quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Lido: Kaishaku

Kaishaku é mais um conto (ou, neste caso, noveleta) de ficção científica do cubano Yoss. Desta feita vamos encontrar uma Terra futura, devastada por uma espécie alienígena que surge de repente no sistema solar, o mesmo acontecendo a todos os postos avançados humanos nas várias órbitas e nos vários corpos celestes onde a nossa espécie se tinha instalado. Todos menos um; uma estação espacial em órbita da Terra guarda os últimos representantes da espécie humana. E é desta estação espacial que sai a protagonista da história para ir tentar compreender os motivos do genocídio.

Não gostei por aí além, confesso. Achei o conto demasiado cheio de infodumps para ser do meu agrado, mesmo que tudo o resto estivesse bem. Mas ainda por cima não me parece que esteja. É que, embora ache uma enorme parvoíce que se condene um texto literário por possuir ideologia implícita ou explícita (todos a possuem, mesmo — ou às vezes especialmente — os que tentam escondê-la ou fingir que ela não existe), julgo que começa a ser um problema quando se sacrifica o desenvolvimento da história e se tomam opções que a tornam demasiado inverosímil por causa dos problemas ideológicos ou filosóficos que se pretende abordar. Ou quando o autor sente a necessidade de a explicar. E isso, neste conto, é patente.

Creio que esta história podia ser bem contada num texto mais longo e mais subtil. Assim como está, não gostei. Quanto a vocês, podem decidir por vós mesmos, lendo-o aqui.

Lembram-se do "Puras Coincidências"?

Lembram-se do Puras Coincidências? Seria supostamente um conjunto de quatro contos e noveletas de FC, a publicar pela Antagonista, em livro duplo e acompanhado por uma novela de James Patrick Kelly. Pois bem: não sairá. A ideia começou a descambar logo no outubro seguinte, por motivos totalmente alheios à minha responsabilidade e, após várias peripécias, acabei por informar a editora em fevereiro último de que já não tinha interesse em publicar o livro com ela.

Fosse como fosse, com interesse da minha parte ou sem ele, havia um contrato, assinado pouco antes de eu ter escrito o post ligado acima, portanto o livro podia ainda ser publicado mesmo que eu torcesse o nariz à ideia. Até hoje. Hoje, o contrato expirou e posso anunciar que o livro não será mesmo publicado pela Antagonista e, naqueles moldes, por mais ninguém.

Noutros moldes, aqueles contos acabarão por vir a lume. Quando, como e onde é que ainda é cedo para dizer.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Vaporpunk / Dieselpunk - Há interesse?

Caros leitores da Lâmpada, fiéis ou infiéis, queria perguntar-vos se terão interesse em comprar exemplares das antologias da Draco em que participo, a Vaporpunk e a Dieselpunk. São ambas antologias retrofuturistas. A primeira é de steampunk e já tem o conteúdo no Bibliowiki, aqui; a segunda é de dieselpunk (óbvio) e ainda não houve tempo para adicionar ao site. Podem encontrá-las a ambas no site da Draco, claro, a Vaporpunk aqui e a Dieselpunk aqui.

São livros grandes, bastante cuidados e também caros. No Brasil estão à venda pelo equivalente a cerca de 22€ a Vaporpunk e 25€ a Dieselpunk. Embora caros, não são preços extraordinários em livros do género, mas para leitores portugueses são ainda aumentados pelos muito caros portes de correio que as encomendas do Brasil implicam, em especial quando os livros são pesados, como é o caso. No entanto, eu, como autor, tenho direito a desconto e posso conseguir arranjar-vos os livros mais ou menos por estes preços, mais portes domésticos (que ainda não fui saber quanto custam) se for caso disso. Mesmo que vos saia mais caro do que aos brasileiros, nunca será tão caro como sairia se os encomendassem vocês pelo correio.

Se houver interesse, avisem que eu mando-os vir e depois combina-se o resto dos detalhes. Para isso, têm a caixa de comentários, têm o twitter e têm o facebook. Cá fico à espera.

