Bruce en la Casetera é um conto já algo antigo de Pablo J. Muñoz que pode ser encontrado aqui. Trata-se de uma história pós-apocalíptica ambientada ou na Argentina ou no Chile e centrada à volta de três personagens: o protagonista, que se chama Nico, outro homem chamado "el Taino", e Marisol, uma rapariga que é encontrada semimorta por Nico e el Taino bastante depois destes dois, julgando-se os únicos sobreviventes de um holocausto nuclear, pelo menos nas redondezas, terem encetado uma relação homossexual. El Taino, ao que parece, é mesmo homossexual, ao passo que para Nico aquele foi o seu primeiro amante do mesmo sexo, com o qual tem uma relação que parece obedecer à máxima "quem não tem cão caça com gato". Isto é importante para o desenrolar da história visto que o aparecimento de alguém do sexo oposto vai criar um triângulo que a empurra para o desenlace.
Não sendo uma grande história de ficção científica (enquanto FC até deixa algo a desejar; não se percebe bem, por exemplo, onde eles estão e como é que tanto tempo depois do holocausto que destrói a civilização ainda há eletricidade para os eletrodomésticos e os jogos de vídeo), é uma boa história, bastante bem escrita, com personagens bem construídas e credíveis, e uma situação que é ao mesmo tempo banal e iconoclasta dada a idade do conto. E o fim é muito, muito bom. Está aprovado.
domingo, 31 de outubro de 2010
Lido: Nanny
Nanny (bib.) é um conto de Philip K. Dick que faz lembrar um pouco os contos dos Superbrinquedos do Brian Aldiss ou alguns contos de Bradbury, especialmente aquele sobre o quarto holográfico, A Selva. Todos estes contos têm como premissa a entrega do ato de cuidar dos filhos, em todo ou em parte, a dispositivos automáticos, em especial robots. Mas Dick leva o seu conto num sentido bem diferente, como seria de esperar. Nanny é, como já terão entendido, um robot. É sua a responsabilidade pelos filhos de um casal, cabendo-lhe discipliná-los, acompanhá-los e protegê-los. Mas a sociedade é ferozmente capitalista, e as nannies são construídas por várias corporações rivais. Ora, qual é o objetivo primário duma corporação? Maximizar o lucro, evidentemente. E que melhor forma haverá para maximizar o lucro do que destruir as nannies produzidas pelos rivais, reduzindo a competição, aumentando a procura e melhorando a imagem de qualidade? Afinal, qualquer pai vai querer para os filhos a melhor nanny do mercado, ou não será assim?
Só não é um conto excelente porque sofre demasiado do fator "como sabes, Bob". Dick põe demasiadas vezes as personagens a dar umas às outras informação que ambas conhecem, para benefício exclusivo do leitor. Mas ainda assim, é uma ótima crítica ao capitalismo e às consequências da corrida aos armamentos que tanto obcecava a América durante os anos 50. Boa e muito recomendável leitura nestes tempos de roubalheira desenfreada.
Só não é um conto excelente porque sofre demasiado do fator "como sabes, Bob". Dick põe demasiadas vezes as personagens a dar umas às outras informação que ambas conhecem, para benefício exclusivo do leitor. Mas ainda assim, é uma ótima crítica ao capitalismo e às consequências da corrida aos armamentos que tanto obcecava a América durante os anos 50. Boa e muito recomendável leitura nestes tempos de roubalheira desenfreada.
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
Lido: Firmin
Firmin (bib.) é um romance do escritor americano Sam Savage. Firmin é, também, o nome do protagonista desse romance. Firmin é, ainda, uma ratazana.
Sim, trata-se de um romance protagonizado por uma ratazana e mais: trata-se também de um romance narrado por uma ratazana, pois está escrito na primeira pessoa. Mas não é uma ratazana qualquer. É uma ratazana bibliófila e, ocasionalmente, bibliófaga, que nasceu e viveu a vida toda num velho edifício em cujo andar térreo funciona um alfarrabista. E é essa contingência da existência que vai solidificar na ratazana protagonista um amor pelos livros (e também, até certo ponto, pelo cinema, pois no mesmo bairro há também um velho, gasto e porco cinema onde a ratazana vai alimentar-se) que nada fica a dever a qualquer de nós, os macacos bípedes que normalmente os lemos.
A história acompanha toda a vida de Firmin e, através dela, a decadência final do bairro, condenado para ceder lugar a grandes investimentos imobiliários. E em parte também a decadência de uma certa forma de relacionamento quer entre as pessoas e a cidade, quer entre as pessoas e a palavra escrita e os locais a ela consagrados na cidade. É também uma história de paixões, pois é de paixão em paixão que a nossa ratazana vai vivendo a sua vida. Primeiro pelos livros, depois pelo dono da livraria, mais tarde por um escritor de ficção científica que mora por cima da livraria e sobrevive vendendo ele próprio os livros que escreve e publica em edições de autor, e assim sucessivamente. E é uma história sobre a diferença e a solidão, porque a ratazana, com os seus modos de rato sábio, vai tornar-se estranha para a sociedade das ratazanas, mas não vai nunca conseguir ser aceite pelos seus irmãos de espírito humanos pelo facto inalterável de ser uma ratazana.
E é isto o que o livro tem de melhor: esta multiplicidade de camadas e de temas.
Basta isso para me parecer ser um bom livro, embora nem tenha gostado muito dele. O estilo de Savage não me enche propriamente as medidas, e parece-me, aqui e ali, que o ritmo narrativo fraqueja um pouco. Nada de grave, e embora não tenha gostado assim muito, gostei desta leitura. Não acho o livro uma obra-prima, mas é um livro simpático, que se lê com um certo gosto. Uma fábula moderna muito ligada a este vício de virar páginas para ver o que acontece naquela que vem a seguir. Não será livro imprescindível, mas julgo ser livro recomendável.
