Contos Dramáticos, mais uma das pequenas antologias distribuídas com o DN e o JN, reúne três textos que, na minha avaliação, começam muito bem e acabam muito mal. E como, além disso, mais uma vez me parece que os conteúdos não se ajustam inteiramente bem aos títulos e temas que estas antologias propõem, embora o conceito de drama tenha uma amplitude bastante grande e possa aplicar-se a quase tudo, a avaliação global da antologia não passa do razoável.
Por outro lado, este livrinho teve para mim a vantagem, relativamente a vários dos outros, de me ter proposto três contos que nunca tinha lido, o que me proporcionou uma experiência mais fresca do que aconteceu com os Contos Imaginários ou os Contos Fantasmas, entre outros. Suponho que por se debruçar sobre um tipo de história que não costumo consumir e portanto conheço pior. São as vantagens da ignorância.
É livro que vale a pena ser lido? Para ser fiel à minha velha ideia de que basta conter uma história realmente boa para valer a pena, só posso responder que sim, é. Não me agradou muito, é certo, mas valeu a pena.
Eis o que achei dos três contos:
Este livro foi comprado.
terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015
Lido: O Senhor das Aranhas
O Senhor das Aranhas (bibliografia) é um pequeno romance de uma ficção científica retro de Michael Moorcock, o segundo (ou o primeiro, dependendo do ponto de vista) da sua série sobre as viagens marcianas do herói Michael Kane. Escrito como óbvia homenagem (ou será pastiche?) ao Barsoom de Burroughs, é tão pulp como o original mas falta-lhe toda a sua frescura (hoje já algo bafienta) e originalidade. Pelo contrário, este Marte de Moorcock tem um forte sabor a requentado.
Tudo neste livro é antiquado. O expediente literário, que coloca a história na condição de relato de segunda mão, feito por alguém a quem o protagonista terá contado as suas aventuras, é algo que nos chega já do século XIX e foi muito comum muito antes de 1965, data de publicação original deste romance. O ambiente e até o próprio herói remontam às aventuras de Edgar Rice Burroughs, que começaram a aparecer em 1912, e têm também ligações com os romances de aventuras pelas paragens exóticas do nosso mundo, entre estranhos povos e animais mais estranhos ainda, muito comuns mais cedo ainda.
O que é mais curioso é isto ter sido escrito por Michael Moorcock, um dos expoentes da New Wave britânica (pode mesmo argumentar-se que foi o principal), um movimento de escritores de ficção científica e fantasia que, descontente com o estado do género nos anos 60, que achavam estagnado e demasiado conservador, o revolucionou e refrescou. Geralmente considera-se que o momento em que esse movimento nasceu foi quando Moorcock se tornou editor da revista New Worlds. Ora isso aconteceu em 1964... e este livro foi publicado no ano seguinte.
É possível que Moorcock tenha achado graça a estar a revolucionar o género ao mesmo tempo que fazia publicar, sob pseudónimo (os livros de Kane surgiram originalmente assinados como Edward P. Bradbury), trabalhos que já então estavam décadas fora de moda. Por outro lado, a tendência para o pastiche de velhos monstros sagrados do pulp é mais ou menos constante na sua obra; a sua série mais bem conhecida, Elric, é uma fantasia de espada e feitiçaria inspirada por Robert E. Howard.
Seja como for, o resultado é muito mauzinho. Tudo é mais ou menos previsível, os bons são bons, os maus maus, as aventuras peripeciosas, o herói desenrascado e bom rapaz e acaba inevitavelmente por trocar umas beijocas com a mocinha (que neste caso é alienígena e bem grande) e a leitura, por conseguinte, bocejante.
Se pulp é em geral mau e formulaico (ou é mau porque formulaico), pulp que se resume à mera aplicação de fórmulas criadas décadas antes é-o dupla ou triplamente. E eu posso ter alguma simpatia por homenagens a velhos heróis literários ou por piscadelas de olho aos conhecedores e graças privadas, mas no fim de contas o que realmente importa é o que disso sai. E o que disso saiu, neste caso, não é nada famoso.
Por outro lado, lá está, há quem goste. Eu não.
Este livro foi comprado.
Tudo neste livro é antiquado. O expediente literário, que coloca a história na condição de relato de segunda mão, feito por alguém a quem o protagonista terá contado as suas aventuras, é algo que nos chega já do século XIX e foi muito comum muito antes de 1965, data de publicação original deste romance. O ambiente e até o próprio herói remontam às aventuras de Edgar Rice Burroughs, que começaram a aparecer em 1912, e têm também ligações com os romances de aventuras pelas paragens exóticas do nosso mundo, entre estranhos povos e animais mais estranhos ainda, muito comuns mais cedo ainda.
O que é mais curioso é isto ter sido escrito por Michael Moorcock, um dos expoentes da New Wave britânica (pode mesmo argumentar-se que foi o principal), um movimento de escritores de ficção científica e fantasia que, descontente com o estado do género nos anos 60, que achavam estagnado e demasiado conservador, o revolucionou e refrescou. Geralmente considera-se que o momento em que esse movimento nasceu foi quando Moorcock se tornou editor da revista New Worlds. Ora isso aconteceu em 1964... e este livro foi publicado no ano seguinte.
É possível que Moorcock tenha achado graça a estar a revolucionar o género ao mesmo tempo que fazia publicar, sob pseudónimo (os livros de Kane surgiram originalmente assinados como Edward P. Bradbury), trabalhos que já então estavam décadas fora de moda. Por outro lado, a tendência para o pastiche de velhos monstros sagrados do pulp é mais ou menos constante na sua obra; a sua série mais bem conhecida, Elric, é uma fantasia de espada e feitiçaria inspirada por Robert E. Howard.
Seja como for, o resultado é muito mauzinho. Tudo é mais ou menos previsível, os bons são bons, os maus maus, as aventuras peripeciosas, o herói desenrascado e bom rapaz e acaba inevitavelmente por trocar umas beijocas com a mocinha (que neste caso é alienígena e bem grande) e a leitura, por conseguinte, bocejante.
Se pulp é em geral mau e formulaico (ou é mau porque formulaico), pulp que se resume à mera aplicação de fórmulas criadas décadas antes é-o dupla ou triplamente. E eu posso ter alguma simpatia por homenagens a velhos heróis literários ou por piscadelas de olho aos conhecedores e graças privadas, mas no fim de contas o que realmente importa é o que disso sai. E o que disso saiu, neste caso, não é nada famoso.
Por outro lado, lá está, há quem goste. Eu não.
Este livro foi comprado.
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015
Lido: Agenda de Paulo Portas
Agenda de Paulo Portas é a terceira (e última) das agendas criadas pelo José de Pina para algumas das peculiares criaturas da nossa vida político-mediática de há 10 anos, algumas das quais, como se vê, continuam ainda hoje alaive-ende-quiquingue, como se diz em práquistanês. Esta é como as outras, só que mais divertida, talvez porque a própria personagem é mais divertida. E eu, que não me lembro do Portas ter tido tanto cuidado com o peso, ri-me, pois então. Fazer o quê?
Esta quase merece o epíteto de hilariante. Quase.
Textos anteriores deste livro:
Esta quase merece o epíteto de hilariante. Quase.
Textos anteriores deste livro:
Lido: Engenhos Mortíferos
Engenhos Mortíferos (bibliografia) é um romance de ficção científica pós-apocalíptica, de Philip Reeve, que, pese embora uma pegada algo juvenil e o enredo aventuresco que ela traz consigo, é muitíssimo interessante. Diria mesmo que é francamente bom.
Em boa medida porque parte de um magnífico "e se". E se, num tempo futuro indeterminado, a maioria das pessoas vivesse não já em cidades estáticas, sedentárias, mas em urbes móveis, transformadas em gigantescos veículos que percorrem os continentes em busca de presas, outras cidades e povoamentos mais pequenos, móveis ou não, que, à falta de outras fontes de recursos, servem para as alimentar de matérias-primas para o seu crescimento e sobrevivência?
O cenário é a Europa, mas uma Europa irreconhecível, despovoada, reduzida por séculos desta estranha espécie de "darwinismo municipal" a ermos quase desabitados, marcados pelos gigantescos rastos entrecruzados deixados pelas lagartas das cidades vencedoras, ou pelo menos sobreviventes. Entre estas, uma das maiores e mais poderosas é, claro, Londres, ou não fosse o autor britânico, e é aí que a história arranca.
