Às vezes acontece. Após passar o que parece ser horas às voltas sem conseguir dormir — ainda que por vezes sejam apenas minutos — desisto e ponho-me a remexer nos gadgets que tiver à mão, aturdindo-me com as luzes coloridas para esvaziar o cérebro da porcaria que nele tende a rodopiar nessas ocasiões como roupa numa máquina de lavar em plena centrifugação.
Foi o que aconteceu há dias, e o gadget escolhido foi o tablet. Liguei-o e, após alguns minutos a deambular de um lado para o outro pela App Store, deparei com uma aplicação gratuita chamada AgingBooth. "Olha," pensei de uma forma tão vaga que talvez só tenha pensado em pensar, "isto é capaz de ser giro." E instalei-a, abri-a, testei-a para ver como funcionava, acendi a luz e fotografei-me com a câmara secundária, que no meu tablet é muito mazinha. Eis o resultado:
Depois, claro, disse à app para fazer aquilo que foi concebida para fazer: envelhecer-me, mostrar-me a minha cara daqui a algumas décadas, quando o peso dos anos finalmente me apanhar e me puxar para bem perto daquele momento em que deixarei de ser eu. Não será a coisa mais animadora para fazermos a nós próprios no aborrecimento e silêncio de uma noite de insónia, mas nem pensei nisso. Estava curioso, mais com a qualidade da aplicação, com o modo como iria funcionar, do que propriamente com o resultado. Por isso, pousei o dedo no botão que me iria envelhecer e...
... e o meu pai olhou-me de volta. O meu pai, nos seus últimos anos de vida, como — infelizmente — melhor o recordo.
Pois é, velhote. Toda a vida me disseram que era parecido contigo, mas nunca acreditei tanto nisso como no momento em que vi a tua cara a olhar para mim do tablet. Sim, há diferenças. Mas só reparei nelas mais tarde. Porque reconheço as pessoas principalmente pelos olhos, e esses são iguaizinhos. Iguaizinhos.
Já te tinha ouvido na minha voz, por vezes com um sobressalto, e agora isto.
Olha, sobrevives em mim, essa é que é essa. E feliz aniversário.
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
Lido: O Álvaro Gosta Muito de Levar no Cu
O Álvaro Gosta Muito de Levar no Cu, que de novo não é título mas primeiro verso, é um longo poema de Mário Cesariny de Vasconcelos que goza despudoradamente com Fernando Pessoa e seus heterónimos. Também se destina a chocar, como é evidente desde o início primeiro mas, ao contrário do que aconteceu com outro poema mais ou menos no mesmo tom, este tem mesmo graça, tanto pelas situações que imagina (os heterónimos, homossexualíssimos, todos a fornicar uns com os outros e com o pater de todos), como pela forma desbocada com que as descreve. Isto na primeira parte, pois divide-se em duas. Na segunda, em prosa, dedica-se a escaqueirar Aleister Crowley (com cujo nome não atina) e, já agora, o cristianismo, através da descrição de um ritual em que o papel do Nazareno é representado por um sapo. Delirante e, sim, muito divertido para quem tiver um sentido de humor com o seu quê de perverso.
Textos anteriores deste livro:
Textos anteriores deste livro:
Lido: Como uma Colmeia
Como uma Colmeia (bib.) é uma vinheta de Bruce Holland Rogers que, confesso, não consegui compreender por inteiro. Há ali, parece-me, subtilezas que não atingi, talvez fruto de imperfeições de tradução (não que esta me pareça má, pelo contrário), talvez devido à forma como o conto propriamente dito está escrito. Ou talvez seja só impressão minha. Seja como for, o conto narra, com grande dose de poesia, os encontros, desencontros e consumo mútuo de uma mulher e de um "ele" nunca nomeado, uma espécie de fantasma, ou de sombra, ou quiçá de fruto da imaginação dela. A prosa é brilhante, mas faltou-me compreender melhor o conto para conseguir realmente desfrutá-lo.
Lido: O Véu Negro do Pastor
O Véu Negro do Pastor é um conto de Nathaniel Hawthorne que o autor esclarece logo a abrir tratar-se de uma parábola. Não teria sido necessário. Trata-se de uma história moral, com algum terror psicológico à mistura, sobre um padre que um belo dia aparece aos paroquianos com o rosco tapado por um véu negro. O conto descreve todas as suspeitas que esse ato levanta, muitas delas motivadas pela superstição, e no fim surge a lição de moral sobre a natureza ubíqua do pecado que já se adivinhava. Se pareço pouco impressionado é porque o fiquei; o conto não me agradou por aí além. Mas a verdade é que está bastante bem concebido e executado. Hawthorne consegue deixar a pairar uma certa dúvida sobre a possível natureza sobrenatural do que terá levado o padre a esconder o rosto, aplicando de forma perfeita uma técnica literária que Todorov veio muito mais tarde a usar como principal fator identificativo do fantástico. Sim, o conto é bom. Mas como gostarmos ou não das coisas nem sempre tem a ver com elas serem boas ou não, não me agradou por aí além: o tema, as ideias, os ambientes, a liçãozinha de moral são-me bastante indiferentes.
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
Lido: Por Detrás da Luz
Por Detrás da Luz (bib.), novela lovecraftiana de João Barreiros, é bem capaz de ser a melhor de todas as obras que ele publicou na primeira década deste século, e só não o afirmo taxativamente porque ainda me falta ler uma. E também é uma das melhores coisas que o fantástico português produziu na década passada.
Trata-se, como disse, de uma obra lovecraftiana mas, como seria de esperar quando se fala de Barreiros, não é uma simples história de horror: tem ficção científica à mistura. Ambientada em dois tempos do futuro, conta a história de um viajante no tempo que, através de encantamentos retirados dos livros de Lovecraft e de um bocado de pele de um dos inomináveis lovecraftianos, logra recuar três décadas até aos momentos que antecedem a destruição atómica de Lisboa. Aí, recorrendo a estados alterados de tempo (ora lento, ora imóvel), dedica-se a recuperar artefactos que de outra forma seriam vaporizados na hecatombe nuclear, os quais lhe vão servir de base para um pequeno negócio na veneziana Cascais do seu tempo. Que tem isto a ver com Lovecraft? Tudo. Além de tal pele referida acima, a destruição de Lisboa, também ela no nosso futuro, ainda que mais próximo, ficou a dever-se à abertura iminente de um portal a meio do Tejo de onde se preparavam para jorrar todos os horrores lovrcraftianos.
Tudo isto é pano de fundo, muito bem imaginado e também muito bem caracterizado, mas a história em si tem mais a ver com os dilemas interiores do protagonista, mais complexo e tridimensional do que o que é hábito em Barreiros, o qual primeiro nos aparece cínico e duro mas depressa se vem a descobrir sentimental, embora perverso, e dilacerado por saudades da ex-mulher e por sentimentos de culpa.
Para compor o ramalhete, às tantas repara que nas suas viagens ao passado começam a surgir criaturas lovecraftianas por todo o lado, que estas não ficam sujeitas ao tempo lento ou imóvel como o resto de Lisboa e, o que é pior, que o ajudam, lhe pedem favores, lhe oferecem um mapa com um X a marcar a localização de um tesouro. Que tesouro? Não é muito difícil descobrir, até porque tem total coerência com quem é e o que sente o viajante no tempo.
Recomendo sem reservas este texto a qualquer leitor, mas tenho de fazer uma ressalva: se puderem escolher leiam a versão que saiu na antologia A Sombra Sobre Lisboa. É que a deste livro está francamente mal revista.
Contos anteriores desta publicação:
Trata-se, como disse, de uma obra lovecraftiana mas, como seria de esperar quando se fala de Barreiros, não é uma simples história de horror: tem ficção científica à mistura. Ambientada em dois tempos do futuro, conta a história de um viajante no tempo que, através de encantamentos retirados dos livros de Lovecraft e de um bocado de pele de um dos inomináveis lovecraftianos, logra recuar três décadas até aos momentos que antecedem a destruição atómica de Lisboa. Aí, recorrendo a estados alterados de tempo (ora lento, ora imóvel), dedica-se a recuperar artefactos que de outra forma seriam vaporizados na hecatombe nuclear, os quais lhe vão servir de base para um pequeno negócio na veneziana Cascais do seu tempo. Que tem isto a ver com Lovecraft? Tudo. Além de tal pele referida acima, a destruição de Lisboa, também ela no nosso futuro, ainda que mais próximo, ficou a dever-se à abertura iminente de um portal a meio do Tejo de onde se preparavam para jorrar todos os horrores lovrcraftianos.
Tudo isto é pano de fundo, muito bem imaginado e também muito bem caracterizado, mas a história em si tem mais a ver com os dilemas interiores do protagonista, mais complexo e tridimensional do que o que é hábito em Barreiros, o qual primeiro nos aparece cínico e duro mas depressa se vem a descobrir sentimental, embora perverso, e dilacerado por saudades da ex-mulher e por sentimentos de culpa.
Para compor o ramalhete, às tantas repara que nas suas viagens ao passado começam a surgir criaturas lovecraftianas por todo o lado, que estas não ficam sujeitas ao tempo lento ou imóvel como o resto de Lisboa e, o que é pior, que o ajudam, lhe pedem favores, lhe oferecem um mapa com um X a marcar a localização de um tesouro. Que tesouro? Não é muito difícil descobrir, até porque tem total coerência com quem é e o que sente o viajante no tempo.
Recomendo sem reservas este texto a qualquer leitor, mas tenho de fazer uma ressalva: se puderem escolher leiam a versão que saiu na antologia A Sombra Sobre Lisboa. É que a deste livro está francamente mal revista.
Contos anteriores desta publicação:
Lido: Grande G
Grande G (bib.), noveleta dieseleroticosteampunk (é um nó cujo desenlace vos deixo como passatempo) de Tibor Moricz, é, sobretudo, uma sátira. Só não percebi bem a quê. À superfície, a história relata uma luta pelo poder entre as várias gerações de uma família de monstros em forma humana, sedentos de sexo e poder, num universo ficcional simplificado e esquemático composto por duas cidades, Steam City e Smoke City. A família dirige esta última com férrea mão corporativa, num capitalismo monopolista levado ao derradeiro extremo. A outra cidade é rival eternamente derrotado devido à posse por Smoke City de tecnologia mais avançada e a cirúrgicas ações de sabotagem que mantém a outra cidade prisioneira na era do carvão.
Faz lembrar, vagamente, o mundo real na época da Guerra Fria, mas tudo é exagerado e esquematizado até se tornar grotesco. E nada há de mais grotesco do que a própria família Grummann, três gerações mergulhadas na mais repugnante depravação. Há de tudo: pedofilia, libertinagem, incesto, incesto pedófilo, sem esquecer o assassínio, num fiel paralelismo entre as relações sexuais e as de poder, e na total impunidade que advém desse poder ser absoluto.
E é por isso que não sei bem o que é aqui satirizado, se o simplismo ideológico de alguma esquerda que representa os grandes tubarões financeiros e industriais como um mal sem matizes, se a própria natureza desse mal. Seja como for, é uma história interessante. Não posso dizer que tenha gostado assim muito dela, mas é interessante. E arriscada: arrisca-se a chocar alguns leitores de tal maneira que os leve a achar tudo aquilo gratuito e por isso a rejeitá-la. Mas, embora o choque exista e seja propositado, não creio que tenha alguma coisa de gratuito. Pelo contrário: é conteúdo.
Conto anterior deste livro:
Faz lembrar, vagamente, o mundo real na época da Guerra Fria, mas tudo é exagerado e esquematizado até se tornar grotesco. E nada há de mais grotesco do que a própria família Grummann, três gerações mergulhadas na mais repugnante depravação. Há de tudo: pedofilia, libertinagem, incesto, incesto pedófilo, sem esquecer o assassínio, num fiel paralelismo entre as relações sexuais e as de poder, e na total impunidade que advém desse poder ser absoluto.