Lido: Os Besouros de Ouro

Os Besouros de Ouro (bib.) é uma noveleta de Clifford D. Simak passada nuns típicos subúrbios americanos e protagonizada por um banalíssimo pai de família cuja vida se vê abalada quando o filho descobre um peculiar pedregulho no jardim. Mais ou menos na mesma altura, aparecem-lhe no jardim e a andar pela casa umas criaturinhas insetiformes e douradas, os besouros de ouro do título. A história vai avançando numa progressão de estranheza, à medida que a verdadeira natureza alienígena de pedregulho e "besouros" se vai tornando clara e o subúrbio ameaça acabar engolido por aquelas incompreensíveis criaturas com um voraz apetite por metal. É uma história clássica de ficção científica com aquela mistura de banalidade e estranheza que é muito característica de Simak. E de que eu gosto bastante.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Londres

Em relação ao que se está a passar em Londres, tenho aqui umas interrogações que não me largam.

  1. Que moral tem quem apoia o saque institucional que nos assalta todos os dias para se opôr aos saques improvisados levados a cabo por adolescentes mentecaptos nas ruas de Londres?
  2. Se formos ao núcleo das coisas, existirá alguma diferença que não seja apenas de grau entre os ladrões das ruas de Londres e os ladrões de Wall Street?
  3. Invertendo a perspetiva, com que cara é possível seja a quem for opor-se aos saqueadores financeiros e desculpar ou desculpabilizar os saqueadores de pé descalço?
  4. Alguém vê realmente alguma consequência de todos estes saques a não ser a multiplicação das vítimas?
  5. Com que direito se prendem os criminosos de rua e se deixa os banqueiros a andar por aí?
  6. Com que direito se fala em decretar recolheres obrigatórios para parar com os saques de rua e se abrem os aeroportos para deixar entrar troicas e baldroicas?
E ninguém me responde de forma satisfatória a estas perguntas. Chatice do caraças.

PS: Ah, mais uma daquelas interrogações que não me largam: como é que alguém, sem se rir nem aventar a possibilidade de estar a ser idiota, pode sequer pensar que aqueles tipos que andam a partir coisas em Inglaterra enquanto combinam cenas no blackberry e sobem para o YouTube vídeos do que andam a fazer são gente que não tem nada a perder, gente despojada de tudo, patatipatata? Como é possível ser-se tão irremediavelmente parvo? Como?

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Lido: Imaginários 2

Imaginários 2 (bib.) é o segundo volume de uma série de antologias da Editora Draco, que já vai em quatro, na qual a editora se propõe reunir boa parte dos escritores brasileiros (neste caso incluindo também portugueses) de literatura fantástica atualmente em atividade. As antologias não são temáticas e, como sempre acontece quando assim é, isso deu azo a uma muito grande variabilidade de abordagens, estilos e intenções. Se para alguns leitores mais dados à variedade, mais dispostos a serem surpreendidos, isso constitui uma mais-valia, para outros pode ser um problema, podendo levá-los a achar a antologia desequilibrada simplesmente porque alguns contos se encaixam melhor nos seus gostos do que outros.

Eu situo-me algures no meio, embora mais inclinado para o lado dos primeiros. De facto, e descontando um par de contos que já conhecia e dos quais já gostava, aqueles que mais apreciei foram os que mais me surpreenderam. Mas não deixo de achar, mesmo assim, a antologia um pouco desequilibrada. A meu ver, há nela três contos muito bons, uma série de contos entre o mediano e o bom com reticências e um conto bastante fraquinho.

Mas o nível médio é alto. Uma antologia com três contos muito bons, em oito (eles são nove, mas um é meu e fica por isso de fora destes considerandos), só pode ser uma boa antologia. Eu sou dos tais incorrigíveis patetas que acham que já valeu a pena a publicação de uma antologia se ela contiver nem que seja apenas um conto muito bom. Nisso sou mesmo incorrigível, não há nada a fazer. Portanto é claro que acho que este livro vale plenamente a pena. E, obviamente, tê-la-ia valido mesmo sem o Flor do Trovão lá pelo meio.