No entanto, a civilização do "darwinismo municipal" não é a única a sobreviver no planeta. Bárbaros vagueiam também pela Terra, esquivando-se e escondendo-se como ratos frente a esta nova espécie de superdinossauros mecânicos, alimentando-se dos seus restos. E há boatos, transmitidos de boca em boca, no ocidente, com um misto de assombro e descrédito, histórias de ouvir contar que provavelmente serão apenas mitos, de que algures a oriente cidades sedentárias ainda resistem aos novos tempos.
O cenário é soberbo, um cozinhado de diversos temas e influências, entre os quais a abordagem steampunk ganha relevo apesar de este não ser um livro steampunk (a maquinaria tem tudo a ver com o subgénero, mas nada existe aqui do retrofuturismo que lhe está inerente), que Reeve enriquece com uma história de amizades (ou será amores?) improváveis, um velho mistério que envolve antigos crimes e que põem os protagonistas em perigo mortal e numa fuga repleta de peripécias, acasos e azares, e uma velha superarma, encontrada por um explorador dos territórios selvagens, que o dirigente supremo de Londres procura a todo o transe fazer funcionar para... para quê? Isso já será dizer demasiado.
Não encontramos aqui uma ficção científica sofisticada, hipertecnológica, daquela FC que coloca questões relevantes para o presente e o futuro e se debruça profundamente sobre elas. Mas este livro também não tem nada de pulp à moda antiga. É uma história de ficção científica de aventuras, baseada num cenário original e muito bem concebido, com uma ideia base de se lhe tirar o chapéu e que, se faz lembrar alguma coisa, é, pelo cenário, pelo ritmo, pela abordagem ao ato de contar histórias, as antigas histórias extraordinárias de Júlio Verne.
Bom. Realmente bom.
Este livro foi comprado.
Em boa medida porque parte de um magnífico "e se". E se, num tempo futuro indeterminado, a maioria das pessoas vivesse não já em cidades estáticas, sedentárias, mas em urbes móveis, transformadas em gigantescos veículos que percorrem os continentes em busca de presas, outras cidades e povoamentos mais pequenos, móveis ou não, que, à falta de outras fontes de recursos, servem para as alimentar de matérias-primas para o seu crescimento e sobrevivência?
O cenário é a Europa, mas uma Europa irreconhecível, despovoada, reduzida por séculos desta estranha espécie de "darwinismo municipal" a ermos quase desabitados, marcados pelos gigantescos rastos entrecruzados deixados pelas lagartas das cidades vencedoras, ou pelo menos sobreviventes. Entre estas, uma das maiores e mais poderosas é, claro, Londres, ou não fosse o autor britânico, e é aí que a história arranca.
No entanto, a civilização do "darwinismo municipal" não é a única a sobreviver no planeta. Bárbaros vagueiam também pela Terra, esquivando-se e escondendo-se como ratos frente a esta nova espécie de superdinossauros mecânicos, alimentando-se dos seus restos. E há boatos, transmitidos de boca em boca, no ocidente, com um misto de assombro e descrédito, histórias de ouvir contar que provavelmente serão apenas mitos, de que algures a oriente cidades sedentárias ainda resistem aos novos tempos.
O cenário é soberbo, um cozinhado de diversos temas e influências, entre os quais a abordagem steampunk ganha relevo apesar de este não ser um livro steampunk (a maquinaria tem tudo a ver com o subgénero, mas nada existe aqui do retrofuturismo que lhe está inerente), que Reeve enriquece com uma história de amizades (ou será amores?) improváveis, um velho mistério que envolve antigos crimes e que põem os protagonistas em perigo mortal e numa fuga repleta de peripécias, acasos e azares, e uma velha superarma, encontrada por um explorador dos territórios selvagens, que o dirigente supremo de Londres procura a todo o transe fazer funcionar para... para quê? Isso já será dizer demasiado.
Não encontramos aqui uma ficção científica sofisticada, hipertecnológica, daquela FC que coloca questões relevantes para o presente e o futuro e se debruça profundamente sobre elas. Mas este livro também não tem nada de pulp à moda antiga. É uma história de ficção científica de aventuras, baseada num cenário original e muito bem concebido, com uma ideia base de se lhe tirar o chapéu e que, se faz lembrar alguma coisa, é, pelo cenário, pelo ritmo, pela abordagem ao ato de contar histórias, as antigas histórias extraordinárias de Júlio Verne.
Bom. Realmente bom.
Este livro foi comprado.
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015
Lido: A Menina Grande do Papá
A Menina Grande do Papá é um conto de Ursula K. LeGuin sobre a vida de uma rapariga invulgar que pura e simplesmente não para de crescer. Algures entre a fantasia, o realismo mágico e o horror, é uma boa história, como seria de esperar de LeGuin, embora não chegue à magnificência das suas melhores obras.
É difícil falar desta história sem a revelar demasiado, pois parte do seu encanto reside no lento desvendar da evolução da "menina grande" desde a miúda pequena que nos é apresentada no início do conto, apenas um pouco maior que a irmã mais velha, até... àquilo em que ela acaba por se transformar quando o texto chega ao fim. Digo-vos apenas que não se trata de um mero caso simples de gigantismo, de alguém que atinge os dois metros, dois metros e picos. Não, não é só isso.
Sem dúvida um belo conto. Sobre a invulgaridade e a marginalização que ela implica, sobre a família, sobre o amor, sobre mais algumas coisas. Se puderem, leiam-na.
Contos anteriores desta publicação:
É difícil falar desta história sem a revelar demasiado, pois parte do seu encanto reside no lento desvendar da evolução da "menina grande" desde a miúda pequena que nos é apresentada no início do conto, apenas um pouco maior que a irmã mais velha, até... àquilo em que ela acaba por se transformar quando o texto chega ao fim. Digo-vos apenas que não se trata de um mero caso simples de gigantismo, de alguém que atinge os dois metros, dois metros e picos. Não, não é só isso.
Sem dúvida um belo conto. Sobre a invulgaridade e a marginalização que ela implica, sobre a família, sobre o amor, sobre mais algumas coisas. Se puderem, leiam-na.
Contos anteriores desta publicação:
Lido: Showcase
Showcase, de autora anónima (mas há insistentes boatos de que se trata de Sarah Singleton), e sim, o facto de ser uma autora é bastante evidente mesmo sem se conhecer o nome, é um daqueles contos que se leem mesmo até ao fim sem se perceber muito bem o que terão de fantástico, só para aparecer a meras dezenas ou centenas de palavras do derradeiro ponto final um "ah!" de entendimento. Até aí, trata-se de um conto muito mainstream sobre desencontros de vontades, centrado numa mulher que espera o namorado para ir ver um filme e sofre sucessivas indignidades, calada ou protestando apenas debilmente, quando ele primeiro chega atrasado e logo encontra um amigo que lhe vai fazer descarrilar definitivamente os planos.
Está bem escrito, sim, mas não gostei muito deste conto. Tem demasiada banalidade e o final não é surpreendente o suficiente para que essa banalidade se dissipe ou perca importância.
Contos anteriores desta publicação:
Está bem escrito, sim, mas não gostei muito deste conto. Tem demasiada banalidade e o final não é surpreendente o suficiente para que essa banalidade se dissipe ou perca importância.
Contos anteriores desta publicação:
terça-feira, 17 de fevereiro de 2015
Lido: O Patriota Improvável
O Patriota Improvável (bibliografia) é um conto de Maria de Menezes ambientado num presente alternativo de um Portugal em que, claro (visto ser esse o tema do livro), a monarquia não chegou ao fim. Bem escrito, em ambiente de comédia social, o conto poderia ser bom se dedicasse um pouco mais de espaço e tempo ao enredo e um pouco menos às crises e angústias causadas ao protagonista (um burguesito com vapores aristocráticos, enfadado e blasé, centrado apenas e só em si mesmo) pela doida da ex-mulher (doida e esquerdista caviar e ainda por cima (já disse?) doida... pelo menos sob o ponto de vista do protagonista, que também é narrador e sem qualquer dúvida vota naquilo que no seu mundo alternativo equivale ao nosso CDS), que até seriam interessantes como construção das personagens mas vão muito além disso; o suficiente para se tornarem uma chatice.
Mas com um bom desbaste nessa parte, uma página, página e meia, a menos, e com uma exploração um pouco menos banal e mais profunda da ideia base, o efeito e a importância da imagem para os titulares de cargos institucionais (no caso os membros da família real), que apesar de ser o mais importante é introduzido na narrativa tardiamente, o conto seria bom. O texto propriamente dito é de qualidade, o que torna o conto agradável; só o conteúdo é que não o é lá muito, o que o impede de ir além disso. Pena.
