sexta-feira, 31 de outubro de 2003

Spamesia (177)

Na terça, o zigue prosseguiu até, imaginem, aos 49 spams. Lá no meio apareceu-me um de título "cowpox". Achei curioso. "Cowpox" é a designação inglesa duma espécie de sarampo das vacas — que relevância pode tal coisa ter para um spammer? Mas depois pensei melhor: e isso que interessa? Não é muito mais interessante inventar? Achei que sim, e inventei uma epidemia causada por uma doença humana (e inventada, claro) com um nome que não é mais que a tradução literal de "cow pox". Ou seja, chamada...

Pústulas de vaca

Do telhado escorre um fado, quase calado
murmurado por um vulto encapuçado
a noite também escorre do telhado
numa cascata de fogo fátuo azulado
e do céu escorre a Lua e desta caem gotas de luz
uma luz branca e fria, envolta em nevoeiro

No fim do fado, o vulto olha em volta
e só vê o silêncio, que escala chaminés
e o rastejar do musgo entre as telhas
Um gato salta, pardo, mas o vulto não o vê
pardo também ele, envolto em treva

Começa outro lamento, sem cor nem fingimento
e por um momento vem de algures um raio de luz
que lhe atravessa a defesa do capuz
e a dor que o vulto canta toma forma

Uma manta de retalhos de manchas retalhadas
é tudo o que resta de uma pele que já tivera
em si a suavidade de um poema
que pena que a doença a enfraqueça
que pena que a cidade desapareça
a pouco e pouco, devorada devagar
pela morte da caveira das manchas negras

Do telhado volta a escorrer um fado, quase chorado
acompanhado de um manto de silêncio
só ao longe, muito ao longe, é ouvido
por outro vulto, também ele encapuçado
tem nas mãos o vulto em gota de uma guitarra
e nos dedos a vontade de fechar os olhos
e não voltar a ver a luz do dia

Dois vultos na última noite da cidade antiga
entre eles, um fado improvisado

quinta-feira, 30 de outubro de 2003

<-------- Os livros que estão ali

Desde a última vez, já "despachei" dois livros da lista ali do lado direito, e coloquei nela outros dois. Os despachados foram: Ensaio Entre Portas (Poesia. Eu não percebo nada de poesia) e Arcontes (uma primeira obra com alguns dos defeitos típicos das primeiras obras, mas que mostra muito potencial). Os novos são:

- A Morte é um Acto Solitário, de Ray Bradbury, é um romance atípico do autor, escrito depois de uma longa paragem e passado no meio cinematográfico californiano, nos anos 30. Edição das Publicações Europa-América, 243 páginas (2003)
- Duas Fábulas Tecnocráticas é o primeiro livro de João Barreiros e também uma relíquia. Trata-se de um livro quase artesanal composto por duas histórias: O Funcionário e O Sindroma do Pai Natal. Edição do autor, 34 páginas (1977)

Spamesia (176)

Segunda-feira, claro, a coisa zigueou um bocadinho até aos 75 spams. Apesar disso, houve mais títulos sugestivos do que na véspera, e eu acabei por pegar num "EMAIL THE WORLD" para escrever:

Manda um email ao mundo

Tens uma coisa a dizer e não tens a quem a digas?
Achas que tens de falar com mais que amigos e amigas?
Julgas que um mundo melhor depende daquilo que tu pensas?
Então, manda um email ao mundo, mas disfarça-o com cuidado
não vá o mundo pensar que lhe queres só vender viagra

Spamesia (175)

Domingo, ao que parece, não só é o dia do senhor para todos aqueles imersos numa cultura de raiz cristã (gostem ou não gostem), como também é o dia do senhor spammer para todos aqueles imersos na cultura da internet. O spam sobe quase sempre no domingo. Desta vez, subiu até às 82 mensagens, entre as quais vinha uma a propor "Fwd: one quick question". Não, não a respondi: perguntei-a.

Uma pergunta rápida

Caro leitor massacrado
por esta cascata de palavras
unidas apenas pelos
significados que só adquirem
no interior do teu cérebro
deixa-me fazer-te
uma pergunta rápida

Tens mesmo a certeza
de que deste lado está
um ser humano?

quarta-feira, 29 de outubro de 2003

Spamesia (174)

No sábado houve outro zague, com a chegada de 65 spams, incluindo várias repetições — o que é sempre uma seca. Pouca coisa aproveitável, e um dos melhores títulos foi um tal "protect your self ." Deu para fazer uma coisa grande:

Protege a tua individualidade

Às vezes apetece fugir da complexidade das coisas
escolher um único ramo da árvore de causalidade
e segui-lo até ao fim, ignorando todas as suas conexões
ramificações, antecedentes e consequências
e não ter olhos para mais do que as nossas conveniências

