK, os alérgicos já foram todos embora, vamos lá aos spoilers.
A ideia deste Morte Branca é divertida num sentido razoavelmente disparatado para o termo. Nada há nisso de mal: ideias disparatadas podem dar boas histórias se forem executadas da forma certa, e de resto esta ideia não é mais disparatada que a dos kaijus, com os quais, de resto, tem muitos pontos de contacto. Mas também tem uma diferença de vulto: o kaiju, aqui, é um coelho branco, não um monstro reptiliano e disforme. Um gigantesco e devorador coelho branco. E está explicado o título.
O grande problema é estar narrada na primeira pessoa, e no pretérito imperfeito, por alguém que vai enfrentar a morte, e que o sabe, e que deixa o final em suspenso, o que implica que essa morte aconteceu de facto. E a questão berra, inescapável: se o narrador morreu, quem diabos narrou a história?!
Com a suspensão da descrença desfeita, o conto desfaz-se. E bastaria, por exemplo, colocar a voz narrativa no presente para resolver esse problema. Mas ficariam outros detalhes a não permitir que ela fosse boa, como por exemplo a autora parecer não conseguir decidir se pretende fazer uma história engraçada ou tensa, ficando algures a meio sem lograr alcançar nenhum dos dois efeitos.
Este não é um bom conto.
Conto anterior deste livro:
OK, os alérgicos já foram todos embora, vamos lá aos spoilers.
A ideia deste Morte Branca é divertida num sentido razoavelmente disparatado para o termo. Nada há nisso de mal: ideias disparatadas podem dar boas histórias se forem executadas da forma certa, e de resto esta ideia não é mais disparatada que a dos kaijus, com os quais, de resto, tem muitos pontos de contacto. Mas também tem uma diferença de vulto: o kaiju, aqui, é um coelho branco, não um monstro reptiliano e disforme. Um gigantesco e devorador coelho branco. E está explicado o título.
O grande problema é estar narrada na primeira pessoa, e no pretérito imperfeito, por alguém que vai enfrentar a morte, e que o sabe, e que deixa o final em suspenso, o que implica que essa morte aconteceu de facto. E a questão berra, inescapável: se o narrador morreu, quem diabos narrou a história?!
Com a suspensão da descrença desfeita, o conto desfaz-se. E bastaria, por exemplo, colocar a voz narrativa no presente para resolver esse problema. Mas ficariam outros detalhes a não permitir que ela fosse boa, como por exemplo a autora parecer não conseguir decidir se pretende fazer uma história engraçada ou tensa, ficando algures a meio sem lograr alcançar nenhum dos dois efeitos.
Este não é um bom conto.
Conto anterior deste livro:
segunda-feira, 4 de abril de 2022
José Viale Moutinho: «El Animal»
Este é mais um conto de José Viale Moutinho onde se cruzam tempos, e de novo o cruzamento faz-se entre um tempo de relativa modernidade (por vezes muito relativa, como é o caso) e o da guerra civil espanhola. Aqui, conta-se a atribulada história de «El Animal», alcunha de Vladimir García, antigo combatente do lado republicano, comunista mas rebelde, exilado do franquismo primeiro na União Soviética, onde teria ido parar a um gulag do qual fugira duas vezes, e depois em França.
Mas Moutinho não é escritor para contar as histórias com linearidade, pelo que vai serpenteando pela narrativa, deixando cair uma informação aqui, outra ali, outra acolá, ora sobre o passado do protagonista, ora sobre o presente que este vive em 1967, época em que tem em casa um jovem camarada que tenta a duras penas arrancar-lhe algo que se pareça a uma biografia.
Não é o conto deste conjunto que mais me agradou, mas reconheço sem qualquer dificuldade que a narrativa sinuosa está muito bem conseguida. Muitos escritores de FC talvez beneficiassem de uma leitura atenta de histórias como esta; talvez aprendessem a não despejar a informação sobre o leitor sem subileza nem sentido literário, o que sem dúvida melhoraria as suas histórias. Sim, que esta é uma boa história, mesmo não tendo encaixado muito bem naquilo que mais prazer me dá ler.
