quinta-feira, 30 de junho de 2022

Irmãos Grimm: Os Sete Suábios

Um português típico, que não tem obrigação nenhuma de perceber patavina das peculiaridades geográfico-administrativas da Alemanha, poderá olhar para um título como Os Sete Suábios e, coçando a cabeça, perguntar a si mesmo algo como "o que raio é um suábio?", talvez seguido por "um anão?", se por acaso se lembrar da Branca de Neve.

Mas não. Um suábio é um habitante ou natural da Suábia, uma região no ocidente da Baviera, com fronteira com aquela parte da Áustria que se estica para oeste para confinar com a Suíça e que, ajuizando pelo exemplo desta história dos Irmãos Grimm (e esta parece ser mesmo deles, criada "a partir" de uma história popular), tem uma fama pouco abonatória entre os outros alemães.

Sim, que isto é uma farsa, e os sete suábios andam de viagem, armados com uma única lança gigante que todos seguram ao mesmo tempo, acometidos de sucessivos terrores com a visão das terríveis monstruosidades que lhes saltam ao caminho. Um besouro, uma lebre, coisas dessas. Um susto.

Não é grande coisa, esta história. Tem alguma graça, sim, mas é a graça do exagero que tudo torna absurdo, totalmente despida de qualquer espécie de subtileza. Distrai? Distrai. Provavelmente para isso a criaram, e se assim foi foram bem sucedidos. Mas não enriquece.

Contos anteriores deste livro:

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Leiturtugas #158

E pronto, lá voltámos aos atrasos aqui nas Leiturtugas. Mas foi só de um dia, não faz mal.

Esta voltou a ser uma boa semana, com uma quantidade simpática de opiniões, tanto de participantes oficiais como dos oficiosos. Ou de um dos oficiosos, pelo menos. Mas primeiro os oficiais.

Começou pelo Artur Coelho, com mais uma das suas breves opiniões sobre BD, mais desenvolvidas noutro sítio. Desta feita, o livro que o Artur comenta intitula-se CoBrA: Operação Goa, uma obra que se debruça sobre o fim da Índia Portuguesa, e os autores são Marco Calhorda e Daniel Maia. Estas opiniões do Artur sobre BD tendem a ser sobre edições muito recentes e esta não é exceção: o livro foi editado já este ano pela Ala dos Livros. BD é "sem FC" (mesmo que a BD tenha FC, o que não é o caso), portanto o Artur passa a 2c9s.

Depois foi a vez da Tita opinar, em texto e em vídeo, sobre um livro que já apareceu por aqui na semana passada: Atlântico, o segundo volume da série de Patrícia Madeira Prisioneira do Tempo. Edição muito recente da Cultura, este é dos tais livros que roçam pela FC, pelo que a Tita passa a 1c1s.

Jorge Candeias, moi même, oh oui, encerrou a parte oficial da semana com a sua/minha opinião sobre A Morte da Terra, um romance de FC de S. Alves Morgado já com mais de meio século de existência. Publicado em 1969 pela Sociedade de Expansão Cultural, este livro faz com que o seu leitor inaugure a parte FC das suas leiturtugas do ano. As sinalefas são 1c3s.

Passando agora aos oficiosos, esta semana foi curiosa por haver três opiniões, todas da Carla e todas sobre livros de literatura infanto-juvenil onde não parece haver nenhuma FC.

A primeira dessas opiniões debruça-se sobre A Migração das Alforrecas, de Rui Cerqueira Coelho, um livro com um protagonista que vê alforrecas na cabeça das pessoas. Às vezes. Trata-se de uma edição dos Livros Horizonte datada de 2020.

A segunda é sobre um livro de Manuel António Pina onde se juntam 8 contos em meras 55 páginas. O Têpluquê e Outras Histórias é edição da Porto Editora e saiu em 2021.

Por último, a terceira é sobre um livro de José Luís Peixoto cujo protagonista tem uma mãe muito peculiar: a chuva. E está explicado o título de A Mãe que Chovia, uma edição da Quetzal, também de 2021.

E é tudo. Para a semana haverá mais, e quanto a isto já tenho certeza pois hoje já saíram por aí mais duas opiniões. Até lá.

domingo, 26 de junho de 2022

José Pedro Lopes: A Cidade das Luzes

Conto curioso, este. Criando uma estranha mistura de ficção científica e fantasia, à qual poderia ser dado a designação de fantasia científica (num parêntesis, há um detalhe que sempre me incomodou nesta designação: é lata quase ao ponto de não dizer nada sobre a obra que designa... trata-se de uma mistura, OK, mas que mistura?, que características de FC e que traços de fantasia, e de que FC e de que fantasia se está a falar?), José Pedro Lopes acaba por fazer um conto cujo tema básico é a privacidade.

A Cidade das Luzes (bibliografia), como se vem a perceber quase no fim do conto, é Lisboa, ainda que esta parte em concreto pouco sentido faça visto que o fenómeno retratado é global, não específico de Lisboa. Que fenómeno? Bem, na sequência de pesquisas de terapia genética para a cura do daltonismo, precipitadamente transferidas da experimentação em macacos para a aplicação à população humana, descobre-se uma maneira de visualizar as luzes interiores de cada pessoa, cujas cores correspondem ao seu estado emocional. E instala-se a ditadura.

A fantasia vem destas luzes místicas que o autor associa à alma. Já a ficção científica vem de tudo o resto. O conto retrata uma sociedade distópica, que reprime quaisquer emoções negativas tratando quem as tem como perigosos antissociais e potenciais criminosos. Exceto, claro, quem tenha o poder, não só económico mas também, necessário para adquirir uns aparelhos capazes de suprimir a exibição da sua luz, o que é muito útil a todos os sociopatas que buscam o poder. A inferência é clara: a liberdade só é possível se houver privacidade. Quando as luzes tornam esta inalcançável, aquela desaparece.