Contos anteriores deste livro:
Mas com um bom desbaste nessa parte, uma página, página e meia, a menos, e com uma exploração um pouco menos banal e mais profunda da ideia base, o efeito e a importância da imagem para os titulares de cargos institucionais (no caso os membros da família real), que apesar de ser o mais importante é introduzido na narrativa tardiamente, o conto seria bom. O texto propriamente dito é de qualidade, o que torna o conto agradável; só o conteúdo é que não o é lá muito, o que o impede de ir além disso. Pena.
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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015
Lido: Contos Imaginários
Contos Imaginários (bibliografia) é mais uma das pequenas antologias que aqui há anos foram publicadas em conjunto com o DN. Desta feita, o tema é ficção científica, e os contos são apenas dois, muito diferentes um do outro; um de uma ficção científica já centenária e por isso mesmo bastante envelhecida, ainda que de certa forma seja também estranhamente moderno, o outro de uma FC bem mais contemporânea, que se serve da linguagem da FC para refletir sobre a religião, a sua origem e a sua razão de existir, com um certo caráter metaliterário, pois essa reflexão é indissociável de uma outra, sobre o poder das histórias.
É uma boa antologia, das melhores de toda esta série, em parte por não se resumir ao cânone e apresentar em vez disso ao leitor duas histórias que não costumam constar das listas de obras incontornáveis (e sucessivamente republicadas) do género. É certo que nos dias que correm é difícil encontrar alguma obra de ficção científica que seja publicada, quanto mais "sucessivamente republicada," mas não deixa de ser também verdade que, mesmo em épocas mais recuadas em que a FC era presença regular nas livrarias, estas duas histórias ficaram de fora da edição portuguesa. E são ambas histórias interessantes, ainda que para o meu gosto pessoal a de Martin seja muito superior à de Pollack.
Eis o que achei sobre as duas histórias:
Este livro foi comprado.
É uma boa antologia, das melhores de toda esta série, em parte por não se resumir ao cânone e apresentar em vez disso ao leitor duas histórias que não costumam constar das listas de obras incontornáveis (e sucessivamente republicadas) do género. É certo que nos dias que correm é difícil encontrar alguma obra de ficção científica que seja publicada, quanto mais "sucessivamente republicada," mas não deixa de ser também verdade que, mesmo em épocas mais recuadas em que a FC era presença regular nas livrarias, estas duas histórias ficaram de fora da edição portuguesa. E são ambas histórias interessantes, ainda que para o meu gosto pessoal a de Martin seja muito superior à de Pollack.
Eis o que achei sobre as duas histórias:
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domingo, 15 de fevereiro de 2015
Lido: Agenda de Freitas do Amaral
Agenda de Freitas do Amaral é como a de Santana Lopes, só que de Freitas do Amaral. E agora vocês dizem "Duh!". Mas esperem, mas esperem, eu explico! O autor é o mesmo, o estilo é o mesmo, a piada é a mesma, ou um pouco maior porque, segundo a agenda do bom do Freitas, ele está sempre ao telefone a manifestar apios vários, começando no CDS e indo por aí fora. Quem saiba alguma coisa sobre a política portuguesa dos últimos anos bem sabe para onde. Portanto é a mesma coisa, mas nem por isso.
Sim, francamente divertido.
Textos anteriores deste livro:
Sim, francamente divertido.
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sábado, 14 de fevereiro de 2015
Lido: Agenda Política de Santana Lopes
Agenda Política de Santana Lopes é uma lista cronológica de atividades políticas (e "políticas") de um Santana Lopes de há 10 anos. O seu autor é José de Pina e não é possível falar muito dela sem estragar a piada a quem for lê-la. Digamos apenas que tem graça, e que nos mostra um Santana a obedecer fielmente àquilo que a vox populi pensa(va) dele, também hoje, mas especialmente na época da sua fugacíssima e não menos atabalhoada passagem pelo cargo de Primeiro Ministro.
Divertido. Bastante divertido.
Textos anteriores deste livro:
Divertido. Bastante divertido.
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Lido: O Jardim Diabólico
O Jardim Diabólico (bibliografia) é uma antologia temática, já de idade algo avançada, que colige histórias de ficção científica e horror sobre estados vegetais alterados, mais ou menos inexplicados ou inexplicáveis e por isso mesmo perigosos. Com alguns nomes sonantes e alguns ilustres desconhecidos, é daquelas antologias que logo à partida se encaram com interesse porque o tema comum é interessante mas também com cautela porque o conjunto de autores faz temer que seja desequilibrada.
E é mesmo.
Há aqui contos de quase todas as qualidades, do excelente ao francamente mau, só faltando mesmo uma história péssima para deixar o ramalhete completo. Mas, além de ser desequilibrada, é também uma antologia que vale a pena ser lida: sou há muito de opinião que basta conter um conto francamente bom para que uma antologia valha a pena, e esta não é exceção. Vale pelo conto de Bradbury e por mais alguns, apesar dos dois ou três contos muito dispensáveis que também contém.
Também é uma antologia curiosa porque mostra com grande clareza algo sobre a psique humana. É curioso que em tantos destes contos a vegetação ameaçadora seja uma vegetação luxuriante, agigantada, descontrolada, que derrota o esforço "civilizador" do homem através da força pura do crescimento. É a selva invasora, com os seus horizontes limitados e a sua abundância de esconderijos onde podem estar ocultos perigos de todos os géneros, a criar inquietude e ameaça. É curioso que isto se possa encontrar em tantos dos contos, independentemente da qualidade de cada um e independentemente também de serem modernos (em relação à publicação original da antologia em 1976, bem entendido) ou não.
Não é uma boa antologia? Não, não é. Mas é uma antologia razoável e com um interesse muito próprio.
Eis o que achei das histórias individualmente consideradas:
Este livro foi comprado.
E é mesmo.
Há aqui contos de quase todas as qualidades, do excelente ao francamente mau, só faltando mesmo uma história péssima para deixar o ramalhete completo. Mas, além de ser desequilibrada, é também uma antologia que vale a pena ser lida: sou há muito de opinião que basta conter um conto francamente bom para que uma antologia valha a pena, e esta não é exceção. Vale pelo conto de Bradbury e por mais alguns, apesar dos dois ou três contos muito dispensáveis que também contém.
Também é uma antologia curiosa porque mostra com grande clareza algo sobre a psique humana. É curioso que em tantos destes contos a vegetação ameaçadora seja uma vegetação luxuriante, agigantada, descontrolada, que derrota o esforço "civilizador" do homem através da força pura do crescimento. É a selva invasora, com os seus horizontes limitados e a sua abundância de esconderijos onde podem estar ocultos perigos de todos os géneros, a criar inquietude e ameaça. É curioso que isto se possa encontrar em tantos dos contos, independentemente da qualidade de cada um e independentemente também de serem modernos (em relação à publicação original da antologia em 1976, bem entendido) ou não.
Não é uma boa antologia? Não, não é. Mas é uma antologia razoável e com um interesse muito próprio.
Eis o que achei das histórias individualmente consideradas:
- Vem Para a Minha Cave
- Os Braços Gigantescos das Árvores
- Reserva de Sementes
- A Vinha
- A Flor Sanguínea
- A Estranha Colheita
- Entra no Meu Jardim
- A Floração da Estranha Orquídea
- A Filha de Rappaccini
Este livro foi comprado.
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
Lido: Dia de Celebração na Sala de Reuniões
Dia de Celebração na Sala de Reuniões é um conto de James Joyce que, apesar do subtítulo do livro em que foi incluído, nada tem de caricato. Trata-se de um conto sobre a pequenez, no qual Joyce olha com ironia para o ambiente político do seu país e para a mesquinharia das campanhas políticas, do diz-que-disse, dos "grandes homens" que tantas vezes o são tão pouco, por aí fora. Apesar de ser um conto muito britânico, pois as tradições políticas nas ilhas têm características muito específicas, é um conto que até diz bastante a um leitor português porque a pequenez que tem na sua base nos é demasiado familiar. Faz ocasionalmente lembrar Eça.
Está é longe de ser um conto de "comédia urbana." Tem ironia, é certo, mas subtil, e o humor que ela traz é mais compreendido com a frieza do intelecto do que sentido. A reação típica é mais a de "ah, sim, isto é uma ironia do autor" do que a do sorriso espontâneo. Isso não é mau, evidentemente, mas não me custa imaginar que alguém que pegue num livro que promete comédia se sinta defraudado ao ler um conto destes. Nenhuma culpa de Joyce, toda de quem o escolheu.
