quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Típica conversa ao telemóvel com a minha mãe

As minhas conversas ao telemóvel com a minha mãe são todas mais ou menos assim:

Telefono eu. Ela atende. Levo meio minuto a ouvir ruídos de fundo e entretando vou dizendo:
— Tou?... Tou?... Tou?...
— Tou?
— Tás-me a ouvir?
— Tou?
— Tás, sim. Tás-me a ouvir ou não?
— Tou?
— Arre! Tás!
— Lá está outra vez esta bodega avariada.
Desliga. Eu volto a ligar. Repete-se a cegarrega de ruídos de fundo e de tou-tou-tás-tou, até que eu, já farto, berro:
— TOU!
— Ai, Jorge, para que estás aí a berrar? Que disparate é esse?
Eu engulo em seco.

E paciência, vende-se?

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Lido: Discurso Inaugural

Discurso Inaugural é um conto de ficção científica do argentino Fabián Labeau, já com uns aninhos em cima, que é precisamente aquilo que o título indica: o discurso de um cientista de renome que inaugura uma conferência. Como todos os contos do género, trata-se de infodump puro, e aí reside a sua principal fraqueza, embora haja bem pior. O orador conta, para benefício da plateia, a história de uma peculiar família de moléculas que terão a propriedade de causar nas pessoas distúrbios comportamentais violentos e que teriam sido usadas no dinheiro durante boa parte do século XX. Quem acha que a FC se resume a ideia talvez goste desta história... ou não, no caso de achar a dita disparatada. Eu, confesso, não acho que a ideia seja das melhores e não gosto mesmo nada (e cada vez gosto menos) deste tipo de contos. Não gostei. Quem tiver curiosidade, encontra-o aqui.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Lido: Noite de Paz

Noite de Paz é um conto curto de Nuno Markl, escrito em jeito de sketch como seria de esperar dos antecedentes do autor, no qual o Pai Natal e o Menino Jesus se encontram inopinadamente numa dada casa nas vésperas do natal e se põem a discutir um com o outro sobre qual deles teria direito a dar ali presentes. É, topa-se à légua, um texto de Markl, repleto das peculiaridades que o autor põe no que escreve para a rádio e a TV. É um texto escrito para ter piada, não para ter valor enquanto objeto literário. E tem alguma, mas confesso que não lhe achei muita. A culpa, nisso? É tanto minha como do conto, parece-me.

O efeito placebo e os casmurros

Toda a gente sabe o que é o efeito placebo: dá-se um comprimido de qualquer coisa inócua a um doente, convence-se o pobre de que se trata de um medicamento, e o comprimido tem realmente um efeito terapêutico, apesar de não servir para nada. Li ou ouvi algures há algum tempo que o efeito placebo é responsável por qualquer coisa como 40 a 60 porcento da eficácia dos tratamentos médicos. Embora ainda ninguém saiba com toda a certeza como é que o placebo funciona, parece que tem a ver com a ação das hormonas de stress que, como toda a gente sabe, têm um efeito inibidor sobre o sistema imunitário. Ao convencer-se o doente de que está a ser tratado de uma forma eficaz, os seus níveis de stress reduzem-se e é o próprio sistema imunitário do seu corpo que produz a cura, ou pelo menos a atenuação dos sintomas e da gravidade da doença.

Infelizmente, isto também quer dizer que existe uma espécie de efeito placebo inverso. Se o doente mete na cabeça que o tratamento que está a receber não tem nenhum efeito positivo ou, pior um pouco, que só o põe mais doente, é certo e sabido que acaba mesmo por piorar ou pelo menos por não obter do tratamento todo o seu potencial. É ele próprio que combate a cura. É ele próprio que causa a deterioração da sua saúde por pura falta de crença na eficácia da medicina.

E é por isso que é tão desesperante lidar com doentes casmurros, daqueles que metem uma coisa na pinha e não desbancam. Especialmente quando se trata de pessoas que queremos ter por perto para sempre. Porque queremos ajudá-los mas eles não deixam e não percebem (ou talvez não lhes importe) que ao não deixarem estão não só a prejudicar-se a si próprios mas também a esfrangalhar-nos os nervos a nós. Porque lhes explicamos as coisas e não acreditam. Porque acham que sabem melhor do que toda a gente como as coisas são, apesar de tudo indicar o contrário. Porque, porra, são casmurros como o raio que os parta.

