domingo, 29 de julho de 2012

Lido: Cycle

Cycle é um bizarro poeminha de Bonita Kale sobre uma máquina de lavar roupa daquelas das lavandarias self-service, apaixonada por um rapazinho que lhe enfia as moedas na ranhura, com roçadelas e vibrações eróticas à mistura. Não achei grande coisa, confesso, e tampouco vi nele grande coisa da FC que se esperaria encontrar na Asimov's.

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sexta-feira, 27 de julho de 2012

Lido: Contos Espantosos

Contos Espantosos é uma pequena antologia que reúne quatro contos novecentistas, três dos quais fantásticos e um quarto que se aproxima mais do insólito, embora seja no fundamental um conto mainstream. Todos de autores de grande qualidade, referências nas literaturas francesa e americana, os contos são quatro belos exemplos da arte de contar histórias, e mostram traduções que não os desmerecem. Quando vistos como um todo, a uniformidade de época e, até certo ponto, de abordagem, gera um conjunto coeso. E se somarmos tudo isto, o resultado é uma antologia que se revela francamente boa, embora breve. Gostei bastante.

Eis o que achei dos contos, um a um:
Este livro foi comprado.

Lido: No Restaurante

No Restaurante (bib.), vinheta fantástica de Ana Hatherly, tem na subtileza o seu ponto forte. Numa prosa elaborada, burilada, parte duma situação banal — alguém que observa uma mulher nas suas visitas rotineiras a um determinado restaurante — e leva o leitor a recuar pelo tempo fora, transformando a mulher noutras mulheres de outras épocas e lugares, sem no entanto a fazer deixar de ser ela própria. É uma pequena história sem grande história, com muito de surreal, mas sobretudo com muito de poético. Com muito mais forma do que conteúdo, na verdade, o que à partida, dir-se-ia, a afastaria dos meus gostos. Mas a verdade é que a forma é tão perfeita, o artifício literário está tão bem executado, que acabei por gostar bastante deste continho. Muito bom.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Lido: Don Ysidro

Don Ysidro (bib.) é mais um continho fantasmagórico de Bruce Holland Rogers. Desta feita ambientado no México, é contado em primeira pessoa por um artesão muito conhecido pelos seus trabalhos em cerâmica, que se encontra moribundo. E depois morre, transformando-se em fantasma. Não contarei o resto da história, mas digo que está escrita com a mestria habitual de Rogers, e que o que acontece ao fantasma é curioso, mesmo não me tendo agradado tanto como algumas das anteriores.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Lido: Os Jogos do Capricórnio

Os Jogos do Capricórnio (bib.) é um conto de Robert Silverberg que carrega consigo, em cada página, as marcas da época em que foi escrito, o início dos anos 70. Muito literário, é lídimo representante da ficção científica New Wave, tanto no que ela teve de bom como no que teve de menos bom. O conto passa-se todo numa festa de gente fina, no futurista (à época) ano de 1999, cujos principais motivos de interesse são a presença de um homem multicentenário, possivelmente imortal, e de um telepata. No fundo, hoje este conto seria mais depressa visto como fantasia urbana do que como ficção científica.

O tom é mais fútil do que introspetivo, como cai bem ao ambiente. Mesmo assim, Silverberg, com um estilo quase psicadélico, consegue roçar por uma reflexão sobre a mortalidade humana, ainda que pouco aprofundada, e a sua prosa é tão evocativa que é até capaz de chegar ao leitor através dos estragos que o nosso velho amigo Euriico da Fonseca lhe causa. Mesmo não tendo gostado muito do conto não consegui evitar perguntar a mim próprio como se leria ele bem traduzido, ou no original, porque me pareceu que a sua principal força está, precisamente, no tratamento da língua, não no enredo, personagens ou ambiente.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Lido: O Barril de Amontillado

O Barril de Amontillado (bib.) é um dos contos de Edgar Allan Poe que mais aparece em coletâneas do autor e antologias, um dos seus grandes clássicos. Não será surpreendente, portanto, que esta tenha sido uma releitura, e até que já tenha falado do conto na Lâmpada. Por vezes, as releituras trazem algo de novo, pormenores que as leituras anteriores neglicenciaram, coisas assim. Mas desta vez não. Nada tenho de significativo a acrescentar ao que escrevi há dois anos.