Não posso dizer que tenha gostado muito da forma como José Pedro Lopes decidiu apresentar essas ideias, visto que o misticismo raramente me agrada, mas as ideias em si mesmas são interessantes e originam um conto com bastante conteúdo. Um bom conto, talvez, apesar de eu não ter gostado muito dele. No mínimo um conto muito razoável.

Contos anteriores desta publicação:

sábado, 25 de junho de 2022

S. Alves Morgado: A Morte da Terra

O ano é 1969. Alegadamente convicta de que a literatura de FC é aquela que "reúne a preferência do público ledor", segundo se afirma na introdução, a Sociedade de Expansão Cultural decidiu arrancar com uma coleção de ficção científica, convidando para isso um autor da casa que já antes tinha publicado uns contos passíveis de serem categorizados como tal: Sebastião Alves Morgado, nome aqui abreviado para S. Alves Morgado. O resultado é este A Morte da Terra (bibliografia), o único romance de FC produzido pelo autor.

E, que se saiba, a coleção ficou por aí.

Lendo o livro compreende-se porquê, ainda que as explicações que este contém possam ser várias e até certo ponto contraditórias.

Com efeito, se o encararmos sob o ponto de vista estrito da FC, o romance deixa muito a desejar. Não tanto por o tom ser decididamente juvenil, talvez, muito embora os leitores "sérios" de FC tendam a desdenhar obras tão claramente juvenis, o que talvez não tenha ajudado às vendas. Mas sobretudo porque a FC de Alves Morgado é muitíssimo anacrónica, mesmo para um ano já tão remoto como 1969, e muito ignorante no que toca ao funcionamento do mundo real. Isto é, o mundo físico, os planetas e as estrelas, as suas órbitas e as suas características.

Lê-se este romance como se leem as histórias mais antigas de Edmond Hamilton, com uns pozinhos de Júlio Verne, sendo que o autor francês escreveu no século XIX e Hamilton começou a publicar as suas histórias ainda nos anos 20 do século XX. Quase a entrar na década de 70, a maioria dos que apreciavam FC tendia a exigir um pouco mais de realismo. Não que já não houvesse nessa época obras de FC que se estavam olimpicamente nas tintas para a realidade física das coisas, atenção. Mas os autores mais populares não eram esses: era Asimov, era Clarke, e se é certo que também era Bradbury, que nunca teve no respeito pela ciência das coisas do mundo físico o seu ponto forte, não é menos certo que nunca foram muitos os autores capazes de ombrear com ele na aplicação de elementos fortemente literários a enredos de FC.

Acontece que também é possível ler este livro sobretudo como uma fábula política, e na verdade julgo que foi precisamente como tal que Alves Morgado o concebeu. A história centra-se num conflito entre a Terra e as suas colónias espalhadas pelo Sistema Solar, o que, se tivermos em mente que na época em que o livro foi escrito Portugal estava profundamente mergulhado na sua própria guerra colonial, percebemos que tem toda a relevância. Mais: a guerra que se prepara é entre a "tirania terrestre de fachada democrática" e a democracia verdadeira e total do "micro-universo joviano", i.e., Júpiter e os seus satélites. Aí, fruto de um ambiente mais favorável ao desenvolvimento humano, a ciência prospera e alcançam-se proezas tecnológicas que ultrapassam em muito aquilo de que a Terra é capaz, ao mesmo tempo que um pacifismo enraizado faz com que os jovianos só apliquem os seus conhecimentos às coisas militares num âmbito estritamente defensivo.

Ou seja: o romance tem as peripécias que seriam de esperar de uma história que se desenvolve em torno de uma guerra, ainda que as sequências estritamente de ação sejam poucas e não particularmente ativas. Morgado adota um tom mais descritivo, de observador externo, do que de participante, preferindo a análise dos grandes movimentos e das grandes ideias à adrenalina dos acontecimentos imediatos, e isto, se colide até certo ponto com o tom juvenil que o romance apresenta, ajusta-se como uma luva à fábula política.

No fim, é o Sol a resolver todos os problemas, desencadeando uma tempestade estelar tão violenta que todos os planetas interiores, Terra incluída, são reduzidos a nuvens de gás. Mais uma vez, enquanto ficção científica isto é muito mau: não só a ciência é disparatada, como também funciona como deus ex machina para resolver problemas de enredo que o autor parece não conseguir resolver de outra forma. Mas encarando o livro como fábula política até funciona, afirmando que pouco importam os sucessos dos ambiciosos e dos tiranos, no fim todos estão sujeitos às leis e caprichos da natureza.

A conclusão a que eu chego é, portanto, que este é um livro político. Um livro de oposição clara à ditadura portuguesa e à sua guerra colonial, e na verdade ao colonialismo como ideia e prática, que se serve de técnicas e muletas da ficção científica juvenil para tentar contornar a censura. Não sei se conseguiu: o fim prematuro da coleção indica que possivelmente não, mas haver ainda hoje bastantes exemplares pode ser sinal de que a edição não foi apreendida e destruída.

Se é um bom livro? Não creio que o seja. Como FC é bastante mau, pelos motivos descritos acima. Como FC juvenil, por maioria de razão, também é fraco. E enquanto livro político exige do leitor uma capacidade de descodificação, de leitura nas entrelinhas, que não serão muitos a ter, embora essa capacidade estivesse bastante mais desenvolvida na época em que foi publicado do que hoje em dia. A necessidade aguça a perspicácia.