É um desespero. É uma frustração que se vai acumulando até parecer que a única coisa que nos preenche é a vontade de gritar. É insuportável. E não há solução. Apesar de apetecer enfiar-lhes as coisas na cabeça, à marretada se necessário, isso de nada serve. É inútil sequer tentar. Nada entra.

E isto também se aplica, diga-se de passagem, embora de uma forma mais suave, a outros casmurros que, não estando doentes, também beneficiariam sobremaneira da ajuda que lhes poderíamos dar.

Lido: O Mundo de Jon

O Mundo de Jon (bib.) é uma noveleta de Philip K. Dick sobre viagens no tempo. Como muitas vezes acontece, o motor da história é a vontade, por parte de um grupo de cientistas, de regressar a um ponto do passado e alterar um acontecimento crucial que terá desencadeado uma sucessão de outros acontecimentos que terão desembocado num presente de pesadelo. Neste caso, presente deles, futuro nosso. Já todos vimos variações desta história no cinema e na TV (nos filmes da série Terminator e na série Sarah Connor Chronicles, por exemplo), e é bem sabido que quando isso acontece estamos já no reino do cliché. Ora, o facto de ter no seu fulcro um cliché tantas vezes utilizado reduz significativamente o impacto desta história de Dick, mesmo sabendo-se que ela tem já mais de meio século de existência e que a transformação das ideias em cliché foi posterior.

Mas mesmo descontando esse fator não me parece que esta seja uma das boas histórias de Dick. Porque o forte de Dick, aquilo que o içou à condição de monstro sagrado da FC, é a criação de uma atmosfera paranoica e os enredos complexos e imprevisíveis, e aqui não encontramos nem uma coisa nem a outra. De facto, a história é bastante previsível desde o início, o que só é amplificado pelas visões de que o filho do protagonista sofre, filho esse que só aparece na história para, precisamente, nos "mostrar" as tais visões, uma opção que me parece algo contraproducente. Como além do mais há uma série de diálogos tão didáticos que roçam a velha pecha de muita FC que é o como-sabes-Bob, acabei por achar o todo bastante insatisfatório.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Lido: The Melancholy Death of Oyster Boy & Other Stories

The Melancholy Death of Oyster Boy & Other Stories é um pequeno (115 páginas) livro de Tim Burton que tem desde 2007 edição portuguesa, mas eu li no original. Trata-se de um livro de pequenos poemas que contam histórias igualmente pequenas sobre bizarras criaturinhas cheias de desespero existencial. Crianças, quase todas, e quase todas dotadas de uma ou mais características insólitas que as separam da vulgaridade e as transformam em párias. O rapaz que é meio ostra do título, a rapariga feita de lixo, a outra que é uma boneca de vodu, a que olha fixamente, etc.

Há horror nestas historinhas. E melancolia e insólito com fartura. E o desespero existencial de que falei acima. Mas o que achei mais interessante no livro foi a estranha mistura entre um ritmo e uma atmosfera tão sugestivos das histórias e rimas infantis com o humor bem negro que perpassa por quase todos os poemas e historietas. Um exemplo muito curtinho, traduzido por mim agora mesmo num instante:
James

Insensatamente, o Pai Natal ofereceu a James um ursinho de peluche, sem saber que
ele tinha sido mutilado por um urso pardo alguns meses antes.
Estão a ver, não é? São pequenos textos muito sugestivos, muitos dos quais resultariam igualmente bem em verso e em prosa, independentemente das rimas que contêm. E além disso, todos estão profusamente ilustrados pelo próprio Burton, com desenhos que, não raro, dão às historinhas uma camada adicional de significado. É um livro muito bom. Compreendo perfeitamente quem o adora.

Independentemente disso, esta não é propriamente a minha praia. Julgo que gostei o mais que me seria possível gostar de um livro deste tipo, mas não o terminei com aquela sensação de satisfação emocional que se obtém das leituras de que gostamos mesmo. Ou talvez tenha sido uma questão de timing. Talvez na altura em que o li não estivesse com abertura de espírito para este tipo de macabro, que por mais doce que seja não deixa de ser isso mesmo: macabro. Talvez. O certo é que gostei, mas não muito.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Lido: O Anibaleitor

O Anibaleitor é uma curta novela de Rui Zink que acompanha as desventuras e o crescimento de um jovem aventureiro e ignorante, o qual, depois de se ver obrigado a embracar por causa de uns mal-entendidos com a polícia (mal-entendidos nenhuns; o puto era larápio), vem a descobrir que o navio em que se engaja tem um comandante enlouquecido, à Ahab, o qual tem por único objetivo na vida a captura de um estranho animal gigantesco e mitológico, que ele afirma a pés juntos que existe, e que se chama "anibaleitor".

Depois não há propriamente o naufrágio das histórias de aventuras, mas o protagonista é atirado ao mar por uma onda enorme e claro que vai mesmo encontrar o tal anibaleitor, que se vem a revelar um gorila gigantesco, falante, sem paciência para parvoíces e amante da literatura que obtém dos livros que vão dando à costa na sua ilha.

A partir daí, a história transforma-se num hino à leitura e à literatura, numa autêntica aula sobre o que significa ler, a sua utilidade, qual a relação que existe entre o escritor, o que ele escreve e o que o leitor vai ler, a subjetividade inerente ao ato de leitura e o que é, de facto, a qualidade. Uma aula a que muita gente muito senhora do seu nariz, que anda por aí a debitar disparates sobre estas coisas, teria toda a urgência em assistir. Tudo muito cheio de referências, claro, começando pelo próprio Anibaleitor, que é uma versão muito zinkiana do King Kong.

À semelhança de Firmin, aqui comentado há um par de meses, é mais um livro que se socorre do fantástico para tecer comentários sobre a sociedade em que vivemos e, também como em Firmin, fá-lo através da relação entre a nossa sociedade e os homens que a constituem, por um lado, e os livros pelo outro. Ainda como em Firmin, está também aqui tratado o tema da aceitação da diferença ou da intolerância para com ela. Mas as semelhanças acabam aí. O livro de Zink é mais divertido e menos melancólico, apesar de também ter a sua dose de melancolia, em especial na visão do mundo que o Anibaleitor tem (bastante cínica, e quem pode censurá-lo?) e no desenlace da história.

Tudo somado, gostei bastante. Não é nenhuma obra-prima, tem um tipo de humor que nem sempre ressoa bem com o meu mas que quando ressoa chega a ser capaz de me pôr a gargalhar. Além disso tem conteúdo, e um conteúdo francamente interessante, o que nem sempre acontece. E lê-se duma penada, com a fluidez e limpidez dum riacho de montanha. Recomendo.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Lido: A Conspiração dos Abandonados

A Conspiração dos Abandonados (bib.), livro de "contos neogóticos" de António de Macedo, conforme se esclarece à laia de subtítulo, contém as seis ficções listadas abaixo, com links para as opiniões sobre cada uma. Apesar da unidade sugerida pelo título da coletânea e pelos títulos das histórias, estas são bastante diferentes umas das outras e vão desde registos próximos ao conto tradicional até exercícios que se achegam ao horror cósmico à Lovecraft, passando pela recuperação de temas e ambientes que o autor já antes tinha explorado.

É um livro em que as qualidades e defeitos das prosas de Macedo estão bem patentes. Como acontece quase sempre, agradaram-me muito mais as histórias em que Macedo se dedica a um fantástico mais tradicional do que aquelas em que trilha outros caminhos, sempre mais ou menos esotéricos. Curiosamente, ou talvez não, aquelas são as histórias mais curtas que este livro contém e o grosso do volume é composto por estas. Para o meu gosto pessoal isso é problema sério e faz com que, embora tenha mais ou menos gostado de dois dos contos não tenha gostado do livro como um todo. Gostos diferentes terão opiniões diferentes, como é natural. Mas há um problema que é mais objetivo e teria sempre impedido que eu tivesse gostado muito deste livro: os diálogos. Com raras exceções, falta aos diálogos de Macedo a naturalidade, o saber usar o registo oral, que lhes daria vida e interesse. Todas as personagens falam da mesma forma, e todas soam insuportavelmente presunçosas. E eu cada vez gosto menos de quando isso acontece.