Contos anteriores deste livro:
Mas Moutinho não é escritor para contar as histórias com linearidade, pelo que vai serpenteando pela narrativa, deixando cair uma informação aqui, outra ali, outra acolá, ora sobre o passado do protagonista, ora sobre o presente que este vive em 1967, época em que tem em casa um jovem camarada que tenta a duras penas arrancar-lhe algo que se pareça a uma biografia.
Não é o conto deste conjunto que mais me agradou, mas reconheço sem qualquer dificuldade que a narrativa sinuosa está muito bem conseguida. Muitos escritores de FC talvez beneficiassem de uma leitura atenta de histórias como esta; talvez aprendessem a não despejar a informação sobre o leitor sem subileza nem sentido literário, o que sem dúvida melhoraria as suas histórias. Sim, que esta é uma boa história, mesmo não tendo encaixado muito bem naquilo que mais prazer me dá ler.
Contos anteriores deste livro:
domingo, 3 de abril de 2022
Leiturtugas #147
Olá, olá. Temos mais Leiturtugas para vocês. E a semana até foi razoavelmente produtiva; rendeu cinco posts, todos vindos dos oficiosos.
Começou com a Almerinda, que opinou sobre um romance de Valter Hugo Mãe que parece ter em si alguma fantasia, ou por outra, situar-se num registo próximo do realismo mágico. Homens Imprudentemente Poéticos data de 2016 e é uma edição da Porto Editora. Sem FC.
A Cris, por seu lado, opinou sobre uma distopia, trazendo FC a este projeto depois de um período demasiado longo de total ausência do género. Trata-se de Cadernos da Água, um romance de João Reis publicado pela Quetzal já em março deste ano. A primeira FC do ano? Provavelmente será, sim.
Depois tivemos o Gonçalo Matos a opinar sobre O Bom Inverno de João Tordo. Não li este livro, uma edição de 2010 da Dom Quixote, não sei ao certo se é enquadrável nos géneros fantásticos, mas o Gonçalo cita Edgar Allan Poe como referência, e Poe, apesar de ter escrito em vários géneros, dedicou-se sobretudo a géneros fantásticos, pelo que resolvi incluí-lo aqui. Certo é não conter nada de FC.
Para não variar, tivemos também esta semana uma obra infantojuvenil. Chega-nos pela pena eletrónica da Anabela Risso, intitula-se Com a Breca, Há Amor na Biblioteca, foi escrita por Sara Ralha e publicada em abril do ano passado pela Porto Editora e também não tem nenhuma FC. É uma fantasia, aparentemente divertida, sobre uma biblioteca mágica em que são os livros a escolher os leitores e não o contrário como acontece nas que não são mágicas.
Por fim, temos mais uma brevíssima opinião do LV Paulo sobre uma antologia de ficção científica juvenil publicada pela Verbo no já longínquo ano de 1978. O título é 15 Histórias de Ficção Científica, a antologia teve organização de Bertrand Solet e Maria Adelaide Couto Viana e, apesar de ser sobretudo ficção traduzida, contém também um conto de Natália Correia.
E por esta semana estamos conversados. Venha a próxima.
Começou com a Almerinda, que opinou sobre um romance de Valter Hugo Mãe que parece ter em si alguma fantasia, ou por outra, situar-se num registo próximo do realismo mágico. Homens Imprudentemente Poéticos data de 2016 e é uma edição da Porto Editora. Sem FC.
A Cris, por seu lado, opinou sobre uma distopia, trazendo FC a este projeto depois de um período demasiado longo de total ausência do género. Trata-se de Cadernos da Água, um romance de João Reis publicado pela Quetzal já em março deste ano. A primeira FC do ano? Provavelmente será, sim.
Depois tivemos o Gonçalo Matos a opinar sobre O Bom Inverno de João Tordo. Não li este livro, uma edição de 2010 da Dom Quixote, não sei ao certo se é enquadrável nos géneros fantásticos, mas o Gonçalo cita Edgar Allan Poe como referência, e Poe, apesar de ter escrito em vários géneros, dedicou-se sobretudo a géneros fantásticos, pelo que resolvi incluí-lo aqui. Certo é não conter nada de FC.