Mas essa escolha tem um preço feito de fios
que aparecem atados a cada um dos teus actos
fios que controlam cada um dos teus actos
levando-te a fazer a barba
quando talvez te apetecesse deixá-la crescer
ou a dizer que sim ou que não
a escolhas que nem sequer compreendes
ou a dar passos de que mais tarde te arrependes
levando-te a deixar de ser tu, exactamente,
antes uma amálgama do que és realmente
e daquilo que quem te controla pretende que sejas
a fim de proteger os seus proprios interesses
não os teus
muito menos os de todos nós

Por isso, abre os olhos para o novelo que é cada coisa
e tenta destrinçar por ti próprio os fios que a compõem
só assim podes evitar a dissolução num rebanho
ser mais um pedaço de gado, em tudo idêntico aos demais
pastoreado entre a pastagem e os currais
passando os dias na engorda, dia a dia mais próximo do fim num matadouro

Protege a tua individualidade
para isso bastar-te-á sair do nevoeiro
em que tu próprio envolves o teu cérebro
e mergulhar, de cabeça, no oceano de sinais que é o mundo real

Spamesia (173)

Sexta-feira o zigue acentuou-se, caindo o número de spams até aos 50. Havia vários títulos interessantes neste grupo, mas todos já tinham sido usados, o que fez com que isto tivesse sido complicado. Acabei por me decidir por um "Passion in this smell,":

Paixão neste cheiro

Na paisagem sensorial da cidade
raros são os recantos onde os cheiros
ainda sobem, livres, pelos ares
como se fossem cantos de aves canoras
e em nenhum desses recantos
o cheiro se entrega por completo a si mesmo
antes se espalha, algo desconfiado
como que a medo, cheio de receios
das tentações assépticas
ou dos fumos venenosos criados
pelo corpo artificial da sociedade urbana

Mas basta sair da cidade e encarar
as giestas para que tudo mude
há paixão neste cheiro cheio de subtilezas
há também verão e há aquela condição
perfeita de tudo o que vai sendo
refinado ao longo dos milénios

terça-feira, 28 de outubro de 2003

Spamesia (172)

Quinta-feira houve um zaguezito pequeninito, com o número de spams a descer até aos 78. Alguns títulos houve que eram aproveitáveis, e entre eles vinha um "please":

Por favor

Por favor, já que vai até lá fora
se encontrar por lá um país perdido
vestido com os restos esfarrapados
e sujos de trajes que outrora foram ricos
tente trazê-lo de volta consigo

É que o pobre está louco
e não tem tomado os comprimidos

segunda-feira, 27 de outubro de 2003

Spamesia (171)

Quarta-feira, o zigue regressou em força e o número de spams disparou até aos 89 (com uma quantidade de repetidos - raio de mania de mandar cromos repetidos!). E pelos vistos há saldos em Espanha. Pelo menos, há espanhóis entusiasmados com os saldos. Provavelmente vendedores espanhóis. Ou pelo menos castelhanófonos. Pelo menos. Enfim, talvez. Isto, claro, ajuizando pelo spam, o que é sempre perigoso. Mas a verdade é qiue me chegaram dois títulos a gritar "viva la baja", o que pode ou não querer dizer alguma coisa. Eu é que não quis dizer nada sobre isso, e portanto subverti a tradução. Enfim, fingi que não percebi:

Viva a baixa

A paixão não escolhe tamanhos
escolhe só bocas e olhos risonhos
mas devo dizer, com base na experiência
e num gosto de grande exigência
que não há mulher melhor que a que é baixa
pois come pouco, é leve, e cabe numa caixa
além de ter outras vantagens mais discretas
que não ficam bem na pena dos poetas

Spamesia (170)

Terça-feira prosseguiu o zague, com apenas 49 spams. Nessa remessa vinha um com o título de "I have the cure", o que deu para escrever:

Eu tenho a cura

Podes não acreditar, mas a verdade
é que eu tenho a cura para essa tua ansiedade
Não tenhas medo. Não é nenhum segredo
É só a minha cama
que está ali aberta à espera que dois corpos
se percam nos lençóis com cheiro a alfazema

domingo, 26 de outubro de 2003

Só há uma coisa a dizer...

Depois da monumental assobiadela, ontem, na nova Luz, só tenho uma coisa a dizer:

Viva o Benfica!!!