Aqui têm o que pensei dos contos que fazem companhia ao meu:
Este livro veio-me parar às mãos por ter nele participado.

domingo, 7 de agosto de 2011

Lido: Uma Questão de Língua

Uma Questão de Língua (bib.) é um conto do decano da FC brasileira, André Carneiro, cujo ponto mais forte é o muito bom tratamento da linguagem. O enredo apresenta-nos um homem, discípulo de um "Mestre" cuja verdadeira natureza nunca fica clara, que vive fascinado por uma mulher misteriosa, amante de livros raros, a qual faria tudo por um determinado volume de Jorge Luiz Borges. O homem é especialista em fundir-se com o ambiente, em tornar-se invisível, embora também não seja claro exatamente como apesar de se sugerir vagamente o emprego de algum tipo de arte mágica. Foi um conto que me deixou algo ambivalente. Gostei muito do estilo nele empregue, do tratamento que nele se faz da língua, mas tanto a trama como o tema me deixaram com um certo sabor a pouco na boca.

Lido: Barbo

Barbo (bib.), conto curto de Natália Correia, é capaz de ser a mais famosa (e republicada) história de ficção científica portuguesa dos anos 60. Debruça-se sobre os dilemas do protagonista, o Barbo do título, terrestre de um futuro longínquo que, depois da Humanidade ser confrontada com uma catástrofe iminente, é enviado ao centro da galáxia para contactar com uma espécie alienígena que terá, supõe-se, a capacidade para ajudar a resolver o problema. Enquanto peça literária, em especial no que toca ao manuseio da língua, é um bom conto, como seria de esperar da autora; enquanto FC, porém, é bastante mau porque cai numa armadilha comum a muita gente que tenta escrever FC sem conhecimentos científicos para tal: usa o jargão da ciência e da tecnologia apenas como muleta linguístico-poética, num tecnobabble ainda com menos sentido do que o famigerado tecnobabble do Caminho das Estrelas, esventrando de caminho qualquer capacidade de suspender a descrença que as histórias de outra forma pudessem ter.

E além disso, é um conto em que algum misticismo anda de mão dada com muita ingenuidade, inclusivamente política. Bem sei que o tempo não se prestava a grandes clarezas políticas, e que uma espécie de ETs que mantém o equilíbrio do seu ambiente físico através da "harmonia da vontade coletiva" é, nas entrelinhas como tudo tinha de ser feito no tempo, altamente subversiva em ambiente de ditadura fascista, mas permanece o facto de isso constituir um forte óbice ao pleno desfrute deste texto enquanto FC, pois esta se baseia em tornar verosímil aquilo que à partida não o seria e esse tipo de entrelinhas não tem em atenção a verosimilhança. Persegue outros objetivos, bem distintos.

Pessoalmente, e precisamente por isso, até desculpo os contos anteriores a 74 que sofrem deste mal. Mas a muitos outros fãs de FC falta a compreensão, o conhecimento ou a tolerância para o fazer. Contos como este chocam de frente com as suas sensibilidades literárias. E o pior é que esta abordagem à FC não chegou ao fim com o fim da ditadura, antes se prolongou anos 70 e mesmo 80 adentro, através de autores, quiçá influenciados por contos como este, mas sem a capacidade de atualizarem a sua abordagem ao género (os dois exemplos mais claros são o Artur Portela e a Isabel Cristina Pires). Esse é que é, quanto a mim, o principal problema. Este conto, e outros da mesma época, são prejudicados por tabela pela falta de qualidade de obras posteriores que tornam difícil avaliá-los por si mesmos.

Tudo isto para dizer que sem se ter uma noção do contexto em que Barbo foi escrito não me parece possível que algum fã atual de ficção científica consiga gostar dele. Eu, mesmo com o contexto presente, não gostei lá muito.

Lido: O Véu

O Véu (bib.) é um conto curto de Teófilo Braga que deixa um sabor algo amargo na língua de quem o lê. Começa com o narrador a afirmar só ter tido um amigo, e depois a contar uma história que esse amigo lhe contou. Esta é uma história de fantasmas bem elaborada, que consegue criar eficazmente o clima romântico e angustiante que procura. Mas depois tudo termina de forma tão abrupta que esse final intempestivo destrói com eficácia maior ainda tudo o que o resto do conto logrou construir: uma o amigo do narrador interrompe a história, praticamente a meio duma frase, e o narrador diz não ter tido coragem para lhe pedir para continuar. Só isto. Com um final digno desse nome, este podia ser um bom conto. Com este final, não me parece que o seja.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Lido: El Incubado