Sim, trata-se de um romance protagonizado por uma ratazana e mais: trata-se também de um romance narrado por uma ratazana, pois está escrito na primeira pessoa. Mas não é uma ratazana qualquer. É uma ratazana bibliófila e, ocasionalmente, bibliófaga, que nasceu e viveu a vida toda num velho edifício em cujo andar térreo funciona um alfarrabista. E é essa contingência da existência que vai solidificar na ratazana protagonista um amor pelos livros (e também, até certo ponto, pelo cinema, pois no mesmo bairro há também um velho, gasto e porco cinema onde a ratazana vai alimentar-se) que nada fica a dever a qualquer de nós, os macacos bípedes que normalmente os lemos.
A história acompanha toda a vida de Firmin e, através dela, a decadência final do bairro, condenado para ceder lugar a grandes investimentos imobiliários. E em parte também a decadência de uma certa forma de relacionamento quer entre as pessoas e a cidade, quer entre as pessoas e a palavra escrita e os locais a ela consagrados na cidade. É também uma história de paixões, pois é de paixão em paixão que a nossa ratazana vai vivendo a sua vida. Primeiro pelos livros, depois pelo dono da livraria, mais tarde por um escritor de ficção científica que mora por cima da livraria e sobrevive vendendo ele próprio os livros que escreve e publica em edições de autor, e assim sucessivamente. E é uma história sobre a diferença e a solidão, porque a ratazana, com os seus modos de rato sábio, vai tornar-se estranha para a sociedade das ratazanas, mas não vai nunca conseguir ser aceite pelos seus irmãos de espírito humanos pelo facto inalterável de ser uma ratazana.
E é isto o que o livro tem de melhor: esta multiplicidade de camadas e de temas.
Basta isso para me parecer ser um bom livro, embora nem tenha gostado muito dele. O estilo de Savage não me enche propriamente as medidas, e parece-me, aqui e ali, que o ritmo narrativo fraqueja um pouco. Nada de grave, e embora não tenha gostado assim muito, gostei desta leitura. Não acho o livro uma obra-prima, mas é um livro simpático, que se lê com um certo gosto. Uma fábula moderna muito ligada a este vício de virar páginas para ver o que acontece naquela que vem a seguir. Não será livro imprescindível, mas julgo ser livro recomendável.
terça-feira, 26 de outubro de 2010
Lido: O Caixão Abandonado
O Caixão Abandonado (bib.) é um conto de António de Macedo sobre um homem, alcoólico, que trabalha como jardineiro num convento por ser o único lugar que conseguiu arranjar e um belo dia (ou nem por isso) encontra abandonado no jardim um caixão em perfeito estado de conservação. Após a descoberta inicial, durante o resto do conto decorre uma lenta procura de informação sobre o caixão, o convento, as freiras, etc. Apesar do desfecho ser algo óbvio, é um conto com interesse, que a meu ver vale sobretudo pela construção do protagonista e é algo estragado por algum humor que me pareceu deslocado na atmosfera agoirenta que sem ele seria construída. Coisas como a barbuda piadola que transforma hackers em ácaros, para dar um exemplo entre vários possíveis. Não tendo desgostado, portanto, também não se pode dizer que tenha gostado.
Lido: A Lua Como um Cogumelo
A Lua Como um Cogumelo (bib.) é outro conto de Italo Calvino no qual prontifica o eterno extraterrestre Qfwfq. Este trata do nascimento da Lua, e descreve uma movimentada história que começa numa Terra antiquíssima e sem Lua, coberta por um oceano pouco profundo habitado por um povo de pescadores, na qual começa a dada altura a surgir à superfície uma bolha de rocha que vai crescendo e se torna território cobiçado por um dos mais famigerados bandidos da época. Após um conjunto de peripécias mais ou menos aventurosas, essa bolha de rocha, essa maré sólida, acaba por transformar-se na Lua, deixando a Terra, cá em baixo, separada em oceanos e continentes e não já sob as águas de um oceano global. Uma história surreal e imaginativa, como costumam ser as histórias de Qfwfq, ainda que não tão divertida como algumas das outras.
domingo, 24 de outubro de 2010
Lido: Contos Acrónicos
Ao contrário do que o título parece indicar, Contos Acrónicos, de António Eça de Queiroz, não é um livro de contos, mas sim um romance. Nem sequer é um romance em mosaicos, uma coletânea de contos interligados, um romance fragmentário, como queiram chamar-lhe. É um romance, ponto.
Trata da história de um tal Lamas, bibliotecário, contada por um tal "o outro", fantasmagórico interveniente na história que em geral funciona apenas como narrador e no qual se reconhece sem qualquer dificuldade a pessoa do autor. Mas também no Lamas (com o qual, aliás, o narrador por vezes se mistura) esse reconhecimento acontece, o que dá à história um tom marcadamente autobiográfico — há, pelo menos, bastantes coincidências entre a história de vida de Lamas e o par de parágrafos biográficos sobre o autor que vêm na contracapa do livro —, se bem que falar-se aqui de história talvez seja levar o significado do termo um pouco longe demais. Com efeito, o romance é, mais que uma história, uma coleção de episódios desencontrados e em grande medida desenquadrados, historietas, pinceladas que não chegam a formar um todo coerente. O objetivo parace ter sido criar com a palavra uma espécie de retrato impressionista da personagem principal, mas não me parece ter tido sucesso, ou pelo menos esse sucesso não é mais que parcial.
Entremeados no romance, aqui e ali, aparecem toques de fantástico, de um tipo que em geral remete para o realismo mágico apesar de também surgirem por vezes referências à ficção científica. Adotando a definição todoroviana do termo que diz que fantástico é tudo aquilo que deixa dúvidas sobre se a sua natureza é real ou sobrenatural, talvez haja passagens suficientes neste livro a pretender deixar essa incerteza no ar para que se possa inscrevê-lo na literatura fantástica. Pessoalmente, porém, não é assim que penso nele. Pareceu-me um exercício não particularmente bem sucedido e bastante desconexo de romantizar uma história de vida, no qual o fantástico é introduzido como forma de a tornar menos desinteressante. É uma abordagem que não me agrada e não gostei do resultado. Foi com dificuldade, e devagarinho, que levei a leitura até ao fim, apesar da língua portuguesa não sair em nada maltratada desta centena e meia de páginas. Basta isto, julgo eu, para fazer com que haja quem aprecie esta leitura. Não foi o meu caso.