Já agora, sim, o conto é bom. Esteve longe de me encher as medidas, mas é bom.
Conto anterior deste livro:
Está é longe de ser um conto de "comédia urbana." Tem ironia, é certo, mas subtil, e o humor que ela traz é mais compreendido com a frieza do intelecto do que sentido. A reação típica é mais a de "ah, sim, isto é uma ironia do autor" do que a do sorriso espontâneo. Isso não é mau, evidentemente, mas não me custa imaginar que alguém que pegue num livro que promete comédia se sinta defraudado ao ler um conto destes. Nenhuma culpa de Joyce, toda de quem o escolheu.
Já agora, sim, o conto é bom. Esteve longe de me encher as medidas, mas é bom.
Conto anterior deste livro:
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015
Lido: FC — O Melhor da Ficção Científica, nº 1
FC — O Melhor da Ficção Científica, nº 1 (bibliografia) é o primeiro número de uma das várias efémeras e grandemente infrutíferas tentativas de implantar em Portugal uma revista de ficção científica à semelhança da Asimov's ou do Magazine of Fantasy and Science Fiction. Sem data, contém dois contos, um conto curto e duas primeiras partes de romances, de longe os textos maiores, tudo datado originalmente, de 1967, o que faz supor que a edição portuguesa datará talvez de 1968 ou 1969. Que eu conheça, esta tentativa em concreto teve apenas dois números publicados, morrendo quase antes de nascer.
Vejo dois grandes problemas neste número 1, que provavelmente explicarão boa parte do falhanço.
Um é a péssima qualidade das traduções que, embora oscile, chega a ser em alguns textos desastrosa.
Outro é a revista se reclamar de "o melhor da ficção científica" mas depois apresentar nomes como B. K. Filer, completamente desconhecido e com muito bons motivos para isso, Keith Laumer, autor mediano nos seus melhores momentos, Terry Carr que, embora fosse excelente antologista, deixava muitíssimo a desejar enquanto escritor, A. Bertram Chandler, outro autor que também nunca ultrapassou a mediania e, finalmente, Vernor Vinge, o melhor dos cinco, mas que nesta época estava mesmo no início da carreira, muito longe do que viria a ser mais tarde.
Os textos são, em geral, maus. Dos contos completos quase nada se aproveita, seja por o material de origem ser fraco, seja porque a tradução consegue estragá-lo ainda mais. E quanto aos inícios de romances, o de Chandler é uma space opera à antiga (já em finais dos anos 60 era à antiga), um dos seus livros sobre as aventuras do soldado Grimes, completamente pulp, tão desinteressante ou tão interessante como será de esperar consoante o leitor goste ou não goste de pulp (e como eu não gosto...).
O texto mais interessante é o início do romance Homem do Espaço, de Keith Laumer, um romance planetário que de início parece ser uma espécie de Robinson Crusoe no espaço. Lê-se com certo agrado, apesar de ser necessário dar o desconto necessário aos ataques de machismo de que autor e herói (um tal Billy Danger... e com este nome já nem é preciso explicar que também esta história é pulp, não é verdade?) sofrem com irritante regularidade... mas depois acaba sem acabar. O leitor terá de ficar à espera do número seguinte da revista e este leitor que aqui vos escreve, como é óbvio, não o tem.
Ora, batatas.
Em suma: esta revista falhou porque, com tão pouca qualidade, nunca poderia não falhar.
Eis o que achei das histórias completas:
Esta revista foi, se bem me lembro, oferecida.
Vejo dois grandes problemas neste número 1, que provavelmente explicarão boa parte do falhanço.
Um é a péssima qualidade das traduções que, embora oscile, chega a ser em alguns textos desastrosa.
Outro é a revista se reclamar de "o melhor da ficção científica" mas depois apresentar nomes como B. K. Filer, completamente desconhecido e com muito bons motivos para isso, Keith Laumer, autor mediano nos seus melhores momentos, Terry Carr que, embora fosse excelente antologista, deixava muitíssimo a desejar enquanto escritor, A. Bertram Chandler, outro autor que também nunca ultrapassou a mediania e, finalmente, Vernor Vinge, o melhor dos cinco, mas que nesta época estava mesmo no início da carreira, muito longe do que viria a ser mais tarde.
Os textos são, em geral, maus. Dos contos completos quase nada se aproveita, seja por o material de origem ser fraco, seja porque a tradução consegue estragá-lo ainda mais. E quanto aos inícios de romances, o de Chandler é uma space opera à antiga (já em finais dos anos 60 era à antiga), um dos seus livros sobre as aventuras do soldado Grimes, completamente pulp, tão desinteressante ou tão interessante como será de esperar consoante o leitor goste ou não goste de pulp (e como eu não gosto...).
O texto mais interessante é o início do romance Homem do Espaço, de Keith Laumer, um romance planetário que de início parece ser uma espécie de Robinson Crusoe no espaço. Lê-se com certo agrado, apesar de ser necessário dar o desconto necessário aos ataques de machismo de que autor e herói (um tal Billy Danger... e com este nome já nem é preciso explicar que também esta história é pulp, não é verdade?) sofrem com irritante regularidade... mas depois acaba sem acabar. O leitor terá de ficar à espera do número seguinte da revista e este leitor que aqui vos escreve, como é óbvio, não o tem.
Ora, batatas.
Em suma: esta revista falhou porque, com tão pouca qualidade, nunca poderia não falhar.
Eis o que achei das histórias completas:
Esta revista foi, se bem me lembro, oferecida.
Lido: Egnaro
Egnaro (bibliografia) é um conto de fantasia de M. John Harrison, muito bem escrito, muito bem concebido, sobre uma espécie de lugar intersticial que como que existe oculto entre as malhas do tecido da realidade e ao qual só algumas pessoas têm acesso. Egnaro, assim se chama esse lugar, que nunca chegamos propriamente a ver (a menos que a história que aqui se conta nos leve a vê-lo... levará?) mas do qual vamos ouvindo falar ao longo de toda a história.
De certa forma, trata-se de um exercício metaliterário, sobre os lugares inexistentes que só existem nas histórias que lemos e que tão reais, tantas vezes, se tornam para nós, leitores. Uma reflexão sobre como a literatura transmite de pessoa em pessoa a ideia desses lugares, como se se tratasse de um qualquer contágio infeccioso, sobre como tantos são os que neles se refugiam das insuficiências e insatisfações deste mundo palpável a que gostamos de chamar realidade.
M. John Harrison fá-lo recorrendo à história de um homem, negociante falhado, de momento dono de uma peculiar livraria cujas contas são feitas pelo narrador (em primeira pessoa), o qual, por sua vez, nos é apresentado com alguém que também vive uma existência algo precária. Duas pessoas solitárias, portanto, sem raízes que se vejam, algo marginalizadas, presas no contraste entre antigos sonhos e as realidades deprimentes dos respetivos presentes. Duas pessoas prontas para mergulhar em Egnaro e, quem sabe?, talvez não regressar.
Este é um conto muito bom, de uma fantasia que quase se aproxima, pela sua ambiência e até pela abordagem literária e pela poesia que joga às escondidas nestas páginas, de um certo tipo de realismo mágico, ainda que mais europeu do que latinoamericano. Seja como for, literatura de primeira água.
Contos anteriores desta publicação:
De certa forma, trata-se de um exercício metaliterário, sobre os lugares inexistentes que só existem nas histórias que lemos e que tão reais, tantas vezes, se tornam para nós, leitores. Uma reflexão sobre como a literatura transmite de pessoa em pessoa a ideia desses lugares, como se se tratasse de um qualquer contágio infeccioso, sobre como tantos são os que neles se refugiam das insuficiências e insatisfações deste mundo palpável a que gostamos de chamar realidade.
M. John Harrison fá-lo recorrendo à história de um homem, negociante falhado, de momento dono de uma peculiar livraria cujas contas são feitas pelo narrador (em primeira pessoa), o qual, por sua vez, nos é apresentado com alguém que também vive uma existência algo precária. Duas pessoas solitárias, portanto, sem raízes que se vejam, algo marginalizadas, presas no contraste entre antigos sonhos e as realidades deprimentes dos respetivos presentes. Duas pessoas prontas para mergulhar em Egnaro e, quem sabe?, talvez não regressar.
Este é um conto muito bom, de uma fantasia que quase se aproxima, pela sua ambiência e até pela abordagem literária e pela poesia que joga às escondidas nestas páginas, de um certo tipo de realismo mágico, ainda que mais europeu do que latinoamericano. Seja como for, literatura de primeira água.