Quanto às histórias, são estas:

Lido: A Cidade Abandonada

A Cidade Abandonada (bib.) é uma noveleta de António de Macedo que ressoa com a miríade de histórias que foram sendo escritas ao longo dos séculos XIX e XX sobre escavações arqueológicas e as coisas diabólicas, perigosas e/ou inesperadas que os imprudentes arqueólogos ou caçadores de tesouros nelas encontram. Tem, contudo, a originalidade e o interesse (note-se que este interesse é genérico; não significa necessariamente que me tenha interessado a mim) de passar-se no Iraque, entre portugueses, na época que se sucedeu à guerra e em que esteve estacionada no país, concretamente em Nassíria, uma companhia da GNR. Tem também a originalidade e o interesse de acabar por envolver viagens no tempo, com paradoxo e tudo. E tem também, naturalmente, aquelas coisas habituais no autor: uma dose elevada de hermetismo, dimensões paralelas e criaturas sobrenaturais, e diálogos que eu acho quase sempre demasiado explicativos e forçados. Para quem gosta dos temas e escrita do autor, esta noveleta deve ser um belo acepipe altamente recomendável. Eu, que só raramente gosto, achei-a chatíssima (e não há nada mais subjetivo do que o que é chato ou deixa de o ser), não só porque o tema propriamente dito não me interessou, mas também porque me pareceu tratado de forma demasiado demorada e arrastada. É bastante provável que este segundo porquê seja em boa medida consequência do primeiro. E quanto ao primeiro, o problema está mais em mim do que em António de Macedo: não me lembro de ter lido alguma história deste género que me tivesse realmente despertado o interesse, fosse qual fosse o autor. Arqueologias amaldiçoadas despertam-me sempre vontade de bocejar.

Lido: Enquanto Durar o Sol

Enquanto Durar o Sol (bib.) é mais um conto de Italo Calvino protagonizado pelo eterno extraterrestre Qfwfq, embora neste caso talvez seja mais correto dizer-se que é protagonizado pela família do eterno extraterrestre Qfwfq, pois o conto debruça-se sobre as desavenças conjugais entre o avô de Qfwfq e a avó, a pretexto da decisão sobre onde passar a residir depois de a família inteira ter sido expulsa do anterior local de residência pela explosão duma supernova. Passa-se isto nos primórdios do sistema solar, na época em que a própria estrela ainda se ia condensando a partir da sua nebulosa original, e a talhe de foice Calvino vai transmitindo aos leitores umas noções elementares de cosmologia que até nem distorce muito, para variar. Apesar disso e da ironia "familiar", ou talvez por causa de ambas as coisas, não gostei por aí além deste conto.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Adamastor

Com certeza não haverá muitos leitores deste blogue que não saibam já da iniciativa, mas como me pediram para divulgar, cá vai. Até porque eu acho a ideia boa, embora de concretização francamente complicada no que toca às autorizações, em especial de material mais antigo mas ainda sujeito a direitos de autor e/ou de material recente cujos autores pretendam reeditar... o que na verdade é mais um motivo para que a coisa tenha toda a divulgação que for possível. Quanto mais gente houver a conhecer o que se passa, mais fácil, em teoria, será encontrar-se alguém que saiba como contactar Fulano ou Beltrano para obtenção das tais autorizações.

Trata-se do Projeto Adamastor, que pretende criar uma biblioteca virtual de ficção especulativa elaborada mais ou menos nos moldes do Projeto Gutenberg. Julgo que não vale a pena reproduzir aqui na Lâmpada o texto que apresenta a ideia. Podem lê-lo aqui. No mesmo local têm acesso a uma sondagem sobre se a ideia vos interessa e de que forma vos interessa.

Vão lá até lá, andem. Andor. A Lâmpada não foge, podem ficar descansados.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Pedimos desculpa por esta interrupção...

... o programa segue dentro de momentos.

A conjugação de uma tradução em fase de conclusão (concluída hoje, pim pam pum, fogo de artifício e acrobatas), tradução essa puxada por mais do que um motivo, com problemas familiares sérios e uma série de outras confusões, sarilhos e turbulências na vida offline levou à paralização deste blogue durante quase um mês. A gerência lamenta e promete despertá-lo muito em breve. Talvez ainda não para regressar à atividade normal, mas quase.

Até já.