Mas no fundo acaba por ser um livro razoável. Quem tenha a capacidade de o descodificar compreende-o, e está escrito de uma forma razoavelmente simples mas competente. Não foi leitura que me tivesse agradado por aí além, mas também não a achei repelente.

Este livro foi comprado. Os alfarrabistas são porreiros.

quinta-feira, 23 de junho de 2022

José Bertaso Filho (ed.): Magazine de Ficção Científica, nº 7

A opinião que se segue é uma opinião incompleta. O motivo para isso é simples: este número 7 do Magazine de Ficção Científica contém, além das cinco histórias listadas abaixo, uma parte de uma novela serializada que só lerei quando encontrar o número em que está a outra parte. Tenho-o cá por casa, perdido algures nas pilhas de livros e revistas à espera de serem lidos, mas não sei bem onde e não vale grandemente a pena ir à procura — quando aparecer, aparecerá e lerei a novela completa. Para já, fica só a opinião sobre o resto.

Resto esse que inclui também um artigo muito ingénuo de Isaac Asimov, onde ele trata de forma quase puramente matemática a questão de quantos seres humanos a Terra poderia comportar. A especulação matemática tem o seu interesse, não digo que não, mas o problema não é questão de matemática... ou não é sobretudo questão de matemática.

Fora isso, este conjunto de cinco histórias é interessante. Uma delas é muito boa, outra é francamente interessante pelos paralelismos que nela se encontram com o momento pandémico por que passámos e das outras só uma é realmente banal, sendo as restantes boas histórias. Não boas o suficiente para ombrearem com a melhor do conjunto, mas boas.

Havendo uma história muito boa e várias boas, a leitura já vale a pena. Terei de esperar pelo que falta ler para formular uma opinião definitiva sobre a revista como um todo, mas o que li já é suficiente para dar por bem gasto o dinheiro e por bem empregue o tempo de leitura.

Eis o que achei de cada história desta revista:
Esta revista foi comprada. Num alfarrabista.

Miguel Carqueija: A Casa do Medo

Da fantasia com um levíssimo cheiro a FC passamos neste livro para uma espécie de FC a cheirar bastante a fantasia.

O tempo é futuro, indeterminadíssimo, mas depois de um cataclismo qualquer que reduziu o planeta Terra a uma espécie de planeta Mar, no qual os últimos resquícios da humanidade tentam a custo sobreviver. Já vimos tal cenário, inclusive no cinema (num filme muuuuito fraquinho chamado Waterworld, por exemplo), o que não teria grande problema se Miguel Carqueija tivesse usado o cenário para fazer alguma coisa de interessante.

Mas não.

Este A Casa do Medo parece uma história escrita apenas para apresentar o cenário, nada mais. O protagonista desperta e aborrece-se com a expetativa de mais um dia de rotina, olha pela janela e somos apresentados ao mar. Depois há um ataque de krakens apenas para mostrar quão perigosa é a vida dos últimos sobreviventes humanos, e o conto termina com um infodump que estabelece que se está no futuro e há lendas sobre um passado mais luminoso. E é só. Não há um verdadeiro enredo, uma verdadeira história, não temos emoção, nada.

Este conto é muito fraquinho. Muuuuuito fraquinho.

Conto anterior deste livro:

terça-feira, 21 de junho de 2022

Irmãos Grimm: Os Três Cirurgiões Militares

É divertido, este continho, outro dos que parecem ter sido pouco alterados pelos Irmãos Grimm. Pouco ou nada, talvez. Os Três Cirurgiões Militares (e sim, tinham mesmo de ser três, para não variar) andam pelo mundo a praticar a sua arte e, ao chegarem a uma estalagem, o estalajadeiro pede-lhes para mostrarem o que são capazes de fazer. Eles não se fazem rogados. Um tira os olhos, o outro tira uma mão, o outro tira o coração e, em vez de voltarem logo a pôr tudo nos sítios devidos, enfiam os órgãos num armário que alguém se esquece de fechar. E vem de lá um gato, e zás, leva tudo. Quando chega a hora de os cirurgiões voltarem a pôr os órgãos nos sítios devidos, a gente da estalagem vê-se obrigada a improvisar, arranjando a mão de um ladrão, o coração de um porco e os olhos de um gato. E os cirurgiões, sem darem conta de nada, lá "recuperam" os seus órgãos, só se apercebendo de que não são os seus quando começam a agir como um ladrão, um porco ou um gato. O que, convenhamos, não abona muito em seu favor, que não é muito difícil perceber-se a diferença, pelo menos, entre uns olhos de gato e uns humanos.

Não é história particularmente profunda, esta, percebendo-se bem que o seu objetivo principal é divertir quem ouve contá-la. E consegue, o que é mais do que posso dizer de muitas outras. Está longe de ser das melhores destas histórias, mas é eficaz.

Contos anteriores deste livro:

domingo, 19 de junho de 2022

Leiturtugas #157

Não, desta vez a semana de silêncio não se deveu a nenhum atraso. Desta vez não há nada a recuperar. Não houve na semana passada uma destas notas das leiturtugas simplesmente porque não houve material nenhum a divulgar. O pessoal deixou tudo para esta semana. E o resultado é a extensão deste post.

Começando, como é hábito, pelos participantes oficiais na coisa, temos dois.

O Artur Coelho foi o primeiro a publicar, trazendo-nos a sua opinião sobre Insight, o mais recente livro de Bruno Martins Soares, um pequeno romance de FC publicado em maio último pela Divergência. É a segunda leiturtuga FC do Artur este ano, pelo que a sinalefa passa a 2c8s.