E é por isso que não sei bem o que é aqui satirizado, se o simplismo ideológico de alguma esquerda que representa os grandes tubarões financeiros e industriais como um mal sem matizes, se a própria natureza desse mal. Seja como for, é uma história interessante. Não posso dizer que tenha gostado assim muito dela, mas é interessante. E arriscada: arrisca-se a chocar alguns leitores de tal maneira que os leve a achar tudo aquilo gratuito e por isso a rejeitá-la. Mas, embora o choque exista e seja propositado, não creio que tenha alguma coisa de gratuito. Pelo contrário: é conteúdo.
Conto anterior deste livro:
segunda-feira, 26 de novembro de 2012
Lido: Dizem que sou um chão
Dizem que sou um chão, que não é título mas primeiro verso, é um poema de Mário Cesariny de Vasconcelos sobre o qual não tenho muito a dizer. Trazendo de novo consigo uma certa badalhoquice, a ideia terá sido chocar, e talvez tenha chocado alguém. Mas eu não sou esse alguém. Não o achei grande coisa, nem como poema, nem como texto humorístico. Provavelmente o defeito é meu.
Textos anteriores deste livro:
Textos anteriores deste livro:
Lido: Metade do Império
Metade do Império (bib.) é mais um dos pequenos contos de Bruce Holland Rogers cujo principal forte é a subtileza. Aqui, encontramos uma daquelas situações típicas das velhas lendas em que uma princesa aguarda pacientemente que um dia chegue algum pretendente suficientemente heroico para ultrapassar os desafios que o rei lhe apresenta. Mas, ao contrário do que é hábito, o herói não é herói algum, mas apenas um rapaz de uma aldeia de pescadores que vai ver as vistas à capital. E daí talvez seja mesmo um herói, pois vai ultrapassando os desafios, um após outro, graças a uma mistura de casualidade e singeleza de espírito. Mas acaba por renunciar quer à princesa quer ao dote, a metade do império a que o título faz referência, e aí reside a maior subtileza do conto. Por que verdadeiro motivo renuncia o rapaz àquilo que conquistou por direito próprio, ainda que de uma forma pouco convencional? E a que, ao certo, renunciou ele? São duas questões que ficam sem resposta, ou com todas as respostas que os leitores lhes derem. Eu sei as minhas, mas não as divulgo. Acrescento apenas que gostei mesmo muito desta história.
Um poemita rápido
Eis um poemita rápido, motivado por esta coisa ridícula:
Os partidos do centrão
Os partidos do centrão
estão em competição
a fim de determinar
quem é mais incompetente
Mas não há azar
no fim vai tudo votar
neles
como sempre.
Os partidos do centrão
Os partidos do centrão
estão em competição
a fim de determinar
quem é mais incompetente
Mas não há azar
no fim vai tudo votar
neles
como sempre.
domingo, 25 de novembro de 2012
Lido: Fúria do Escorpião Azul
Fúria do Escorpião Azul (bib.) é uma muito pulpesca noveleta de Carlos Orsi, ambientada num Brasil alternativo sob o jugo de uma ditadura estalinista. O protagonista formal, digamos, é um jornalista, herói de guerra contra as forças anticomunistas que, por um misto de desilusão com a realidade repressiva do regime e iconoclastia pessoal, tem opiniões e atitudes subversivas e só conserva o emprego (e a liberdade, e provavelmente a vida) porque é ativamente protegido pelo chefe, um seu antigo camarada de armas. Mas as personagens que realmente fazem mover o enredo são outras: um génio científico russo, que está no Brasil em segredo a trabalhar com artefactos possivelmente alienígenas, e um vingador mascarado, uma espécie de Batman tropical, que se dedica a combater o mal à boa maneira dos super-heróis da BD.
É um conto pulp honesto, bem concebido e executado de forma competente. E a transposição deste género de enredos do habitual ambiente norte-americano para a mistura russo-brasileira que aqui se encontra tem o seu interesse. O problema é que eu não gosto deste tipo de história. Já não gostava delas em miúdo, quando lia com indiferença as revistas de BD de super-heróis que me vinham parar às mãos mas nunca comprei ou pedi para me comprarem nenhuma, e continuo a não gostar hoje. Por conseguinte eu, que até costumo gostar bastante das histórias do Orsi, desta não gostei lá muito. Apreciei a competência com que foi executada, mas pouco mais.
É um conto pulp honesto, bem concebido e executado de forma competente. E a transposição deste género de enredos do habitual ambiente norte-americano para a mistura russo-brasileira que aqui se encontra tem o seu interesse. O problema é que eu não gosto deste tipo de história. Já não gostava delas em miúdo, quando lia com indiferença as revistas de BD de super-heróis que me vinham parar às mãos mas nunca comprei ou pedi para me comprarem nenhuma, e continuo a não gostar hoje. Por conseguinte eu, que até costumo gostar bastante das histórias do Orsi, desta não gostei lá muito. Apreciei a competência com que foi executada, mas pouco mais.
125
Ontem fui a Faro. Pela 125, como é óbvio, pois não estou disposto a pagar para andar numa estrada cujo custo foi quase integralmente coberto por fundos europeus e cujas portagens vão alimentar os cofres duma empresa que não tem qualquer direito a tais fundos: a Via do Infante. Também conhecida por A-22.
Mas, como ia dizendo, ontem fui a Faro. Eis o que vi no caminho:
Prostitutas de beira de estrada. Três. Uma sozinha, a deambular de um lado para o outro, e duas juntas, com grandes botas até ao joelho, uma sentada em qualquer coisa, a outra de pé, a ocupar a berma. Dizem-me que são visão habitual em alguns troços, mas nunca as tinha visto.
Uma limusina. Sim. Uma limusina.
Banquinhas de venda de laranjas. Não tantas como às vezes se encontram — não estamos na época da maior parte das variedades que se cultivam no Algarve — mas ainda bastantes. E sim, claro, a ocupar a berma.
Muita nabice ao volante. Muita. Dir-se-ia que os condutores de domingo se fizeram todos à estrada no sábado. Provavelmente bêbados. Vi uma carrinha a ultrapassar o traço contínuo em curva, vi uma rapariga com ar de donzela alheada de tudo que se recusava a encostar à direita nas zonas de faixa dupla destinadas a ultrapassagens, vi carripanas a arrastar-se estrada fora a 50 ou 60 à hora, vi... eu sei lá. Muita nabice ao volante. Muita.
Um homem que mal se aguentava em cima da bicicleta. A cada pedalada dava um cambaleio, sempre na iminência de se estatelar. Estava na berma, mas facilmente se teria esparramado na estrada. Bêbado? Quase de certeza.
Carros parados a meio da estrada. À espera de uma aberta no muito trânsito contrário para se meterem numa das inúmeras entradas, estradinhas e caminhos que cruzam com a estrada principal.
Casas, casas e mais casas. A 125 não é uma estrada, é uma rua.
Carros, carros e mais carros. E felizmente era sábado; não havia camiões. A 125 não é uma estrada, é a rua principal de uma grande metrópole disfuncional, desordenada e sem um sistema de transportes públicos capaz de captar parte do trânsito individual entre as várias partes dessa metrópole.
Horas depois de chegar a casa soube que um homem morreu num dos lugares por onde passei. Não o vi, deve ter acontecido depois da minha passagem. Mas não me custa nada a crer.
Quem pôs portagens na Via do Infante tem nas mãos o sangue desse homem. E só não o tem na consciência porque esta gente não tem consciência.
Mas, como ia dizendo, ontem fui a Faro. Eis o que vi no caminho:
Prostitutas de beira de estrada. Três. Uma sozinha, a deambular de um lado para o outro, e duas juntas, com grandes botas até ao joelho, uma sentada em qualquer coisa, a outra de pé, a ocupar a berma. Dizem-me que são visão habitual em alguns troços, mas nunca as tinha visto.
Uma limusina. Sim. Uma limusina.
Banquinhas de venda de laranjas. Não tantas como às vezes se encontram — não estamos na época da maior parte das variedades que se cultivam no Algarve — mas ainda bastantes. E sim, claro, a ocupar a berma.
Muita nabice ao volante. Muita. Dir-se-ia que os condutores de domingo se fizeram todos à estrada no sábado. Provavelmente bêbados. Vi uma carrinha a ultrapassar o traço contínuo em curva, vi uma rapariga com ar de donzela alheada de tudo que se recusava a encostar à direita nas zonas de faixa dupla destinadas a ultrapassagens, vi carripanas a arrastar-se estrada fora a 50 ou 60 à hora, vi... eu sei lá. Muita nabice ao volante. Muita.
Um homem que mal se aguentava em cima da bicicleta. A cada pedalada dava um cambaleio, sempre na iminência de se estatelar. Estava na berma, mas facilmente se teria esparramado na estrada. Bêbado? Quase de certeza.
Carros parados a meio da estrada. À espera de uma aberta no muito trânsito contrário para se meterem numa das inúmeras entradas, estradinhas e caminhos que cruzam com a estrada principal.
Casas, casas e mais casas. A 125 não é uma estrada, é uma rua.
Carros, carros e mais carros. E felizmente era sábado; não havia camiões. A 125 não é uma estrada, é a rua principal de uma grande metrópole disfuncional, desordenada e sem um sistema de transportes públicos capaz de captar parte do trânsito individual entre as várias partes dessa metrópole.
Horas depois de chegar a casa soube que um homem morreu num dos lugares por onde passei. Não o vi, deve ter acontecido depois da minha passagem. Mas não me custa nada a crer.
Quem pôs portagens na Via do Infante tem nas mãos o sangue desse homem. E só não o tem na consciência porque esta gente não tem consciência.
terça-feira, 20 de novembro de 2012
Ao meu camarada Luís Fazenda
Sim, isto agora é assim. Camarada para cá, camarada para lá. Não é uma questão de partidarite. Como escrevi há dias no twitter, neste momento da nossa história posso não gostar de todos os que, em Portugal, se batem pela demissão desta catástrofe de governo e pelo fim da desastrosa política económica imposta pela troika, mas são todos meus camaradas.
Bem, talvez com algumas exceções. Os idiotas das pedradas do outro dia, por exemplo.
Mas adiante. Quero falar sobre isto. Nesse artigo, Luís Fazenda enche-se de brios na defesa da sua dama contra um lamentável artigo de opinião escrito por João Assunção Ribeiro. Não tenhamos dúvidas de uma coisa: o artigo de Ribeiro é idiota e vigarista, como o PS é idiota e vigarista sempre que procura sacudir para cima de outros culpas que são só dele. E sim, fá-lo muitas vezes. Toda a gente sabe que nunca houve qualquer aproximação do PS à esquerda que não passasse de encenação. Toda a gente, incluindo os aldrabões que dizem o contrário. E incluindo muitos militantes e simpatizantes do PS que talvez até gostassem que as coisas fossem diferentes. João Assunção Ribeiro é, de facto, a nódoa tristemente habitual nas cúpulas deste partido "socialista", um lídimo representante de um partido cujos dirigentes estão enterrados até ao pescoço na lama das negociatas, corrupção e incompetência que levou o país ao estado em que está. Não tenhamos dúvidas quanto a isto. É verdade.
Portanto Fazenda tem toda a razão para defender a sua dama. O problema é que o faz da maneira errada. E, fazendo-o da maneira errada, torna-se parte do mesmo problema de que José Assunção Ribeiro é expoente.
Explico.