Contos anteriores desta publicação:
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015
Lido: O Caçador de Étês
O Caçador de Étês é uma coletânea de José Alberto Braga que reúne, julgo eu, anos de produção humorística, entre crónicas, pequenos contos, caricaturas, listas da mais variada índole e até sketches inteiros. Braga é um jornalista português que se radicou no Brasil e aí permaneceu várias décadas antes de regressar ao país natal, colaborando numa série de publicações relevantes em ambos os países.
Neste livro, que tem prefácio de Raul Solnado e não se percebe lá muito bem onde começa mesmo, ou seja, onde das introduções e prolegómenos (tem vários e várias) se passa aos textos propriamente ditos, reúne um número elevado de obras, quase todas muito pequenas, noção que facilmente se obtém deitando uma olhadela à lista que se estende abaixo, multiplicando-a por dois, pois os textos corridos e as caricaturas estão praticamente intercaladas ao longo de todo o volume e eu das últimas não falei, e tendo em conta que o livro contém meras 165 páginas. Incluindo o índice.
Com tanta coisa misturada, é natural que haja diferenças, por vezes significativas, tanto na qualidade puramente literária, como no grau de graça ou até na inteligência do humor empregado. Não achei nenhuma destas coisas propriamente brilhante, mas houve várias de que gostei bastante... embora também tenha havido várias de que não gostei. Em geral, o humor de Braga baseia-se a meu ver demasiado em trocadilhos e há nele uma predisposição para deixar a ideia em bruto, sem lhe dar o desenvolvimento que ela por vezes pede. Há nas listas frases que dariam pequenos contos, há pequenos contos ou crónicas que os dariam grandes e por aí fora. Há, parece-me, muita palha. Mas também há algumas pedras mais ou menos preciosas lá no meio.
O título faz supor algum alinhamento com a ficção científica e com a literatura fantástica. Nisso, é um pouco enganador. Existe FC e fantástico nestas páginas, é certo, mas são escassos os textos que seguem esse caminho e entre os que o fazem nunca é esse o fulcro. O fulcro está sempre no humor, e o fantástico é mera ferramenta, usada ocasionalmente e nem sempre bem, para chegar objetivo de fazer sorrir.
Sorrir apenas. Não se acham aqui gargalhadas.
Sim, é verdade, apesar da mancheia de preciosidades não gostei muito. Principalmente porque foi demasiado frequente não achar graça o que, num livro de humor, é fatal.
Eis o que fui achando dos vários contos:
Neste livro, que tem prefácio de Raul Solnado e não se percebe lá muito bem onde começa mesmo, ou seja, onde das introduções e prolegómenos (tem vários e várias) se passa aos textos propriamente ditos, reúne um número elevado de obras, quase todas muito pequenas, noção que facilmente se obtém deitando uma olhadela à lista que se estende abaixo, multiplicando-a por dois, pois os textos corridos e as caricaturas estão praticamente intercaladas ao longo de todo o volume e eu das últimas não falei, e tendo em conta que o livro contém meras 165 páginas. Incluindo o índice.
Com tanta coisa misturada, é natural que haja diferenças, por vezes significativas, tanto na qualidade puramente literária, como no grau de graça ou até na inteligência do humor empregado. Não achei nenhuma destas coisas propriamente brilhante, mas houve várias de que gostei bastante... embora também tenha havido várias de que não gostei. Em geral, o humor de Braga baseia-se a meu ver demasiado em trocadilhos e há nele uma predisposição para deixar a ideia em bruto, sem lhe dar o desenvolvimento que ela por vezes pede. Há nas listas frases que dariam pequenos contos, há pequenos contos ou crónicas que os dariam grandes e por aí fora. Há, parece-me, muita palha. Mas também há algumas pedras mais ou menos preciosas lá no meio.
O título faz supor algum alinhamento com a ficção científica e com a literatura fantástica. Nisso, é um pouco enganador. Existe FC e fantástico nestas páginas, é certo, mas são escassos os textos que seguem esse caminho e entre os que o fazem nunca é esse o fulcro. O fulcro está sempre no humor, e o fantástico é mera ferramenta, usada ocasionalmente e nem sempre bem, para chegar objetivo de fazer sorrir.
Sorrir apenas. Não se acham aqui gargalhadas.
Sim, é verdade, apesar da mancheia de preciosidades não gostei muito. Principalmente porque foi demasiado frequente não achar graça o que, num livro de humor, é fatal.
Eis o que fui achando dos vários contos:
- Ao Sabor da Corrente
- Pagamento Zero
- Provérbios Modificados
- O Caçador de Étês
- Dúvidas Para Além De
- Um Corpo que Cai
- O Paraíso Revisitado
- Deus Fez - O Diabo Inventou
- Tira a Mãe da Boca
- Léxico às Fatias - Parte I
- A Rassa Humana
- À Procura do Ponto G
- Certezas da Dúvida
- Kultura Passada a Limpo
- Isto & Aquilo
- Política: Manual do Manuel
- Archivo da Revolução
- FMI em Apuros
- Aforismos Reinventados
- A Feitiçaria, Chamada Medicina
- "Slogans" Politicamente Incorrectos
- O Mistério da Selva
- Léxico às Fatias - Parte II
- Epitáfio Ecológico
- Rato
- Enforcamentos
- Monólogo Informático
- A Bomba é Nossa
- Fundamentalismo Para Principiantes
- Acerte nas Frases Célebres
- Cinema & Crítica
- Porque é que:
- O Homem do Talho
- Léxico às Fatias - Parte III
- Velhice Transviada
- Inglês-Português
- Citações
- Acredite se Quiser
- Glosa a Dylan
- História, Essa Ficção
- A Funerária
- Eis o Drácula
domingo, 8 de fevereiro de 2015
Lido: Berenice's Journal
Berenice's Journal, de autor anónimo (mas se ficarem muito caladinhos eu digo-vos que é de Richard Gavin) é um conto de horror que se finge de diário. O conto é curtinho, portanto o diário não o é propriamente, não passará de um excerto, que se inicia quando um vizinho se muda para o prédio onde vive a diarista. Bonito, o homem cai-lhe no goto e ela começa a ter fantasias sobre ele, as quais, como é evidente, nunca se concretizam. Pior: depressa outra mulher aparece na história, uma rival que nem sabe que o é e que faz com o vizinho tudo aquilo que a louca queria fazer.
O horror propriamente dito está ausente até mesmo ao fim, embora haja desde o início uma atmosfera inquietante que antecipa que algo de mau vai acabar por acontecer mais cedo ou mais tarde. E este cedo ou tarde vem a ser os dois últimos parágrafos do conto/diário. O mais interessante é que este desenlace é inesperado apesar de toda a expetativa. Sim, qualquer leitor que não seja inteiramente desatento está de certeza à espera de que algo de bizarro aconteça, mas o acontecimento concreto apanha-o de surpresa... e faz-lhe percorrer a espinha por um arrepio.
É outro bom conto desta publicação, embora a meu ver não chegue ao nível de alguns dos outros.
Contos anteriores desta publicação:
O horror propriamente dito está ausente até mesmo ao fim, embora haja desde o início uma atmosfera inquietante que antecipa que algo de mau vai acabar por acontecer mais cedo ou mais tarde. E este cedo ou tarde vem a ser os dois últimos parágrafos do conto/diário. O mais interessante é que este desenlace é inesperado apesar de toda a expetativa. Sim, qualquer leitor que não seja inteiramente desatento está de certeza à espera de que algo de bizarro aconteça, mas o acontecimento concreto apanha-o de surpresa... e faz-lhe percorrer a espinha por um arrepio.
É outro bom conto desta publicação, embora a meu ver não chegue ao nível de alguns dos outros.
Contos anteriores desta publicação:
Lido: Contos Fantasmas
Contos Fantasmas (bibliografia) é uma pequena antologia de quatro contos sobre fantasmas, escritos por outros tantos nomes grandes da literatura. E é uma boa antologia, embora sofra de um mal de que sofrem tantas outras publicações baseadas no cânone: leitores com alguma experiência acabam inevitavelmente por nelas encontrar coisas já lidas anteriormente, o que reduz o valor que para eles acabam por ter, especialmente se, como no caso desta, nem uma tradução diferente introduz alguma novidade na leitura.