O segundo a publicar foi o Jorge Candeias, que nestes posts se refere a si próprio na terceira pessoa como um totó chalupa ou um autor a quem um editor pede que escreva uma minibiografia para um livro. Mas deixemos isso. O Jorge opinou esta semana sobre mais uma sua leitura sem FC, ainda que desta vez se trate de um livro, não de um conto em ebook como das duas primeiras. Cenas da Vida de um Minotauro foi publicado por José Viale Moutinho em 2002, pela Âncora, mas a edição lida aqui é a do Círculo de Leitores, de 2004. Sinalefas? 0c3s.

E siga para os oficiosos. Que foram bastantes.

Começou pela Cris, que opinou sobre um livro futurista de Mário Zambujal que, sem ser de FC, tem alguma FC. Uma Noite Não São Dias foi publicado originalmente em 2009, pela Planeta, mas a edição lida pela Cris é a de 2020 do Clube do Autor.

Por sua vez, a Ana Rute Primo escreveu sobre um romance que parece cair mais para as bandas do realismo mágico. As Pessoas Invisíveis foi publicado em abril último pela Leya e é obra de José Carlos Barros. Não tem FC, parece-me.

Em seguida, a Sabine (ela identifica-se, mas se assina Sabine, fica Sabine) estreia-se nestas listas graças a uma opinião sobre um livro de José Saramago. Publicado originalmente em 2004, pela Caminho, Ensaio Sobre a Lucidez é um romance que tem alguns sinais de FC e que foi lido pela Sabine numa das edições recentes da Porto Editora.

Depois foi a Andreia Ferreira a opinar sobre um romance sobrenatural publicado em edição de autor. Ou de autora, melhor dizendo. Esta chama-se Raquel Fontão, o título do livro é Insanidade e o ano da edição é 2021. Não parece haver aqui qualquer sinal de FC.

A opinião seguinte, que nos chega pela mão da Carla é, pelo contrário, de FC. FC infantil, mais concretamente, com tudo o que isso implica. O livro, publicado pela Vértice em 1981, chama-se O Búzio de Nácar, e o autor é Carlos Correia.

Por seu lado, a Maria João Covas publicou mais um vídeo onde opina sobre o segundo volume da série Prisioneira do Tempo, de Patrícia Madeira. Com o título de Atlântico, o mais recente volume desta espécie de Outlander tuga foi publicado já este mês pela Cultura. E sim, parece-me ter qualquer coisinha de FC, mesmo que seja mesmo muito poucochinho.

Finalmente, a semana acabou com o regresso da Carla trazendo mais uma opinião sobre um livro infantil. E de novo com alguma FC. Talvez. O título é A Minha Educadora é um Extraterrestre, a autora chama-se Clara Cunha, e o livro é uma edição de 2016 da Prodidáctico.

E ufa! Se isto tivesse sido distribuído pelas duas semanas dava-me menos trabalho. Organizem-se, compadres!

Até à semana que vem, vá.

sábado, 18 de junho de 2022

Vítor Frazão: Se Uma Árvore Cai na Floresta...

A violência, para ser realmente eficaz na literatura, deve ser usada com conta, peso e medida. Isto não quer dizer que deve ser pouca, uma vez que há histórias extremamente eficazes e extremamente violentas. Quer dizer que deve ser usada com conta, peso e medida. Nas quantidades certas, nos sítios certos, da forma certa por forma a servir a história em lugar de se substituir à história.

De nada serve, por exemplo, quando é usada antes ainda de o leitor poder estabelecer uma espécie qualquer de relação com as personagens. Quando a história abre já em paroxismos de violência, como neste conto de Vítor Frazão, o destino das personagens fica perdido na indiferença de quem já percebeu que não vão durar muito. Sem preparação, a violência é mero spoiler, e nem a tentativa de final surpresa resulta, pois numa história hiperviolenta qualquer final que não seja a morte é anticlimático. Possível, mas anticlimático e por isso improvável.

A ideia deste Se Uma Árvore Cai na Floresta... podia ter dado um bom conto... se fosse significativamente mais extenso, se construísse a tensão antes de a fazer explodir, se gerasse alguma espécie de empatia com as personagens, se não tentasse sem conseguir deixar o leitor sem fôlego. Mas como não faz nada disso, resumindo-se à violência, não é. É um conto fraco de horror sobrenatural que não gera realmente nenhum horror que se veja.

Mais uma ideia desperdiçada...

Contos anteriores deste livro:

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Irmãos Grimm: O Menino Teimoso

Onze linhas. É quanto baste para narrar este conto, no qual, mais uma vez, os Irmãos Grimm parecem ter tido pouco ou nenhum impacto, apresentando-o aqui tal e qual o terão recolhido. Sem surpresa, O Menino Teimoso é sobre um menino teimoso, que por causa dessa teimosia é deixado morrer por deus (não era supostamente um tipo porreiro, este tal deus?) e depois ainda teima que há de espetar o braço para fora da sepultura, forçando a mãe a ir lá dar-lhe uma surra para que o braço se recolhesse.

Há qualquer coisa de zombie neste continho, mas o tom não é de horror, apesar do tema macabro. Trata-se muito claramente de uma história cautelar contra os perigos da teimosia, na qual o cristianismo tem forte influência, ainda que o deus que aqui se encontra seja o deus cruel e impiedoso com qualquer um que se atreva a desafiá-lo, não o deus bonacheirão e bondoso da propaganda. Aparentemente, a "infinita misericórdia" desaparece ao deparar com crianças que decidam entregar-se à teimosia.

Este não é um bom conto. Muito longe disso.