El Incubado é a tradução para espanhol de uma novela do brasileiro Rogério Amaral de Vasconcellos, que parece não se encontrar disponível na web em português, talvez por ter tido em 2003 uma edição em papel, amadora, com o título de O Encubado (sic). Trata-se de uma história de ficção científica bastante space-operática, com toques de bizarro e de horror, ambientada num planeta distante que é alvo de colonização por seres humanos, os quais lá vão encontrar ruínas de anteriores colonizações por outras raças e um terrível perigo que a princípio desconhecem por completo. A história acompanha, de forma bastante clássica, o desenvolvimento da ameaça e depois o que os colonos fazem para a contrariar. É verdade que contém algumas ideias interessantes. É verdade que os leitores mais exclusivistas no que toca às ideias talvez vejam nelas o suficiente para gostar da novela (em especial se não conhecerem outras histórias com ideias semelhantes, que as há, e mais antigas). Mas, olhando-o globalmente, pareceu-me um texto bastante fraco e, não sei se devido à tradução para espanhol se devido a insuficiências do próprio autor, bastante mal escrito.

Pois é, não gostei. Sabem aqueles textos que parece que não permitem que nos concentremos na leitura? Que parecem estar sempre a expulsar-nos para outro sítio qualquer, sejam outros pensamentos, seja o sono? Foi precisamente essa a minha experiência com esta novela. Desconfio que daqui a uma semana já a terei esquecido por completo. Quanto a vocês, se quiserem arriscar, encontram esta tradução espanhola aqui.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Lido: E Outros Belos Contos de Natal

E Outros Belos Contos de Natal é uma antologia organizada por Miguel Neto que tem por objetivo gozar com o Natal, ou seja, reunir um conjunto de contos humorísticos cujo tema seja essa mais sacrossantíssima das quadras. Por desígnio ou por acaso, a maioria destes contos contém um forte elemento fantástico e entre os que não o têm forte a maioria tem-no fraco. Só dois ou três são totalmente realistas, o que é um apontamento que para mim é interessante.

De resto, há que reconhecer que poucas coisas são mais complicadas de se fazer do que reunir-se uma antologia de humor que realmente funcione para um público vasto. O humor é das mais complicadas das artes, e a reação de cada um perante um texto humorístico é sempre pessoalíssima, e portanto subjetiva. A consequência que isto tem para quem faz um livro deste género é oferecer-lhe duas opções: ou se decide por se focar num determinado tipo de humor, e chega assim apenas ao público restrito junto do qual esse tipo de humor funciona, ou então procura ser abrangente, tentando agradar um pouco a muita gente, o que é equivalente a dizer que corre o risco de não agradar realmente a ninguém.

Miguel Neto tentou ser razoavelmente abrangente. Não por completo, visto que todos estes contos troçam de uma maneira ou de outra com o Natal, mas à parte esse detalhe os tipos de humor que aqui se encontram são os mais díspares, da ironia fina do José Bandeira à meia bola e força do Manuel João Vieira.

Podia, também, ter posto a literatura à frente do humor, isto é, podia ter exigido textos literariamente fortes mesmo que pouco humor contivessem. Não o fez. Vários destes contos são literariamente fracos e um deles, o do Pedro Santo, é mesmo muito mau.

Ou seja: o resultado não me parece que seja famoso.

Em todo o caso, há aqui bons contos, e há aqui contos que achei divertidos, contos que encontraram eco no meu sentido pessoal de humor. Portanto não achei o livro mau. Mas não me parece que passe do razoável.

Aqui fica o que achei de cada um dos contos:
Este livro foi comprado.

Lido: Crimes de Belém

Crimes de Belém é um conto do candidato-descandidato-recandidato a presidente da república, Manuel João Vieira, sobre... sobre... hm... sobre que raio é isto?

Pois é, o problema é esse. O conto é uma salganhada. Conta com o característico humor irreverente e javardolas do MJV, e até está bem escrito, mas a verdade é que lhe falta um fio condutor que o transforme realmente num conto. Tal como está, é uma sucessão de imagens, muitas delas fantásticas, tão tenuemente interligadas que acabam por não formar um todo com um mínimo de coerência. É irreverente e iconoclasta? Sim, isso é. Tem piada? Não achei lá muito. É um bom conto? Também não me pareceu.