Indigna-se Fazenda contra a ideia de que o Bloco deve abdicar do seu programa em nome da convergência. Diz, e com razão, que estes dirigentes do PS só aceitarão a convergência com o programa do PS, e por isso mostra-se intransigente relativamente ao programa do Bloco. O que não percebe é que isso dá ao PS a possibilidade de inverter (de subverter, dir-se-ia melhor) as relações de causalidade. Que dá ao PS a possibilidade de dizer, como Ribeiro diz em parte do seu artigo, que a convergência não existe porque o Bloco é intransigente nos pontos mais "radicais" do seu programa. E que é precisamente assim que se vai alimentando esta estúpida rigidez mútua que paralisa a esquerda e faz com que a direita vá fazendo o seu caminho, com ou sem a cumplicidade do PS.
A questão é que a convergência só se faz com cedências como, aliás, qualquer bloquista tem obrigação de saber perfeitamente, visto que o Bloco resultou precisamente de uma convergência e das cedências das correntes fundadoras em prol do país e daquilo que tinham em comum. E portanto não, o programa do Bloco não é objeto sagrado e inviolável. Para haver uma convergência — e a convergência é urgente; Portugal não pode aguentar este governo criminoso por mais tempo — é fundamental que os partidos estejam dispostos a cedências, mesmo em alguns pontos fundamentais dos seus programas. E isto aplica-se tanto ao Bloco, como ao PCP, como ao PS, como a qualquer outra força de esquerda que tenha força suficiente para fazer parte de uma alternativa.
Já o disse aqui, mas repito-o, generalizando. Numas eleições futuras, que seria bom que acontecessem já para o mês que vem, as forças políticas devem apresentar-se ao eleitorado com duas listas na mão: uma, muito reduzida, com aquilo de que não abrirão mão, aquilo que qualquer partido que pretenda convergir com elas terá de aceitar. A outra, com aquilo que fariam se o eleitorado lhes desse maioria para governar sozinhas. O programa do Bloco é, para o Bloco, esta segunda lista, mas não pode de forma alguma ser também a primeira. A primeira lista tem de ser bastante mais reduzida. A rotura com o memorando é nela fundamental, claro, mas há muito poucas outras coisas que também o sejam. A nacionalização da banca intervencionada, por exemplo, é importante (é a única forma de evitar que os bancos sabotem o que é preciso ser feito para proteger o país do saque levado a cabo pelo capital financeiro), mas a meu ver não o é tanto como a exigência intransigente de uma governação ética que combata sem tréguas a corrupção e o compadrio e procure por todos os meios anular e reverter decisões passadas tomadas com base, precisamente, na corrupção e no compadrio.
Se os partidos tiverem essa confiança na inteligência do eleitorado, se conseguirem compreender que, sim, a maior parte do eleitorado compreende que numa negociação há que fazer cedências mútuas, se se lhe apresentarem com uma carta de pontos negociáveis e não negociáveis bem definida à partida, então talvez seja possível afastar do primeiro plano do discurso político em Portugal completas nulidades sectárias como João Assunção Ribeiro. E Luís Fazenda, que é um deputado competente, faria bem em não descer ao nível dele. Por si e por todos nós.
Caso contrário estamos, em bom português, completamente fodidos.
Bem, talvez com algumas exceções. Os idiotas das pedradas do outro dia, por exemplo.
Mas adiante. Quero falar sobre isto. Nesse artigo, Luís Fazenda enche-se de brios na defesa da sua dama contra um lamentável artigo de opinião escrito por João Assunção Ribeiro. Não tenhamos dúvidas de uma coisa: o artigo de Ribeiro é idiota e vigarista, como o PS é idiota e vigarista sempre que procura sacudir para cima de outros culpas que são só dele. E sim, fá-lo muitas vezes. Toda a gente sabe que nunca houve qualquer aproximação do PS à esquerda que não passasse de encenação. Toda a gente, incluindo os aldrabões que dizem o contrário. E incluindo muitos militantes e simpatizantes do PS que talvez até gostassem que as coisas fossem diferentes. João Assunção Ribeiro é, de facto, a nódoa tristemente habitual nas cúpulas deste partido "socialista", um lídimo representante de um partido cujos dirigentes estão enterrados até ao pescoço na lama das negociatas, corrupção e incompetência que levou o país ao estado em que está. Não tenhamos dúvidas quanto a isto. É verdade.
Portanto Fazenda tem toda a razão para defender a sua dama. O problema é que o faz da maneira errada. E, fazendo-o da maneira errada, torna-se parte do mesmo problema de que José Assunção Ribeiro é expoente.
Explico.
Indigna-se Fazenda contra a ideia de que o Bloco deve abdicar do seu programa em nome da convergência. Diz, e com razão, que estes dirigentes do PS só aceitarão a convergência com o programa do PS, e por isso mostra-se intransigente relativamente ao programa do Bloco. O que não percebe é que isso dá ao PS a possibilidade de inverter (de subverter, dir-se-ia melhor) as relações de causalidade. Que dá ao PS a possibilidade de dizer, como Ribeiro diz em parte do seu artigo, que a convergência não existe porque o Bloco é intransigente nos pontos mais "radicais" do seu programa. E que é precisamente assim que se vai alimentando esta estúpida rigidez mútua que paralisa a esquerda e faz com que a direita vá fazendo o seu caminho, com ou sem a cumplicidade do PS.
A questão é que a convergência só se faz com cedências como, aliás, qualquer bloquista tem obrigação de saber perfeitamente, visto que o Bloco resultou precisamente de uma convergência e das cedências das correntes fundadoras em prol do país e daquilo que tinham em comum. E portanto não, o programa do Bloco não é objeto sagrado e inviolável. Para haver uma convergência — e a convergência é urgente; Portugal não pode aguentar este governo criminoso por mais tempo — é fundamental que os partidos estejam dispostos a cedências, mesmo em alguns pontos fundamentais dos seus programas. E isto aplica-se tanto ao Bloco, como ao PCP, como ao PS, como a qualquer outra força de esquerda que tenha força suficiente para fazer parte de uma alternativa.
Já o disse aqui, mas repito-o, generalizando. Numas eleições futuras, que seria bom que acontecessem já para o mês que vem, as forças políticas devem apresentar-se ao eleitorado com duas listas na mão: uma, muito reduzida, com aquilo de que não abrirão mão, aquilo que qualquer partido que pretenda convergir com elas terá de aceitar. A outra, com aquilo que fariam se o eleitorado lhes desse maioria para governar sozinhas. O programa do Bloco é, para o Bloco, esta segunda lista, mas não pode de forma alguma ser também a primeira. A primeira lista tem de ser bastante mais reduzida. A rotura com o memorando é nela fundamental, claro, mas há muito poucas outras coisas que também o sejam. A nacionalização da banca intervencionada, por exemplo, é importante (é a única forma de evitar que os bancos sabotem o que é preciso ser feito para proteger o país do saque levado a cabo pelo capital financeiro), mas a meu ver não o é tanto como a exigência intransigente de uma governação ética que combata sem tréguas a corrupção e o compadrio e procure por todos os meios anular e reverter decisões passadas tomadas com base, precisamente, na corrupção e no compadrio.
Se os partidos tiverem essa confiança na inteligência do eleitorado, se conseguirem compreender que, sim, a maior parte do eleitorado compreende que numa negociação há que fazer cedências mútuas, se se lhe apresentarem com uma carta de pontos negociáveis e não negociáveis bem definida à partida, então talvez seja possível afastar do primeiro plano do discurso político em Portugal completas nulidades sectárias como João Assunção Ribeiro. E Luís Fazenda, que é um deputado competente, faria bem em não descer ao nível dele. Por si e por todos nós.
Caso contrário estamos, em bom português, completamente fodidos.
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
Lido: O Fim do Sr. Y
O Fim do Sr. Y (bib.), de Scarlett Thomas, é um romance fantástico sobre uma jovem com o curioso nome de Ariel Manto que mergulha numa estranha aventura através da qual vai acabar por conhecer a verdadeira natureza do Universo.
Tudo começa com um livro, intitulado, precisamente, O Fim do Sr. Y. Manto, que é uma personagem curiosa, polifacetada e até certo ponto contraditória (o que é um dos motivos de interesse do livro), é uma doutoranda e o objeto do seu doutoramento é um obscuro autor oitocentista, um tal Lumas, que terá escrito, entre outras obras, O Fim do Sr. Y, um livro maldito e dificílimo de encontrar porque (quase?) todos os seus exemplares foram destruídos. Segundo a lenda, quem ler este livro até ao fim desaparece sem deixar rasto... o que terá acontecido ao próprio Lumas, aliás.
E o que também aconteceu a Burlem, o orientador de doutoramento da protagonista, ele próprio estudioso de Lumas.
Previsivelmente, Manto encontra um exemplar do livro e, também previsivelmente, isso vai trazer-lhe problemas sérios. Mas a previsibilidade termina aí. O tipo de sarilhos em que ela se mete é inesperado, e toda a sequência da história a partir desse ponto também o é.
Este livro pode ser visto como ficção filosófica. São inúmeras as menções a filósofos pós-estruturalistas, em especial Derrida, Baudrillard e Heidegger, e as ideias que Thomas utiliza na conceção do seu universo ficcional parecem ter tudo a ver com o trabalho desses filósofos. Não sou competente para avaliar quão fielmente — a filosofia formal está longe de ser o meu forte. Mas, em resumo, quando Manto lê o livro de Lumas e decide experimentar uma receita homeopática que vem nas suas páginas e que dá acesso, segundo o livro afirma, a uma tal "Troposfera" que interliga todas as criaturas vivas, penetra numa espécie de universo paralelo que vai desvendando aos poucos e que se vai assemelhando cada vez mais a algo saído dos manuais da filosofia pós-moderna. A realidade, acaba Manto por descobrir, não passa de uma construção consensual da consciência, humana e não só. Com tudo o que isso implica.
Trata-se, também, de um romance com forte ligação à ficção científica, o que só surpreenderá quem ignorar como a melhor FC tende a ser profundamente filosófica, ainda que seja raro sê-lo de uma forma tão óbvia como neste livro. Há referências claras à série Matrix, por exemplo, e há mais que algo de dickiano nas peripécias de Manto e na própria filosofia subjacente à história. Afinal, a noção de que a realidade não é algo de fiável, antes está sujeita às contingências da consciência humana, é tão central na obra de Dick como neste livro. Incluindo o seu pendor místico; parte da filosofia que Thomas aqui usa vai ter ramificações religiosas relevantes.
O livro é concetualmente complexo, e é nas conceções que reside o seu inderesse principal. Literatura de ideias mais que de personagens ou de enredo, ainda que este e a protagonista estejam também bem conseguidos. As personagens secundárias são, pelo contrário, algo bidimensionais, o que não chega a constituir defeito, antes é característica. Afinal, todas elas são olhadas desde o ponto de vista da protagonista — o romance é narrado na primeira pessoa — e isso não permite grande exploração das profundezas ocultas das suas personalidades. Só mostram ao leitor o que a protagonista consegue ver, e assim é que deve ser numa narrativa construída desta forma.
Só não gostei particularmente dos MIUDOS. Sim, não me esqueci do caps lock ligado; é mesmo assim, em maiúsculas. São, com os homens que os controlam, os vilões da história, personalidades residuais geradas por um projeto americano ultra-secreto, que Thomas usa para fornecer um elemento de ameaça que não me pareceu realmente necessário nem bem ligado ao resto. Uma espécie de Agentes Smith do Matrix em versão menos transcendente. Não me convenceram. E, ao contrário da filosofia que também não me convenceu — muito longe disso — mas achei bastante bem trabalhada, deixaram-me com uma certa sensação de incompletude, de que falta neles qualquer coisa de importante.
À parte esse pormenor não tão menor assim, o livro é bastante bom. Surpreendeu-me pela positiva; quando peguei nele não estava à espera de algo tão profundo. E é sempre bom quando isso acontece.
Este livro foi comprado.