Contos anteriores deste livro:

quinta-feira, 16 de junho de 2022

Victor Rui Dores: Deleites e Outras Delícias

Já houve mais, bastante mais. Foi até moda durante um certo período, apresentado como sinal de mente aberta, livre das teias de aranha com que o moralismo puritano católico (ou protestante, noutras geografias) tentava prender o desejo humano. Mas mesmo já tendo havido mais, mesmo tendo já passado de moda, ainda continua a haver um certo tipo de homem que romantiza a prostituição. A feminina, obviamente; eles são os clientes, elas as profissionais, e não há confusões sobre de que lado está o dinheiro e quem dá as ordens. E ajuizando por este conto, Victor Rui Dores parece ser um desses homens.

Pois é precisamente isso que este Deleites e Outras Delícias é: um conto em que a prostituição é romantizada, pintada em tons de cor-de-rosa. A prostituta serve para dar prazer ao macho e com isso ter prazer, mesmo sem ter vontade própria e só fazendo o que ele manda. Porque ele é que manda, por entre frases pseudopoéticas de gosto duvidoso com as quais se procura fazer corresponder aquela transação comercial em que um tipo paga para descarregar os tomates (e se acham que esta linguagem é demasiado crassa ainda não perceberam que a realidade também o é) com um encontro entre dois amantes que trocam prazer em pé de igualdade. Dores parece querer convencer quem o lê de que nesta queca paga alguém faz amor. Pela parte que me toca, não consegue.

Se escreve bem ou não? Que interessa? Há contos que a literatura não salva, e este é um deles. Bola preta.

Textos anteriores desta publicação:

quarta-feira, 15 de junho de 2022

José Viale Moutinho: Cenas da Vida de um Minotauro

Não sei se foi de propósito ou uma simples casualidade, não sei se é consequência do gosto literário de José Viale Moutinho (ou de quem por ele possa ter organizado estas histórias, caso não tenha sido ele) colidir com o meu, não sei se deriva de ele (ou a tal pessoa, sim) não concordar comigo quando digo que numa compilação de contos é importante começar e terminar em momentos altos, eventualmente com outro momento alto a meio, distribuindo as histórias menos impactantes pelos espaços intermédios, desde que a estrutura da publicação o permita, não sei muitas coisas. O que sei é que este Cenas da Vida de um Minotauro é um livro em que os melhores contos estão a meio e os piores no início e no fim.

Nenhum deles é mau, no entanto. São sobretudo desinteressantes, contos em que se vê e se pode apreciar a qualidade literária do autor, mas com temas sem grande interesse, tratados de forma também pouco estimulante.

Mas a meio há verdadeiras pepitas. Sobretudo «Negra Sombra, Negra Sombra!», um conto muito forte sob todos os aspetos. Só por esta história já vale a pena ler o livro, e mais vale quando se considera aquelas que a rodeiam, também histórias realmente boas.

Também é interessante para mim que eu tenha pegado neste livro curioso com o título e a possibilidade que ele abre de haver nas suas páginas qualquer coisa de fantástico. E de facto há, mas não na história que emprestou o título a todo o volume. Esta é a história de uma família "bem" de uma zona do interior, sem nada a ver com os minotauros propriamente ditos. Mas dois dos outros contos trazem consigo algum fantástico de uma vertente algo onírica, aquela espécie de fantástico em que a realidade se confunde com uma certa atmosfera de sonho. Ou de pesadelo. Um deles é dos melhores do livro, o outro nem tanto.

Feitas as contas, esta foi uma boa leitura. Um livro de contos sem contos maus e com contos bons é sempre uma boa leitura.

Eis o que achei de cada uma das histórias:
Este livro veio da biblioteca dos meus pais.

Nuno Almeida: A Guerra do Fogo

A primeira coisa em que eu pensei quando li este título foi, claro na outra A Guerra do Fogo, o filme (e o livro) sobre o conflito pela posse do fogo nos tempos remotos da pré-história humana. Mas este conto de Nuno Almeida nada tem a ver com isso. O seu tema não é pré-histórico, é histórico, e traz consigo mais realidade do que o romance de Rosny aîné (e o filme de Annaud).

Sim, que conto é uma fantasia histórica mas está solidamente ancorado em acontecimentos reais. O tema é o surgimento da revolta lusitana contra as hostes romanas, liderada por Viriato, na sequência de um ato traiçoeiro de um pretor romano que levou a um massacre de guerreiros lusitanos durante aquilo que supostamente seria uma celebração de paz entre os invasores e as tribos locais. Almeida reveste-o de contornos místicos, com a intervenção de um deus em forma de lobo que salva a vida de Viriato depois de este demonstrar o seu valor e lhe fornece as armas com que irá combater os romanos.

Bem sabemos, claro, que a figura de Viriato é uma lenda que pode não ter tido sustentação na realidade (i.e., que pode nunca ter havido um guerreiro chamado Viriato, sendo este o resultado do amalgamento de vários líderes de uma série de tribos, ou que no mínimo o Viriato lendário não corresponde ao Viriato real, pois este nem seria lusitano mas oriundo da moderna Andaluzia, um território que na Ibéria pré-romana corresponderia à Turdetânia), mas sabê-lo em nada afeta a apreciação da história, cujo caráter lendário, pelo contrário, se adequa bem à figura do herói da resistência.

E o conto está bem escrito, o que também ajuda. É certo que tem umas gralhas, mas é um texto escorreito onde Almeida demonstra um bom domínio do português e dos ritmos narrativos. As suas cenas de ação, por exemplo, coisa que é frequente sair coxa aos autores portugueses, são francamente boas, e a utilização de acontecimentos históricos bem documentados como pano de fundo ajuda sobremaneira a reforçar a verosimilhança.