Spamesia (169)

Depois de um zigue, vem sempre um zague. Na passada segunda-feira, a quantidade de spam não passou de 58: pouco mais de metade da véspera. Lá no meio vinha um "sitting here dreaming of million" e eu fiz de conta que em vez de million era millions:

Aqui sentado sonhando com milhões

Aqui sentado, sonhando com milhões
penso subitamente nas imensas multidões
que deambulam pelas ruas, a contar os seus tostões

Jogo a mão ao bolso e tiro do fundo desse fosso
um, dois, três, quatro, cinco, dez tostões

Olho um momento este sintoma de falência
depois atiro-o para longe com violência

Antes a ausência que a ilusão de uma presença

Spamesia (168)

No domingo (passado), houve um autêntico estoiro: 95 spams. Sim, leram bem, faltaram apenas 5 para os 100. Mais um recorde, claro, acompanhado também pelo recorde da clareza: então não é que um desses 95 spams trazia o título de... "[spam]"?... Juro. É o primeiro spam que se auto-anuncia dessa forma tão clara. E claro que esse título não podia ficar por utilizar!...

Spam

Ligo o computador e penso em ti
porque aqui a ausência de amor
sobrevive entre baratas e formigas
e os restos do jantar de há dois dias
Aponto o cursor, pensando em ti,
para o ícone que cola o teu sorriso
ao papel de parede — uma parede
onde o tijolo espreita, de lado,
por entre restos de tinta em ruínas —
e faço duplo-click sobre os teus lábios

(a ambiguidade não foi propositada
mas já que surgiu do nada sem ser chamada
façamos dela mais um pouco do cimento
que faz um todo destas palavras desgarradas)

O programa abre, e introduzo as senhas
batendo no teclado com uma espécie de sanha
uma impaciência que roça a indecência

Fico à espera.
O indicador de progresso dá-me conta da chegada
de cada um dos pacotes de palavras
que me ligam ao vasto mundo lá de fora
Fico à espera que um deles (ou dois, ou três)
transporte até mim a tua voz silenciosa

Mas quando a transferência chega ao fim
e eu me endireito na cadeira, com a antecipação
a fazer-me cócegas nas pontas dos dedos
descubro que, afinal, tudo aquilo não passa
de mais uma cascata diária de spam.

Um dia pegarei no computador e atirá-lo-ei pela janela

sábado, 25 de outubro de 2003

Spamesia (167)

E já estou outra vez com uma semana de atraso. Se fosse mulher e o atraso fosse outro, seria motivo para preocupações (ou alegrias, depende), mas como sou homem e o atraso é o do tratamento do spam, não tem mais importância do que a acumulação de lixo no meu computador.

Quanto ao que interessa, no sábado que passou recebi 65 spams. Em termos de títulos não apareceu nada que fosse assim daquele género de agarrar antes que fugisse, portanto lá me contentei com um "best meds":

Melhores medicamentos

Os melhores medicamentos
são aqueles que retiram
ao futuro uns momentos
para fazerem crescer
aqueles bocadinhos de presente
que as memórias, mais tarde
vão reconhecer
como fontes de sorrisos
irrepetíveis

<-------- Os livros que estão ali

Desde a última vez que vos falei dos livros que estão ali ao lado e em trânsito pelos meus olhos, a renovação foi quase completa. Saíram Artiauri (um science fantasy com demasiados defeitos), O Homem da Laranja (fraco) e o número 5 da revista Em Cena (com alguns textos interessantes) e entraram:

- Arcontes é o primeiro livro de Gabriel Bozano, autor brasileiro de FC&F já publicado em Portugal no E-nigma e no Dragão Quântico. Edição brasileira da Writers, 104 páginas (1999)
- A Em Cena é uma revista de artes em geral, propriedade da Sociedade Recreativa e Artística Farense (mais conhecida pelo cognome de "Os Artistas", e por ser um dos pontos mais interessantes de música ao vivo nos verões de Faro). Este nº 7 data do verão de 2003. Edição d'Os Artistas, 58 páginas (2003)
- Blogs, livro de Paulo Querido e Luís Ene, dispensa apresentações na blogosfera portuguesa. Edição do Centro Atlântico, 152 páginas (2003)

segunda-feira, 20 de outubro de 2003

Spamesia (166)

A esperança levantada na véspera desapareceu na sexta-feira, quando o número de spams recebidos voltou a subir até aos 68. Incluído neste número estava um "cash paid for your opinions", que não é propriamente um bom título, mas me permitiu escrever o que penso acerca de parasitas dos media como o Pacheco Pereira (e aproveitem, que esta é a primeira e última vez que este nome aparece neste blog. Pelo menos tentarei que assim seja):

Pagamos em dinheiro pelas suas opiniões

Pagamos em dinheiro pelas suas opiniões!
Só precisa de dizer o que lhe vem à cabeça
e não se importar de não ser mais que uma peça
desta máquina imensa de produzir ilusões