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domingo, 22 de julho de 2012

Lido: Shepherded by Galatea

Shepherded by Galatea é uma noveleta de ficção científica bem dura, de Alex Irvine, cujo protagonista é um mineiro de diamantes em Neptuno. Começa com um imenso infodump sobre as condições ambientais no quarto gigante gasoso e o funcionamento da nave mineira que o protagonista pilota, o qual se lê quase como um manual técnico. Sim, o infodump não se limita a ser imenso; também é muito aborrecido. Normalmente, os autores que optam por despejar informação desta forma fazem-no por falta de habilidade e talento, mas não creio que seja propriamente o caso de Irvine. Pareceu-me que neste conto a ideia foi algo como "OK, vamos ver-nos livres desta parte logo de início para podermos contar a história decentemente depois." Ou seja, creio que se trata de estratégia, não de azelhice. Uma estratégia arriscada, mas que compensou o suficiente para ele se ver publicado numa boa revista do género. E a história que conta depois do infodump tem, de facto, algum interesse.

Mesmo assim, não gostei muito. Por causa do infodump, claro, mas não só. Também porque na história de Irvine os mineiros arriscam a nave e a vida a cada mergulho na atmosfera de Neptuno e me custa ultrapassar a inverosimilhança inerente a ter naves tripuladas a fazer um trabalho que sairia muito mais barato e seria muito mais seguro e até, provavelmente, mais eficiente, fazer com robôs. Por outras palavras, não vejo grande sentido na premissa básica, e esse sentido tem tanto mais importância quanto mais dura a FC pretende ser. E também porque a história que é contada depois do infodump tem algum interesse, mas não assim tanto quanto isso. Tem até muito de banal: há um triângulo amoroso, há mentalidade e atitudes de fronteira, há heroísmo e superação, há uma série de coisas já muito vistas, noutras histórias, e não só de FC. A originalidade está na mistura dos ingredientes, não nos ingredientes em si mesmos. E isso é pouco para compensar os defeitos da história. Esta não me parece que ultrapasse a mediania.

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sexta-feira, 20 de julho de 2012

Lido: Fantascom

Fantascom (bib.) é uma muito longa sátira de ficção científica, de João Barreiros, ambientada numa convenção de fantasia numa Lisboa futura e alternativa na qual a fantasia é o género literário por excelência, e os escritores que a escrevem são superestrelas. Especialmente um escritor, claramente inspirado em Filipe Faria.

Nesta novela, Barreiros diverte-se a gozar com Faria, com a fantasia enquanto género, com os editores, com os fãs, até consigo próprio e com os amigos que qualquer pessoa minimamente atenta ao fandom identifica sem nenhuma dificuldade e que constituem um grupo de "anarco-terroristas", escritores de FC frustrados e sem público, que procuram, naturalmente, destruir tudo. Fá-lo para se divertir, sim, mas também para transmitir as suas ideias sobre a relação entre a FC e a fantasia, os leitores e as editoras, enfim, o meio em que se move literariamente há algumas décadas.

O problema é que qualquer pessoa minimamente atenta ao fandom já está farta de conhecer essas ideias. Porque assomam à superfície à mais leve oportunidade e porque há pelo menos vinte anos que se mantém inalteráveis. E isto é problema porque contribui para tornar a história chata. Não está em causa concordar-se com elas ou não — pessoalmente, concordo com algumas, e acho outras perfeitamente disparatadas — apenas a repetição, o reiterar da mesma conversa de sempre, a total ausência de novidades.

E não é só isso a tornar a história chata. As personagens, compreensivelmente caricaturais numa história como esta são, todavia, adjetivadas de forma desnecessariamente repetitiva. Uma é sempre cruel, outra invariavelmente bondosa, outra não aparece sem que esteja a comer ou tenha acabado de o fazer, entre arrotos, e etc. Mas pior é a quase ausência de história ao longo de muitas, muitas páginas. O Barreiros de antigamente, com as suas histórias repletas de uma ação quase barroca, só assoma à superfície perto do fim; o resto é um nunca acabar de descrições e conversas em que quase nada acontece.

Cada um destes problemas, individualmente, seria coisa de pouca monta. Mas juntos tornam este texto medíocre. Reduzido a metade, concentrado, podia ter sido um bom conto, talvez até excelente; assim, está muito longe disso. E ainda é piorado por uma péssima revisão, que deixa passar dezenas de calinadas. Página sim, página não, mais coisa menos coisa, lá vem uma daquelas de torcer o nariz, quando não é mesmo de bradar aos céus. Pura e simplesmente não é desculpável que palavras como "começe" acabem publicadas. Já não o era antes de todos os computadores estarem equipados com corretores ortográficos, e muito menos o é agora que estão.