Este é um bom conto.

Contos anteriores desta publicação:

domingo, 12 de junho de 2022

Irmãos Grimm: A Luz Azul

A velha contaminação cruzada tão típica das histórias populares parece ter voltado a afetar mais uma, pois neste A Luz Azul, embora os Irmãos Grimm não façam a isso referência na nota que, como é hábito, acompanha o conto, encontro alguns ecos da Cinderela.

Não que a história em si seja semelhante. Aqui o protagonista é, mais uma vez, um soldado desmobilizado e abandonado ao deus-dará (ajuizando por estas histórias era prática corrente na guerreira Europa a carne para canhão ficar entregue a si própria assim que terminavam as guerras que o capricho das cabeças coroadas criava), o que o leva a partir mundo fora em busca de forma de sobreviver. Como noutras histórias, descobre-a e nela encontra magia. Mas ao contrário de muitas, aqui o soldado resolve vingar-se do rei que o maltratara, ainda que o alvo da vingança seja inicialmente a filha.

O resultado é um conto que não é memorável, longe disso, mas que não deixa de ter o seu interesse, sobretudo pela subversão que nele se entrevê. Não é frequente encontrar nestas histórias alemãs um tão claro desrespeito pelas hierarquias sociais.

Contos anteriores deste livro:

Miguel Carqueija: A Rainha Secreta

A mais famosa das chamadas "leis de Clarke", pepitas de sabedoria formuladas pelo escritor de ficção científica (e criador do conceito de satélite geoestacionário, assim como quem não quer a coisa) Arthur C. Clarke, afirma que qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia. Este postulado parte da constatação de que as tecnologias de que dispomos hoje seriam certamente encaradas como pura bruxaria pelos nossos antepassados não muito distantes e é daquelas verdades autoevidentes que só o futuro poderá revelar até que ponto serão realmente verdadeiras. Mas entretanto tem sido usada por uma parcela dos escritores de FC para fazerem uma coisa que é frequente não me agradar por aí além: dar roupagens mais ou menos ciencioficcionais a histórias que são na sua essência histórias de fantasia.

Não é coisa estritamente literária, longe disso. Basta olharmos para a saga Star Wars para vermos esse processo em ação, o que mostra bem até que ponto é popular. Mas entre ser popular e ser boa pode haver uma distância considerável.

Vem isto a propósito, obviamente, desta noveleta de Miguel Carqueija. A uma história que é, escarrapachadamente, um enredo de fantasia, Carqueija acrescenta uma levíssima camada de verniz tecnológico para fazer soar algumas campainhas de FC. O resultado é algo bastante mais próximo da fantasia do que até o Star Wars, apesar de haver FC suficiente para o leitor poder supor que está não propriamente num mundo secundário de caráter estritamente mágico mas num planeta distante, algures, no qual os descendentes longínquos de colonos terrestres vivem vidas com odor a Idade Média europeia, salpicadas no entanto com anacrónicos artefactos de uma tecnologia avançada.

É neste contexto que surge A Rainha Secreta do título. Uma jovem líder clandestina, perseguida pelos poderes do seu país, o qual se vem a revelar (aos poucos, ao longo da história, e não na base do infodump, felizmente) uma república ditatorial que procura acabar com os últimos restos do regime monárquico que depôs. E a jovem é, claro, a rainha, que vai liderar uma revolta monárquica com o auxílio de um homem que encontra numa estalagem, o narrador em primeira pessoa da história. Este, como que saído diretamente de um jogo de Dungeons & Dragons, é um paladino que ao juntar-se à insurreição cai em desgraça.

O tom de toda a noveleta é claramente juvenil, mas não se pense que isso implica que haja nela muita ação, ou que leve o leitor a acompanhar os altos e baixos da revolta. Não: o grosso da noveleta debruça-se sobre os dilemas do protagonista, em parte relacionados com essa renúncia às tradições dos paladinos, em parte provocados por um triângulo amoroso platónico que se estabelece de uma forma ridiculamente instantânea entre o protagonista, a rainha secreta e uma jovem que trabalhava na estalagem onde o encontro inicial tem lugar e é encarregada de os acompanhar. Por outras palavras, em vez de termos um enredo de aventura juvenil, o que realmente aqui temos é um enredo juvenil de telenovela.

Ou de telenoveleta, talvez.

A história não está mal escrita, o ritmo até é razoável, a parte da história que não se restringe à relação entre os três até faz algum sentido, mas a profundidade de tudo isto é inexistente. Personagens rasas como cartão e um enredo previsível quase desde o início levam a uma história medíocre, que se deixa ler mas sem grande gosto.

Tudo muito olvidável.

sexta-feira, 10 de junho de 2022

Jeronymo Monteiro: A Casa de Pedra

Não sei bem porquê, embora tenha as minhas suspeitas, mas o certo é que este conto de Jeronymo Monteiro, um dos autores clássicos da ficção científica brasileira, me fez lembrar bastante um autor clássico da ficção científica americana: Clifford D. Simak. Mais concretamente uma das obras deste: Estação de Trânsito.

Não que A Casa de Pedra (bibliografia) seja uma espécie de Estação de Trânsito tropical. Na verdade, até a sua inclusão na ficção científica está dependente de uma dose considerável de interpretação, pois o conto é vago o suficiente para deixar aberta essa possibilidade mas a sua estrutura e história aproximam-se mais de um fantástico sobrenatural do que da FC, por mais soft que esta seja. Mas há uma certa atmosfera em comum, um lugar isolado onde coisas inexplicadas acontecem, e pessoas que estão por dentro do mistério, mesmo que provavelmente não o compreendam, a agir por forma a que tudo continue nos devidos eixos.