Trata da história de um tal Lamas, bibliotecário, contada por um tal "o outro", fantasmagórico interveniente na história que em geral funciona apenas como narrador e no qual se reconhece sem qualquer dificuldade a pessoa do autor. Mas também no Lamas (com o qual, aliás, o narrador por vezes se mistura) esse reconhecimento acontece, o que dá à história um tom marcadamente autobiográfico — há, pelo menos, bastantes coincidências entre a história de vida de Lamas e o par de parágrafos biográficos sobre o autor que vêm na contracapa do livro —, se bem que falar-se aqui de história talvez seja levar o significado do termo um pouco longe demais. Com efeito, o romance é, mais que uma história, uma coleção de episódios desencontrados e em grande medida desenquadrados, historietas, pinceladas que não chegam a formar um todo coerente. O objetivo parace ter sido criar com a palavra uma espécie de retrato impressionista da personagem principal, mas não me parece ter tido sucesso, ou pelo menos esse sucesso não é mais que parcial.
Entremeados no romance, aqui e ali, aparecem toques de fantástico, de um tipo que em geral remete para o realismo mágico apesar de também surgirem por vezes referências à ficção científica. Adotando a definição todoroviana do termo que diz que fantástico é tudo aquilo que deixa dúvidas sobre se a sua natureza é real ou sobrenatural, talvez haja passagens suficientes neste livro a pretender deixar essa incerteza no ar para que se possa inscrevê-lo na literatura fantástica. Pessoalmente, porém, não é assim que penso nele. Pareceu-me um exercício não particularmente bem sucedido e bastante desconexo de romantizar uma história de vida, no qual o fantástico é introduzido como forma de a tornar menos desinteressante. É uma abordagem que não me agrada e não gostei do resultado. Foi com dificuldade, e devagarinho, que levei a leitura até ao fim, apesar da língua portuguesa não sair em nada maltratada desta centena e meia de páginas. Basta isto, julgo eu, para fazer com que haja quem aprecie esta leitura. Não foi o meu caso.
Lido: O Livro do Deslumbramento
O Livro do Deslumbramento é provavelmente a mais conhecida obra do Lorde Dunsany, e é certamente aquela que o transformou num dos grandes percursores da fantasia moderna. Não este Livro do Deslumbramento que a Saída de Emergência publicou, note-se. Este é uma espécie de coletânea de coletâneas, pois reúne num só dois livros diferentes, publicados originalmente em 1912 e 1916.
A edição faz todo o sentido. O segundo livro original é uma espécie de sequela do primeiro, mantendo em grande medida o tom e o(s) ambiente(s) daquele. Mas também é verdade que há diferenças. As histórias do primeiro livro têm uma frescura e um humor, muitas vezes autorreferencial, muitas vezes fazendo pensar na possibilidade do autor se estar a referir, sinuosamente, disfarçadamente, ironicamente, a situações e personagens com que se teria ido deparando no decurso da sua vida, que em boa parte falta às do segundo. Estas são mais variadas, tanto em ambiente e atmosfera como até em extensão. As do primeiro são todas bastante curtas, e várias parecem autênticos esboços de subgéneros inteiros da fantasia que foram aprofundados mais tarde por autores como Robert E. Howard ou Fritz Leiber, ou mesmo outros que se apropriaram do lado mais surrealista destas fantasias. Ao lê-las, se por um lado se reconhece nelas um imenso potencial não explorado por Dunsany, por outro vê-se também uma frescura e novidade que estão muito para além do alcançado por autores posteriores. No segundo livro há menos de tudo isso. De frescura, como já foi dito, mas também de potencial não explorado.
Contudo, há coisas que unem estas 33 histórias. O estilo do autor, claro, que pouco muda entre 1912 e 1916; Uma certa abordagem comum às histórias fantásticas, que vai buscá-las quase diretamente às lendas e aos contos populares. E o facto de quase todas terem interesse. É certo que os leitores mais dados ao aprofundar minucioso da ficção poderão sentir-se frustrados por muitas delas, as mais esboçadas, é certo que qualquer leitor com alguma experiência de fantasia já conhecerá muitas das ideias que aqui encontra, mas há sempre algo de especial na água que brota duma nascente. E várias destas histórias são muito boas. Este é um bom livro.
Para saberem o que achei de cada história, aqui têm uma lista completa:
A edição faz todo o sentido. O segundo livro original é uma espécie de sequela do primeiro, mantendo em grande medida o tom e o(s) ambiente(s) daquele. Mas também é verdade que há diferenças. As histórias do primeiro livro têm uma frescura e um humor, muitas vezes autorreferencial, muitas vezes fazendo pensar na possibilidade do autor se estar a referir, sinuosamente, disfarçadamente, ironicamente, a situações e personagens com que se teria ido deparando no decurso da sua vida, que em boa parte falta às do segundo. Estas são mais variadas, tanto em ambiente e atmosfera como até em extensão. As do primeiro são todas bastante curtas, e várias parecem autênticos esboços de subgéneros inteiros da fantasia que foram aprofundados mais tarde por autores como Robert E. Howard ou Fritz Leiber, ou mesmo outros que se apropriaram do lado mais surrealista destas fantasias. Ao lê-las, se por um lado se reconhece nelas um imenso potencial não explorado por Dunsany, por outro vê-se também uma frescura e novidade que estão muito para além do alcançado por autores posteriores. No segundo livro há menos de tudo isso. De frescura, como já foi dito, mas também de potencial não explorado.