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quinta-feira, 19 de julho de 2012

Mais dois contos no II

Desde que falei dele, aqui, o Infinitamente Improvável cresceu. Recebeu uma vinheta de João Ventura, Sem Maneiras, sobre... bem... sobre excessos e as suas consequências, numa escala verdadeiramente cósmica. E uma noveleta (sim, sim, noveleta) de Tibor Moricz, a primeira participação brasileira. Esta, intitulada Variável da Imponderabilidade, é uma história de ficção científica que nos apresenta uma sociedade organizada de forma infinitamente improvável e nos mostra aquilo que um homem tem de fazer para ganhar as eleições. Ou não.

Contava ter por esta altura duas ou três histórias lá publicadas. Tenho cinco. Há aqui um certo ultrapassar de expetativas. Se perdurar, será excelente.

O que ainda não há é nenhuma história inspirada noutra. O tal diálogo ainda não se estabeleceu. Sempre achei que seria essa a parte mais complicada da ideia — suficientemente complicada para fazer com que alguns autores pusessem logo de parte a ideia de participar — e parece confirmar-se, embora ainda seja cedo para o afirmar taxativamente.

A ver vamos...

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Lido: O Silmarillion

O Silmarillion (bib.), de J. R. R. Tolkien, é uma coletânea reunida após a morte do autor pelo filho, Christopher Tolkien, o qual pegou numa variedade de textos dispersos do pai e fez de uns algo semelhante a contos, amalgamando os outros numa longa narrativa episódica que tem semelhanças com um romance. Todos esses textos se referem a acontecimentos que terão decorrido no universo ficcional tolkieniano antes dos tempos d'O Hobbit e d'O Senhor dos Anéis, servindo como uma espécie de história, ou de mitologia prévia, de grande pano de fundo contra o qual decorrem as histórias mais bem conhecidas.

E na verdade, a forma como o leitor encarar esta coletânea irá depender diretamente da forma como saiu da leitura das histórias de Bilbo e de Frodo. Nem se pense ler O Silmarillion sem se ter antes lido pelo menos a trilogia em que Frodo transporta o anel. Porque embora aqui se incluam dois textos que funcionam bem enquanto objetos literários, dois textos que mimetizam bem antigos mitos de criação e são autonomamente interessantes por causa disso, estes são os textos mais pequenos e todos os outros pouco passam de exercícios de worldbuilding sem grande interesse intrínseco. Um leitor tão interessado na construção de mundos que dispense as histórias que esses mundos contêm talvez se contente com as narrativas dispersas e apressadas que poderá encontrar aqui, mas não creio que os leitores comuns sejam capazes de tanto.

Por outro lado, para quem leu O Senhor dos Anéis e se tornou aí fã de Tolkien, e em especial para aqueles que ficaram enfeitiçados pelo mundo que ele cria, este livro é um prato cheio. Porque aqui se explicam muitas coisas que são apenas sugeridas na trilogia e n'O Hobbit, porque, apesar das lacunas, é aqui que todo o substrato histórico-mitológico fica desenhado, e porque este livro enquadra a trilogia no esquema mais vasto da grande narrativa baseada no combate entre as forças do bem e as do mal que constitui a história do mundo tolkieniano desde o seu surgimento.

Mas para alguém como eu, que leu O Senhor dos Anéis e não se tornou fã de Tolkien, O Silmarillion é uma leitura bastante aborrecida. Se vos desagradou o maniqueísmo da trilogia, aqui vão encontrá-lo elevado ao cubo. Se acharam a escrita de Tolkien maçuda, aqui ela vai sê-lo muito mais. Se todos aqueles nomes de criaturas e lugares vos confundiram ou aborreceram na trilogia, aqui vão encontrá-los multiplicados por dez, e sem mapa que vos oriente (bem, há um mapa, mas está muito, muito longe de bastar).

Sim, há algumas histórias com interesse, os dois contos-mitos mais pequenos que já referi e alguns dos fragmentos que constituem o texto maior. Mas dão quase todas uma sensação de esboço apressado e incompleto de algo que nunca chegou a ser escrito. Espinhas dorsais, mais ou menos elaboradas, não verdadeiras histórias. E é precisamente isso, claro, o que são, tanto as histórias mais desenvolvidas e interessantes como as que o estão menos. Para os fãs chegam, porque lhes amplificam e desenvolvem a experiência d'O Senhor dos Anéis. Compreendo perfeitamente que assim seja. Mas quem, como eu, não achou essa experiência grande coisa precisaria de mais para conseguir gostar deste livro; não é amplificando uma experiência pouco agradável que se conquista alguém.