Tudo começa com um livro, intitulado, precisamente, O Fim do Sr. Y. Manto, que é uma personagem curiosa, polifacetada e até certo ponto contraditória (o que é um dos motivos de interesse do livro), é uma doutoranda e o objeto do seu doutoramento é um obscuro autor oitocentista, um tal Lumas, que terá escrito, entre outras obras, O Fim do Sr. Y, um livro maldito e dificílimo de encontrar porque (quase?) todos os seus exemplares foram destruídos. Segundo a lenda, quem ler este livro até ao fim desaparece sem deixar rasto... o que terá acontecido ao próprio Lumas, aliás.
E o que também aconteceu a Burlem, o orientador de doutoramento da protagonista, ele próprio estudioso de Lumas.
Previsivelmente, Manto encontra um exemplar do livro e, também previsivelmente, isso vai trazer-lhe problemas sérios. Mas a previsibilidade termina aí. O tipo de sarilhos em que ela se mete é inesperado, e toda a sequência da história a partir desse ponto também o é.
Este livro pode ser visto como ficção filosófica. São inúmeras as menções a filósofos pós-estruturalistas, em especial Derrida, Baudrillard e Heidegger, e as ideias que Thomas utiliza na conceção do seu universo ficcional parecem ter tudo a ver com o trabalho desses filósofos. Não sou competente para avaliar quão fielmente — a filosofia formal está longe de ser o meu forte. Mas, em resumo, quando Manto lê o livro de Lumas e decide experimentar uma receita homeopática que vem nas suas páginas e que dá acesso, segundo o livro afirma, a uma tal "Troposfera" que interliga todas as criaturas vivas, penetra numa espécie de universo paralelo que vai desvendando aos poucos e que se vai assemelhando cada vez mais a algo saído dos manuais da filosofia pós-moderna. A realidade, acaba Manto por descobrir, não passa de uma construção consensual da consciência, humana e não só. Com tudo o que isso implica.
Trata-se, também, de um romance com forte ligação à ficção científica, o que só surpreenderá quem ignorar como a melhor FC tende a ser profundamente filosófica, ainda que seja raro sê-lo de uma forma tão óbvia como neste livro. Há referências claras à série Matrix, por exemplo, e há mais que algo de dickiano nas peripécias de Manto e na própria filosofia subjacente à história. Afinal, a noção de que a realidade não é algo de fiável, antes está sujeita às contingências da consciência humana, é tão central na obra de Dick como neste livro. Incluindo o seu pendor místico; parte da filosofia que Thomas aqui usa vai ter ramificações religiosas relevantes.
O livro é concetualmente complexo, e é nas conceções que reside o seu inderesse principal. Literatura de ideias mais que de personagens ou de enredo, ainda que este e a protagonista estejam também bem conseguidos. As personagens secundárias são, pelo contrário, algo bidimensionais, o que não chega a constituir defeito, antes é característica. Afinal, todas elas são olhadas desde o ponto de vista da protagonista — o romance é narrado na primeira pessoa — e isso não permite grande exploração das profundezas ocultas das suas personalidades. Só mostram ao leitor o que a protagonista consegue ver, e assim é que deve ser numa narrativa construída desta forma.
Só não gostei particularmente dos MIUDOS. Sim, não me esqueci do caps lock ligado; é mesmo assim, em maiúsculas. São, com os homens que os controlam, os vilões da história, personalidades residuais geradas por um projeto americano ultra-secreto, que Thomas usa para fornecer um elemento de ameaça que não me pareceu realmente necessário nem bem ligado ao resto. Uma espécie de Agentes Smith do Matrix em versão menos transcendente. Não me convenceram. E, ao contrário da filosofia que também não me convenceu — muito longe disso — mas achei bastante bem trabalhada, deixaram-me com uma certa sensação de incompletude, de que falta neles qualquer coisa de importante.
À parte esse pormenor não tão menor assim, o livro é bastante bom. Surpreendeu-me pela positiva; quando peguei nele não estava à espera de algo tão profundo. E é sempre bom quando isso acontece.
Este livro foi comprado.
sábado, 17 de novembro de 2012
Lido: O Melhor do Desafio Operário
O Melhor do Desafio Operário (bib.) é, à semelhança da Antologia de Contos Temáticos de que aqui falei há algum tempo, uma antologia brasileira originada nos trabalhos de um atelier de escrita criativa ainda que, ao contrário desta, só tenha sido editada em versão ebook. Reúne 14 histórias, com extensões que vão da vinheta à noveleta, e foi organizada por Ana Cristina Rodrigues.
Esta antologia tem alguns pontos em comum — e também alguns autores em comum — com a de Henry Alfred Bugalho. De novo se nota que os autores são capazes de dar algo mais do que aqui mostraram, e de novo se compreende porquê. Porque os temas não são, necessariamente, aqueles que mais interessam aos autores ou aqueles em que estes mais se sentem à vontade. Ou porque há prazos a cumprir que nem sempre serão compatíveis com a produção de obra tão bem planeada e executada como poderia ser caso nascesse sob pressão menos intensa. Ou porque a própria gestação das ideias nem sempre se compadece da necessidade de ter obra pronta para apresentar aos colegas. Ou porque há em certos casos muita inexperiência, ainda que outros dos autores aqui presentes sejam já autores tarimbados. Ou por vários outros motivos possíveis.
No entanto, também há algumas diferenças entre as duas antologias, que acabam por fazer com que esta seja notoriamente melhor do que a dos contos temáticos. Os contos do Desafio Operário são mais extensos, o que desde logo permite uma melhor elaboração de cenários e enredos. Aqui encontra-se um conto por autor, aquele que se considerou (não sabemos se pela organizadora se pelos autores, se de uma forma mais cooperativa) ser o melhor entre todos aqueles que foram produzidos durante a duração do atelier. Aqui temos uma maior uniformidade estilística, pois todos os contos pertencem a alguma vertente das literaturas do imaginário, com ênfase na fantasia e, em menor grau, na ficção científica, o que significa que o desconforto que escrever fora da área literária de eleição de cada um pode provocar é reduzido se comparado com um atelier totalmente aberto em termos temáticos e genéricos. Aqui há um equilíbrio diferente entre escritores novatos e escritores com alguma (ou muita) experiência, com maior pendor para estes últimos, ainda que nem sempre essa experiência se reflita na qualidade do que é produzido. Tudo isto contribui para uma qualidade média mais elevada.
Sim, aqui também há contos muito maus. Especialmente três. Mas a vasta maioria destes contos do Desafio Operário tem uma qualidade no mínimo aceitável e há até um conto que me pareceu francamente bom. Marcos Cinco Descobre Deus, de Leonardo Carrion, é, julgo, o melhor conto da antologia. Não que seja perfeito: há alguns problemas que uma revisão atenta resolveria (a crase e os brasileiros é um caso de eterna inimizade), e tende por vezes um pouco em demasia para o infodump. Mas é francamente bom, e julgo que a explicação para isso é, em parte, o autor ter conseguido utilizar o tema proposto para desenvolver um outro tema que lhe é caro. Trata-se de um conto de ficção científica, no qual um robot, encarregado de gerir uma nave de colonização interstelar durante a longa viagem até Vega, se interroga sobre a fé, a divindade e as tradições a ela ligadas, enquanto cuida dos filhos dos colonos e lhes serve de professor durante o tempo que os pais passam em animação suspensa. Sem chegar propriamente a desrespeitar o tema proposto, "regras e exceções," Carrion escreveu um conto que na realidade versa sobre a natureza da fé em Deus, e fê-lo com a ironia e rigor lógico de um ateu.
Em resumo: esta antologia é uma boa antologia? Não, não me parece que seja. Mas, dentro do género, até acaba por ser. Não julgo que seja possível fazer muito melhor do que isto com as restrições que advêm da obrigatoriedade de coligir trabalhos produzidos durante um atelier de escrita criativa, a menos que todos os integrantes desse atelier sejam escritores tarimbados e/ou talentosos e possam escrever sem constrangimentos temáticos nem estarem sob o sufoco dos prazos. Vale a pena a leitura? Os contos muito maus tornam-na penosa, por vezes, mas a meu ver os restantes acabam por compensar. E valeu a pena a publicação? Para alguns destes autores, aqueles que são decididamente capazes de fazer melhor, talvez não. Mas para outros julgo que sim.
Se quiserem arriscar, encontram-na aqui.
Esta antologia tem alguns pontos em comum — e também alguns autores em comum — com a de Henry Alfred Bugalho. De novo se nota que os autores são capazes de dar algo mais do que aqui mostraram, e de novo se compreende porquê. Porque os temas não são, necessariamente, aqueles que mais interessam aos autores ou aqueles em que estes mais se sentem à vontade. Ou porque há prazos a cumprir que nem sempre serão compatíveis com a produção de obra tão bem planeada e executada como poderia ser caso nascesse sob pressão menos intensa. Ou porque a própria gestação das ideias nem sempre se compadece da necessidade de ter obra pronta para apresentar aos colegas. Ou porque há em certos casos muita inexperiência, ainda que outros dos autores aqui presentes sejam já autores tarimbados. Ou por vários outros motivos possíveis.
No entanto, também há algumas diferenças entre as duas antologias, que acabam por fazer com que esta seja notoriamente melhor do que a dos contos temáticos. Os contos do Desafio Operário são mais extensos, o que desde logo permite uma melhor elaboração de cenários e enredos. Aqui encontra-se um conto por autor, aquele que se considerou (não sabemos se pela organizadora se pelos autores, se de uma forma mais cooperativa) ser o melhor entre todos aqueles que foram produzidos durante a duração do atelier. Aqui temos uma maior uniformidade estilística, pois todos os contos pertencem a alguma vertente das literaturas do imaginário, com ênfase na fantasia e, em menor grau, na ficção científica, o que significa que o desconforto que escrever fora da área literária de eleição de cada um pode provocar é reduzido se comparado com um atelier totalmente aberto em termos temáticos e genéricos. Aqui há um equilíbrio diferente entre escritores novatos e escritores com alguma (ou muita) experiência, com maior pendor para estes últimos, ainda que nem sempre essa experiência se reflita na qualidade do que é produzido. Tudo isto contribui para uma qualidade média mais elevada.
Sim, aqui também há contos muito maus. Especialmente três. Mas a vasta maioria destes contos do Desafio Operário tem uma qualidade no mínimo aceitável e há até um conto que me pareceu francamente bom. Marcos Cinco Descobre Deus, de Leonardo Carrion, é, julgo, o melhor conto da antologia. Não que seja perfeito: há alguns problemas que uma revisão atenta resolveria (a crase e os brasileiros é um caso de eterna inimizade), e tende por vezes um pouco em demasia para o infodump. Mas é francamente bom, e julgo que a explicação para isso é, em parte, o autor ter conseguido utilizar o tema proposto para desenvolver um outro tema que lhe é caro. Trata-se de um conto de ficção científica, no qual um robot, encarregado de gerir uma nave de colonização interstelar durante a longa viagem até Vega, se interroga sobre a fé, a divindade e as tradições a ela ligadas, enquanto cuida dos filhos dos colonos e lhes serve de professor durante o tempo que os pais passam em animação suspensa. Sem chegar propriamente a desrespeitar o tema proposto, "regras e exceções," Carrion escreveu um conto que na realidade versa sobre a natureza da fé em Deus, e fê-lo com a ironia e rigor lógico de um ateu.
Em resumo: esta antologia é uma boa antologia? Não, não me parece que seja. Mas, dentro do género, até acaba por ser. Não julgo que seja possível fazer muito melhor do que isto com as restrições que advêm da obrigatoriedade de coligir trabalhos produzidos durante um atelier de escrita criativa, a menos que todos os integrantes desse atelier sejam escritores tarimbados e/ou talentosos e possam escrever sem constrangimentos temáticos nem estarem sob o sufoco dos prazos. Vale a pena a leitura? Os contos muito maus tornam-na penosa, por vezes, mas a meu ver os restantes acabam por compensar. E valeu a pena a publicação? Para alguns destes autores, aqueles que são decididamente capazes de fazer melhor, talvez não. Mas para outros julgo que sim.
Se quiserem arriscar, encontram-na aqui.
Lido: Ela Canta...
Ela Canta... é um irreverente poema de Mário Cesariny de Vasconcelos sobre uma pobre ceifeira canora. Ou antes, sobre o modo como a pobre ceifeira canora age durante uma queca. Desaconselhável a puritanos, mas aconselhável a quem seja possuidor de um sentido de humor, em especial aos que o tiverem ligeiramente badalhoco.
Textos anteriores deste livro:
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Os tornados
Se bem entendi, houve hoje dois tornados na minha zona, um a ocidente, outro a oriente de onde eu estava. O maior, e mais grave, parece ter chegado a terra uns 6 km a leste da minha casa, a ocidente do Carvoeiro, e depois seguiu mais ou menos em linha reta para nor-nordeste, para as Sesmarias, depois para o Pestana Golf Resort, e até ao parque aquático Slide and Splash. Aí, aparentemente, virou um pouco para leste e foi atingir em cheio um dos bairros mais recentes de Lagoa, na ponta noroeste da cidade. Em seguida, prosseguiu para nor-nordeste, num trajeto mais ou menos paralelo à da estrada de Silves, acabando por atingir esta cidade em cheio. O impressionante vídeo abaixo mostra-o a cair sobre o campo de futebol do Silves FC, que fica na ponta sul da cidade, mas há relatos de estragos entre a piscina, que fica um pouco para oeste, e pelo menos a ponte medieval, que se localiza a meio de Silves, cerca de 500 m a leste da piscina. Os relatos afirmam que o tornado terá depois atravessado a cidade e desaparecido na serra, a norte.
O outro parece ter chegado a terra já em fase de dissipação, na Ria de Alvor, uns 5 km a oeste da minha casa, e aparentemente provocou estragos de pouca monta na vila de Alvor e nos Montes de Alvor. Aparentemente ter-se-á dissipado por completo antes de chegar ao aeródromo de Portimão. Este vídeo, que não permite embedding, foi filmado de Odiáxere, e mostra-o a entrar Ria de Alvor dentro. Aquela zona de terreno elevado que se começa a ver cerca dos 2 minutos e atrás da qual o tornado desaparece é, julgo, a Quinta da Rocha, uma arriba fóssil que divide a ria em duas.
E eu, aqui no meio, sinto-me um bocado como um alvo numa carreira de tiro. Um alvo incólume por as balas terem passado ao lado. Por enquanto. Até quando?
O outro parece ter chegado a terra já em fase de dissipação, na Ria de Alvor, uns 5 km a oeste da minha casa, e aparentemente provocou estragos de pouca monta na vila de Alvor e nos Montes de Alvor. Aparentemente ter-se-á dissipado por completo antes de chegar ao aeródromo de Portimão. Este vídeo, que não permite embedding, foi filmado de Odiáxere, e mostra-o a entrar Ria de Alvor dentro. Aquela zona de terreno elevado que se começa a ver cerca dos 2 minutos e atrás da qual o tornado desaparece é, julgo, a Quinta da Rocha, uma arriba fóssil que divide a ria em duas.
E eu, aqui no meio, sinto-me um bocado como um alvo numa carreira de tiro. Um alvo incólume por as balas terem passado ao lado. Por enquanto. Até quando?
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
Lido: O Remador
O Remador (bib.) é mais uma vinheta fantástica de Bruce Holland Rogers. Muito poético, não tanto na linguagem (embora também o seja), mas certamente na ideia que lhe subjaz, o conto fala sobre uma rapariga que se queria afogar por puro excesso de mágoa. Mas tinha de ser no dia certo, e foi desse dia que ela se pôs à espera. Quando ele chegou, um dia de tempestade, tristíssimo e escuro, fez-se ao mar num pequeno bote. Contudo, em vez de se afogar, encontrou algures ao largo o remador do título, envolto numa luz verde numa calmaria no centro da tempestade. Da sua tempestade. E assim descobriu alguém mais triste ainda do que ela, o que a faz mudar de ideias quanto a afogar-se.
Trata-se de um conto sobre a relatividade dos sentimentos, sobre a tristeza, sobre a depressão. É um conto bastante simbólico e também, parece-me, algo que vem de bem fundo, que constitui uma janela para um recanto sombrio no espírito do autor. Um conto suave, mas perturbador. E bom.
Trata-se de um conto sobre a relatividade dos sentimentos, sobre a tristeza, sobre a depressão. É um conto bastante simbólico e também, parece-me, algo que vem de bem fundo, que constitui uma janela para um recanto sombrio no espírito do autor. Um conto suave, mas perturbador. E bom.
Lido: Aliança
Aliança (bib.) é um conto curto de Mário-Henrique Leiria sobre um homem que tem a casa regularmente invadida por... criaturas. Criaturas azuis, verdes, laranja, talvez fantásticas, talvez extraterrestres, certamente aborrecidas e suficientemente irreverentes para não terem quaisquer pruridos em invadir-lhe o sossego e privacidade do lar. Mas não é só a casa dele que está sujeita a essa invasão; é o país inteiro ou até, talvez, o mundo. O que pouco importa ao nosso protagonista. O que ele não quer é as criaturas lá em casa, e por isso telefona a um general seu conhecido. O que se vem a revelar má ideia, e aqui reside boa parte da ironia da coisa, do humor caracteristicamente subversivo do autor. É um conto divertido, de algo muito semelhante à ficção científica, que me pareceu claramente inspirado no livro de Fredric Brown Os Marcianos Divertem-se, que Leiria tinha traduzido década e meia antes de publicar este conto. A influência pode não ter sido consciente, mas está claramente lá.
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Da violência
É bem sabido que violência gera violência. Era só questão de tempo, portanto, até a inaudita violência deste roubo estúpido e criminoso gerar violência nas ruas deste país. Quem não tenha os olhos tapados tem absoluta consciência disso. Por minha parte, há uns dois anos que ando a dizer a quem me quiser ouvir as seguintes duas frases:
— Isto vai acabar em porrada. Não sei onde, não sei quando, mas isto vai acabar em porrada.
E refiro-me a porrada a sério. Não a pedras e cassetetes. Porrada a sério. Tiros, bombas, guerrilha urbana ou guerra civil. Coisas dessas. Não é possível reduzir à indigência povos inteiros sem que esses povos ripostem. E quem tem o poder na mão ou é completa e irremediavelmente imbecil, ou sabe perfeitamente que assim é. Se for completa e irremediavelmente imbecil, é apanhado de surpresa. Se não for, já se preparou há muito.
Se me pedissem apostas sobre o lugar onde isto acabará em porrada, eu apontaria para a Grécia. Tem todos os ingredientes de uma bomba nuclear prestes a rebentar: metade da população sem meios de subsistência nem qualquer esperança, uma extrema direita do mais extremista que existe e ativamente protegida pela polícia, a parte dominante da classe política profundamente corrupta e sem qualquer crédito, uma boa parcela da população que nem o Syriza respeita, etc.
Mas nós somos a Grécia com um ano de atraso. E toda a gente o sabe, especialmente os bandalhos que estão no governo, apesar de toda a conversa vigarista sobre o próximo ano ser o ano de viragem, conversa essa que já ouvimos o ano passado.
Ou seja: o que ontem aconteceu em frente da AR não foi surpresa para ninguém. Mas mesmo não sendo surpresa, enquanto assistia àquilo pela televisão só senti uma gigantesca fúria contra aqueles imbecis que estavam a desviar as atenções de um monumental cartão vermelho dado ao governo através da greve geral. E bem pode vir agora aquele verme do Coelho congratular os que não fizeram greve, toda a gente sabe que a absolutíssima maioria dos que não a fizeram foi não se poderem dar ao luxo de perder um dia de salário e não terem a possibilidade de arriscar o despedimento num momento em que não há empregos. Porque basta conversar com as pessoas para facilmente se perceber que quase toda a gente compreende e concorda com os motivos da greve, e quase toda a gente tem plena consciência disso.
Sem aquela violência, que à primeira vista me pareceu acéfala, pavloviana, hoje estaríamos todos a falar da inédita paralisação simultânea de vários países europeus e do recado que isso constitui para as lideranças nacionais e europeias, para esta elite criminosa que nos está a roubar a todos o futuro. Mas apareceram 20 ou 30 gajos que passaram quase uma hora a atirar pedras da calçada à polícia, e hoje só se fala dessa violência, não de nenhuma das outras. Daí a minha fúria de ontem. Não achando então que havia ali mais que estupidez. Sei perfeitamente que há, tanto na esquerda como entre os desesperados que só o são, que não têm qualquer espécie de pensamento político a enquadrar o desespero, franjas suficientemente acéfalas para não pararem para pensar nos resultados dos seus atos.
Mas hoje, ao tomar conhecimento de certos acontecimentos posteriores, começa a parecer-me que tudo aquilo foi bem mais sinistro.
Para começar, torna-se cada vez mais claro que o grupo de apedrejadores era um grupo organizado. Que foi para ali com plano traçado, decidido a provocar precisamente o tipo de reação policial que acabou por acontecer. Só isso explica que, ao contrário de manifestações anteriores nas quais este tipo de atitude foi pontual e controlada com maior ou menor dificuldade pelos manifestantes com uma cabeça em cima dos ombros, nesta nada do que os outros manifestantes fizeram pôs travão nas pedradas. Houve uma clara diferença de escala nos ataques à polícia, que tornou a carga praticamente inevitável.
E depois, tudo o que aconteceu a seguir, muito em especial o comportamento da própria polícia. Levando tudo à frente, atacando à cacetada e prendendo gente que nada indica ter tido algo a ver com os distúrbios, a quilómetros da AR, mantendo-os presos durante horas em detenção ilegal, sem acesso a advogados nem acusação formada, etc. São cenas dignas de repressão em ditadura, não num estado democrático e de direito.
Coincidência?
Talvez seja.
Mas não faz sentido que a polícia não tenha desta vez feito as mesmas detenções dos "mais exaltados" que vimos acontecer noutras ocasiões, tanto mais que é treinada especificamente para as fazer. A mesma polícia que se mantém impávida e serena perante os pedregulhos durante bastante mais de uma hora arremete a seguir levando tudo à frente, distribuindo cacetada e torto e direito, sem critério? Cheira a esturro. E os agentes infiltrados que vimos noutras manifestações agindo de forma que, em vez de servir para baixar a tensão, é provocatória, só fazem com que o cheiro a esturro se intensifique.
E depois há o comportamento de claque de futebol. Os cânticos. As caras tapadas. Todos bem sabemos o tipo de escumalha que tem por habitat as claques e onde residem as suas lealdades ideológicas. Só quem nunca viu saudações nazis em estádios de futebol pode ter ilusões a esse respeito.
Somando tudo, fica no ar um repugnante miasma a extrema direita.
E, o que é bem pior, a conluio.
— Isto vai acabar em porrada. Não sei onde, não sei quando, mas isto vai acabar em porrada.
E refiro-me a porrada a sério. Não a pedras e cassetetes. Porrada a sério. Tiros, bombas, guerrilha urbana ou guerra civil. Coisas dessas. Não é possível reduzir à indigência povos inteiros sem que esses povos ripostem. E quem tem o poder na mão ou é completa e irremediavelmente imbecil, ou sabe perfeitamente que assim é. Se for completa e irremediavelmente imbecil, é apanhado de surpresa. Se não for, já se preparou há muito.
Se me pedissem apostas sobre o lugar onde isto acabará em porrada, eu apontaria para a Grécia. Tem todos os ingredientes de uma bomba nuclear prestes a rebentar: metade da população sem meios de subsistência nem qualquer esperança, uma extrema direita do mais extremista que existe e ativamente protegida pela polícia, a parte dominante da classe política profundamente corrupta e sem qualquer crédito, uma boa parcela da população que nem o Syriza respeita, etc.
Mas nós somos a Grécia com um ano de atraso. E toda a gente o sabe, especialmente os bandalhos que estão no governo, apesar de toda a conversa vigarista sobre o próximo ano ser o ano de viragem, conversa essa que já ouvimos o ano passado.
Ou seja: o que ontem aconteceu em frente da AR não foi surpresa para ninguém. Mas mesmo não sendo surpresa, enquanto assistia àquilo pela televisão só senti uma gigantesca fúria contra aqueles imbecis que estavam a desviar as atenções de um monumental cartão vermelho dado ao governo através da greve geral. E bem pode vir agora aquele verme do Coelho congratular os que não fizeram greve, toda a gente sabe que a absolutíssima maioria dos que não a fizeram foi não se poderem dar ao luxo de perder um dia de salário e não terem a possibilidade de arriscar o despedimento num momento em que não há empregos. Porque basta conversar com as pessoas para facilmente se perceber que quase toda a gente compreende e concorda com os motivos da greve, e quase toda a gente tem plena consciência disso.
Sem aquela violência, que à primeira vista me pareceu acéfala, pavloviana, hoje estaríamos todos a falar da inédita paralisação simultânea de vários países europeus e do recado que isso constitui para as lideranças nacionais e europeias, para esta elite criminosa que nos está a roubar a todos o futuro. Mas apareceram 20 ou 30 gajos que passaram quase uma hora a atirar pedras da calçada à polícia, e hoje só se fala dessa violência, não de nenhuma das outras. Daí a minha fúria de ontem. Não achando então que havia ali mais que estupidez. Sei perfeitamente que há, tanto na esquerda como entre os desesperados que só o são, que não têm qualquer espécie de pensamento político a enquadrar o desespero, franjas suficientemente acéfalas para não pararem para pensar nos resultados dos seus atos.
Mas hoje, ao tomar conhecimento de certos acontecimentos posteriores, começa a parecer-me que tudo aquilo foi bem mais sinistro.
Para começar, torna-se cada vez mais claro que o grupo de apedrejadores era um grupo organizado. Que foi para ali com plano traçado, decidido a provocar precisamente o tipo de reação policial que acabou por acontecer. Só isso explica que, ao contrário de manifestações anteriores nas quais este tipo de atitude foi pontual e controlada com maior ou menor dificuldade pelos manifestantes com uma cabeça em cima dos ombros, nesta nada do que os outros manifestantes fizeram pôs travão nas pedradas. Houve uma clara diferença de escala nos ataques à polícia, que tornou a carga praticamente inevitável.
E depois, tudo o que aconteceu a seguir, muito em especial o comportamento da própria polícia. Levando tudo à frente, atacando à cacetada e prendendo gente que nada indica ter tido algo a ver com os distúrbios, a quilómetros da AR, mantendo-os presos durante horas em detenção ilegal, sem acesso a advogados nem acusação formada, etc. São cenas dignas de repressão em ditadura, não num estado democrático e de direito.
Coincidência?
Talvez seja.
Mas não faz sentido que a polícia não tenha desta vez feito as mesmas detenções dos "mais exaltados" que vimos acontecer noutras ocasiões, tanto mais que é treinada especificamente para as fazer. A mesma polícia que se mantém impávida e serena perante os pedregulhos durante bastante mais de uma hora arremete a seguir levando tudo à frente, distribuindo cacetada e torto e direito, sem critério? Cheira a esturro. E os agentes infiltrados que vimos noutras manifestações agindo de forma que, em vez de servir para baixar a tensão, é provocatória, só fazem com que o cheiro a esturro se intensifique.
E depois há o comportamento de claque de futebol. Os cânticos. As caras tapadas. Todos bem sabemos o tipo de escumalha que tem por habitat as claques e onde residem as suas lealdades ideológicas. Só quem nunca viu saudações nazis em estádios de futebol pode ter ilusões a esse respeito.
Somando tudo, fica no ar um repugnante miasma a extrema direita.
E, o que é bem pior, a conluio.
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Este blogue está...
... em greve.
É só simbólico, num blogue como este que não tem atualizações diárias, mas os símbolos também valem alguma coisa.
Até quinta.
É só simbólico, num blogue como este que não tem atualizações diárias, mas os símbolos também valem alguma coisa.
Até quinta.
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
Combate à pobreza, o tanas
Não escrevi nada sobre o caso Jonet porque achei que não valia a pena. O que a mulher disse fala por si, nem precisa de comentários. Mas a verdade é que há uma coisa que me anda aqui a roer e não me deixa ficar calado. Não tem a ver com o que ela disse, propriamente, mas com o que escreveram alguns dos seus defensores. Que também os teve.
Atiram esses defensores, em ar de desafio, com uma ufanada que é expressa mais ou menos nestes moldes: "nenhum desses que criticam a Senhora Dona Jonet (é sempre senhora dona) fez sequer um milésimo do que ela fez no combate à pobreza."
Pois é. O problema é que o que Isabel Jonet fez para combater a pobreza foi, rigorosamente, zero.
Sim, zero.
Porque o Banco Alimentar Contra a Fome e instituições congéneres nunca tiveram como objetivo combater a pobreza. O seu objetivo é outro: não deixar os pobres morrer de fome. Trata-se de um objetivo humanitário e com méritos óbvios, mas não combate a pobreza. Alimenta-a, nada mais. Literalmente e em certos casos também figurativamente.
Sublinhe-se que não é por não servir para o que alguns patetas dizem que serve que a existência do Banco Alimentar deixa de ser coisa boa. É coisa boa. Mais: é uma coisa necessária, mesmo sendo essa necessidade um sintoma de falhanço da sociedade como um todo. Pior: pode vir a ser, graças à destruição sistemática deste país que está a ser levada a cabo pelo governo e pela União Europeia, uma coisa absolutamente indispensável. Mas não combate a pobreza, nunca a combateu, e nunca a combaterá. A sua natureza é outra e a sua utilidade também.
O que combate a pobreza é o desenvolvimento económico. A instrução e a qualificação. Cuidados médicos capazes de evitar ou de adiar a doença e portanto prolongar a vida ativa. Reformas condignas. Apoios sociais que sirvam de almofada para quando tudo o resto falha. O Rendimento Mínimo. E etc.
Isto sim, combate a pobreza. E qualquer pessoa que tenha contribuído de alguma forma para que Portugal tenha estes serviços, nem que seja apenas com o seu voto, fez mais pelo combate à pobreza do que a Jonet. Terá certamente feito menos do que ela para alimentar os pobres, mas para combater a pobreza? Fez mais.
Já agora, estas coisas, tomadas em conjunto, têm nome. Chamam-se estado social. Só para que saibam.
Atiram esses defensores, em ar de desafio, com uma ufanada que é expressa mais ou menos nestes moldes: "nenhum desses que criticam a Senhora Dona Jonet (é sempre senhora dona) fez sequer um milésimo do que ela fez no combate à pobreza."
Pois é. O problema é que o que Isabel Jonet fez para combater a pobreza foi, rigorosamente, zero.
Sim, zero.
Porque o Banco Alimentar Contra a Fome e instituições congéneres nunca tiveram como objetivo combater a pobreza. O seu objetivo é outro: não deixar os pobres morrer de fome. Trata-se de um objetivo humanitário e com méritos óbvios, mas não combate a pobreza. Alimenta-a, nada mais. Literalmente e em certos casos também figurativamente.
Sublinhe-se que não é por não servir para o que alguns patetas dizem que serve que a existência do Banco Alimentar deixa de ser coisa boa. É coisa boa. Mais: é uma coisa necessária, mesmo sendo essa necessidade um sintoma de falhanço da sociedade como um todo. Pior: pode vir a ser, graças à destruição sistemática deste país que está a ser levada a cabo pelo governo e pela União Europeia, uma coisa absolutamente indispensável. Mas não combate a pobreza, nunca a combateu, e nunca a combaterá. A sua natureza é outra e a sua utilidade também.
O que combate a pobreza é o desenvolvimento económico. A instrução e a qualificação. Cuidados médicos capazes de evitar ou de adiar a doença e portanto prolongar a vida ativa. Reformas condignas. Apoios sociais que sirvam de almofada para quando tudo o resto falha. O Rendimento Mínimo. E etc.
Isto sim, combate a pobreza. E qualquer pessoa que tenha contribuído de alguma forma para que Portugal tenha estes serviços, nem que seja apenas com o seu voto, fez mais pelo combate à pobreza do que a Jonet. Terá certamente feito menos do que ela para alimentar os pobres, mas para combater a pobreza? Fez mais.
Já agora, estas coisas, tomadas em conjunto, têm nome. Chamam-se estado social. Só para que saibam.
domingo, 11 de novembro de 2012
Umas palavrinhas sobre o Bloco
Como terão reparado, aconteceu este fim-de-semana uma convenção do Bloco de Esquerda. Acompanhei-a à distância, embora suspeite que com mais atenção do que maioria de vocês, e vi um partido vivo, democrático, que convive em geral bem com a divergência interna, no qual as pessoas dizem o que pensam, no qual se discutem ideias e não lugares. Conforme anunciei há um ano e picos, inscrevi-me no partido a seguir à sua maior derrota eleitoral, que por sua vez se seguiu a uma série de disparates completamente incaracterística na vida do Bloco. Antes disso, era apenas eleitor, um dos muito milhares de portugueses que se reveem na maior parte das opções políticas do Bloco mas nunca sentiram necessidade de se inscreverem. Inscrevi-me quando senti essa necessidade, porque quis ter voz ativa nas opções que o Bloco toma, porque quis dar o contributo que me fosse possível para evitar que o partido a que confiei o voto durante tantos anos voltasse a cair na mesma espiral de patetice em que mergulhou na véspera daquelas eleições. Esta foi a minha primeira convenção como militante, a primeira em cuja discussão participei, a primeira para cujos delegados votei.
O rescaldo não é o ideal, mas é francamente bom. Embora para os distraídos e os que gostam de tornar as pessoas distraídas a única coisa que passa é a história da liderança paritária, ou bicéfala, ou como queiram chamar-lhe, o panorama completo é bem mais vasto do que isso. O debate fez-se em volta de duas moções, com ideias semelhantes ou mesmo idênticas sobre os assuntos mais importantes — afinal, as pessoas juntam-se em partidos quando pensam de forma semelhante sobre os assuntos mais importantes — mas divergências sobre alguns temas, o mais importante dos quais é uma questão de balizamento. Balizamento da possibilidade de convergência com outras forças políticas e sociais, sobretudo. O PS esteve sempre no centro da discussão. Há, no Bloco, a aguda consciência de que uma convergência da esquerda é absolutamente fundamental para tentar salvar este país do desastre anunciado, mas uma consciência ainda mais aguda de que essa convergência só será eficaz se conseguir incluir o PS. Só que o PS, embora tenha lá dentro gente de esquerda, não é um partido de esquerda e está profundamente comprometido com o desastre, desde logo porque a assinatura inicial do memorando com a troika é de Sócrates. O que fazer? Como agir? Foram essas as perguntas a que uma parte considerável do debate se dedicou. Venceu uma opção estratégica, como teria inevitavelmente de acontecer, mas a outra obteve cerca de um quinto dos votos.
Notem que, embora as votações nas moções sejam independentes das votações para os órgãos dirigentes, acabam por ter uma influência considerável. Logo, a opção derrotada acabou por eleger cerca de um quarto dos dirigentes. O Bloco está organizado de tal forma que o seu órgão dirigente entre convenções é uma mesa nacional, da qual os coordenadores são, em princípio, porta-vozes. Quem dirige o Bloco é uma equipa de 80 pessoas. Destas, 61 foram eleitas pela moção A e 19 pela moção B. E, apesar das televisões tentarem puxar o máximo que puderam por nomes, não vi discutir-se pessoas. Vi discutir-se ideias. Quase exclusivamente ideias.