É uma boa antologia porque globalmente não desilude. Um dos contos, o de Dunsany, é excelente, outro é surpreendente, tendo em conta a escritora, o de Wells é algo banal mas também não deixa de ter qualidade e só o de Stevenson fica bastante aquém do que dele se poderia e talvez deveria esperar. Não fosse este último, a antologia subiria até ao muito bom, mas mesmo assim permanece no bom. Claramente uma das melhores destas pequenas antologias publicadas com o DN.
Eis o que achei sobre cada um dos contos:
Este livro foi comprado.
É uma boa antologia porque globalmente não desilude. Um dos contos, o de Dunsany, é excelente, outro é surpreendente, tendo em conta a escritora, o de Wells é algo banal mas também não deixa de ter qualidade e só o de Stevenson fica bastante aquém do que dele se poderia e talvez deveria esperar. Não fosse este último, a antologia subiria até ao muito bom, mas mesmo assim permanece no bom. Claramente uma das melhores destas pequenas antologias publicadas com o DN.
Eis o que achei sobre cada um dos contos:
Este livro foi comprado.
sábado, 7 de fevereiro de 2015
Lido: D. Amélia
D. Amélia (bibliografia) é uma minipeça em dois atos, de Miguel Real, que mostra com plena clareza como é absurda a ideia de se fazer história alternativa em teatro, e muito em particular em teatro tão curto.
A questão é que uma história alternativa implica a transmissão ao leitor do universo alternativo em que se desenrola. Escritores hábeis fazem-no semeando a informação ao longo da história, entre descrições, divagações e diálogos que façam sentido. Escritores menos hábeis recorrem aos famigerados infodumps, despejando a informação em parágrafos de contextualização, mais ou menos longos. Escritores realmente desastrados fazem-no com a horrenda técnica do como-sabes-Bob, pondo as personagens a explicar detalhadamente umas às outras coisas que para elas, mergulhadas como estão na sua realidade própria, deveriam ser básicas e de conhecimento comum, mas que o leitor, por viver no mundo real, logo fora do universo ficcional, não sabe.
Ora, em teatro, salvo brevíssimas passagens que servem de orientação para os encenadores, só se dispõe de diálogos. Não existe outra forma de situar o leitor na história (ou o espetador, se a peça estiver a ser encenada) que não seja por intermédio dos diálogos. O como-sabes-Bob torna-se quase inevitável e isso por sua vez origina diálogos inverosímeis, quando não francamente ridículos, a menos que o dramaturgo seja dotado de um talento e perícia raros.
Não é, claramente, o caso de Miguel Real.
A minipeça tem só duas personagens, a D. Amélia do título, a rainha, e Teresa d'Aviz. Duas velhas nobres voluntariamente exiladas numa França prestes a ser mergulhada na II Guerra Mundial (sim, este texto cai na velha falha de ignorar a interligação dos acontecimentos — o que neste caso, tendo em conta as limitações do teatro, até me parece compreensível —, tratando a não implantação da república em Portugal como um factoide sem quaisquer consequências para as realidades políticas europeias do tempo... ou mesmo portuguesas, visto que Salazar é quem manda no país monárquico alternativo, como foi quem mandou no país republicano da história real). Duas velhas que divagam, entre chás, sobre a história de Portugal e a natureza do país e dos seus habitantes. E tudo em brevíssimas oito páginas. Páginas de teatro, entenda-se, cuja convenção é apresentar as falas separadas por linhas em branco.
Tendo tudo isto em conta, fácil se torna compreender como seria difícil algo assim dar bom resultado. Mas este é ainda pior do que seria de esperar, devido ao ar de tragédia de faca e alguidar que a coisa acaba por tomar e a uma imensa catadupa de lugares-comuns sobre a natureza de Portugal e dos portugueses, que dir-se-iam retirados diretamente das inenarráveis colunas de opinião do Vasco Pulido Valente.
Mas resumamos: será péssimo, este texto? Sim, é péssimo.
Contos anteriores deste livro:
A questão é que uma história alternativa implica a transmissão ao leitor do universo alternativo em que se desenrola. Escritores hábeis fazem-no semeando a informação ao longo da história, entre descrições, divagações e diálogos que façam sentido. Escritores menos hábeis recorrem aos famigerados infodumps, despejando a informação em parágrafos de contextualização, mais ou menos longos. Escritores realmente desastrados fazem-no com a horrenda técnica do como-sabes-Bob, pondo as personagens a explicar detalhadamente umas às outras coisas que para elas, mergulhadas como estão na sua realidade própria, deveriam ser básicas e de conhecimento comum, mas que o leitor, por viver no mundo real, logo fora do universo ficcional, não sabe.
Ora, em teatro, salvo brevíssimas passagens que servem de orientação para os encenadores, só se dispõe de diálogos. Não existe outra forma de situar o leitor na história (ou o espetador, se a peça estiver a ser encenada) que não seja por intermédio dos diálogos. O como-sabes-Bob torna-se quase inevitável e isso por sua vez origina diálogos inverosímeis, quando não francamente ridículos, a menos que o dramaturgo seja dotado de um talento e perícia raros.
Não é, claramente, o caso de Miguel Real.
A minipeça tem só duas personagens, a D. Amélia do título, a rainha, e Teresa d'Aviz. Duas velhas nobres voluntariamente exiladas numa França prestes a ser mergulhada na II Guerra Mundial (sim, este texto cai na velha falha de ignorar a interligação dos acontecimentos — o que neste caso, tendo em conta as limitações do teatro, até me parece compreensível —, tratando a não implantação da república em Portugal como um factoide sem quaisquer consequências para as realidades políticas europeias do tempo... ou mesmo portuguesas, visto que Salazar é quem manda no país monárquico alternativo, como foi quem mandou no país republicano da história real). Duas velhas que divagam, entre chás, sobre a história de Portugal e a natureza do país e dos seus habitantes. E tudo em brevíssimas oito páginas. Páginas de teatro, entenda-se, cuja convenção é apresentar as falas separadas por linhas em branco.
Tendo tudo isto em conta, fácil se torna compreender como seria difícil algo assim dar bom resultado. Mas este é ainda pior do que seria de esperar, devido ao ar de tragédia de faca e alguidar que a coisa acaba por tomar e a uma imensa catadupa de lugares-comuns sobre a natureza de Portugal e dos portugueses, que dir-se-iam retirados diretamente das inenarráveis colunas de opinião do Vasco Pulido Valente.
Mas resumamos: será péssimo, este texto? Sim, é péssimo.
Contos anteriores deste livro:
Lido: Cidade na Lua
Cidade na Lua (bibliografia) é um pequeno romance de ficção científica que até resistiu razoavelmente ao já muito tempo que tem de existência (mais de meio século; é de 1957), em parte porque ainda não existe nenhuma cidade na Lua cuja realidade seja capaz de mostrar até que ponto é desadequada a ficção aqui descrita... mas que para começar nunca ultrapassou o razoável.
Trata-se de uma história de aventuras bastante pulpesca, com um herói claro, um tal Joe Kenmore, que está a trabalhar na Lua e se vê confrontado com estranhos e sucessivos atos de sabotagem. Forçado a uma perigosa luta pela sobrevivência, ainda sobrecarregada pelo facto de a namorada ter decidido, num arroubo feminino cheio da patetice característica das donzelas em perigo das histórias machistas de meados do século passado, ir visitá-lo à Lua (ah pois; nem interesse romântico aqui falta para a fórmula ficar completa), o bom do Joe e alguns amigos vão de peripécia em peripécia, fazendo todos os possíveis por permanecer vivos e conseguindo, contra todas as probabilidades.
E tudo porque a cidade na Lua serve como apoio a uma estação espacial em órbita lunar que funciona como laboratório onde têm lugar experiências tão perigosas que poderão pôr em causa a existência do próprio universo. Daí as sabotagens; daí todas as peripécias de que o nosso herói terá de enfrentar; daí os problemas de que terá de se desenvencilhar.
E não, isto não são spoilers. Não só a maioria destas informações consta da sinopse publicada na contracapa, como é da natureza das histórias pulp que o herói as termine vitorioso e com a garota conquistada. Aqui, a única diferença é o herói já começar a história com a garota conquistada, porque de resto tudo se desenrola conforme determinado pelo receituário.
É um livro razoável no sentido em que faz razoavelmente bem aquilo que se propõe fazer. Tem até uma leve camada mais profunda, pois se insere num conjunto de ficções, muito características do seu tempo, em que o nuclear é simultaneamente ameaça e esperança, e faz uma pequena reflexão sobre isso, pesando prós e contras, deitando breves olhadelas tanto ao medo algo ludita do progresso tecnológico como ao potencial que ele traz. Nada de muito profundo, no entanto: é má ideia comercial correr o risco de afugentar leitures só interessados numa aventura rápida e barata, portanto há que manter a ação em bom ritmo mesmo que para isso seja necessário recorrer a peripécias pouco verosímeis.