Pagamos em dinheiro porque nos ajuda
a fingir que no que emitimos há variedade de opções
e que não é determinado por decisões
que servem para assegurar que nunca nada muda

Pagamos em dinheiro desde que tenha cuidado
e não se deixe levar por radicalismos
nada ponha em causa, recuse todos os ismos
e contribua para que o mundo permaneça parado

Spamesia (165)

Na quinta-feira o número de spams desceu para 59, levantando algumas esperanças de diminuição sustentada, o que seria óptimo caso continuassem a surgir bons títulos como "Approval"

Aprovação

A aprovação é um monte de sorrisos
empilhados, desordenados, num parapeito
ondulando levemente na aragem que passa

sábado, 18 de outubro de 2003

<-------- Os livros que estão ali

Então, que desapareceu dali desde a última vez que nos encontrámos? Três coisas: Raízes (razoável menos) e Cântico à Humanidade (bom, mas não é o melhor Bradbury que já li, longe disso). Para os seus lugares, entraram:

- Crónicas do Caos — Atractores Estranhos é o segundo romance da trilogia das Crónicas do Caos, de Jeffrey A. Carver. O primeiro terá crítica no E-nigma muito em breve. Edição das Publicações Europa-América, 317 páginas (2000)
- Ensaio Entre Portas é um pequeno livro de poemas de Fernando Esteves Pinto, que me foi oferecido pelo próprio há dias na viagem para Lisboa. Edição da Almargem, 43 páginas (1997)

Spamesia (164)

Na quarta-feira, o volume spamético baixou mas não muito: foram 65 as mensagens-lixo recebidas. Com a fartura veio mais um título razoável: "Fwd: Magic trick"

Truque de magia

Bastava um passe de magia para que
tu te abrisses à raiz dos meus
desejos mais intangíveis e nunca
mais voltasses a tocar os teus
seios sem que a imagem táctil da
minha língua te enchesse os
mamilos de frémitos e arrepios

Mas por desgraça a minha magia
não tem força para passes
não consegue sair da mediocridade
dos truques de coelho e cartola
e baralho de cartas marcadas
de um ilusionismo de circo de província

Mesmo assim, vou deixando cair
aqui e ali pequenos pacotes de ilusões
Nunca se sabe, pode ser que te prendas
por acaso nalgum deles e um dia acorde
contigo a olhar-me através da chuva

sexta-feira, 17 de outubro de 2003

Spamesia (163)

Pela segunda vez numa semana, o record de spams foi batido. Foi na terça-feira, e a nova marca é de 79 spams. Como é natural, havia alguns títulos sugestivos, incluindo um (na realidade, dois) que diz que "christmas is coming":

O natal está a chegar

Já se vão colocando as primeiras iluminações nas ruas das cidades
árvores e estrelas e pais natal intermitentes
que enchem o silêncio de zumbidos
nas lojas começam a nascer os nevões de esferovite
e os empregados já descruzam os braços de olhos postos nos transeuntes

Mas este ano as transeuntes olham as montras em relances fugidios
fugindo para paisagens menos confinadas
por vidros cobertos de espuma e etiquetas de preços
enterrando as mãos nos seus bolsos vazios
e forçando sorrisos, para que ninguém se aperceba
de que o natal que vai chegando não será um natal como os outros

Spamesia (162)

De volta à normalidade, e eis a segunda-feira carregada de 70 spams. Com vários títulos viáveis, escolhi um que talvez nem seja o melhor para spamesar, mas com o qual concordo: "save gasoline"

Poupe gasolina

Há muito já que se sabe
que os combustíveis fósseis
são os restos alterados
de cadáveres antigos
são tudo o que resiste
de seres outrora vivos

Há muito já que se sabe
que nos movimentamos
propelidos por biliões
de pequenas mortes arcaicas
biliões de últimos suspiros
biliões de fugas incompletas

Há muito já que se sabe
que se existissem almas
seria por elas composto
o fumo que nos sai dos escapes
e que nos causa tosses
encefaleias e ataques de asma

E há muito já que se sabe
que toda a morte do planeta
não é suficiente para dar vida
à vida, e que um belo amanhã
chegará ao fim. A ironia
é ser o fim da morte a causar o fim da vida

quarta-feira, 15 de outubro de 2003

É às sete, no Mercado da Ribeira


Mas isso é só o começo. O fim, Luís Ene saberá quando será, que é ele quem tem o carro...

segunda-feira, 13 de outubro de 2003

Spamesia (161)