Em suma: não gostei deste livro. Mas aconselho sem grandes reservas a sua leitura a todos aqueles que já leram Tolkien e gostaram: acho bastante provável que vos agrade.

Eis o que achei de cada um dos textos individualmente considerados:
Este livro foi comprado.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Infinitamente Improvável

Tenho um anúncio a fazer: abri um webzine. Chama-se Infinitamente Improvável.

O Editorial explica tudo, como a ideia surgiu, porque foi posta em prática, etc. Também remete para a página mais importante da moldura do zine, esta, que explica em linhas gerais o que se pretende. Como lá vem escrito, "o Infinitamente Improvável publica contos e outras coisas literárias que sejam... infinitamente improváveis." Isto é vago? É. Mas foi deixado vago de propósito. Mesmo a informação complementar que essa página contém é algo vaga. Porquê?

É frequente a criatividade precisar de estímulo, de um arranque. Mas também é frequente ficar abafada quando se lhe são impostos limites demasiado estreitos, embora o que seja "demasiado" varie muitíssimo de autor para autor (e até de momento para momento). Por isso, quando concebi o zine tomei algumas decisões.

A primeira, e mais importante, foi criar uma delimitação que o individualizasse. Compreendo bem a necessidade que as publicações dirigidas ao mercado genérico têm de tentar agradar ao máximo possível de públicos, maximizando assim a visibilidade e, por vezes, o retorno financeiro. Mas sinto falta de publicações com individualidade forte, especialmente em Portugal. É isso que o II pretende ser.

Por outro lado, não quis afunilar demasiado o âmbito do zine. Daí a vagueza.

Mas por outro lado ainda, pareceu-me que talvez alguns autores precisassem de algo mais concreto que os auxiliasse a perceber, mais ou menos, o que se pretendia. Portanto decidi começar por publicar dois contos meus que se encaixassem no que pretendo. No editorial chamei-lhes balizas, mas pensando melhor creio que a imagem mais adequada é a de escoras. Um par de estacas que atraiam e solidifiquem a duna de histórias que desejavelmente se irá ali construir.

Esses contos já lá estão. Um, A Injeção Financeira, já tinha sido aqui publicado na Lâmpada, e fala de um tipo que anda a precisar de meter finanças para a veia. O outro, Pandorama, é novo e vai buscar um certo mito grego, misturando-o com cosmologia, extraterrestres e universos alternativos.

Não planeava passar tão depressa da criação do espaço ao seu anúncio oficial. Mas as submissões começaram a chegar, e isso levou-me a acelerar tudo. Inclusive a publicação da primeira dessas submissões, de Miguel Hernâni Guimarães. Intitula-se Decepções da Paternidade e é uma ficção científica carregadinha de ironia, na qual se reconhecem certas figuras e instituições muito presentes nos últimos tempos nos noticiários portugueses.

Mas o pormenor mais original na proposta que ali é feita é este: "o Infinitamente Improvável não só autoriza como encoraja que as histórias [lá] publicadas sejam usadas como fonte de inspiração para novas histórias. Satirizando-as, levando-as por outros caminhos, qualquer coisa menos copiando-as." A ideia é que o II não seja apenas um repositório de histórias, mas sim uma rede de textos que dialogam uns com os outros. Bem sei que não o será por completo, que haverá histórias que permanecerão sozinhas e isoladas, mas a ideia é que essa rede surja. Até porque isso mostrará que as histórias são realmente lidas, não se limitam a estar lá. E propiciará que o todo ultrapasse a mera soma das partes que o compõem.

Mas agora é com vocês, autores e leitores. A primeira metade da minha parte está feita. Abri o espaço e fiz a proposta. Cabe agora a vocês aceitá-la. Ou não.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Lido: O Monstro Marinho

O Monstro Marinho é mais uma pequena história de Pedro Medina Ribeiro. A atmosfera volta a ser antiga, mas o estilo nem tanto. É um conto que joga com velhas lendas de marinheiros, misturando-lhe uma história de naufrágio, mas de uma forma algo estilhaçada que não me agradou muito. Compreendo a motivação e a experiência, mas julgo não ter sido inteiramente bem sucedida. Isto, sublinhe-se, refere-se ao corpo do conto, porque o fim é magnífico. Aquele final merecia um conto mais bem elaborado, provavelmente mais longo, por forma a dar tempo a fornecer toda a informação necessária de uma forma menos concentrada e melhor interligada.