Lido: O Lagarto do Âmbar

O Lagarto do Âmbar (bib.), de Maria Estela Guedes, é uma longa noveleta, salpicada de brasileirismos, sobre um aspirador que aspira a ser homem. Porquê? Porque se apaixona, simples como isso.

A história tem toques de ficção científica. O aspirador começa por ser apresentado como uma inteligência artificial, movida a software, e o ambiente à primeira vista é tecnológico. Mas não passam de toques. A metamorfose, que realmente acontece, é pura fantasia com o seu quê de kafkiano e, quando se remove a capa tecnológica que o reveste, o ambiente é mais surrealista que outra coisa. É verdade que nada disso seria óbice a estar-se perante uma boa história. Mas o texto é um longo monólogo interior e umbiguista, cheio de sentimentos inverosímeis, dúvidas, apelos, ânsias, e tudo, e mais ainda que, se seria fácil de aguentar num conto curto, numa noveleta quase a tornar-se novela (são 120 páginas mas os 79 capítulos são quase todos tão curtos que a densidade de texto acaba por ser muito baixa) torna-se insuportável. Pelo menos para este leitor que aqui escreve. Achei este livro muito, muito chato. Ainda se houvesse um pouco mais de história, se acontecesse alguma coisa. Mas não. Tirando a metamorfose, a imobilidade de tudo é total e absoluta. Se alguém quisesse passar esta história a algo de visual, bastariam duas fotografias: uma para antes da metamorfose, outra para depois. Para contar o enredo basta uma frase. O resto é divagação. Muito, muito chata.

Vale como experimentalismo, suponho. Quem goste de coisas invulgares talvez encontre neste livro algum interesse. E quando aqui falo de invulgaridade refiro-me apenas à forma como o texto está construído, porque no que toca às ideias é tudo do mais banal possível. Talvez. Não sei. Enfim, é experimentarem. Pessoalmente, não gostei mesmo nada.

Este livro foi comprado.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Lido: Ficções, nº 16

O número 16 da revista Ficções é um número temático, dedicado a contos inéditos de autores portugueses, tanto relativamente novos como consagrados, e abrangendo um espectro razoavelmente vasto de temas e géneros, embora sem sair muito do âmbito mainstreamesco ou, vá lá, mágico-realista da coisa. Se alguém pegar nele para obter uma panorâmica do que se vai escrevendo em Portugal, pois desengane-se porque não é isso que vai encontrar. Vai encontrar um conjunto de contos sem muito que os una, com poucos pontos de contacto além de estarem em geral escritos em bom português, o que não é bem o mesmo que serem bons contos. Não que aqui não haja bons contos, que há, mas são mais os medianos e os que nem a isso me pareceram chegar, muito embora não exista nenhum que faça ter pena de se ter gasto papel com tal coisa.

Ou seja, é um número que vale a pena ler pelos bons contos que contém. Pela parte que me toca também valeu a pena pelos dois ou três contos fantásticos que contém. Não é nada de especial, mas também não é de atirar pela janela.

Aqui fica o que achei de cada conto:
Esta revista foi comprada.

Lido: Privada

Privada é um conto interessante de Ana Cláudia Santos sobre uma mulher que, depois de perder o pai, se vai progressivamente recolhendo dentro de si própria pois só assim consegue continuar a viver. Acaba louca, ou pelo menos com uma relação insólita com o mundo. É um conto que me toca num ponto demasiado cru para conseguir falar dele com verdadeira objetividade, portanto fico-me por aqui.

