quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Olha, fui nomeado... outra vez.

Há dois anos fui nomeado para um prémio da European Science Fiction Society (ESFA), pela minha atividade como tradutor, o que deu origem a um longo post que pode ser lido aqui.

Este ano volto a ser nomeado, desta feita já não pela tradução (até porque esta tem sido escassa nos últimos tempos) mas pelo trabalho no Bibliowiki. Formalmente, a coisa é uma nomeação para um "Prémio de Espírito de Dedicação - melhor website," justificada por o site ser "Uma listagem exaustiva e atualizada da FC&F publicada em português (incluindo traduções de trabalhos estrangeiros)" (há um PDF aqui) e, embora um prémio a um website faça mais sentido no contexto europeu do que um prémio à tradução, porque ao menos o website está online e pode ser consultado, ao passo que a tradução, sendo como é a sua distribuição restrita a um só país ou, no máximo, a uma só esfera linguística, não pode ser avaliada com um mínimo de fidelidade pela esmagadora maioria dos votantes, embora e apesar disso, dizia, o que disse há dois anos é em grande medida o que digo agora, talvez cortando a parte sobre a camada fétida, que este ano parece não se ter manifestado. Pelo menos por enquanto.

Ou seja, sim, tenho alguma simpatia pelo voluntarismo dos prémios da ESFA. E sim, dá um breve calorzinho saber-me nomeado, porque equivale a saber que alguém, não sei quem nem quantos nem onde, se lembrou de algo que criei ou produzi. Mas a verdade é que a relevância do prémio é praticamente nula, e será sempre nula enquanto não existir mesmo um mínimo de contacto entre o que se vai fazendo no campo da ficção especulativa nos vários países europeus, o que está muito, muito longe de acontecer. Assim, como as coisas são, mesmo um site como o Bibliowiki estará para a esmagadora maioria dos votantes naquele limbo estranho das coisas que estão acessíveis mas são em grande medida incompreensíveis. Podem vê-lo, podem passear-se por ele, mas faltam-lhes as ferramentas para poderem realmente avaliá-lo, não só as ferramentas linguísticas propriamente ditas, mas o conhecimento de base do que é e foi publicado, onde e quando.

E isso é assim por mais bem informadas que estejam as pessoas. Eu, que faço aquele site e que uso com regularidade sites estrangeiros do mesmo género para obter títulos originais, datas de publicação e etc., logo devo ser dos portugueses mais bem informados a respeito deles, sinto-me em grande medida impotente para avaliar até que ponto estão ou deixam de estar completos e são ou não rigorosos. Imagine-se quem nunca ou quase nunca contacta com eles.

Quase ninguém saberá de facto se o Bibliowiki é mesmo exaustivo (não é; gostaria que fosse, trabalho para que seja, mas ainda está muito longe desse ponto) ou até atualizado (não está; com o foco posto nos últimos anos principalmente em colmatar lacunas no material mais antigo, o site desatualizou-se bastante), embora seja bastante evidente que não está a quem for à página do ano corrente.

De resto, é a própria ESFA a reconhecer implicitamente a pouca importância do prémio que atribui. Um prémio com alguma importância é publicitado, divulgado e acarinhado; por contraste, a ESFA está-se basicamente nas tintas. Exemplo: fui agora tentar saber quem acabou por ganhar o prémio a que fui nomeado há dois anos, e não se encontra essa informação em lado nenhum, nem no site da ESFA (seria o sítio lógico), nem em nenhum local da web que eu tenha encontrado. É uma inexistência total.

Portanto, como há dois anos, volto a dizer: "olha, giro, fui nomeado." Giro, porreiro, mas em última análise irrelevante. E quanto a ganhar, ganhará outro gajo qualquer, decerto, e isso será tão pouco importante que nem sequer a própria ESFA publica uma lista dos vencedores. E a vida seguirá o seu rumo, imperturbável.

Neste vasto mundo dos prémios de FC&F, que existem para todos os gostos e tendências, faria muito mais sentido um prémio para a produção em língua portuguesa do que este prémio da ESFA. E até existe: o Argos, do brasileiro CLFC, cujo regulamento abrange toda a lusofonia. Mas esse só seria realmente um prémio lusófono se na sua escolha participassem não brasileiros em número minimamente significativo. Como não participam, nem isso, apesar de já ter havido portugueses premiados no passado; eu próprio tenho cá em casa uma plaquinha toda catita de um segundo lugar ganho pelo E-nigma. Será um prémio quase lusófono, mas não é um prémio realmente lusófono. E mesmo assim, a nomeação para o Argos é-me bastante mais cara do que as da ESFA porque, como a língua é a mesma e existe algum contacto editorial entre as duas margens do Atlântico, ao menos os votantes do Argos sabem no que estão a votar.

E mesmo se o processo de nomeação fosse absolutamente transparente, e continua a não ser, não creio que possa dizer o mesmo dos da ESFA.