Contos anteriores desta publicação:

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Lido: Nem Tudo é História

Nem Tudo é História (bib.), de David Mourão-Ferreira, é um conto curto tão onírico que se torna quase indescritível. Embora esteja muitíssimo bem escrito, e por esse lado seja irrepreensível, não me agradou. De novo voltamos à velha história da forma e do conteúdo. A forma deste conto é de primeira água? É. Mas o conteúdo é um conjunto de imagens bastante desgarradas que não me transmitiram nada. Li o conto, saboreei os pormenores na escultura da linguagem que ele me foi apresentando, mas esqueci-o tão prontamente que para escrever esta curta opinião tive de voltar a ler algumas passagens até me vir à mente alguma ideia difusa do conteúdo. Se me falarem dele daqui a uma semana será como se nunca o tivesse lido. Passou-me pelos olhos como uma aragem morna, nada mais. De que serve assim a literatura?

Dito isto, decerto que outros leitores o verão de outra forma. É mesmo assim que as coisas são. Eu não gostei lá muito. Vocês? Não sei.

Lido: Febre Fantasma

Febre Fantasma (bib.) é uma vinheta de Bruce Holland Rogers que mimetiza a descrição de uma doença num almanaque médico. Não costumo achar grande interesse a este tipo de artifício, mas Rogers inclui, em "etiologia popular" e "tratamento popular", uma deliciosa historinha de fantasmas — ou de amor fantasmagórico... ou talvez seja mais certo falar de desejo fantasmagórico — ambientada na Amazónia brasileira que, para mim, vale o conto. Não o levará ao "muito bom", talvez, mas certamente o leva ao "bom".

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Lido: Contos Galácticos

Contos Galácticos (bib.) é uma coletânea de contos de ficção científica, de James Blish. Trata-se de histórias já antigas, com mais de meio século de existência, e por vezes isso nota-se demasiado. Resta nestas histórias muito pouca frescura; a maioria das ideias já está algo bafienta, e o estilo em que foram escritas é, em quase todas, demasiado campbelliano para delas se conseguir obter muito mais que a ideia.

Apesar disso, apesar de dois destes contos serem, hoje, leitura penosa, há aqui um par de histórias francamente boas, e uma terceira que lhes é apenas um pouco inferior. Na globalidade, portanto, a leitura vale a pena, em especial para quem consiga abstrair-se da tradução à Argonauta e dos sinais de idade que mesmo as boas histórias mostram. Ler este livro sem essa perspetiva histórica talvez não seja boa ideia, e isto vale, aliás, para qualquer livro de ficção científica não contemporânea porque não há género literário que se torne obsoleto mais depressa. Mas com ela a qualidade das histórias que a têm pode ser bem apreciada.

Sem os dois contos mais fracos teria visto aqui uma boa coletânea de ficção científica, bem representativa da FC que se fazia na década de 1950. Com eles, porém, acho que não passa do razoável.

Eis o que achei de cada um dos cinco contos e noveletas:
Este livro foi comprado.

Lido: O Figurão Espanhol

O Figurão Espanhol é um conto de Honoré de Balzac, ambientado durante a Guerra Peninsular e a ocupação francesa de Espanha. Nele se relata uma história rocambolesca, com algumas semelhanças com O Mistério da Estrada de Sintra, de Eça e Ortigão, que provavelmente não serão casuais, entre múltiplas referências ao caráter fogoso dos espanhóis. Um médico francês é raptado por um misterioso indivíduo para proceder a um parto clandestino, e no decorrer da trama vêm a descobrir-se uma série de detalhes sobre amores ilícitos e traições, tanto pessoais como nacionais. Deixou-me bastante indiferente. Achei algo curioso o retrato de uma época, e um pouco mais o viés chauvinista que o retrato denuncia no escritor, mas tirando isso pouco interesse vi no conto. É um bom conto, parece-me, mas não corresponde aos meus gostos.

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domingo, 1 de julho de 2012

Lido: Bip

Bip (bib.) é uma longa noveleta de ficção científica de James Blish que, apesar de um certo clima space-operático (há batalhas espaciais a decorrer em pano de fundo), é altamente filosófica e se debruça sobre o conceito de destino e o determinismo ou o livre arbítrio. Tudo gira em volta de um tal comunicador de Dirac, que permite a comunicação instantânea a distâncias interstelares... e não só. Este comunicador é fulcral para o funcionamento de um serviço secreto que promove o estabelecimento de uma civilização galática unificada, não só na sua função primária de comunicação em tempo real entre pontos imensamente distantes, como no curioso efeito secundário que o seu funcionamento desvenda.