Lido: Novas Cosmicómicas

Novas Cosmicómicas (bib.) é uma coletânea de Italo Calvino que nos traz um conjunto de histórias protagonizadas pelo protagonista de todas as Cosmicómicas: Qfwfq, um extraterrestre ao qual talvez seja mais adequado chamar extrauniversal, pois nos acompanha desde o início do tempo e do espaço e tem o seu mutável dedo metido em tudo, desde o nascimento das galáxias à divisão celular e mais além. Ficção científica? Tem toques disso, sim, mas o fulcro principal é outro, bem mais surrealista, ou até aquilo a que aqui há uns anos esteve na moda chamar-se, na anglosfera e seus apêndices, "weird fiction". Seja como for, são todas histórias com base científica. Todas elas, aliás, começam com um ou vários parágrafos que descrevem, em tom de divulgação científica, alguma da qual ultrapassada pelo conhecimento adquirido nos últimos 40 anos, o fenómeno sobre o qual o conto que se segue irá versar. E quem diz "versar" pode perfeitamente dizer, talvez com mais propriedade, "apresentar a peculiar perspetiva que Qfwfq tem sobre esses fenómenos".

A estas histórias Calvino acrescenta um conjunto de quatro "contos de dedução" que, como o nome indica, se debruçam sobre situações específicas e as escalpelizam, em abstração crescente, até chegarem àquilo que Calvino julgará ser o seu âmago. Em média, gostei mais destes últimos do que dos contos cosmicómicos, os quais incluem algumas pedras preciosas mas também outros contos que não me agradaram lá muito. Li o resto das Cosmicómicas há já muitos anos, portanto a memória não está fresca, mas julgo ter gostado mais dessas do que destas. Julgo. Apesar disso, gostei bastante deste livro e recomendo-o sem reservas a todos os que não sejam alérgicos a textos surreais. Os que o forem, por outro lado, melhor será que passem de largo.

Eis o que achei de cada uma das histórias:


Para terminar, eis uma coisa que vou passar a fazer sempre e muito gostaria de ver os outros blogues que falam de livros fazer também: informar onde arranjo os livros de que falo. É que embora quase todos sejam comprados, alguns não o são e é sempre bom ser-se transparente com estas coisas. Aqui vai:

Este livro foi comprado.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Lido: O Conde de Montecristo

Não, aquilo em que estão a pensar, o romance de Dumas, chama-se O Conde de Monte Cristo. O que li foi O Conde de Montecristo (bib.), um conto de Italo Calvino no qual o conde de Dumas é também protagonista. É para verem o que faz um espaço. Não está só, contudo, o conde. É acompanhado por outras personagens do romance de Dumas, como o Abade de Faria e Edmond Dantès. E também por Napoleão Bonaparte.

O conto de Calvino, porém, é surrealismo puro. Contado pelo conde, na primeira pessoa, descreve as cogitações deste a respeito do local em que está prisioneiro, muito em especial da sua topografia. Para ir recolhendo dados é em muito auxiliado pelo Abade de Faria, o qual se dedica a uma incessante atividade de escavação, abrindo buracos nas paredes a fim de tentar encontrar maneira de fugir. E quem diz paredes, diz chãos e tetos, pois na surrealista fortaleza que Calvino nos apresenta nada obsta a que um buraco aberto numa parede vá desaguar num teto e um furo num chão desemboque numa parede. Ou vice-versa. E o conde vai somando cada novidade trazida pelo abade ao seu esquema mental da fortaleza, que consequentemente se vai expandindo e complicando cada vez mais à medida que o tempo passa. Mas nenhum deles desiste; fugir é ideia fixa.

Este é um conto delicioso para quem gosta destas coisas. E eu gosto.

Lido: Faça Você Mesmo

Faça Você Mesmo (bib.) é um conto curto juvenil de Bertrand Solet que logo no primeiro parágrafo nos situa, quando diz que o protagonista é um extraterrestre oriundo de um planeta cúbico onde todos os desejos são satisfeitos pela maquinaria. Leram bem, sim, o planeta é cúbico. Há coisas que se perdoam como "licenças poéticas", chamemos-lhes assim, e é óbvio que a ficção científica destinada à infância ou ao início da adolescência não pode ter a sofisticação e complexidade da FC adulta, mas daí até se vir falar de planetas cúbicos num conto que se afirma de FC vai uma grande distância. O conto arranca, portanto, de péssima maneira e pouco melhora até final, conseguindo a proeza de se perder em menos de 10 páginas, pois começa a falar de uma coisa e acaba debruçado sobre outra (que teria sido bem mais interessante se tivesse sido ela a funcionar como tema desde o início). Fraquíssimo.