Aqui estamos no estado de São Paulo, numa zona selvagem onde se ergue a tal Casa de Pedra, que mais não é que uma laje inclinada. Um grupo de três homens dirige-se até lá, nunca chegamos a saber ao certo porquê nem para quê, e um deles, um homem da região cujo português está repleto daqueles erros típicos das pessoas sem instrução, diz aos outros o que fazer. E os outros fazem, entre o divertido com toda aquela excentricidade e o perplexo. Depois acontece o tal inexplicado.

Bastante bem escrito, narrado com bom ritmo, com tudo no lugar devido, este é um conto que explica por que motivo Monteiro teve a projeção que teve. Não me parece que seja obra-prima nenhuma mas é sem dúvida um bom conto.

Contos anteriores desta publicação:

Carlos Silva: Chekhov's Gun

É bastante interessante, este conto de Carlos Silva, apesar de não deixar de ter algumas falhas de pequena monta ("quando sentei-me ao computador"? Não seria antes "quando me sentei"?). E também apesar de nada parecer ter a ver com Halloween... ou seria melhor dizer "também porque"?

Tem a ver, isso sim, com um elemento de teoria literária. Chekhov's Gun é a arma de Chekhov, autor russo que formulou o princípio de que qualquer elemento que surja numa história deverá ser relevante, devendo-se remover todos os que forem irrelevantes. E Carlos Silva usa esse princípio de forma literal para desenvolver um breve conto de terror completo com final surpresa e tudo. Um conto de terror cuja violência à primeira vista totalmente gratuita faz pleno sentido no contexto da arma de Chekhov. Mais: faria sentido nesse contexto.

É mais sofisticado do que parece, este continho. Sim. Gostei.

Contos anteriores deste livro:

quinta-feira, 9 de junho de 2022

Ângelo Brea: Lembranças da Terra

A ficção científica lusófona é hoje em dia bem menos rarefeita do que já foi em tempos, mesmo que a sua porção estritamente portuguesa continue a passar regularmente pelas suas típicas crises de ausência de produção e leitura. E se falo aqui de ficção científica lusófona é porque é precisamente o que este livro de autor galego é.

Sendo galego, Ângelo Brea escreve em galego, evidentemente, mas escolhe grafar (não sei se habitualmente se o faz só aqui) o seu galego na versão reintegracionista. E aquilo que me salta à vista sempre que leio galego reintegracionista é... que se trata de português.

Com efeito, um leitor português lê este livro como leria uma obra escrita em português do Brasil, encontrando diferenças com a língua tal como a usa, mas reconhecendo-a facilmente como a sua. À parte algumas grafias levemente diferentes, umas quantas palavras diversas e algumas estruturas frásicas que soam a castelhanismos, isto é português normalíssimo. Um livro de FC lusófona.

E o mais engraçado, para mim, é parecer-se tanto com outro livro de FC lusófona que li recentemente: Histórias de Espantar, de António Bettencourt Viana.

Com efeito, o tom é muito semelhante. Há uma óbvia preocupação didática com os conceitos científicos que servem de base às histórias, mesmo que nem sempre inteiramente bem sucedida, há um estilo seco em que predomina a construção do universo ficcional face a todas as outras vertentes da arte narrativa, um pouco à semelhança da forma de escrever de Isaac Asimov e alguns dos outros escritores do tempo dele. Há, em parte em consequência disso, a mesma impressão algo anacrónica deixada pela leitura, como se estivéssemos a ler histórias escritas em meados do século XX, ou no máximo até aos anos 70.

Apesar desse tom algo anacrónico, e de mostrar uma certa tendência para não desenvolver as suas histórias como elas pedem para ser desenvolvidas (vários destes textos pouco passam de cenário, alguns têm uma lógica interna defeituosa, outros funcionariam bastante melhor como inícios de textos mais extensos do que como contos independentes) Brea tem nestas suas Lembranças da Terra algumas boas histórias, histórias que fazem com que a leitura acabe por valer a pena. Contam-se nesse grupo O Bonsai (ou os caracteres hiragana que encontram na lista abaixo), Estação Lunar Alfa ou As Grandes Vantagens da Neolíngua. Talvez não por acaso, estes serão aqueles contos em que, suspeito, o próprio Brea transparece mais.

Como disse, estas histórias por si só fazem com que a leitura valha a pena. Não se trata de um bom livro, mas é um livro com interesse, por causa deles, por vir de onde vem e por estar escrito como está. Poderia ser melhor? Sim, bastante. Mas não é mau.

Eis o que penso sobre cada uma das histórias deste livro:
Este livro foi comprado.

segunda-feira, 6 de junho de 2022

Leiturtugas #156

Mais uma semana que passou, trazendo consigo mais algumas Leiturtugas. Esta é a respetiva lista.

Pouca coisa entre os oficiais, só um tal Jorge Candeias a opinar sobre um pequeno conto publicado pela Fantasy & Co. em 2013. O título é O Pacto, o autor é Vítor Frazão, e trata-se de mais uma leitura sem nenhuma ficção científica, pelo que o Jorge passa a 0c2s.

Já entre os oficiosos a coisa esteve significativamente melhor.

Começou pela opinião do Nuno Ferreira sobre a recente coletânea de Luís Corte-Real publicada pela Saída de Emergência. Assim Falou a Serpente é mais um livro sem nenhuma FC, aparentemente.

Depois tivemos José Saramago, trazido pela mão da Marta. O livro alvo da opinião, lido não na edição original, da Caminho, datada de 1982, mas numa das edições recentes da Porto Editora, é Memorial do Convento, e também aqui não se encontra nenhuma FC.