Trata-se de um típico conto "de ideia", pouco interessado na elaboração de personagens ou ambiente social, concentrado quase em exclusivo na ideia em si mesma, em algumas das suas consequências, e na forma como aconteceu a descoberta do efeito secundário. Para isso, Blish socorre-se de uma longa analepse, com um clima quase policial, e o conto funciona em boa medida por causa disso. O modo como o Serviço funciona é um mistério, que se mantém de pé quase até ao fim, e o autor mostra-se hábil a geri-lo, deixando pistas subtis aqui e ali. Que a ideia ainda não se tenha esgotado também ajuda. Sim, a noveleta é antiga: já tem mais de meio século. Mas a discussão sobre se o nosso universo é determinístico ou não mantém-se válida, ainda que certos fenómenos já largamente comprovados, como a mecânica quântica, forneçam fortes indícios de que não o é. Tudo somado, faz com que esta história se mantenha de pé e me pareça ser das melhores do livro.

Contos anteriores desta publicação:

Lido: Post Mortem

Post Mortem, de Pedro Medina Ribeiro é mais um conto de terror em que finalmente se abandona o século XIX, ou anterior, e se dá um salto a tempos mais modernos, já providos de automóveis e computadores. Não por coincidência, é também dos contos de que mais gostei até agora. Um homem chega às instalações da Polícia Judiciária, onde é informado de que foi inocentado da suspeita que sobre ele pesava de um crime de morte, algures no interior do Alentejo. E mostra ao inspetor responsável pela investigação um texto que pretende fazer publicar, no qual se relatam as fantasmagóricas circunstâncias que rodearam a sua participação no caso, texto esse que acaba por constituir a porção mais extensa do conto de Ribeiro. Não é uma estrutura propriamente original — por coincidência eu tinha lido pouco antes este conto de Maupassant que tem uma estrutura muito semelhante... e a desenvolve melhor —, tal como não é original o final do conto. Mas pese embora seguir por caminhos já trilhados, estes não são muito comuns e o conto constrói de forma eficaz a atmosfera inquietante que pretende criar, além de estar bem escrito. É, pois, um bom conto, parece-me.

Contos anteriores desta publicação:

Lido: A Maravilhosa História do Internamento

A Maravilhosa História do Internamento (bib.) é um conto fantástico de Carlos Wallenstein sobre relações de trabalho e de poder numa empresa industrial. Contado na primeira pessoa por um autodesignado "industrial honesto", que se apresenta com o pseudónimo de Benjamim Elefante para, como afirma, tentar evitar manchas na sua reputação, relata uma série de peripécias, traições e crimes de que terá sido vítima, trazidos ao seu conhecimento por uma operária, de nome Marta, que lhe vai um belo dia bater à porta. Tudo isto com fantasmagorias à mistura. No fim, acabamos por descobrir que das duas uma: ou o "industrial honesto" é um biltre com um ténue vestígio de bom coração, ou um louco. Talvez as duas coisas. E o mesmo se pode dizer dos sócios e provavelmente de toda a classe de que faz parte.

O conto é basicamente uma sátira sociológica com ideologia clara. Até um pouco panfletário. Ou mais que um pouco. Isso tem consequências na unidimensionalidade das personagens, e essa unidimensionalidade contribui para tornar a história previsível. Mas Wallenstein acaba por subverter a previsibilidade com a introdução do elemento fantástico, o qual só surge perto do fim. É uma forma inteligente de dar algo mais a um conto que podia ter sido muito banal. Assim sempre se eleva acima da mediania, muito embora não me tenha agradado muito. Não me parece que chegue a ser um bom conto, mas aproxima-se disso.

Lido: O Monstro de Trapos

O Monstro de Trapos (bib.) é uma vinheta de Bruce Holland Rogers, com um pé no horror e o outro na banalidade do quotidiano. Fala de uma mulher que queria fazer uma colcha de trapos e para isso passou a vida a acumulá-los, aos trapos, sem nunca chegar a fazer a colcha. E depois de morrer, os trapos ganham vida. Talvez. Não é das histórias que mais me tenham agradado, mas tem aquela relação de uma narrativa económica com a procura de soluções inesperadas para obtenção de um máximo de efeito que é habitual no autor. E que faz com que muitas vezes seja difícil falar dos seus textos sem estragar a experiência a quem ainda não os leu.