Lido: A Torre Derrocada

A Torre Derrocada (bib.) é um conto de terror de A. Osório de Vasconcelos que parte de um presente em que algures, junto à costa, existem as ruínas de uma velha torre, para logo levar o leitor ao passado quinhentista a fim de lhe contar uma história que teria dado origem a uma superstição local. Uma donzela que nela teria habitado, enamorada de um jovem embarcado, cujo regresso espera, impaciente, é acometida pela tragédia quando, primeiro, o amado morre já à vista de terra e, depois, ela própria se lança da torre para o mar, atraída pelo sobrenatural demoníaco. Apesar do sempiterno elemento maniqueísta, que embora compreensível e universal nas histórias oitocentistas não deixa de ser cansativo, e de algum excesso de adjetivação, é um conto interessante e que consegue com eficácia não muito comum criar um clima de tensão. Ou então fui eu que o li em dia de trovoada. Seja como for, gostei.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Lido: Eu Te Amo, Papai

Eu Te Amo, Papai (bib.) é um conto de Tibor Moricz que mistura fantasia com ficção científica. A premissa é imaginativa: uma sociedade está organizada por forma a que todas as necessidades dos adultos sejam satisfeitas com base em energia barata, a energia psíquica das crianças que passam o início da vida encerradas em casulos e ligadas a um núcleo central. Mas eis que às tantas aparece uma criança rebelde que arrebanha as outras e as organiza numa greve e numa revolta, o que causa à sociedade os problemas que facilmente se podem antever. Acontece que o protagonista da história é, ainda que muito a contragosto, o pai biológico desse pequeno chefe rebelde, e o enredo flui a partir daí.

Não posso dizer que tenha gostado muito do conto. Embora seja original é também demasiado curto para evitar que todo este complexo pano de fundo tenha de ser explanado ao leitor através de infodumps. Estes são vários, espalhados pelo conto, e alguns são razoavelmente extensos, o que faz com que o texto quase seja mais ocupado com explicações do que propriamente com o avançar da narrativa. Ora isso é algo que não me agrada. Julgo que esta história funcionaria bastante melhor num texto de maiores dimensões. Como está, pareceu-me apenas mediana.

Lido: Tara 2011

Tara 2011, conto do mexicano Felipe Rodríguez Maldonado, publicado em 2004, é uma pequena história de ficção científica que tem a curiosidade de se passar daqui a alguns meses, em dezembro de 2011. O conto fala de um filme, sequela do clássico E Tudo o Vento Levou, "filmado" inteiramente em computador, num 3D holográfico e realista. Não me parecendo ser um conto particularmente bom, tem ainda assim interesse geral para os cinéfilos e também não deixa de ser curioso lê-lo praticamente no momento em que o presente do mundo real atropela o seu presente ficcional e ver aquilo em que o autor acertou e aquilo em que errou. De um modo geral, aconteceu-lhe o mesmo que tantas vezes acontece aos autores de FC: um considerável excesso de otimismo tecnológico, projetando desenvolvimentos mais rápidos do que a realidade permite. Quem quiser lê-lo, encontra-o aqui.

Lido: O Diário de São Nicolau

O Diário de São Nicolau, de João Serra, é mais um conto desenvolvido em volta da figura do Pai Natal. Neste caso, porém, vamos encontrá-lo na prisão, acusado de um crime qualquer que não chega a ser explicitado, no primeiro dia de dezembro. Como o título indica, o conto está escrito em forma de diário, na primeira pessoa, e relata o dia-a-dia do São Nicolau na prisão, entre interrogatórios, interrogações sobre o que se estará a passar lá fora e problemas e incomodidades. Às tantas, o nosso barbudo amigo decide-se pela fuga e, bem dito bem feito, pés para que vos quero. É um conto bem escrito, um daqueles contos cujo humor pretende causar sorrisos e não gargalhadas e, pela parte que me toca, vai conseguindo até dado ponto. Mas só até dado ponto. Porque chegado aí a sensação com que fiquei foi que o autor deixou de saber lá muito bem para onde queria dirigir a história, ou então apercebeu-se de que esta já lhe estava a sair longa em demasia, e decidiu despachar a coisa algo a trouxe-mouxe. É pena. O conto não é mau, mas podia ser melhor.