Para não variar, tivemos também esta semana uma obra infantojuvenil. Chega-nos pela pena eletrónica da Anabela Risso, intitula-se Com a Breca, Há Amor na Biblioteca, foi escrita por Sara Ralha e publicada em abril do ano passado pela Porto Editora e também não tem nenhuma FC. É uma fantasia, aparentemente divertida, sobre uma biblioteca mágica em que são os livros a escolher os leitores e não o contrário como acontece nas que não são mágicas.
Por fim, temos mais uma brevíssima opinião do LV Paulo sobre uma antologia de ficção científica juvenil publicada pela Verbo no já longínquo ano de 1978. O título é 15 Histórias de Ficção Científica, a antologia teve organização de Bertrand Solet e Maria Adelaide Couto Viana e, apesar de ser sobretudo ficção traduzida, contém também um conto de Natália Correia.
E por esta semana estamos conversados. Venha a próxima.
sexta-feira, 1 de abril de 2022
Irmãos Grimm: O Caçador Hábil
Provavelmente estou a incorrer no mesmo defeito que critico, mas a verdade é que ao ler esta história dos Irmãos Grimm — e sim, esta é mesmo deles, pois a nota que a acompanha refere que foi construída a partir de duas histórias diferentes — me veio à mente mais uma vez a ideia de que o principal problema destas histórias para quem lê muitas em rápida sucessão (ou mesmo não tão rápida assim, como tem sido o meu caso) é serem tão repetitivas.
É que neste O Caçador Hábil vamos encontrar muitos pormenores já encontrados várias vezes ao longo destes volumes. O protagonista jovem e pobre que parte pelo mundo em busca de aventuras, por exemplo, acabando por se ver numa série de trabalhos com que o mundo parece exigir-lhe que demonstre o seu valor. Ou as criaturas mágicas da floresta, aqui uns gigantes, que vão ora ameaçá-lo ora ajudá-lo, ora as duas coisas como neste caso, ainda que não de forma voluntária. Ou um reino distante que tem uma princesa encantada e casadoira. Ou os oportunistas que tentam aproveitar-se dos feitos do jovem para proveito próprio. Ou tudo aparecer em grupos de três. E por aí fora.
A história está longe de ser má. Mas a verdade é que a reutilização de tantos elementos já vistos tantas vezes a transforma numa história que entretém enquanto é lida (ou ouvida a algum contador, imagino) mas depressa se esquece. Eu compreendo por que motivos os elementos são reutilizados tantas vezes nas histórias tradicionais: a familiaridade ajuda à conexão entre o contador e os ouvidores, ajuda a memória a guardar histórias de transmissão oral, por aí fora. Mas não é a compreensão intelectual dessas razões que faz com que a experiência de leitura melhore.
Contos anteriores deste livro:
É que neste O Caçador Hábil vamos encontrar muitos pormenores já encontrados várias vezes ao longo destes volumes. O protagonista jovem e pobre que parte pelo mundo em busca de aventuras, por exemplo, acabando por se ver numa série de trabalhos com que o mundo parece exigir-lhe que demonstre o seu valor. Ou as criaturas mágicas da floresta, aqui uns gigantes, que vão ora ameaçá-lo ora ajudá-lo, ora as duas coisas como neste caso, ainda que não de forma voluntária. Ou um reino distante que tem uma princesa encantada e casadoira. Ou os oportunistas que tentam aproveitar-se dos feitos do jovem para proveito próprio. Ou tudo aparecer em grupos de três. E por aí fora.
A história está longe de ser má. Mas a verdade é que a reutilização de tantos elementos já vistos tantas vezes a transforma numa história que entretém enquanto é lida (ou ouvida a algum contador, imagino) mas depressa se esquece. Eu compreendo por que motivos os elementos são reutilizados tantas vezes nas histórias tradicionais: a familiaridade ajuda à conexão entre o contador e os ouvidores, ajuda a memória a guardar histórias de transmissão oral, por aí fora. Mas não é a compreensão intelectual dessas razões que faz com que a experiência de leitura melhore.
Contos anteriores deste livro:
Subscrever:
Mensagens (Atom)