Lido hoje, este livrinho é principalmente ingénuo. Quem goste de pulp talvez o aprecie; quem, como eu, não ache grande graça à abordagem limita-se a encolher os ombros.
E foi precisamente isso que eu fiz.
Trata-se de uma história de aventuras bastante pulpesca, com um herói claro, um tal Joe Kenmore, que está a trabalhar na Lua e se vê confrontado com estranhos e sucessivos atos de sabotagem. Forçado a uma perigosa luta pela sobrevivência, ainda sobrecarregada pelo facto de a namorada ter decidido, num arroubo feminino cheio da patetice característica das donzelas em perigo das histórias machistas de meados do século passado, ir visitá-lo à Lua (ah pois; nem interesse romântico aqui falta para a fórmula ficar completa), o bom do Joe e alguns amigos vão de peripécia em peripécia, fazendo todos os possíveis por permanecer vivos e conseguindo, contra todas as probabilidades.
E tudo porque a cidade na Lua serve como apoio a uma estação espacial em órbita lunar que funciona como laboratório onde têm lugar experiências tão perigosas que poderão pôr em causa a existência do próprio universo. Daí as sabotagens; daí todas as peripécias de que o nosso herói terá de enfrentar; daí os problemas de que terá de se desenvencilhar.
E não, isto não são spoilers. Não só a maioria destas informações consta da sinopse publicada na contracapa, como é da natureza das histórias pulp que o herói as termine vitorioso e com a garota conquistada. Aqui, a única diferença é o herói já começar a história com a garota conquistada, porque de resto tudo se desenrola conforme determinado pelo receituário.
É um livro razoável no sentido em que faz razoavelmente bem aquilo que se propõe fazer. Tem até uma leve camada mais profunda, pois se insere num conjunto de ficções, muito características do seu tempo, em que o nuclear é simultaneamente ameaça e esperança, e faz uma pequena reflexão sobre isso, pesando prós e contras, deitando breves olhadelas tanto ao medo algo ludita do progresso tecnológico como ao potencial que ele traz. Nada de muito profundo, no entanto: é má ideia comercial correr o risco de afugentar leitures só interessados numa aventura rápida e barata, portanto há que manter a ação em bom ritmo mesmo que para isso seja necessário recorrer a peripécias pouco verosímeis.
Lido hoje, este livrinho é principalmente ingénuo. Quem goste de pulp talvez o aprecie; quem, como eu, não ache grande graça à abordagem limita-se a encolher os ombros.
E foi precisamente isso que eu fiz.
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015
Lido: Lisboa Triunfante
Lisboa Triunfante (bibliografia) é um romance fantástico de David Soares de que, por motivos que durante bastante tempo me confundiram, não gostei lá muito.
Mas antes de entrarmos subjetividade adentro, vamos falar sobre o que o romance é.
Trata-se, basicamente, de uma história fantástica de Lisboa, focada num punhado de momentos no tempo, cada um com as suas personagens-chave, umas reais, outras inventadas, e que se estendem desde a pré-história mais paleolítica até ao presente. Entre as personagens, em jeito de homenagem, destaca-se claramente a figura de Aquilino Ribeiro, cujo Romance da Raposa terá decerto sido uma das principais inspirações para este livro.
Quanto à cidade, apesar de ter honras de título, é mais palco que propriamente personagem; palco para uma antiquíssima rivalidade entre duas criaturas sobrenaturais, uma raposa e um lagarto (refletidas nas duas capas que o romance ganhou; a mim calhou a que aqui se mostra). As criaturas, embora possam ser encaradas como encarnações de princípios antagónicos, não caem propriamente na típica dualidade maniqueísta do bem e do mal (e ainda bem), antes se assemelham um pouco aos duendes das histórias folclóricas: espíritos caprichosos e sem moralidade definida, trocistas, que se servem de quem lhes dá na gana para os seus próprios e inescrutáveis fins.
Com este pano de fundo, David Soares aproveita para dar vazão a uma pulsão quase ensaística, em particular quando mergulha nas origens da maçonaria, cuja mundovisão, aliás, está presente do princípio ao fim do livro.
Estruturalmente, é um livro em círculo: começa e acaba no presente, uma opção que me pareceu particularmente feliz e bem conseguida. O resto do romance repete uma estrutura semelhante à usada em A Conspiração dos Antepassados, embora a uma escala muito maior: uma construção muito histórica da trama, com muito pouco de fantástico ainda que com o grotesco, quando não o horror, sempre por perto, e depois, quase no fim, um mergulho numa espécie de submundo mais ou menos infernal. Estrutura semelhante mas não idêntica pois, enquanto em A Conspiração dos Antepassados a trama se desenvolve de forma linear, aqui vai ziguezagueando tempo fora, ora saltando para o passado remoto, ora avançando para um passado bem mais recente, só para em seguida voltar outra vez para trás.
Trata-se, portanto, de um romance sofisticado, bem pesquisado, bem concebido, em geral bem escrito (há um punhado de falhas neste capítulo, que me divertiram por motivos cá meus, mas que na verdade não comprometem), ainda que algo pretensioso em excesso, característica que o impede de ser tão bom como poderia ser. O certo é que, somando-se tudo isto, o livro deveria ter-me agradado bastante.
No entanto, não foi isso o que aconteceu.
Na verdade, terminei a leitura sem perceber lá muito bem se tinha gostado ou não (acabei por decidir que sim, mas pouco). É que houve partes do livro de que gostei mesmo muito e outras que me aborreceram de morte.
E depois levei muito tempo a dar voltas à cabeça para tentar perceber ao certo porquê.
Ter-se-ia a minha forte antipatia pessoal pelo autor imiscuído na avaliação da leitura? Pensei nisso, cheguei a achar que sim, mas acabei por decidir que não; acho magníficas algumas obras de gente que me é antipática, e não tenho a mínima dificuldade em admiti-lo, a mim próprio ou a terceiros... além de que, se fosse esse o motivo do pouco gosto, ele seria bem mais uniforme ao longo de todo o livro. Certamente não haveria partes dele que me tivessem agradado tanto como agradaram.
Teria sido o meu desinteresse e muita falta de paciência para temas herméticos a ter influência no escasso gosto na leitura? Sim, isso teve influência, mas quanto mais pensei mais me convenci de que não foi este o fator principal. Então que fator foi esse?
Chegado a este ponto, pus-me a refletir sobre quem sou como leitor. E foi aí que descobri a chave para o problema.
Em adolescente, houve uma fase de alguns anos em que só li ficção científica (e alguma fantasia que nessa época era disfarçada de FC para se conseguir vender... como as coisas mudam). A essa fase seguiu-se outra de omnivorismo, em que li de tudo, umas coisas com agrado, às vezes muito, outras com pouco ou nenhum. Foi nessa altura que me comecei a definir como leitor e que aprendi que, embora a ficção científica não fosse o alfa e o ómega literário que anos antes julgava ser, havia géneros e abordagens que decididamente não eram para mim.
Ora, entre aquilo de que menos gosto, desde sempre, conta-se a ficção histórica... e ao refletir sobre este livro, comparando-o com leituras anteriores, tomei consciência de que o tipo de ficção histórica de que não gosto mesmo é aquela que traz figuras históricas reais para a ribalta do protagonismo. Ou seja, embora possa gostar de alguma ficção histórica que seja declaradamente mais ficção do que história, que aproveite a história como cenário para personagens, acontecimentos e interações inteiramente ficcionais, tenho uma enorme dificuldade em engolir aquela ficção histórica que como que se arvora em história propriamente dita, em especial se para isso usa pessoas verdadeiras do passado. Não consigo suspender a descrença; por estranho que possa parecer, acredito mais facilmente em personagens ficcionais por inteiro do que na ficcionalização de personagens reais. É possível que se trate de alguma espécie de mecanismo psicológico semelhante ao vale da estranheza (talvez o conheçam melhor como uncanny valley), não sei bem. E no fundo, pouco importa a origem, o que realmente conta é o efeito.
Pois foi quando confrontei esta minha característica com as várias partes do livro que descobri o motivo principal para ele me agradar tão pouco. As partes de que gostei mais (o início, o fim, a parte que se desenrola na pré-história e até certo ponto o mergulho no submundo fantástico) pouco ou nada têm desse tipo de ficção histórica; já as partes que achei mortalmente chatas e só consegui ler com um esforço quase físico praticamente não têm outra coisa. O miolo do livro mergulha, ao longo de bem mais de metade da extensão total da obra, nessa espécie de vale de estranheza (se é que é mesmo disso que se trata) que me encheu de um imenso tédio. Foi violento. Só não pus o livro de lado por pura teimosia.