E domingo houve mesmo record (não conto com aquele disparate de vírus de Agosto), com a chegada de 78 spams. Ou seja, mais de metade do correio electrónico que recebi foi spam. Isto é, se não tivesse inventado a spamesia andava mesmo muito irritado. Muito irritado mesmo. Mas como a inventei, tenho o jogo da procura diária por um título razoável para me sacudir a irritação de cima do spam, e fico satisfeito quando o encontro. Foi o caso de ontem e dos "idlers":

Desocupados

Há desocupados mortos de fome
que assombram como fantasmas de silêncio
as mesas dos cafés, jogando às cartas

Há desocupados que se entretêm
com o vaguear dos transeuntes
lançando-lhes de vez em quando
num grito o seu escárnio triste

Há desocupados que se limitam a olhar para as mãos
e perdem simplesmente os olhos
pelos montes e vales das suas paisagens paradas
em busca, talvez, de um interruptor
que faça o tempo passar mais depressa

Spamesia (160)

Sábado houve mais uma enchente, com o número de spams a subir até aos 68. Não foi recorde, mas não andou longe. Claro, lá no meio de tanta fartura encontraram-se alguns títulos engraçados, incluindo "Crackers and cheese":

Bolachas e queijo

Ponho-te na boca bolachas e queijo
como quem te põe na boca dois terços de um beijo
e espero que nos seios te nasça o desejo
e te deites contra mim sem sombra de pejo

domingo, 12 de outubro de 2003

Spamesia (159)

Sexta-feira, o spam regressou à meia centena (53), mas mesmo assim houve vários títulos apelativos. Optei por um dos poucos títulos em francês que já recebi, "amateurs":

Amadores

Correm pelos corredores os amadores
amando os mandos e desmandos
dos donos das suas dores

Os amadores amam amar o cheiro do mar
e os seus olhos olham o lado de lá do fundo do mar

Os amadores, no fundo do nu mais fundo
da natureza das coisas são simplesmente
completamente profissionais do amor

Spamesia (158)

Quinta-feira tive mais uma explosão de spam: 75 mensagens. Ora, o que isto significa é que há uma boa possibilidade de encontrar no meio de tanta coisa um daqueles títulos realmente inspiradores. E foi o que aconteceu. Adorei os tons surrealistas de "Quick as a cake". Acho que o Lúcio, das Psicografias, vai gostar deste:

Rápido como um bolo

Sou rápido como um bolo
bolorento que se some
em migalhas no vento
entre uma floresta de velhas
que, montadas em telhas,
erguem as mãos descarnadas
para apanhar as migalhas

Sou rápido como um bolo
de couve que ouve o novo
hino de um país pequenino
comprido e fino, um país
construído à imagem de
um frasco, de um fiasco

Sou rápido como um bolo
e em cada nada há uma fada

sexta-feira, 10 de outubro de 2003

<-------- Os livros que estão ali

Os livros que já não estão ali são O Dia em que o Mundo Acabou e Mel e Propólis. Para ocupar os seus lugares, chegaram:

- Raízes, de Simões Netto, é mais uma das menções honrosas do prémio Teixeira Gomes de 2000, o mais pequeno de todos estes livrinhos. Edição das Edições Colibri e da Câmara Municipal de Portimão, 26 páginas (2001)
- O Homem da Laranja, de Francisco Santos, é a última das menções honrosas do mesmo prémio, e é o maior destes 6 livros. Edição das Edições Colibri e da Câmara Municipal de Portimão, 57 páginas (2001)

Dez Mil

Pois é, meus caros. Este blog acabou de ultrapassar a barreira das dez mil visitas. Obrigado por terem vindo ler-me. Sim, estou a falar até mesmo com vocês, os que só vêm cá à procura das fotografias da Carla.

quinta-feira, 9 de outubro de 2003

Spamesia (157)

Ontem: 49 spams, e um com o título de "Youth". É tudo.

Juventude

A juventude acontece
quando ainda não
nos destroçaram
todos os sonhos

Olha, quem tá ali...

Tou agora a ver o Pedro Mexia na televisão. Não morro de amores pelo seu blog — os blogs intimistas chateiam-me até à medula e mais além — mas tem sempre piada colocar uma cara nos textos que se vão lendo por este cantinho do ciberespaço.

quarta-feira, 8 de outubro de 2003

Spamesia (156)

Ontem, terça, houve mais meia centena ou, com maior precisão, 58. De entre eles, o melhor título foi, de longe, "Beauty secrets":

Segredos de beleza

Não, menina que se acha uma princesa,
a maquilhagem não te mascara a pobreza
de pensamento, essa tua terrível tibieza
esse modo de esconder o podre com alteza
e, sendo às vezes algo soturna, a beleza
verdadeira está nas mãos da natureza