Alguém pediu democracia interna? Ah, pois. Nós temos.
Mas o Bloco também tem dois grandes problemas, e nenhum deles foi solucionado nesta convenção.
Um desses problemas é ter uma desproporção muito grande entre o número de aderentes e o número de eleitores. Eu percebo porquê; afinal fui durante muito tempo um dos milhares de portugueses que votava BE sem me inscrever no partido. Mas a verdade é que isto fragiliza o Bloco, torna mais provável que voltem a acontecer ziguezagues e disparates ou que se cristalize a mentalidade de gueto, que nunca está muito distante dos grupos humanos, sejam eles quais forem, e cria condições para que algumas pessoas se eternizem em lugares de liderança, em especial a nível local, por pura e simples ausência de alternativas, o que tem as consequências negativas que facilmente se compreendem, tanto para os próprios como para o partido. Como até para a capacidade do Bloco dialogar com a sociedade que lhe é exterior. Seria bom que mais gente fizesse o que eu fiz. Porque a democracia portuguesa não vive sem os partidos e não é possível melhorá-la sem melhorar os partidos.
E todos eles precisam de ser melhorados. Todos.
Outro desses problemas é ter a consciência de que a união das esquerdas é urgente e imprescindível, mas estar dependente de outros para que essa união se faça. Sim, há muito a fazer dentro do próprio Bloco para o preparar para essas convergências. Algo que ainda falta no BE é uma compreensão mais completa de que contribuir para o bem do país não implica pôr integralmente em prática o programa do Bloco. Que é melhor conseguir algumas vitórias do que não conseguir vitória nenhuma. O partido ganhou algumas das lutas em que se meteu — a despenalização das drogas leves e da interrupção voluntária da gravidez, ou os direitos dos homossexuais, por exemplo —, mas nenhuma delas foi económica, e a situação em que Portugal está neste momento é em parte consequência desse facto. De pouco adianta termos razão (e, bolas, como temos tido razão, em especial nos últimos 4 ou 5 anos!) quando não conseguimos convencer o eleitorado dessa razão nem levar as outras forças políticas a agir conforme preconizamos. De pouco nos serve as coisas que o Bloco anda a dizer há mais de 4 anos já começarem a ser ditas até por gente do CDS, quando já chegámos a uma situação tal que as soluções que preconizávamos há mais de 4 anos se tornaram entretanto insuficientes para resolver seja o que for. Nem quero pensar no estado em que estará o país quando aquilo que o Bloco preconiza para agora (atenção: é um PDF) chegar finalmente às brilhantes cabecinhas da nossa direita.
O Bloco tem de se apresentar aos eleitores e aos outros partidos com duas listas na mão. Uma, a lista de coisas que faria caso o eleitorado lhe desse mandato para governar sozinho. Outra, a lista de coisas que são indispensáveis para convergências. Há ainda, no Bloco, alguma mentalidade de "ou tudo ou nada," que convém combater. Uma mentalidade que leva a pôr na segunda lista tudo o que consta da primeira. Não pode ser. A segunda lista deve ter apenas três ou quatro pontos fulcrais e capazes de possibilitar consensos alargados (ou que, pelo menos, não possam ser facilmente recusadas pelos outros), sendo ao mesmo tempo conquistas importantes para o país. Coisas como a recusa liminar da negociata de bastidores e da troca de favores como forma de estar à frente de um país. Ou, neste momento, o fim do saque a que estamos sujeitos. Coisas assim. O resto, e é muito, deverá ser negociado, com a clara consciência de que nunca obteremos tudo o que desejamos. É essa a natureza das negociações.
E desta convenção saiu algo do género, embora nem sempre de forma inteiramente clara. A linha de demarcação da convergência existe: é o memorando. Quem quiser denunciar o memorando pode estar connosco, quem não quiser não pode estar. Perguntarão: E depois da denúncia, o que acontece? E eu respondo com outra pergunta: já leram o PDF que linkei ali em cima? Então leiam: o que o Bloco propõe é isso.
Isto, já agora, deve ser claramente dito ao eleitorado do partido. Deve-lhe ser claramente explicado que o BE conseguirá tanto mais da tal negociação quanto mais força lhe for dada nas urnas. Fazer política séria é isso. E tem de haver alguém que consiga quebrar a forma infantiloide de fazer política neste país, cheia de birras, recriminações e acusações desonestas. Já é mais que tempo da generalidade dos nossos políticos largar as fraldas. Convém que haja alguém a dar o exemplo. Só lucraríamos se fôssemos nós.
E agora reparo que já escrevi um lençol. Se não parar já, ninguém lê isto e eu gostaria que lessem. Desculpem lá a interrupção abrupta, mas este texto foi saindo ao fluir da metafórica pena, sem estruturação prévia, e a sua extensão bateu-me de repente. Talvez o continue um dia destes. Ou talvez não. Por hoje paro por aqui.
O rescaldo não é o ideal, mas é francamente bom. Embora para os distraídos e os que gostam de tornar as pessoas distraídas a única coisa que passa é a história da liderança paritária, ou bicéfala, ou como queiram chamar-lhe, o panorama completo é bem mais vasto do que isso. O debate fez-se em volta de duas moções, com ideias semelhantes ou mesmo idênticas sobre os assuntos mais importantes — afinal, as pessoas juntam-se em partidos quando pensam de forma semelhante sobre os assuntos mais importantes — mas divergências sobre alguns temas, o mais importante dos quais é uma questão de balizamento. Balizamento da possibilidade de convergência com outras forças políticas e sociais, sobretudo. O PS esteve sempre no centro da discussão. Há, no Bloco, a aguda consciência de que uma convergência da esquerda é absolutamente fundamental para tentar salvar este país do desastre anunciado, mas uma consciência ainda mais aguda de que essa convergência só será eficaz se conseguir incluir o PS. Só que o PS, embora tenha lá dentro gente de esquerda, não é um partido de esquerda e está profundamente comprometido com o desastre, desde logo porque a assinatura inicial do memorando com a troika é de Sócrates. O que fazer? Como agir? Foram essas as perguntas a que uma parte considerável do debate se dedicou. Venceu uma opção estratégica, como teria inevitavelmente de acontecer, mas a outra obteve cerca de um quinto dos votos.
Notem que, embora as votações nas moções sejam independentes das votações para os órgãos dirigentes, acabam por ter uma influência considerável. Logo, a opção derrotada acabou por eleger cerca de um quarto dos dirigentes. O Bloco está organizado de tal forma que o seu órgão dirigente entre convenções é uma mesa nacional, da qual os coordenadores são, em princípio, porta-vozes. Quem dirige o Bloco é uma equipa de 80 pessoas. Destas, 61 foram eleitas pela moção A e 19 pela moção B. E, apesar das televisões tentarem puxar o máximo que puderam por nomes, não vi discutir-se pessoas. Vi discutir-se ideias. Quase exclusivamente ideias.
Alguém pediu democracia interna? Ah, pois. Nós temos.
Mas o Bloco também tem dois grandes problemas, e nenhum deles foi solucionado nesta convenção.
Um desses problemas é ter uma desproporção muito grande entre o número de aderentes e o número de eleitores. Eu percebo porquê; afinal fui durante muito tempo um dos milhares de portugueses que votava BE sem me inscrever no partido. Mas a verdade é que isto fragiliza o Bloco, torna mais provável que voltem a acontecer ziguezagues e disparates ou que se cristalize a mentalidade de gueto, que nunca está muito distante dos grupos humanos, sejam eles quais forem, e cria condições para que algumas pessoas se eternizem em lugares de liderança, em especial a nível local, por pura e simples ausência de alternativas, o que tem as consequências negativas que facilmente se compreendem, tanto para os próprios como para o partido. Como até para a capacidade do Bloco dialogar com a sociedade que lhe é exterior. Seria bom que mais gente fizesse o que eu fiz. Porque a democracia portuguesa não vive sem os partidos e não é possível melhorá-la sem melhorar os partidos.
E todos eles precisam de ser melhorados. Todos.
Outro desses problemas é ter a consciência de que a união das esquerdas é urgente e imprescindível, mas estar dependente de outros para que essa união se faça. Sim, há muito a fazer dentro do próprio Bloco para o preparar para essas convergências. Algo que ainda falta no BE é uma compreensão mais completa de que contribuir para o bem do país não implica pôr integralmente em prática o programa do Bloco. Que é melhor conseguir algumas vitórias do que não conseguir vitória nenhuma. O partido ganhou algumas das lutas em que se meteu — a despenalização das drogas leves e da interrupção voluntária da gravidez, ou os direitos dos homossexuais, por exemplo —, mas nenhuma delas foi económica, e a situação em que Portugal está neste momento é em parte consequência desse facto. De pouco adianta termos razão (e, bolas, como temos tido razão, em especial nos últimos 4 ou 5 anos!) quando não conseguimos convencer o eleitorado dessa razão nem levar as outras forças políticas a agir conforme preconizamos. De pouco nos serve as coisas que o Bloco anda a dizer há mais de 4 anos já começarem a ser ditas até por gente do CDS, quando já chegámos a uma situação tal que as soluções que preconizávamos há mais de 4 anos se tornaram entretanto insuficientes para resolver seja o que for. Nem quero pensar no estado em que estará o país quando aquilo que o Bloco preconiza para agora (atenção: é um PDF) chegar finalmente às brilhantes cabecinhas da nossa direita.
O Bloco tem de se apresentar aos eleitores e aos outros partidos com duas listas na mão. Uma, a lista de coisas que faria caso o eleitorado lhe desse mandato para governar sozinho. Outra, a lista de coisas que são indispensáveis para convergências. Há ainda, no Bloco, alguma mentalidade de "ou tudo ou nada," que convém combater. Uma mentalidade que leva a pôr na segunda lista tudo o que consta da primeira. Não pode ser. A segunda lista deve ter apenas três ou quatro pontos fulcrais e capazes de possibilitar consensos alargados (ou que, pelo menos, não possam ser facilmente recusadas pelos outros), sendo ao mesmo tempo conquistas importantes para o país. Coisas como a recusa liminar da negociata de bastidores e da troca de favores como forma de estar à frente de um país. Ou, neste momento, o fim do saque a que estamos sujeitos. Coisas assim. O resto, e é muito, deverá ser negociado, com a clara consciência de que nunca obteremos tudo o que desejamos. É essa a natureza das negociações.
E desta convenção saiu algo do género, embora nem sempre de forma inteiramente clara. A linha de demarcação da convergência existe: é o memorando. Quem quiser denunciar o memorando pode estar connosco, quem não quiser não pode estar. Perguntarão: E depois da denúncia, o que acontece? E eu respondo com outra pergunta: já leram o PDF que linkei ali em cima? Então leiam: o que o Bloco propõe é isso.
Isto, já agora, deve ser claramente dito ao eleitorado do partido. Deve-lhe ser claramente explicado que o BE conseguirá tanto mais da tal negociação quanto mais força lhe for dada nas urnas. Fazer política séria é isso. E tem de haver alguém que consiga quebrar a forma infantiloide de fazer política neste país, cheia de birras, recriminações e acusações desonestas. Já é mais que tempo da generalidade dos nossos políticos largar as fraldas. Convém que haja alguém a dar o exemplo. Só lucraríamos se fôssemos nós.
E agora reparo que já escrevi um lençol. Se não parar já, ninguém lê isto e eu gostaria que lessem. Desculpem lá a interrupção abrupta, mas este texto foi saindo ao fluir da metafórica pena, sem estruturação prévia, e a sua extensão bateu-me de repente. Talvez o continue um dia destes. Ou talvez não. Por hoje paro por aqui.
Lido: À Escuta
À Escuta (bib.) é um pequeno conto fantástico de Bruce Holland Rogers sobre uma aldeia situada nas margens de um lago onde vive um monstro, acerca do qual existem lendas que falam de doces cantos. Ou por outra: é um conto sobre a conjugalidade e os papéis que cabem (ou não) a cada sexo, sobre imposições masculinas (ou sua tentativa) e rebeldias femininas, sobre coisas que nada têm a ver com o monstro. O monstro é pretexto para falar de outras coisas. Algo que está lá mas não está porque não intervém em coisa alguma.
Gostei, mas não é dos contos de Rogers que mais ressoa cá dentro.
Gostei, mas não é dos contos de Rogers que mais ressoa cá dentro.
Lido: Invasores Terrestres
Invasores Terrestres (bib.) é um dos primeiros romances de ficção científica de Robert Silverberg, publicado ainda na década de 1950, bem longe, tanto no tempo como no estilo, das obras que o tornaram famoso mais tarde. Trata-se um romance ainda bastante clássico, que ainda nem sonhava com a new wave. Conta a história de um homem, executivo de topo numa empresa de relações públicas contratada por uma companhia de exploração interplanetária para cometer uma fraude de grande escala que poderá levar à subjugação e provável extermínio de uma civilização alienígena. É que a companhia tem interesses mineiros em Ganimedes, mas os ganimedianos (ou ganis) que Silverberg cria não estão dispostos a autorizar mineração no seu pequeno mundo. Logo, será preciso afastá-los. Por quaisquer meios e a qualquer preço.
É o protagonista quem tem a ideia de criar uma base terrestre falsa, habitada por colonos falsos, cuja vida seria disponibilizada aos meios de comunicação terrestres mais ou menos em direto, uma espécie de telenovela da vida real que no entanto de real nada teria. O objetivo? Construir uma relação de proximidade entre os colonos e a opinião pública que pudesse levar a um apoio maciço de uma intervenção militar quando esses colonos fossem atacados pelos ganis. Os quais, obviamente, não atacariam ninguém porque ninguém lá estaria.
Sim, o romance tem conteúdo. É um romance clássico, longe do melhor de Silverberg, mas o leitor não encontra aqui uma das aventurazinhas inóquas e escapistas que era tão comum encontrar na ficção científica da época. Este livro dialoga claramente com o tempo em que foi escrito, um tempo em que a Guerra da Coreia estava bem fresca na memória e havia intervenções americanas periódicas na América Latina, e em que uma parte significativa da esquerda americana — e mundial — sentia que os EUA andavam a tentar manipular as Nações Unidas para servir os seus interesses geo-estratégicos, frequentemente com sucesso. Os invasores terrestres de Silverberg são americanos, com os valores americanos e a organização social americana, que mergulham numa manipulação de larga escala para servir interesses privados, sem pararem um minuto para pensar nas culturas e civilizações que será necessário esmagar para atingir os seus fins. A parábola é clara e está bem conseguida.
Mas apesar disso, não se trata de um bom romance. Não se trata ainda de um romance de um bom escritor, mas apenas de um escritor muito promissor. A concretização dessa promessa deu-se mais tarde, em algumas das melhores obras que a FC deu ao mundo, mas quando publicou este livro Silverberg estava ainda a aprender. O livro, como disse, é clássico, e isso significa que há suficientes clichés na evolução do enredo para tornar o final previsível, apesar de todas as reviravoltas. Não obstante o tom sombrio do ambiente sociopolítico que Silverberg descreve, o herói acaba por sê-lo mesmo e, à boa (ou nem por isso) maneira da FC dos anos 50, resolve todos os problemas com que se depara. No mundo real, quase sempre, só se descobrem as grandes falsificações, as grandes manipulações, quando é tarde demais para evitar a maior parte das suas consequências. Veja-se a guerra do Iraque. Veja-se a crise financeira. Veja-se tantos outros exemplos que eu poderia dar. Mas aqui, não. Aqui ainda há finais felizes.
Bem sei, a FC desta época era otimista por natureza, não só no ambiente tecnológico que descrevia, mas também no social. Mesmo quando descrevia situações que se podem encarar como distópicas, ainda acreditava em heróis capazes de resolver tudo. Bem sei que o tom sombrio de tanta FC moderna, com os seus futuros de pesadelo e os seus anti-heróis, é um dos fatores que afasta dela boa parte do público. Mas a verdade é que o género produziu tantas obras cheias de futuros radiosos que acabou por cair na previsibilidade — o que de resto também aconteceu quando mergulhou nas trevas; também essa novidade depressa se esgotou. E Invasores Terrestres sofre disso e com isso. Quando o herói sofre a epifania que o vai transformar em herói, a história torna-se previsível, e essa previsibilidade não a abandona até ao fim. A consequência é, a meu ver, o romance acabar por ter o seu interesse mas não ser mais que razoável. Bate aos pontos muitos outros romances da época, mas está algo distante dos melhores, e também de romances menos antigos do autor.
Este livro foi comprado.
É o protagonista quem tem a ideia de criar uma base terrestre falsa, habitada por colonos falsos, cuja vida seria disponibilizada aos meios de comunicação terrestres mais ou menos em direto, uma espécie de telenovela da vida real que no entanto de real nada teria. O objetivo? Construir uma relação de proximidade entre os colonos e a opinião pública que pudesse levar a um apoio maciço de uma intervenção militar quando esses colonos fossem atacados pelos ganis. Os quais, obviamente, não atacariam ninguém porque ninguém lá estaria.
Sim, o romance tem conteúdo. É um romance clássico, longe do melhor de Silverberg, mas o leitor não encontra aqui uma das aventurazinhas inóquas e escapistas que era tão comum encontrar na ficção científica da época. Este livro dialoga claramente com o tempo em que foi escrito, um tempo em que a Guerra da Coreia estava bem fresca na memória e havia intervenções americanas periódicas na América Latina, e em que uma parte significativa da esquerda americana — e mundial — sentia que os EUA andavam a tentar manipular as Nações Unidas para servir os seus interesses geo-estratégicos, frequentemente com sucesso. Os invasores terrestres de Silverberg são americanos, com os valores americanos e a organização social americana, que mergulham numa manipulação de larga escala para servir interesses privados, sem pararem um minuto para pensar nas culturas e civilizações que será necessário esmagar para atingir os seus fins. A parábola é clara e está bem conseguida.
Mas apesar disso, não se trata de um bom romance. Não se trata ainda de um romance de um bom escritor, mas apenas de um escritor muito promissor. A concretização dessa promessa deu-se mais tarde, em algumas das melhores obras que a FC deu ao mundo, mas quando publicou este livro Silverberg estava ainda a aprender. O livro, como disse, é clássico, e isso significa que há suficientes clichés na evolução do enredo para tornar o final previsível, apesar de todas as reviravoltas. Não obstante o tom sombrio do ambiente sociopolítico que Silverberg descreve, o herói acaba por sê-lo mesmo e, à boa (ou nem por isso) maneira da FC dos anos 50, resolve todos os problemas com que se depara. No mundo real, quase sempre, só se descobrem as grandes falsificações, as grandes manipulações, quando é tarde demais para evitar a maior parte das suas consequências. Veja-se a guerra do Iraque. Veja-se a crise financeira. Veja-se tantos outros exemplos que eu poderia dar. Mas aqui, não. Aqui ainda há finais felizes.
Bem sei, a FC desta época era otimista por natureza, não só no ambiente tecnológico que descrevia, mas também no social. Mesmo quando descrevia situações que se podem encarar como distópicas, ainda acreditava em heróis capazes de resolver tudo. Bem sei que o tom sombrio de tanta FC moderna, com os seus futuros de pesadelo e os seus anti-heróis, é um dos fatores que afasta dela boa parte do público. Mas a verdade é que o género produziu tantas obras cheias de futuros radiosos que acabou por cair na previsibilidade — o que de resto também aconteceu quando mergulhou nas trevas; também essa novidade depressa se esgotou. E Invasores Terrestres sofre disso e com isso. Quando o herói sofre a epifania que o vai transformar em herói, a história torna-se previsível, e essa previsibilidade não a abandona até ao fim. A consequência é, a meu ver, o romance acabar por ter o seu interesse mas não ser mais que razoável. Bate aos pontos muitos outros romances da época, mas está algo distante dos melhores, e também de romances menos antigos do autor.
Este livro foi comprado.
sábado, 10 de novembro de 2012
Lido: A Família
A Família (bib.) é um poema de Mário-Henrique Leiria que conta o que acontece um belo dia quando uma família vai à pesca do esturjão. Parece tudo estar tudo a correr normalmente, a pescaria é feliz e tem sucesso, senão quando o surrealismo irrompe poema dentro sem ser convidado, deixando atrás de si um rasto de divertimento. Não será nenhuma obra-prima da lírica nacional, ah pois não será, mas é certamente um poemita divertido. E irónico com bastante bastança. Porreirinho!
Textos anteriores deste livro:
Textos anteriores deste livro:
Lido: Asimov's 326
O número 326 da revista Asimov's, editado em março de 2003, está algo longe de ser um número realmente bom da revista. Embora contenha um par de boas histórias, são mais as obras que não me convenceram. Entre os poemas, que são quatro, só gostei de um; os outros pareceram-me principalmente textos de encher aqueles bocados de página que sobram da prosa e para os quais não se achou nenhum anúncio. Não é bom quando isso acontece. Numa revista, as obras, todas elas, devem dar a quem as lê a impressão de estarem lá por valor próprio, e não porque têm o tamanho certo para tapar buracos.
E mesmo com os contos essa sensação surgiu por vezes. A oscilação de qualidade entre os melhores e os piores pareceu-me demasiado abrupta, e julgo que um deles, o de Haldeman, pura e simplesmente não teria sido publicado se viesse assinado por um nome menos sonante.
Sim, saí desta leitura algo descoroçoado. Esperava mais; espero sempre mais da Asimov's. Mas enfim, acabou por valer a pena pelos dois bons contos que contém. Há publicações que não têm nenhum; esta tem dois. Acaba por ser lucro.
Eis o que achei dos textos um por um:
E mesmo com os contos essa sensação surgiu por vezes. A oscilação de qualidade entre os melhores e os piores pareceu-me demasiado abrupta, e julgo que um deles, o de Haldeman, pura e simplesmente não teria sido publicado se viesse assinado por um nome menos sonante.
Sim, saí desta leitura algo descoroçoado. Esperava mais; espero sempre mais da Asimov's. Mas enfim, acabou por valer a pena pelos dois bons contos que contém. Há publicações que não têm nenhum; esta tem dois. Acaba por ser lucro.
Eis o que achei dos textos um por um:
terça-feira, 6 de novembro de 2012
Lido: Por Amor à Prole
Por Amor à Prole (bib.) é uma magnífica noveleta de ficção científica de João Barreiros. Ambientada, presumivelmente, em Portugal, a ação passa-se numa quinta, cuja dona tenta a todo o custo defender da infestação por organismos modificados por um qualquer agente mutagénico extremamente agressivo e eficiente que aparentemente teria chegado à Terra vindo do espaço. É uma história apocalíptica e desesperada, com mais do que um toque de horror, à qual o estilo de Barreiros se ajusta como uma luva, com um cenário exuberante e um enredo muito bem construído. A agricultora, não apenas sozinha na sua quinta, mas também grávida — uma gravidez que tem de manter secreta porque ela própria é resultado da infestação, e a mulher sabe disso apesar de tentar (ou de ser obrigada, talvez) fechar os olhos ao facto — desmultiplica-se em trabalhos destinados a manter os cultivos e os animais o mais puros possível. Trabalhos esses que o leitor depressa compreende serem fúteis, visto que a infestação está completamente fora de controlo. E depois, acontece o inevitável, ainda que não de uma forma que seja previsível.
Este é um conto excelente, um dos melhores de toda a obra de João Barreiros.
Contos anteriores desta publicação:
Este é um conto excelente, um dos melhores de toda a obra de João Barreiros.
Contos anteriores desta publicação:
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