A-ha! Tem de ser isso.
No fim de contas, estou muito contente por ter lido este livro. Não gostei lá muito dele, é certo, mas foi uma ferramenta inestimável, devido à sua própria estrutura, para me compreender melhor enquanto leitor e talvez até enquanto pessoa. Já tenho dito que aprendi a traduzir lendo más traduções para ver como não se faz. Pois bem: este foi outro caso em que uma experiência desagradável de leitura acabou por se revelar de enorme utilidade.
Creio que nem vale a pena esclarecer, por ser tão óbvio, que nada nesta apreciação íntima da minha relação pessoal com o livro o torna mau. Não é: é bom. Não creio que chegue a ser excelente, mas não tenho dúvidas de que é bom. Julgo, no entanto, que não voltarei a pegar em mais nenhum romance do David Soares, visto que também não gostei tanto como deveria ter gostado de A Conspiração dos Antepassados, e só agora percebi realmente porquê: o motivo é o mesmo. Tenho cá em casa um livro de contos ainda não lido (e é de contos o livro dele que mais me agradou), e esse lerei, espero que com agrado, mas desconfio que quanto a romances estamos conversados.
Mas antes de entrarmos subjetividade adentro, vamos falar sobre o que o romance é.
Trata-se, basicamente, de uma história fantástica de Lisboa, focada num punhado de momentos no tempo, cada um com as suas personagens-chave, umas reais, outras inventadas, e que se estendem desde a pré-história mais paleolítica até ao presente. Entre as personagens, em jeito de homenagem, destaca-se claramente a figura de Aquilino Ribeiro, cujo Romance da Raposa terá decerto sido uma das principais inspirações para este livro.
Quanto à cidade, apesar de ter honras de título, é mais palco que propriamente personagem; palco para uma antiquíssima rivalidade entre duas criaturas sobrenaturais, uma raposa e um lagarto (refletidas nas duas capas que o romance ganhou; a mim calhou a que aqui se mostra). As criaturas, embora possam ser encaradas como encarnações de princípios antagónicos, não caem propriamente na típica dualidade maniqueísta do bem e do mal (e ainda bem), antes se assemelham um pouco aos duendes das histórias folclóricas: espíritos caprichosos e sem moralidade definida, trocistas, que se servem de quem lhes dá na gana para os seus próprios e inescrutáveis fins.
Com este pano de fundo, David Soares aproveita para dar vazão a uma pulsão quase ensaística, em particular quando mergulha nas origens da maçonaria, cuja mundovisão, aliás, está presente do princípio ao fim do livro.
Estruturalmente, é um livro em círculo: começa e acaba no presente, uma opção que me pareceu particularmente feliz e bem conseguida. O resto do romance repete uma estrutura semelhante à usada em A Conspiração dos Antepassados, embora a uma escala muito maior: uma construção muito histórica da trama, com muito pouco de fantástico ainda que com o grotesco, quando não o horror, sempre por perto, e depois, quase no fim, um mergulho numa espécie de submundo mais ou menos infernal. Estrutura semelhante mas não idêntica pois, enquanto em A Conspiração dos Antepassados a trama se desenvolve de forma linear, aqui vai ziguezagueando tempo fora, ora saltando para o passado remoto, ora avançando para um passado bem mais recente, só para em seguida voltar outra vez para trás.
Trata-se, portanto, de um romance sofisticado, bem pesquisado, bem concebido, em geral bem escrito (há um punhado de falhas neste capítulo, que me divertiram por motivos cá meus, mas que na verdade não comprometem), ainda que algo pretensioso em excesso, característica que o impede de ser tão bom como poderia ser. O certo é que, somando-se tudo isto, o livro deveria ter-me agradado bastante.
No entanto, não foi isso o que aconteceu.
Na verdade, terminei a leitura sem perceber lá muito bem se tinha gostado ou não (acabei por decidir que sim, mas pouco). É que houve partes do livro de que gostei mesmo muito e outras que me aborreceram de morte.
E depois levei muito tempo a dar voltas à cabeça para tentar perceber ao certo porquê.
Ter-se-ia a minha forte antipatia pessoal pelo autor imiscuído na avaliação da leitura? Pensei nisso, cheguei a achar que sim, mas acabei por decidir que não; acho magníficas algumas obras de gente que me é antipática, e não tenho a mínima dificuldade em admiti-lo, a mim próprio ou a terceiros... além de que, se fosse esse o motivo do pouco gosto, ele seria bem mais uniforme ao longo de todo o livro. Certamente não haveria partes dele que me tivessem agradado tanto como agradaram.
Teria sido o meu desinteresse e muita falta de paciência para temas herméticos a ter influência no escasso gosto na leitura? Sim, isso teve influência, mas quanto mais pensei mais me convenci de que não foi este o fator principal. Então que fator foi esse?
Chegado a este ponto, pus-me a refletir sobre quem sou como leitor. E foi aí que descobri a chave para o problema.
Em adolescente, houve uma fase de alguns anos em que só li ficção científica (e alguma fantasia que nessa época era disfarçada de FC para se conseguir vender... como as coisas mudam). A essa fase seguiu-se outra de omnivorismo, em que li de tudo, umas coisas com agrado, às vezes muito, outras com pouco ou nenhum. Foi nessa altura que me comecei a definir como leitor e que aprendi que, embora a ficção científica não fosse o alfa e o ómega literário que anos antes julgava ser, havia géneros e abordagens que decididamente não eram para mim.
Ora, entre aquilo de que menos gosto, desde sempre, conta-se a ficção histórica... e ao refletir sobre este livro, comparando-o com leituras anteriores, tomei consciência de que o tipo de ficção histórica de que não gosto mesmo é aquela que traz figuras históricas reais para a ribalta do protagonismo. Ou seja, embora possa gostar de alguma ficção histórica que seja declaradamente mais ficção do que história, que aproveite a história como cenário para personagens, acontecimentos e interações inteiramente ficcionais, tenho uma enorme dificuldade em engolir aquela ficção histórica que como que se arvora em história propriamente dita, em especial se para isso usa pessoas verdadeiras do passado. Não consigo suspender a descrença; por estranho que possa parecer, acredito mais facilmente em personagens ficcionais por inteiro do que na ficcionalização de personagens reais. É possível que se trate de alguma espécie de mecanismo psicológico semelhante ao vale da estranheza (talvez o conheçam melhor como uncanny valley), não sei bem. E no fundo, pouco importa a origem, o que realmente conta é o efeito.
Pois foi quando confrontei esta minha característica com as várias partes do livro que descobri o motivo principal para ele me agradar tão pouco. As partes de que gostei mais (o início, o fim, a parte que se desenrola na pré-história e até certo ponto o mergulho no submundo fantástico) pouco ou nada têm desse tipo de ficção histórica; já as partes que achei mortalmente chatas e só consegui ler com um esforço quase físico praticamente não têm outra coisa. O miolo do livro mergulha, ao longo de bem mais de metade da extensão total da obra, nessa espécie de vale de estranheza (se é que é mesmo disso que se trata) que me encheu de um imenso tédio. Foi violento. Só não pus o livro de lado por pura teimosia.
A-ha! Tem de ser isso.
No fim de contas, estou muito contente por ter lido este livro. Não gostei lá muito dele, é certo, mas foi uma ferramenta inestimável, devido à sua própria estrutura, para me compreender melhor enquanto leitor e talvez até enquanto pessoa. Já tenho dito que aprendi a traduzir lendo más traduções para ver como não se faz. Pois bem: este foi outro caso em que uma experiência desagradável de leitura acabou por se revelar de enorme utilidade.
Creio que nem vale a pena esclarecer, por ser tão óbvio, que nada nesta apreciação íntima da minha relação pessoal com o livro o torna mau. Não é: é bom. Não creio que chegue a ser excelente, mas não tenho dúvidas de que é bom. Julgo, no entanto, que não voltarei a pegar em mais nenhum romance do David Soares, visto que também não gostei tanto como deveria ter gostado de A Conspiração dos Antepassados, e só agora percebi realmente porquê: o motivo é o mesmo. Tenho cá em casa um livro de contos ainda não lido (e é de contos o livro dele que mais me agradou), e esse lerei, espero que com agrado, mas desconfio que quanto a romances estamos conversados.
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