Spamesia (155)

Mais uma semana que começa, mais uma segunda-feira com mais de meia centena de spams. Das 56 mensagens-lixo houve uma cujo título titilou qualquer coisa cá por dentro: "Improve quality of sleep"

Melhore a qualidade do sono

Melhore a qualidade do sono
não sonhe
revista-se das mantas suporíferas do concreto
do dia-a-dia mecânico
monotonamente recheado dos mesmos acontecimentos todos os dias
as mesmas palavras
os mesmos pensamentos
as mesmas moléculas entrando e saindo do corpo num ciclo infinito
num ciclo fechado onde a única novidade é a entropia que aumenta
grão a grão
metodicamente
todos os dias

Melhore a qualidade do sono
não sonhe
nem sequer pense
porque pensar é a raiz de todas as insónias

<-------- Os livros que estão ali

Desde a nossa última conversa sobre este assunto, já saíram ali dos livros do lado o primeiro voluma das Crónicas do Caos - Viagem a Neptuno, e o segundo da Galxmente, Vinganças. Para os seus lugares, entraram:

- O Dia em que o Mundo Acabou, de Arthur Conan Doyle, escrito em 1913, é uma espécie de sequência para O Mundo Perdido, recuperando a figura do Professor Challenger. Edição das Publicações Europa-América, 162 páginas (muito pouco densas) (2003).
- Artiauri é o primeiro, e aparentemente único, livro (romance ou não) de Ana Godinho. Conta a história dos descendentes de uma nave-colónia que se despenha num planeta distante. Edição da Editorial Caminho, 182 páginas (1997).

terça-feira, 7 de outubro de 2003

E por falar em Luís Ene e em logotipos...

... só agora reparei que o Luís desenhou um logotipo para a Lâmpada. Ó pra ele aqui:

(estava, mas já não está)


Tá giro. E dá vontade de esfregar, a ver se sai mesmo um génio de turbante de lá de dentro a prometer a concretização de três desejos ao esfregador (e nunca percebi porque é que nunca ninguém resolveu pedir como primeiro desejo "que todos os meus desejos sejam atendidos". Quer dizer, até percebo: se alguém o tivesse feito, lá se iam as histórias de génios e de lâmpadas mágicas, o que era uma chatice).

Mas cuidado. Não é qualquer um que pode esfregar na lâmpada. Tenho uma firme preferência por mãos do sexo feminino, suaves e bem tratadas, mas sem exagero.

Blogs, o livro

Parece que na próxima quarta-feira (não amanhã; na outra, dia 15) vou passar umas horinhas em Lisboa, em pleno Mercado da Ribeira. É que parece que o Paulo Querido e o Luís Ene escreveram um livro que até tem direito a logotipo:



e onde resolveram incluir umas respostas que eu dei a uma entrevista que o segundo me fez aqui há uns mesitos. E vão lançá-lo. Os detalhes do acontecimento estão todos nos links acima. E quanto à minha permanência, vai ser curtinha, porque vou de boleia com o Luís e a ideia é fazer vaivém Algarve-Lisboa e ir e vir no próprio dia.

Mas pode ser uma boa oportunidade para reencontrar e/ou encontrar pela primeira vez os amigos da zona da capital do império. Bute aí?

Diana, a super-heroína

Andou a oposição e uma vasta percentagem da população a tentar durante ano e meio demitir alguém nesta catástrofe de governo, e eis que em apenas uma semana uma rapariguinha de 18 anos demite logo dois ministros!

Safa! A mulher é um perigo!

MNE demite-se depois de provado o envolvimento no pedido de benesses à filha

... onde se prova que não é boa ideia confiar na palavra de honra dos políticos da direita portuguesa. Tás a ver, Animal?

segunda-feira, 6 de outubro de 2003

Spamesia (154)

Ontem foi domingo, deram por isso? Pois eu acho que os spammers não deram por isso, visto o trânsito na minha mailbox: 51 mensagens. No reino do spam não há fins de semana nem feriados. Claro, habitualmente muito spam significa muito título por onde escolher e foi esse mesmo o caso de ontem, dando para encontrar até algo como um "Vem ca amanha". Este mesmo título acrescentado de dois diacríticos serviu para:

Vem cá amanhã

Vem cá amanhã
e traz contigo
o olhar mais doce
quero despi-lo
de inseguranças
e mergulhar nele
como num mar
de rebuçados

domingo, 5 de outubro de 2003

Spamesia (153)

Ontem foi sábado e também foi dia de 64 spams, um record absoluto se descontar aqueles dias em Agosto em que me chegaram vírus às centenas. Recuperei uma mensagem de uma tal Trina Hicks que tinha o título de "search" e o resto foi directamente para o lixo.

Procura

Dos cimos das montanhas olho os vales em volta
e só neles encontro um mar azulado de neblina
cerro os olhos, represando as águas da revolta
e continuo uma procura que parece que não termina

Desço aos vales e enfrento a desconfiança
de quem se contenta com a pálida esperança
de chegar um dia ao último dia da sua vida
mantendo a ilusão de que ela não foi perdida

Encolho os ombros e parto, que ali nada encontro
daquilo que procuro, nem sequer em embrião
e perco-me em planícies alagadas de aluvião
onde os homens fogem de mim como de um monstro

Também aqui não se encontra o que procuro
só restam as cidades e é para lá que me dirijo
mas nelas só encontro decadência, cheiro a mijo
explosões de violência e estranhos de rosto duro

A decisão da fuga é rápida e de novo atravesso
as planícies e os vales deste mundo escuro
não encontrei quem procurava e por isso regresso
às montanhas porque aqui, pelo menos, o ar é puro

Spamesia (152)

Sexta-feira choveu água lá fora e spam cá dentro. 52 foi o número mágico, e entre tanta fruta apareceu uma cor de "amazing clgrtylgomf". Que se lixe o clgrtylgomf. Mas quanto ao amazing...

Espantoso

No meio de tudo o que se passa no mundo
o mais espantoso é ainda existirmos
e ainda por cima conseguirmos rir-nos
de tudo aquilo que se passa no mundo

sábado, 4 de outubro de 2003

Spamesia (151)

Quinta-feira tive direito a 44 spams com 37 títulos merdosos (dois não traziam título e cinco eram repetidos). Lamentando a minha triste sina, lá acabei por pegar numa treta qualquer. Por acaso foi "Think of a 7 digits number... 5212503", mas, por vingança, borrifei-me no número:

Pense num número de sete dígitos

Pense num número de sete dígitos
Silêncio. Não o diga a ninguém
graças apenas ao poder da mente
eu dir-lhe-ei que dígitos ele tem

O seu número começa em três
segue-se um sete e um dois
e depois vem um três outra vez
a seguir vem um cinco e um nove

No fim, o zero é o dígito final
Não há surpresa, está certo, eu sei
é que você é um programa especial
e além disso, fui eu que o programei

sexta-feira, 3 de outubro de 2003

Spamesia (150)

Quarta-feira voltou a ser dia de spam, embora não tão absolutamente como na véspera. E foi também o dia em que esta série atingiu outro número redondo. Embora ainda faltem 32 spamemas para se cumprir meio ano de um comentário quotidiano em forma de verso ao lixo que me vai sendo enviado por quem não tem nada de melhor com que ganhar a vida, o número já começa a pesar. 150, em quilos, é muito quilo...

Quanto ao que havia no spam de quarta-feira, nem vos digo nada. Eram montes de coisas. Mas em vez de spam escolhi um vírus que resolveu intitular-se "Language":

Linguagem

Há gente que não consente
que a linguagem a leve
de margem a margem
navegando no rio brando
das regiões onde não há
uma imagem que as descreva

Por mais que a gente escreva
essa gente fica sempre
descontente e procura
em cada verso a iluminura
em cada texto a sua imagem

Nada na viagem da linguagem
a essa gente transporta
e isto, para ela, é uma porta
ou trancada, ou aberta para o nada

Spamesia (149)

Terça-feira foi dia de spam. Dia de muito spam. Nada menos que 63 mensagens, mesmo sem bloggers que não sabem utilizar os seus programas de email a contribuir para a avalanche. Foi mau. Mas todas as coisas más, claro, têm um lado bom, e o desta coisa foi que houve escolha nos títulos. Optei por um título em castelhano, uma raridade: "La Felicidad"

A felicidade

Se eu fosse uma formiga
a felicidade
teria a forma e textura
de uma gota de orvalho

quinta-feira, 2 de outubro de 2003

Ai, Carla, Carla!...

Este blog tem uma dívida de gratidão eterna à Carlinha. São centenas os "clientes" que nos têm chegado por via de buscas nos motores de busca por algumas palavras mágicas matadínicas. Querem ver?

Dos últimos 100 visitantes da Lâmpada, quase metade (49) chegaram cá por via de um motor de busca qualquer. Bem, qualquer, aquilo a que se chama qualquer, não. Foram basicamente o Google e o Sapo. Mais detalhadamente, essas 49 buscas distribuem-se por:

google - 30
SAPO - 17
clix - 1
Yahoo! Search - 1


E de que vêm os rapazes à procura? As frases procuradas são bem claras. Ora vejam só:

Carla Matadinho - 29
matadinho - 7
Fotos Carla Matadinho - 4
blogspot - 1
carla matadinho com namorado - 1
carla+matadinho - 1
fotografias de nenufares - 1
hip hip hurra - 1
lâmpada - 1
magica - 1
matadinho fotos - 1
panfleto não beba - 1


Gostei particularmente do "hip hip hurra" e do "panfleto não beba". Têm tudo a ver com este blog. Mas gosto ainda mais de pespegar com poemas spaméticos em todos os onanistas que vêm cá à procura de fotos da Carla.

Também gostaria de saber se algum desses onanistas volta depois da primeira visita, mas isso as buscas não dizem, infelizmente...

quarta-feira, 1 de outubro de 2003

Spamesia (148)

Na segunda-feira o número de spams subiu... um: para 43. Mas a escolha foi fraca, e acabei por me resignar a um problema que parece não ter qualquer tipo de alívio, e que costuma chegar-me com regularidade. Desta vez, o spam chamava-se "unhappy about the size of your love muscle.." Costumavam perguntar, mas este afirma. Sabe lá ele:

Infeliz com o tamanho do seu músculo do amor

Olá, meu caro amigo. Diz aqui na documentação
que está infeliz com o tamanho do seu músculo do amor
Para tão dramático problema tenho a única solução
tão certa como o Sol ser a fonte de toda a luz e calor
É que, sabe?, isso a que chama músculo não é músculo
e portanto não se deve importar com o tamanho do músculo
que não é nada disso, ainda que seja minúsculo

Aqui tem um exemplo de como um problema desaparece
pela simples destruição da consistência das premissas
E se continuar infeliz com o tamanho do corpo cavernoso
não tenho nada com isso, não me interessa se algo não cresce
sou especialista em músculos, não no sistema venoso
Passe muito bem. São cento e vinte euros, se faz favor

Spamesia (147)

No domingo o nível manteve-se nos 42, e lá no meio vinha um spam que trazia como título "Manuela". Não, não era o remetente, era o título. O remetente era "manuela", o título é que era "Manuela". Achei uma ideia boa, esclarecedora e ideal para entrar nas spamesias. Adivinhem com que título:

Manuela

A Manuela tinha vinte e
dois anos quando descobriu
que se apaixonara
pela Felisbela

Então, largou o João
que ficou triste
não pela Manuela
mas sim pela Felisbela

O quadrilátero ficou
completo quando o
João se apaixonou
por um robot

Spamesia (146)

No sábado, o número de spams voltou a subir, desta vez até aos 47. E lá no meio havia um que trazia como título "causador". Causador, causa-e-efeito, blábláblá, acabou por sair este spamema, que é dedicado à Formiga deixa-te-de-fitas-e-fica de Langton:

Causador

O causador tinha como profissão causar coisas
usando os instrumentos de causa e consequência
que têm sido descobertos pela nossa ciência

Tinha estudado nos melhores institutos
aprendendo a extrair dos dados brutos
as tendências e tensões da causalidade

Mas eis que o Caos chega, armado de um par de dados
e o causador começa a encontrar condições aleatórias
que num instante alteram os cenários mais bem preparados

O causador não estava à espera de tal intromissão
mas já era ministro, e nunca admitiria a sua ignorância
isso seria o mesmo que declarar a sua incompetência

Assim, o causador foi causando desgraça após desgraça
e quando, finalmente, o causador causou a sua demissão
do país já só restava uma velha carcaça

Spamesia (145)

Sexta-feira, o número de spams caiu para menos de metade: 30 mensagens apenas. E, sem títulos a ajudar, fiquei um bom bocado à toa sem saber o que havia de fazer com elas. Até que vi um "do it the manly way" e me lembrei duma conversa que tive com um daqueles tipos que de tão imbecis só podiam ser americanos, em que ele defendia a tese de que os europeus eram todos maricas por não apoiarem as aventuras belicistas dos EUA. A frase era "those pantsy europeans", e era repetida tão mais frequentemente quento menores eram os argumentos. Vai daí:

Faz as coisas à homem

OK, está bem, faz lá as coisas à homem
bombardeia lá os gajos, manda-os para outra melhor
é mesmo o que eles mais querem, bater a bota
ou deixarem de ser donos das suas esplanadas
mas depois não me venhas chatear
com as consequências de te meteres em alhadas
não me venhas dizer que tenho obrigação de ajudar-te
porque — e já estou farto de dizer-te —
aquilo a que tu chamas fazer as coisas à homem
é simplesmente a maneira mais rápida
de asneirar a duzentos, como qualquer idiota