Contudo, há coisas que unem estas 33 histórias. O estilo do autor, claro, que pouco muda entre 1912 e 1916; Uma certa abordagem comum às histórias fantásticas, que vai buscá-las quase diretamente às lendas e aos contos populares. E o facto de quase todas terem interesse. É certo que os leitores mais dados ao aprofundar minucioso da ficção poderão sentir-se frustrados por muitas delas, as mais esboçadas, é certo que qualquer leitor com alguma experiência de fantasia já conhecerá muitas das ideias que aqui encontra, mas há sempre algo de especial na água que brota duma nascente. E várias destas histórias são muito boas. Este é um bom livro.
Para saberem o que achei de cada história, aqui têm uma lista completa:
- O Livro do Deslumbramento
- A Noiva do Homem-Cavalo
- A Angustiante História de Thangobrind, o Joalheiro
- A Casa da Esfinge
- Provável Aventura de Três Homens de Letras
- As Preces Imprudentes de Pombo, o Idólatra
- A Pilhagem de Bombasharna
- A Menina Cubbidge e o Dragão das Histórias Românticas
- A Demanda Pelas Lágrimas da Rainha
- O Tesouro dos Gibbelins
- Como Nuth Teria Roubado os Gnoles
- Como Alguém Chegou, Tal Como Havia Sido Profetizado, à Cidade do Nunca
- A Coroação do Sr. Thomas Shap
- Chu-bu e Sheemish
- A Janela Maravilhosa
- O Novo Livro do Deslumbramento
- A Cidade na Charneca de Mallington
- Porque é que o Leiteiro Estremece Quando se Apercebe de que Está a Amanhecer
- A Nefasta Velha Vestida de Preto
- O Pássaro com um Olho Vesgo
- O Conto do Grande Guardião
- O Saque à Cidade de Loma
- O Segredo do Mar
- Como é que o Ali Veio Para o País Negro
- O Gabinete de Troca de Males
- Uma História de Terra e Mar
- Um Conto do Equador
- Uma Fuga à Tangente
- A Torre de Vigia
- Como Plash-Goo Chegou à Terra Indesejada
- O Gambito dos Três Marinheiros
- O Clube dos Exilados
- As Três Piadas Infernais
terça-feira, 19 de outubro de 2010
Ainda sobre edição, agora mais a sério
Há uma citação, atribuída a um almirante americano chamado Hyman Rickover, que reza assim: "Great men talk about ideas; Mediocre men talk about things; Small men talk about people." Traduzindo: "Grandes homens falam sobre ideias; Homens medianos falam sobre coisas; Homens pequeninos falam sobre pessoas." Isto, embora todos nós façamos as três coisas de vez em quando, tem muito de verdadeiro. Quando se desce das ideias para as coisas está a reduzir-se o nível da conversa, e quando destas se começa a falar de Fulano ou Beltrano ela bate no fundo. Quanto mais medíocre é o indivíduo, mais frequente é trazer a conversa para este nível rasteiro do diz-que-disse, e isto pode observar-se em todos os campos, da vida do dia-a-dia de cada um de nós aos níveis pretensamente mais elevados da política das nações.
Adaptando a coisa à literatura e à maneira de se falar do que é editado, esta máxima poderia ser adaptada a algo como isto: "Grandes homens falam dos livros; Homens medianos falam da vertente criadora dos autores; Homens pequeninos falam das editoras." E, claro, os homens realmente rascas não falam nem de livros, nem de autores, nem de editoras, mas das qualidades ou defeitos que os autores têm, em seu entender, enquanto pessoas.
Que quero eu dizer com isto?
Que o que importa é a obra. Falar-se do autor, mesmo que enquanto criador, não pode nunca substituir-se à leitura de cada um dos livros que ele escreveu, individualmente considerados. Porque o talento não se revela ao só escrever-se obras-primas, mas sim na proporção de material de qualidade que é produzido ao longo de uma carreira (de toda a carreira, o que faz com que as pessoas realmente inteligentes evitem fazer juízos de valor apressados sobre autores enquanto estes ainda estão capazes de criar) relativamente ao que não a tem, ou a tem em menor quantidade. Cada livro é um livro. Cada conto um conto é. Cada poema um poema. Todos diferentes, todos merecedores duma análise individualizada (a não ser que façam parte de séries, claro, ou quando se está fazer um apanhado da obra do autor X).
E se falar-se do autor enquanto criador deve ceder lugar à obra, por maioria de razão falar-se da editora em que a obra sai ou deixa de sair é atirar completamente ao lado. Porque se aquilo que envolve a obra (capa, marketing, distribuição, rigor e cuidado na edição, etc.) depende da editora, a obra propriamente dita não depende. Sendo verdade que a qualidade média das obras publicadas vai diminuindo das boas editoras para as más, não é menos verdade que há obras muito más editadas por editoras muito boas e vice-versa. Miguel Torga, grande escritor português do século XX, várias vezes nomeado para o Nobel, publicou boa parte da sua obra em edições de autor; ao Cristiano Ronaldo não faltam editoras ansiosas por fechar contrato.
De editoras pode e deve falar-se quando o assunto são as práticas comerciais desonestas em que algumas incorrem, ou aquilo que delas depende no processo de edição. Quando o assunto é a obra, falar-se seja do que for que não seja a obra é mostrar com toda a clareza que se está a Leste, que não se percebe nada do assunto, que não se tem a mais pequena credibilidade. Ou, pior, que a má-fé que por vezes move quem assim age pega no que encontra com o único fito de atacar obras ou autores que não consegue atacar de outra maneira. E assim voltamos à adaptação da citação do senhor Rickover.
Adaptando a coisa à literatura e à maneira de se falar do que é editado, esta máxima poderia ser adaptada a algo como isto: "Grandes homens falam dos livros; Homens medianos falam da vertente criadora dos autores; Homens pequeninos falam das editoras." E, claro, os homens realmente rascas não falam nem de livros, nem de autores, nem de editoras, mas das qualidades ou defeitos que os autores têm, em seu entender, enquanto pessoas.
Que quero eu dizer com isto?
Que o que importa é a obra. Falar-se do autor, mesmo que enquanto criador, não pode nunca substituir-se à leitura de cada um dos livros que ele escreveu, individualmente considerados. Porque o talento não se revela ao só escrever-se obras-primas, mas sim na proporção de material de qualidade que é produzido ao longo de uma carreira (de toda a carreira, o que faz com que as pessoas realmente inteligentes evitem fazer juízos de valor apressados sobre autores enquanto estes ainda estão capazes de criar) relativamente ao que não a tem, ou a tem em menor quantidade. Cada livro é um livro. Cada conto um conto é. Cada poema um poema. Todos diferentes, todos merecedores duma análise individualizada (a não ser que façam parte de séries, claro, ou quando se está fazer um apanhado da obra do autor X).
E se falar-se do autor enquanto criador deve ceder lugar à obra, por maioria de razão falar-se da editora em que a obra sai ou deixa de sair é atirar completamente ao lado. Porque se aquilo que envolve a obra (capa, marketing, distribuição, rigor e cuidado na edição, etc.) depende da editora, a obra propriamente dita não depende. Sendo verdade que a qualidade média das obras publicadas vai diminuindo das boas editoras para as más, não é menos verdade que há obras muito más editadas por editoras muito boas e vice-versa. Miguel Torga, grande escritor português do século XX, várias vezes nomeado para o Nobel, publicou boa parte da sua obra em edições de autor; ao Cristiano Ronaldo não faltam editoras ansiosas por fechar contrato.
De editoras pode e deve falar-se quando o assunto são as práticas comerciais desonestas em que algumas incorrem, ou aquilo que delas depende no processo de edição. Quando o assunto é a obra, falar-se seja do que for que não seja a obra é mostrar com toda a clareza que se está a Leste, que não se percebe nada do assunto, que não se tem a mais pequena credibilidade. Ou, pior, que a má-fé que por vezes move quem assim age pega no que encontra com o único fito de atacar obras ou autores que não consegue atacar de outra maneira. E assim voltamos à adaptação da citação do senhor Rickover.
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Guia Candeias Para a Taxonomia Editorial
Tenho notado de há algum tempo a esta parte que há por aí uma grande confusão, em boa medida deliberada, em torno do que são e como funcionam as editoras deste país. E dos outros, que nisto, como em tantas outras coisas em que nos julgamos únicos e especiais, não há nada que nos separe dos outros. Não sendo uma autoridade inatacável na matéria, mas tendo alguns conhecimentos sobre ela, resolvi deixar aqui o meu modesto contributo para que quem opina saiba melhor sobre o que opina e possa ter uma breve referência básica.
A editosfera subdivide-se em três géneros. Os dois primeiros subdividem-se em várias espécies cada um, o outro constitui uma espécie única. São eles:
Pessoalmente? Há algumas espécies aqui que me interessam. P. amiculivrus, P. amantissimus, A. amantissimus, A. nichianus e S. individualis, basicamente. As outras dispenso, e de algumas fujo a sete pés.
Adenda: por lapso, tinha-me esquecido de incluir no esquema a A. predatorius. Já está corrigido.
A editosfera subdivide-se em três géneros. Os dois primeiros subdividem-se em várias espécies cada um, o outro constitui uma espécie única. São eles:
- Genus Professionalis - editoras profissionais, aquelas que servem de ganha-pão pelo menos aos donos, e muitas vezes também a equipas de funcionários e colaboradores;
- Professionalis comercialis - editoras que publicam tudo o que venda, seja bom seja uma porcaria. O best-seller é deus e o dinheiro que ele gera é seu profeta. Com várias subespécies, algumas especializadas em certos habitats (especialmente em mercados maiores, naturalmente), é uma espécie muito abundante, e por vezes os exemplares atingem grandes dimensões;
- Professionalis amiculivrus - editoras que, entre o que vende, procuram publicar apenas aquilo que lhes agrada. Os exemplares tendem a ser muito pequenos e ágeis, sempre a tentar roubar aos P. comercialis e aos P. amantissimus um naco de comida particularmente apetitoso;
- Professionalis amantissimus - editoras que usam edição comercial, por vezes de coisas por que nem têm grande respeito, para financiar a edição de livros que sabem à partida que vão dar prejuízo mas que acham que devem publicar, ou porque acham que fazem falta no mercado ou porque realmente os adoram. Tendem a atingir dimensões superiores às dos P. amiculivrus, mas não atingem nunca o tamanho dinossáurico de alguns dos P. comercialis. O seu modo de alimentação é semelhante ao do P. amiculivrus, mas costumam ter mais força para defender os acepipes;
- Professionalis predatorius - as aves de rapina do meio editorial. Publicam qualquer merda desde que alguém lhes pague. Normalmente a vítima principal é o pobre autor iludido que julga que só assim poderá ter uma oportunidade e que ao mesmo tempo que é sugado até ao tutano fica com o nome manchado no mercado;
- Genus Amatoris - editoras amadoras, aquelas que, embora possam gerar algum lucro, não geram o suficiente para a sobrevivência de ninguém;
- Amatoris amantissimus - editoras que só publicam aquilo de que realmente gostam, frequentemente mostrando grande brio nos acabamentos e em todo o processo. Uma subespécie, A. amantissimus ridiculus, tenta mimetizar a pertença ao género Professionalis; os especialistas divergem na interpretação deste curioso fenómeno;
- Amatoris nichianus - editoras muito proximamente aparentadas às A. amantissimus (alguns autores consideram-nas uma única espécie, apontando como prova, entre outras características, para a existencia, também aqui, de uma subespécie ridiculus); caracterizam-se principalmente por adotarem uma grande especialização ecológica;
- Amatoris desenrascus - editoras que publicam o que calha, como calha, quando calha. São a espécie de vida mais curta em toda a editosfera;
- Amatoris ideologicus - editoras que publicam tudo o que promova as ideias dos seus editores ou donos. Muitas mimetizam com grande eficácia a pertença ao género Professionalis, mas um exame mais atento às suas características fisiológicas revela que o dinheiro provém não da edição propriamente dita mas de quem quer promover as ideias;
- Amatoris milionariaborrecidus - editoras que não têm falta de dinheiro porque possuem um mecenas forte; aparentadas com a A. ideologicus, diferenciam-se desta por não publicarem exclusivamente obras a promover as ideias dos donos, embora também o façam;
- Amatoris predatorius - editoras que sonham ser P. predatorius mas não conseguem;
- Genus Setinstrumentus
- Setinstrumentus individualis - espécie isolada, vive em simbiose com gráficas e casas de print on demand; dotada de enorme variabilidade interna, cada indivíduo é uma subespécie, ainda que uma boa maioria se possa agrupar de uma forma pouco rígida num agrupamento chamado minitalentus inteligentis, por não caírem nas malhas dos P. predatorius. Uma boa maioria, note-se, não a totalidade: a subespécie mais valiosa é a S. individualis migueltorgus, várias vezes nomeada para o Nobel.
Pessoalmente? Há algumas espécies aqui que me interessam. P. amiculivrus, P. amantissimus, A. amantissimus, A. nichianus e S. individualis, basicamente. As outras dispenso, e de algumas fujo a sete pés.
Adenda: por lapso, tinha-me esquecido de incluir no esquema a A. predatorius. Já está corrigido.
domingo, 10 de outubro de 2010
Lido: As Três Piadas Infernais
As Três Piadas Infernais é um conto do Lorde Dunsany sobre um pobre coitado que o narrador encontra numa estrada secundária na Escócia e que é vítima dum negócio que terá corrido terrivelmente mal. Um negócio, está bem de ver, sobrenatural. Com efeito, o protagonista desta história teria sido portador do raríssimo dom de achar todas as mulheres feias, e um diabólico estranho propusera-lhe um negócio que ele, irrefletidamente aceitara: trocar esse dom por três piadas que matariam de riso todos os que as ouvissem. Literalmente, embora o protagonista não o tenha compreendido — daí ter aceite a troca. É mais uma boa história do nosso lorde, esta com um pendor para o horror que não é pequeno, apesar de urdido com algum humor à mistura.
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
Lido: Realidad Esquiva
E a vigésima e última história da tal página, Realidad Esquiva de Carlos Feinstein, é ao mesmo tempo uma das mais curtas e absolutamente brilhante. Trata das consequências que a descoberta da viagem no tempo tem sobre o tecido da realidade, e o conto está executado duma forma que só posso qualificar de soberba. Não tem descrição, só lendo. Muitíssimo bom.
Lido: La Mujer del Astronauta
No décimo nono conto da mesma página volta a encontrar-se um nome português, desta vez o de Luís Filipe Silva. O conto, La Mujer del Astronauta, não tem, que eu tivesse encontrado, versão online em português (quando procurei, o Tecnofantasia não estava a carregar; é possível que se encontre aí), portanto terá que ser a espanhola. É uma pequena mas engraçada anedota que não tem a ver com as viagens no tempo, propriamente, mas sim com os paradoxos relativísticos: um astronauta que partiu em exploração de uma estrela distante regressa, passados vários anos do tempo de nave mas muitos mais do tempo terrestre, e vai encontrar alguém que não esperava voltar a ver... a mulher. Um continho bem concebido e divertido.
Lido: El Lántura
O décimo oitavo pequeno conto da tal página que já ando a visitar há uma porção de tempo chama-se El Lántura e foi escrito pelo espanhol Miguel Ángel López Muñoz. É um conto estranho, passado nos tempos de Roma, que parece mais uma fantasia mais ou menos pura do que um conto de viagem no tempo como os outros. Não gostei por aí além. Pareceu-me que aquilo que o autor queria contar não cabia num conto tão curto.
Lido: O Pagamento
O Pagamento (bib.) é uma noveleta de Philip K. Dick que quem vai ao cinema ver FC já conhece de certeza, pois foi nela que se baseou o filme Paycheck. O conto é francamente bom, das melhores ficções curtas de Dick que já li, e o argumento do filme segue-o de perto, embora não lhe corresponda por inteiro. Um homem, ao terminar um contrato muito especial que implica o apagamento dos últimos dois anos da memória, recebe, em vez da avultada soma de que estava à espera, um saquinho cheio de objetos aparentemente inúteis "enviados" pelo seu eu pré-apagamento. Mas vai-se apercebendo aos poucos de que aquelas coisas lhe abrem portas, e do que está por trás delas. Argumento puro, escrito com grande economia de meios, a noveleta é vertiginosa sem no entanto parecer apressada, e tem em si tudo aquilo que elevou Dick a figura de primeiro plano na FC americana: a paranoia, a desconfiança da autoridade, um enredo complexo mas bem amarrado, etc. Muito bom.
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Lido: O Códice Abandonado
O Códice Abandonado (bib.) é uma longa noveleta de António de Macedo sobre uma série de peripécias que giram em volta do códice abandonado do título. Trata-se de uma sequela do romance em mosaicos que Macedo publicou em 1993, Contos do Androthélys, ambientada anos mais tarde, mas com parte das personagens e dos ambientes em comum. Tal como o romance, esta noveleta é uma espécie de fantasia urbana e mística com ténues toques de horror (ténues porque não causam medo nenhum) e, tal como o romance, envolve "criaturas transdimensionais", sílfides, demónios e coisas do género, e acaba num estertor quase apocalíptico. Mas começa de outra forma; começa quando um dos protagonistas encontra no metro de Lisboa um exemplar dum calhamaço antigo, mágico e indecifrável, um tal "Codex Tashniquanus", e entra em luta contra o tempo para salvar uma série de coiros, o dele e o de todos os outros visitantes e habitantes da zona de Lisboa ou até, quiçá, de boa parte da Península Ibérica.
Não gostei, embora tenha gostado mais do que do romance. É das tais histórias em que sinto que Macedo exagera na dose, e das quais não só não consigo gostar como é a custo que leio. Há, além do exagero de hermetismos e astrologias, mais algumas coisas que contribuem para esse afastamento, acima de tudo o facto de boa parte do enredo e do texto ser composta por pessoas a explicarem coisas umas às outras, calmamente paradas no mesmo sítio. Só no fim a história ganha algum dinamismo, e mesmo então bastante menos do que o caráter emergente dos acontecimentos aconselharia. Mas a outra face da moeda vai encontrar diálogos que são em geral mais credíveis do que em algumas das outras histórias do autor e um texto basicamente correto. Qualidades que, a somar à incontestável erudição de António de Macedo nestes tipos de temas mais ou menos cabalísticos, podem servir de base para que alguns leitores gostem desta história. Acho mesmo provável que quem se interessa por eles goste. Não é o meu caso, infelizmente.
Não gostei, embora tenha gostado mais do que do romance. É das tais histórias em que sinto que Macedo exagera na dose, e das quais não só não consigo gostar como é a custo que leio. Há, além do exagero de hermetismos e astrologias, mais algumas coisas que contribuem para esse afastamento, acima de tudo o facto de boa parte do enredo e do texto ser composta por pessoas a explicarem coisas umas às outras, calmamente paradas no mesmo sítio. Só no fim a história ganha algum dinamismo, e mesmo então bastante menos do que o caráter emergente dos acontecimentos aconselharia. Mas a outra face da moeda vai encontrar diálogos que são em geral mais credíveis do que em algumas das outras histórias do autor e um texto basicamente correto. Qualidades que, a somar à incontestável erudição de António de Macedo nestes tipos de temas mais ou menos cabalísticos, podem servir de base para que alguns leitores gostem desta história. Acho mesmo provável que quem se interessa por eles goste. Não é o meu caso, infelizmente.
Mais duas resenhas a Flor do Trovão nos últimos dias
Isto é basicamente um post referencial, para registar que foram acrescentadas à lista duas novas resenhas à antologia Imaginários 2, na qual tenho um conto. Bom ver que, um ano depois, o livro continua a gerar opiniões. E, claro, que estas mantêm um tom geralmente positivo, quer quanto ao livro como um todo, quer quanto à minha participação nele.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Lido: As Filhas da Lua
As Filhas da Lua (bib.) é mais um conto de Italo Calvino contado por Qfwfq, o extraterrestre. Desta feita vamos encontrar uma mirabolante historieta sobre Luas sucessivas, que os habitantes da Terra tendem a arrancar do céu de tempos a tempos porque lhes desagrada à vista, ocupada com coisas mais limpas e úteis do que aquelas velhas sucatas que vogam pelo céu sem préstimo para ninguém. A história concentra-se na época duma dessas remoções, durante a qual surgem por todo o lado umas moçoilas nuas, as filhas da lua do título. E vai por aí fora de ideia surreal em ideia surreal até que o ciclo se completa. Não foi dos contos de que mais gostei, confesso com toda a franqueza. Não me agradou particularmente a forma como a ideia foi concretizada. Mas é um conto de Calvino, o que quer dizer que não pode ser mau.
domingo, 3 de outubro de 2010
Lido: O Clube dos Exilados
O Clube dos Exilados é um conto do Lorde Dunsany no qual um cavalheiro, por descuido, faz uma afirmação que o leva a ser convidado a fazer uma visita a um estranho mas distintíssimo clube. Trata-se de um clube que reúne uma sortida coleção de cabeças coroadas no exílio, entre reis depostos, pretendentes a tronos extintos e até a tronos de países que já não existem. Mas, no decurso da sua visita, o nosso protagonista vem a descobrir que o clube não é bem o que parece. Este conto, fantástico como os demais apesar de não parecer pelo que ficou escrito acima, não é tão divertido como muitos dos que o acompanham no livro a que pertence mas tem um final surpresa muito bem trabalhado. E é provável que dizer isto já seja estar a falar demais, pois parte da eficácia do final surpresa consiste em não se saber que no fim há uma surpresa.
Lido: La Primera Vez
O décimo sétimo conto da tal página em espanhol intitula-se La Primera Vez e foi escrito pelo argentino Hernán Domínguez Nimo. Trata-se de uma daquelas histórias muito privadas de viagem no tempo com que toda a gente já deve ter sonhado pelo menos uma vez: "Ah se eu pudesse voltar atrás no tempo e dizer ou fazer ao meu amor isto e aquilo em vez daquilo e daqueloutro". E quem fala de amor pode falar de chefes, colegas, família, desconhecidos que se encontram na rua, qualquer coisa. Qualquer arrependimento serve, e quem não tem arrependimentos na vida?
O protagonista deste conto consegue fazê-lo, e com isso ganha a inveja de todos os que o lerem. Pelo menos essa qualidade o conto tem. E tem mais algumas; não sendo um conto extraordinário, que não é, é ainda assim um conto interessante.
O protagonista deste conto consegue fazê-lo, e com isso ganha a inveja de todos os que o lerem. Pelo menos essa qualidade o conto tem. E tem mais algumas; não sendo um conto extraordinário, que não é, é ainda assim um conto interessante.
sábado, 2 de outubro de 2010
Lido: Deste Mundo e do Outro
Deste Mundo e do Outro, livro de crónicas de José Saramago escritas em 1968 e 1969 e publicadas no jornal A Capital, é um livro curioso, para mim, por me mostrar um Saramago antes de ser o Saramago. Não pela primeira vez, é certo, visto que já antes tinha lido o primeiro romance que ele escreveu, Terra do Pecado, e também O Ano de 1993, um texto algo experimental que está algures entre um longo poema e um conto. Mas os textos aqui reunidos são decididamente prosa, e foram escritos muito depois de Terra do Pecado, mostrando já (aí é que está, aliás, o principal interesse do livro) parte dos temas e da abordagem que Saramago viria a explorar mais tarde quando conheceu o sucesso e se tornou escritor a tempo inteiro. Faltava ainda o estilo. Aqui, Saramago já escrevia bem mas ainda não tinha decidido mandar ao ar algumas das convenções que regem o texto escrito na língua portuguesa.
E não, não é a pontuação como tantas vezes diz quem nunca o leu. É fundamentalmente a supressão gráfica da separação entre os diálogos e o texto descritivo.
Curioso é também ver aqui tão claramente um Saramago amante, e até certo ponto conhecedor, de ficção científica. Um Saramago que chega mesmo a fazer umas visitinhas ao género ao longo desta páginas, muito embora seja mais frequente "ficar-se" pelo fantástico que acabaria por explorar mais consistentemente mais tarde. Um género cujos praticantes portugueses, a maioria deles, pelo menos, mostram uma tendência desconcertante para renegar este antigo fã, que uma ilustre academia sueca elegeu como o melhor prosador português do século XX. Talvez se lessem este livro mudassem de opinião? Talvez, só talvez.
Quanto a mim, há muito que defendo que Saramago foi dos nossos. Que, entre outras coisas, também escreveu FC. E que a maioria das outras coisas se integram com toda a naturalidade na grande família da literatura fantástica. Também por isso foi com gosto que encontrei todas essas vertentes já esboçadas nas páginas deste livro se bem que, claro, a maioria destes textos sejam não-ficcionais, sejam crónicas propriamente ditas, algumas com referência direta à atualidade de há mais de 40 anos, outras mais genéricas. Mas também as há ficcionais, pequenos contos em que Saramago utiliza frequentemente os mecanismos da ficção para fazer valer um argumento ou uma ideia. Por isso, mesmo não sendo um livro extraordinário, mesmo não sendo um verdadeiro Saramago no que toca ao estilo, é um livro bastante recomendável. Foram poucas as crónicas de que não gostei mesmo, foram mais algumas as que me deixaram indiferente, da maioria gostei e de algumas gostei muito.
Dado o seu grande número, não farei aqui a lista de links para as opiniões que fui deixando na Lâmpada sobre cada uma delas. Desculpem lá. É trabalho a mais. Mas uma busca por "José Saramago" na caixinha ali em cima deve dar aos interessados os resultados relevantes.
E não, não é a pontuação como tantas vezes diz quem nunca o leu. É fundamentalmente a supressão gráfica da separação entre os diálogos e o texto descritivo.
Curioso é também ver aqui tão claramente um Saramago amante, e até certo ponto conhecedor, de ficção científica. Um Saramago que chega mesmo a fazer umas visitinhas ao género ao longo desta páginas, muito embora seja mais frequente "ficar-se" pelo fantástico que acabaria por explorar mais consistentemente mais tarde. Um género cujos praticantes portugueses, a maioria deles, pelo menos, mostram uma tendência desconcertante para renegar este antigo fã, que uma ilustre academia sueca elegeu como o melhor prosador português do século XX. Talvez se lessem este livro mudassem de opinião? Talvez, só talvez.
Quanto a mim, há muito que defendo que Saramago foi dos nossos. Que, entre outras coisas, também escreveu FC. E que a maioria das outras coisas se integram com toda a naturalidade na grande família da literatura fantástica. Também por isso foi com gosto que encontrei todas essas vertentes já esboçadas nas páginas deste livro se bem que, claro, a maioria destes textos sejam não-ficcionais, sejam crónicas propriamente ditas, algumas com referência direta à atualidade de há mais de 40 anos, outras mais genéricas. Mas também as há ficcionais, pequenos contos em que Saramago utiliza frequentemente os mecanismos da ficção para fazer valer um argumento ou uma ideia. Por isso, mesmo não sendo um livro extraordinário, mesmo não sendo um verdadeiro Saramago no que toca ao estilo, é um livro bastante recomendável. Foram poucas as crónicas de que não gostei mesmo, foram mais algumas as que me deixaram indiferente, da maioria gostei e de algumas gostei muito.
Dado o seu grande número, não farei aqui a lista de links para as opiniões que fui deixando na Lâmpada sobre cada uma delas. Desculpem lá. É trabalho a mais. Mas uma busca por "José Saramago" na caixinha ali em cima deve dar aos interessados os resultados relevantes.
Lido: O Verão
O Verão é uma crónica brilhantemente escrita e muito poética de José Saramago, um hino ao verão que há que ser lido para se lhe fazer justiça. De nada serve dizer mais do que isto, bem pelo contrário. Muito bom.
Lido: O Sorriso
O Sorriso é uma crónica inócua de José Saramago, na qual ele tece considerações e faz um pouco de literatura sobre o sorriso e as diversas formas que ele toma. Confesso não lhe ter achado grande interesse, por não me ter parecido que saísse muito de banalidades que qualquer um poderia pensar numa noite ociosa daquelas em que nos dá para a filosofia, ainda que talvez não deitar ao papel as suas reflexões exatamente daquela forma.
Lido: A Cadeira Abandonada
A Cadeira Abandonada (bib.) é um conto curto de António de Macedo que parte de uma ideia e cria uma ambiência muito próxima dos contos tradicionais, o que é tão assumido que a história até começa com o tradicionalíssimo "era uma vez". Um homem arranja uma cadeira mágica, que dá ideias a quem nela se senta mas, como costuma acontecer neste tipo de contos, não as dá de forma gratuita: o ato de sentar na cadeira e obter ideias, se muitas vezes repetido, torna-se perigoso. A partir desta ideia base Macedo cria uma série de peripécias divertidas e irónicas, e constrói um conto igualmente divertido e irónico, cujo principal defeito talvez seja ser um pouco longo demais. Uma página e um par de peripécias a menos, e seria mesmo, mesmo bom. Mas é um bom conto. Com humor e inteligência q.b. e sem excessos de esoterismo. Aprovado.
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