Em seguida chegou uma opinião sobre um livro que eu à partida não incluiria nestas listas mas que resolvi incluir agora depois de ver que na opinião se fala de uma mãe fantasmagórica, o que pode remeter o conto respetivo para territórios no mínimo próximos do realismo mágico. Refiro-me à opinião de Catarina Augusto sobre a antologia Nome de Mãe, publicada já este ano pela Companhia das Letras.

Depois tivemos o obrigatório exemplar de literatura infanto-juvenil, desta feita trazido pela mão opinativa da Júlia Martins. O Meu Reino Por Uma Nuvem é uma criação de Nazaré de Sousa e Renata Bueno, foi publicado no ano passado pela Hipopótamos e está carregadinho de fantasia mas de FC não há lá sinal.

José Saramago regressa pela mão da Maria Pinto e chega logo em dose dupla, pois fala-se no artigo de dois dos romances do nosso nobelizado. Saramago por vezes incluía alguma FC nas suas obras, mas nem n'O Ano da Morte de Ricardo Reis, nem n'A Jangada de Pedra o fez. As edições originais destes livros saíram pela Caminho, em 1984 e 1986, respetivamente, mas quem os publica agora é a Porto Editora.

Se continuasse vivo, Saramago faria 100 anos este ano, pelo que iremos passar o ano a reencontrá-lo, quer em voz própria, através dos seus livros, quer por interposta pessoa, através de livros de outros. Como aquele de que fala o Paulo Nóbrega Serra, uma fotobiografia de Saramago com dois autores, nenhum dos quais português, intitulada Saramago - Os Seus Nomes. O livro foi publicado em abril último pela Porto Editora e os autores são Ricardo Viel e Alejandro García Schnetzer.

E ficamos por aqui?

Ficamos por aqui. Para a semana certamente haverá mais.

sexta-feira, 3 de junho de 2022

José Viale Moutinho: Cenas da Vida de um Minotauro

Sou de opinião, reforçada ao longo dos anos de forma empírica por intermédio de numerosas opiniões minhas e de outros, de que um dos fatores mais importantes para a apreciação final de uma coletânea ou antologia é a impressão que deixa o conto que a encerra, logo seguida pela impressão equivalente do conto que a abre. Isto só se aplica, evidentemente, aos leitores que tendem a ler conjuntos de contos sequencialmente mas, embora haja quem prefira saltitar, o partido sequencial é a maioria. Por esse motivo, essa opinião vem associada a outra: a de que a organização dos contos tem importância e tanto a abertura como o encerramento é conveniente que se faça com histórias fortes.

Ora Cenas da Vida de um Minotauro é o título do conto que encerra este livro de José Viale Moutinho. E é de todos os oito contos que o compõem aquele de que menos gostei.

Calculo que Moutinho seja de opinião oposta, não só por ter colocado o conto no fim, como por lhe ter reaproveitado o título para intitular o livro inteiro. Mas pela parte que me toca, esta história é perfeita para ficar esquecida algures no miolo, uma daquelas histórias menos interessantes que se leem e se esquecem logo que a história seguinte chega com mais atrativos para o leitor. Escrita em forma de narração oral, como um longo monólogo do narrador anotado pelo ouvinte que quase se limita a escrevê-lo, conta a história de uma família de gente outrora ilustre e rica, parte daquilo a que costuma chamar-se as "forças vivas" das regiões agrícolas do interior português, e da quinta em ruínas que foi em tempos sua casa.

O conto conta com a já habitual sinuosidade cronológica dos escritos de Moutinho, nos quais passado e presente se entrecruzam, e está tão bem escrito como os outros, mas o desinteresse do tema é tal que tudo se torna um bocejo. Não, não me interessa minimamente a história dos ilustres antepassados do senhor Montenegro, ou Montefeltro, ou como raio se chama a família. E não, não me parece que este conto tenha sido bem escolhido para fechar o livro, muito pelo contrário. É fraco. Pelo menos em comparação com a maioria dos outros, tão bons como ele literariamente mas muito mais interessantes.

Contos anteriores deste livro:

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Catarina Lima: Como Portugal Foi Salvo Pelos Pastéis de Nata

Este é divertido.

Uma fantasia urbana que parece ter sido fortemente influenciada por Harry Potter, esta história de Catarina Lima acompanha as andanças de uma bruxa lisboeta contemporânea que se vê obrigada a sacar de todos os truques que tem na manga para impedir a sua cidade de ser destruída pelo maremoto subsequente a um terramoto semelhante ao de 1755, apesar de acabarem por surgir uns mal-entendidos quanto à autoria do salvamento que dão origem ao título de Como Portugal Foi Salvo Pelos Pastéis de Nata (bibliografia). Sim, que nada no conto existe de trágico, apesar deste tema tão tremebundo; o tom é ligeiro do princípio ao fim.

Fiquei foi sem perceber como raio a salvação da cidade de Lisboa equivale à salvação de Portugal. Estará assim tão interiorizado na mente da Catarina o velho e muito disparatado adágio que apelida de paisagem tudo o que de Portugal não seja Lisboa? Ou terá ela simplesmente querido gozar com essa ideia? Não percebi, confesso.

Mas enfim, o que realmente importa é que o conto faz bem o que pretende fazer: diverte. E está bem escrito, apesar de ter umas quantas gralhas, num estilo plenamente adequado ao tema e ao tom. I.e., sem incorreções de monta e também sem burilamentos que fossem colidir com a linearidade necessária ao que se pretende.

Aprovado.

Contos anteriores desta publicação: