terça-feira, 30 de julho de 2019

Ronaldo Sergio de Biasi (ed): Isaac Asimov Magazine, nº 3

É bem provável que a Isaac Asimov Magazine, versão brasileira da revista americana Asimov's Science Fiction, tenha sido a melhor publicação periódica de género já publicada em língua portuguesa. E, pelo andar da carruagem, é até muito possível que nenhuma outra chegue algum dia a destroná-la. Composta sobretudo por contos, mais ainda do que a original (este número 3 só acrescenta aos contos um editorial, uma entrevista/depoimento de Ronaldo Sergio de Biasi, o editor, e algumas cartas), não era uma tradução direta dos números da Asimov's mas não andava muito longe disso, pois os contos que publicava tinham saído nos EUA muito pouco tempo antes.

E como a Asimov's é, a par da Analog e da Fantasy and Science Fiction, a mais conceituada revista de género do mundo, não é difícil antecipar que o conteúdo de cada número da IAM (iniciais pelos quais a revista brasileira ficou conhecida) era de alto nível.

O deste número certamente que o é. Com duas exceções claras, contos que achei fracos, e tendo também, por outro lado, dois que são realmente muito bons (Esperando os Olimpianos e Iridescência), o nível global é o de uma antologia de grande qualidade. A idade, que já vai pesando um pouco em algumas destas ficções — trinta anos sempre são trinta anos — ainda não pesa muito, e há uma história que é até mais urgente hoje em dia do que nos anos 80 (Muito Barulho por Nada), sendo outra uma autêntica corporização de "modernices" que só o são na cabeça dos ignorantes (O Preço das Laranjas). De uma forma geral, portanto, esta foi uma bela leitura.

Eis o que achei dos contos deste número da revista:

Italo Calvino: História do Guerreiro Sobrevivente

Outro conto por onde passa levemente um cheirinho a ficção científica, embora muito mais leve do que no conto anterior, esta História do Guerreiro Sobrevivente é sobretudo uma narrativa sobre a ansiedade masculina num mundo em mudança.

A princípio não parece nada. Com a sua habitual habilidade narrativa e excelente tratamento da língua (diga-se que muito bem servida pela tradução, como de resto é hábito de José Colaço Barreiros), Italo Calvino mergulha-nos em plena batalha medieval, um ambiente típico de uma narrativa histórica ou de fantasia épica. O conto acompanha o que faz e pensa um determinado guerreiro no meio da confusão da batalha, e a forma como trava um feroz e prolongado duelo com um guerreiro inimigo que, num momento de distração, desaparece.

Depois, reencontra-o no rescaldo da batalha que o seu exército perdera. Mas depressa se apercebe de que não se trata de um homem, mas de uma mulher. De orgulho ferido por ele, um homem treinado nas artes da guerra, não ter conseguido derrotar uma mera mulher, enche-se de fúrias vingativas, mas é aconselhado a não fazer o que pretende pois aquela é uma guerreira do invencível exército das amazonas, que já terá conquistado meio mundo e só poderá continuar a fazê-lo.

A vitória das amazonas é descrita como genocida, numa antecipação de distopia que aproxima esta história da FC: os homens que o exército das guerreiras encontra ou são mortos ou castrados; não há outra possibilidade. E assim termina o patriarcado, em sangue e chamas, inaugurando-se uma nova era de domínio feminino. E assim compreendem o motivo por que eu ali em cima disse que o tema deste conto é a ansiedade masculina num mundo em mudança, em que o poder secular do masculino é posto em causa.

Há muito sumo a espremer desta pequena história.

Contos anteriores deste livro:

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Luís Filipe Silva: In Falsetto

Enquanto fui lendo esta novela de Luís Filipe Silva foi-se-me avolumando na mente uma suspeita, que não passará nunca de suspeita a menos que algum dia o autor a confirme ou desminta: a de que In Falsetto (bibliografia) foi escrito, ou pelo menos começou a ser escrito, com Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa em mente.

É que embora se trate de uma novela steampunk, a pegada pulp é nela inconfundível e intensa.

A história desenrola-se em Lisboa, cidade à qual chegam mais ou menos em simultâneo dois representantes das duas grandes potências deste mundo criado pelo Luís: a França e a Áustria (ou Grosse Germania, termo que faz lembrar algumas das histórias de ficção científica do João Barreiros). Os primeiros, representados por um milionário com o pouco gaulês nome de Gulliver, querem oferecer ao rei português um autómato particularmente sofisticado, como forma de dar um golpe publicitário; já os segundos, vêm em perseguição de um ladrão muitíssimo escorregadio, que pode, ou não, estar a planar apropriar-se do autómato dos franceses e criar assim um incidente diplomático.

No meio de tudo anda um inspetor da polícia civil do reino de Portugal, que não sabe lá muito bem o que anda lá a fazer e é destratado com sobranceria por vários dos intervenientes, embora acabe por ser decisivo em vários momentos da trama. Esta, claro, é movimentada, cheia de reviravoltas, muitíssimo pulp... e bastante vazia.

Como sabe quem lê regularmente (ou mesmo esporadicamente) o que vou deixando escrito aqui na Lâmpada, não gosto de pulp. E o principal motivo é precisamente este: no afã de tentar distrair, criando enredos aventureirescos e enovelados, os produtores de pulp decidem com demasiada frequência não escrever sobre grande coisa, quando não é mesmo sobre coisa nenhuma. O escapismo puro na literatura não me interessa minimamente; quando quero ou preciso de desligar o cérebro, vou babar-me para a frente da televisão, não me ponho a ler. Ler para nada obter em troca é demasiado esforço para coisa alguma.

Sendo justo e rigoroso, não se pode dizer que Luís Filipe Silva não tenha escrito sobre nada nesta novela. Há aqui, corporizado no inspetor da polícia, aquele tradicional fadinho nacional de ser pequenino e irrelevante mas acabar desenrascando qualquer coisinha, e através das restantes personagens há também uns pozinhos de geopolítica com alguns reflexos na geopolítica contemporânea da União Europeia. Só que tudo isto tem dois problemas: por um lado é muito ténue, um pano de fundo para uma história cujo foco está decididamente virado para outras coisas; por outro lado é banal, já foi feito n vezes por outros n autores, e Luís Filipe Silva, provavelmente porque o seu foco está noutras coisas, não inova em nada.

E a consequência é que esta novela está muitos furos abaixo do melhor que o autor já produziu. Não é má, até porque o melhor de Luís Filipe Silva é francamente bom, mas não passa do razoável. Um exercício pulp que talvez agrade a quem gosta dessa abordagem mas que é muito provável saber a pouco aos restantes de nós. E uma revisão atenta, que claramente não existiu durante a preparação deste livro, também não seria tempo perdido.

Contos anteriores deste livro:

domingo, 28 de julho de 2019

Luiz Gustavo Saldanha: O Personagem Heleno

E de novo tenho de falar de purple prose.

Não vou repetir tudo o que disse aqui, naturalmente, mas a maior parte do que aí ficou expresso também se aplica a O Personagem Heleno, pequeno conto de Luiz Gustavo Saldanha. A maior parte, não tudo. É que a história de Saldanha, apesar de continuar a escorrer púrpura, é melhor. Porque é muito menos cliché. E também porque é bastante mais curta, o que torna os arrebiques menos cansativos.

Aqui estamos em meio teatral. O personagem Heleno é o protagonista, jovem — catorze anos — apaixonado pela representação, mas tímido, ou talvez apenas reservado. Apesar da namorada, é esse o seu verdadeiro amor. Por isso não hesita quando, depois de ganhar coragem para pedir um papel ao professor, o seu primeiro, descobre que todos os papéis masculinos já estão ocupados: aceita imediatamente um papel feminino, escolhe-o e atira-se ao estudo.

O conto descreve (purpuramente) como ele vai encarnando a personagem, mergulhando cada vez mais profundamente no travestismo, encontrando aí uma espécie de felicidade. É uma história interessante e invulgar, surpreendente o suficiente para sustentar o interesse até ao fim, que a forma como está escrita quase estraga. Sem tantos arrebiques, este podia ser um bom conto. Mas a prosa pretensiosa de Saldanha não deixa. Pena.

Textos anteriores desta publicação:

sábado, 27 de julho de 2019

Luísa Costa Gomes: Mania

Luísa Costa Gomes. Ora aqui está um nome que eu já conhecia, o que não tem sido lá muito frequente nestes contos publicados eletronicamente pelo DN. Conhecia de ter lido vários contos seus, não muitos... e de só ter gostado medianamente de um. Os outros... bem... Ora me pareceram banais, ora traziam uma espécie de humor e/ou ironia que não ressoa com o meu ou a minha, enfim, deixaram a desejar. Não tenho queixas relativamente ao português, que costuma ser bem tratado, mas como não é só de português que se faz a literatura, mesmo a que se faz em língua portuguesa, parti para a leitura desta Mania com as expetativas razoavelmente baixas.

E a história correspondeu à expetativa. Mania é um conto razoavelmente longo — 7 mil e muitas palavras, provavelmente já a passar a noveleta — ambientado numa Lisboa que talvez seja contemporânea (ou quase; este é o único conto que li até agora nesta coleção que não é inédito, pelo que a contemporaneidade será referente à época da primeira publicação), mas a fazer lembrar outros tempos e paragens, cheio de mulheres fatais, espionagens sentimentais e traições. Às vezes encontram-se neste tipo de temas e ambientes histórias interessantes, mas é cada vez mais raro porque estão bastante saturados desde para aí os anos 50.

E em parte por isso, Luísa Costa Gomes não cria uma história interessante. Sim, o português é tão competente como é hábito, mas o resto é uma história confusa, mais pela forma como é contada do que propriamente pela história em si, como se a autora procurasse ocultar a simplicidade e curta criatividade do enredo atrás de uma narrativa emaranhada, brumosa, sufocada pelo peso da "literatura", palavra que vai entre aspas porque segundo a minha forma de ver as coisas literatura não é bem o que demasiada gente julga que é.

Mas o que mais me desagradou nesta história foi uma muito intensa sensação de vazio. Aquela sensação que leva sempre à interrogação "sim, e daí?" A sensação de que o escritor está basicamente a escrever sobre nada. É bastante possível que seja uma sensação injusta mas não posso negá-la. É também provável que o facto de me ter sido impossível acreditar realmente em alguma destas personagens a tenha amplificado. Trata-se de uma sensação que tenho muitas vezes a ler literatura das duas extremidades do espectro literário: o pulp por um lado e a literatura demasiado preocupada em ser literária pelo outro. O curioso desta história é ir buscar temas e ambientes ao pulp e estilo narrativo ao outro lado, quase conseguindo juntar o pior de ambos. O que a salva, impedindo-a de ser realmente má, é a correção do uso do português. Mas que mesmo apesar disso é bastante fraca, é.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Branco e Rosatti (eds.): Megalon, nº 1

Quanto mais o tempo passa, mais se solidifica em mim a ideia de que os projetos mais longevos e bem sucedidos são simultaneamente aqueles que têm os inícios mais despretensiosos, movidos muito mais pelo puro gosto de fazer as coisas do que por calculismos ou ambições, financeiras ou outras.

E o Megalon é um bom exemplo disso mesmo. Arrancou em 1988 com este nº 1 (bibliografia) e foi sendo publicado, entre os altos e baixos típicos destas coisas, até 2004, cifrando-se o saldo final em 71 números e largas centenas de contos (incluindo um número muito significativo que veio mais tarde a merecer publicação profissional) e artigos, quase sempre sob a batuta do seu editor principal, Marcello Simão Branco, ainda que neste número tivesse a coeditoria de Renato Rosatti, o qual o acompanhou nos primeiros anos.

E o começo dificilmente poderia ser mais modesto. A um só conto, muito curto e bastante mauzinho, somam-se quatro artigos e uma entrevista e está a coisa feita. A entrevista é de longe a parte mais interessante do fanzine; trata-se de uma adaptação de uma entrevista a Alfred Bester, um dos melhores autores americanos de FC da segunda metade do século XX, falecido não muito tempo antes da publicação deste número inaugural do Megalon. Os artigos pouco interesse têm, especialmente hoje em dia, consistindo em notícias sobre edições e movimentações do fandom (que acompanharam toda a vida do Megalon), brasileiro e não só, e opiniões sobre um par de filmes.

Desta modestíssima semente saiu uma das mais importantes publicações brasileiras de FC, a par do também fanzine Somnium e, noutro patamar, das versões locais da Asimov's e da F&SF. Mas enquanto estas últimas duraram um ou dois anos cada e encerraram após não mais que uma vintena de números, o Megalon durou quase quinze anos e o Somnium ainda hoje se publica. Elucidativo? Parece-me que sim.

Eis o que achei do único conto desta publicação:

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Ana Paula Nascimento: De Dentro Ninguém Responde

Às vezes tenho pena de não conseguir arranjar uma tradução para a expressão "purple prose" que transmita a mesma sensação de vacuidade presunçosa da expressão inglesa. Há quem a traduza como prosa poética, mas não é bem a mesma coisa; embora toda a purple prose tente ser poética, nem toda a prosa poética é purple. Um ótimo exemplo do que acabei de dizer é a prosa do Mia Couto, poética até à medula mas sem nada de purple. No entanto, arrisco-me a dizer que realmente existe uma relação entre as duas coisas e que a purple prose é o que acontece quando alguém sem domínio da língua e/ou talento suficiente tenta fazer prosa poética. Provavelmente não estarei inteiramente certo, mas aposto que não ando muito longe da verdade.

Em tempos, passou-me pela cabeça tentar adaptar para "prosa azeiteira", mas também não: essa é expressão demasiado (e desnecessariamente) insultuosa, mesmo havendo na purple prose um forte pendor para o mau gosto estético que a expressão sugere. Portanto desisto e fica mesmo em inglês.

Vem isto a propósito de ter lido recentemente dois exemplos da mais pura purple prose. E aqui está um deles.

Sem as cores desagradáveis da prosa, De Dentro Ninguém Responde até podia ter tido algum interesse. Um conto sobre um psicopata artista, ou artista psicopata, burguesíssimo, e a relação que se estabelece entre ele e uma antiga professora, tragédia ambulante, pode ser interessante se bem concebido e bem escrito, apesar da banalidade das personagens. Sim, banalidade: a literatura (e o cinema, e a televisão, e a BD, e...) tem uma certa predileção por este tipo de personagens, e tem-nas trabalhado e retrabalhado até à exaustão. Acha as suas histórias interessantes, suponho, mas de tanto usá-las torna-as banais e por isso desinteressantes. É o paradoxo do cliché: todos nascem como ideias boas e inovadoras, morrendo como tudo menos isso. Mas apesar disso, ainda se podem fazer histórias interessantes com essas características.

Mas para as fazer é preciso que elas sejam bem concebidas, desejavelmente de forma inovadora, e bem escritas. E se Ana Paula Nascimento não estrutura mal a sua história, também não se pode dizer que seja particularmente criativa a fazê-lo. O pior, contudo, é mesmo a forma de escrever, a escorrer púrpura por todos os lados. Resultado: só posso considerar este conto mau.

Contos anteriores deste livro:

Italo Calvino: História da Floresta que se Vinga

Uma das características mais curiosas dos contos de Italo Calvino para alguém que, como eu, gosta bastante de ficção científica, é o diálogo que neles se estabelece com relativa frequência com o género. Não com o género como um todo, talvez, ou geralmente, mas com o género tal como era antes de ser género; com a proto-ficção científica.

Exemplos abundam, das Cosmicómicas a vários contos das Cidades Invisíveis, e é por isso sem grande surpresa que se encontram também neste livro. Por exemplo na História da Floresta que se Vinga, por estranho que isso possa parecer a quem olha para este título, que parece ter tudo a ver com fantasia e nada com ficção científica.

E é aqui que entra a espécie de ligação ao género que mais agrada a Calvino. O conto começa como um conto fantástico muito próximo das histórias tradicionais, com uma mulher criada numa floresta que um belo dia salva um príncipe vítima de salteadores, fá-lo perder-se de amores por ela (ou talvez só de desejo), engravida e fica à espera quando ele diz que precisa de ser desobrigado pelo Papa para poder casar com ela e se vai embora, alegadamente em busca dessa autorização. Mas o tempo passa e nada. Até que ela sai, à procura dele, e depara com o mundo fora da floresta vazio de homens e entregue à maquinaria, que já sabe passar sem os seus criadores e por isso corre com eles, numa cena apocalíptica típica da FC distópica.

E no fim, o conto volta a afastar-se da FC, mostrando um Dia do Juízo muito alicerçado na mitologia. Tudo, aparentemente, porque a floresta se vinga por a rapariga lá criada, logo parte dela, ter sido abandonada. Fica por explicar como é que a rapariga acaba ali reunida com os restantes convivas na taberna, como é que mesmo depois de um tal cataclismo apocalíptico ainda pode contar a sua história e há alguém para a acompanhar. Mas apesar disso, este é mais um conto muitíssimo bem escrito e bastante interessante.

Contos anteriores deste livro:

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Nancy Kress: O Preço das Laranjas

Há por aí quem julgue que nos últimos anos os esquerdalhos andam a estragar a ficção científica com a mania de enfiar nela personagens que não sejam homens brancos hetero e wasp. Que isso de variedade é parte de alguma conspiração comuno-gay internacional, provavelmente financiada por judeus (e não são sempre os judeus que financiam tudo?). Estas brilhantes ideias tiveram recentemente um violento impacto na FC internacional (mas especialmente na americana), ao ponto de fazerem abanar uma das mais antigas instituições do género: os Prémios Hugo.

Como tantas outras opiniões vindas daquelas bandas, esta também é uma opinião movida sobretudo a uma tremenda ignorância. Porque só a ignorância explica o completo desconhecimento de que todas as coisas que apontam como irritantes modernices desta era do politicamente correto já existem na ficção científica há décadas. E a prova está, por exemplo, em O Preço das Laranjas (bibliografia), noveleta de Nancy Cress publicada originalmente em 1989. Há trinta anos, portanto.

Trata-se de uma história de viagem do tempo. Um avô preocupado com a neta está convencido de que os problemas dela se devem aos tempos modernos e às múltiplas carências que eles revelam no campo das relações interpessoais (sim, porque como toda a gente sabe antigamente é que as pessoas tinham respeito umas pelas outras... ahem...). Ora acontece que este avô tem um segredo. Por qualquer motivo que ele não compreende (mas isso não o preocupa por aí além), há um portal no fundo do seu armário que o leva ao passado, às vésperas da II Guerra Mundial, e o facto de o portal se encontrar no armário tem mais que uns pozinhos de ironia. Leva-o a 1937, mais propriamente. E ele concebe um plano: se arranjasse forma de trazer um homem de 1937 para o presente com certeza que ele seria o ideal para arrancar a neta ao seu permanente mau humor raiando o desespero. Não podia ser um homem qualquer, claro, mas certamente haverá alguém adequado.

E se bem o planeia, melhor o põe em prática. Bem, não é que seja fácil, mas acaba por conseguir arrancar um rapaz promissor ao tempo que lhe é próprio. Não voluntariamente, atenção, o que naturalmente vai provocar ao jovem um choque e peras. Mas o velhote escolhera mesmo bem. Não que o seu plano tenha resultado, mas a verdade é que o jovem recupera depressa do choque e deixa-se fascinar pelo mundo moderno, para ele futuro, e até aceita passar algum tempo com a neta do velhote.

Mas depois, claro, quer voltar para o seu tempo e, a contragosto, o velhote lá o deixa ir, julgando que não tinha conseguido alcançar nada com a aventura. Mas tinha. O jovem vive a sua vida no seu tempo, batendo-se pelo progresso. E tem descendência. E uma das suas descendentes, lésbica, entra numa relação com a neta do protagonista da história. Fazendo-a finalmente feliz. Fim.

E um conto com trinta anos tem tudo aquilo que certa malta odeia no "politicamente correto de hoje em dia". Não será por isso que é bom, mas é bom. Temos pena.

(Não, não temos.)

Contos anteriores desta publicação:

terça-feira, 23 de julho de 2019

Máximo Gomez: Reino de Luz

Mais um poema que não me pareceu particularmente bom, este Reino de Luz (bibliografia) de Máximo Gomez é pelo menos simpático. À superfície é sem dar espaço para dúvidas um texto fantástico, cheio de criaturas e cenários das histórias infantis, mas se escavarmos um pouco mais fundo, e diga-se de passagem que o facto de haver aqui o que escavar é uma qualidade, descobrimos nele sobretudo um texto sobre a nostalgia da infância. Quem escreve grita que acredita na existência, algures, de toda a mitologia das histórias infantis (e aqui são claramente infantis, não populares), como quem diz que ainda tem em si a criança de outrora, só à espera de uma oportunidade para vir à superfície. Só desejando essa oportunidade de se voltar a maravilhar com as magias do mundo. Com um domínio mais firme da língua, maior qualidade e sofisticação no seu manejo, este podia ter-se transformado num poema realmente bom. As ideias estão lá. Não falta tudo, portanto.

Textos anteriores deste livro:

domingo, 21 de julho de 2019

Victor Poe Lovecraft: Massacre Macabro

Pega-se num fanzine e espera-se encontrar material típico de fã sem experiência nem competência nem, provavelmente, grande talento ou potencial. Textos mais ou menos toscos, amadores, adolescentes, coisas dessas. Mas por vezes o que se encontra é o contrário: textos de qualidade boa ou muito boa, que não ficariam mal vistos em publicações profissionais de vários tipos.

No caso deste Massacre Macabro (bibliografia), de alguém que assina com o pseudónimo bastante pretensioso de Victor Poe Lovecraft, o que se encontra é precisamente o que se espera encontrar de um conto de fanzine. Trata-se de um conto de horror adolescente, que não estará assim muito mal escrito mas cuja prosa é tosca, cheio de referências e alusões demasiado óbvias para terem algum interesse, sobre os feitos de um psicopata assassino morto-vivo, nascido em 1666 e sepultado na sepultura 666 (duh), na cidade de Ercassam Orbacam e leiam lá de trás para a frente para verem a astúcia do rapaz.

E o conto é todo assim. Meia bola e força, num enredo derivativo completamente incapaz de criar alguma espécie de emoção a não ser o tédio. Felizmente é bastante curto, não passando de vinheta. Agradeçamos as pequenas misericórdias. Este é um começo muito mau para uma publicação que viria mais tarde a publicar alguns das melhores histórias da ficção científica brasileira contemporânea.

Leiturtugas da semana #28

Começa a semana de novo com Leiturtugas vindas do mesmo sítio das da semana passada. A Cristina Alves fala-nos desta vez sobre um livro de contos de Rui Zink com muito de fantástico — o que de resto é costumeiro nele — mas que não parece ter nada de FC — o que é menos vulgar; até costuma ter, ainda que frequentemente de uma forma algo tangencial. Intitula-se o livro A Metamorfose e Outras Fermosas Morfoses e leva a Cristina a 5c3s.

Mas não ficamos por aqui. Esta semana temos dois posts relativos ao projeto, o que tem sido raro nos últimos tempos. O segundo é de um tal Jorge Candeias, não sei se estão a ver quem é o gajo, que resolveu falar de um livro de fábulas em verso escrito por Carlos Couceiro. O título? Fábulas do Tempo Presente... e do Tempo Futuro. Também nada tem a ver com FC, o que faz com que o tipo que escreve n'A Lâmpada Mágica passe a 4c7s.

E por esta semana é só. Para a semana haverá mais? Aqui, não. Noutros sítios? Quiçá.

sábado, 20 de julho de 2019

Carla Marques: Morte

E de repente temos um soneto nesta antologia, depois de uma série de poemas sem grande estruturação formal. Em Morte (bibliografia), Carla Marques apresenta mais um daqueles poemas que só são realmente fantásticos se forem encarados de forma literal, e não se teria saído particularmente mal da empreitada se tivesse conseguido, ou querido, manter nos tercetos uma estrutura rítmica tão coerente como a que manteve nos quartetos. Sim, que os sonetos não são uma forma tão rígida como a dos haicais mas quando um poema começa bem ritmado e termina sem qualquer espécie de ritmo a sensação que deixa é de coisa coxa.

O tema é a morte, claro, aqui apresentada como entidade viva, o que justifica que se chame fantástico ao poema, mas não com grande solidez, o que também justificaria que se encarasse a figura da morte apenas como parábola. De certa forma, portanto, é um poema de horror, mas só de certa forma. Quanto à qualidade, não é grande, não só devido aos problemas rítmicos de que falei acima, mas também porque as rimas não são particularmente inspiradas. Mas já ficaram para trás coisas piores.

Textos anteriores deste livro:

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Carlos Couceiro: Fábulas do Tempo Presente... e do Tempo Futuro (#leiturtugas)

Como qualquer leitor bem sabe, às vezes há compras por impulso, e o que dá origem ao impulso podem ser as coisas mais variadas. Pode ser qualquer coisa na capa, pode ser algum detalhe da sinopse, pode ser um blurb, podem ser montes de coisas. No caso deste Fábulas do Tempo Presente... e do Tempo Futuro foi o título que me fisgou. Fábulas do tempo futuro? Haverá aqui alguma coisa relacionada com ficção científica?

Lido o livro, fica desfeita a dúvida: não há.

O que há são fábulas, bastante bem contadas em verso. Algumas são adaptações de fábulas bem conhecidas (duas ou três já constam da obra de Esopo), outras parecem ser criações novas do próprio Carlos Couceiro, embora eu não conheça o suficiente deste tipo de obra literária para ter tal certeza. E todas são fábulas na plena aceção da palavra, com os seus animais falantes e antropomorfizados e moralidade implícita, evitando-se aqui, felizmente, a tentação de explicitar a moral de cada uma.

A impressão mais intensa que fica é a de textos para serem ditos em voz alta. Ao longo de toda a leitura não me saiu da cabeça a imagem de um grupo de contadores de histórias, mais ou menos teatralizadas, rodeado por uma plateia de miúdos. A capa de formas simples cheia de cores primárias e as profusas ilustrações internas reforçam essa impressão de livro concebido sobretudo para públicos de tenra idade, mas o texto propriamente dito não é tão infantil como se poderá supor. Há nele abundância de ironia e bastante política (a qual explica, de resto, o "tempo futuro" do título), sobretudo nas primeiras fábulas, e uma razoável sofisticação nas rimas e nos ritmos que mais facilmente será apreciada por adultos que por crianças.

Em suma, se este livrinho — é bastante curto, com apenas 105 páginas — por um lado me desapontou por o tempo futuro que alardeia no título nada ter a ver com FC, por outro não posso dizer que me tenha desagradado. É daqueles livros que fazem bem aquilo a que se propõem e isso é absolutamente respeitável.

Este livro foi comprado.

Stephen King: Buick 8 - Um Carro Perverso

É curioso como Stephen King consegue em vários dos seus livros escrever histórias que podem ser encaradas como horror sobrenatural ou ficção científica dependendo da maneira como se olha para elas. Não é o único a fazê-lo, evidentemente, pois as interseções entre o horror e a FC são abundantes e antigas, não só na literatura mas também noutras formas de arte. Mas, ao contrário de muitos outros autores comummente associados ao horror, cujas sobrenaturalidades não deixam lugar a dúvidas, King fá-lo de forma quase tão consistente como Lovecraft.

E fá-lo neste Buick 8, Um Carro Perverso (bibliografia), por exemplo. O título português, de resto, é bastante mau. Nada há no título original de From a Buick 8 que permita deduzir perversidade, e a que existe no texto é mais impressão subjetiva de algumas das personagens do que coisa minimamente objetiva. O título original, que significa simplesmente "De um Buick 8", deixa todas as interpretações em aberto, e isso não acontece por acaso (ainda que o motivo principal seja a ligação a Bob Dylan), pelo que a tentativa de forçar uma interpretação através do título em português não só é francamente má como desrespeita a vontade do autor. E não, não estou a bater na tradutora: este título tem toda a cara de opção editorial.

O que o Buick 8 é com toda a certeza é um portal para outro mundo. Ou melhor, não propriamente um portal para algures, mas um que conecta bidirecionalmente a Terra a outro mundo. Que mundo? Não se sabe. Não fica claro. Pode ser um mundo alienígena, situado algures neste vasto universo, pode ser um mundo paralelo ao nosso, situado noutro universo, pode ser um qualquer mundo infernal, demoníaco, o texto do romance dá azo a todas estas interpretações. As duas primeiras são de ficção científica, a terceira não é.

Essa indefinição não é casual. É precisamente esse o tema do romance: o que se desconhece e, mais do que isso, o que não se pode conhecer. Nesse sentido, este livro aproxima-se de vários livros de Lem, de Solaris a Fiasco, e também de um outro romance que li há muito pouco tempo, Blindsight, de Peter Watts, embora a abordagem seja aqui bastante diferente. Enquanto o incognoscível de Lem e Watts se encontra no espaço, o de King aparece um belo dia numa bomba de gasolina da Pensilvânia sob a forma de um carro que, se não fosse o seu condutor ter desaparecido, deixando-o abandonado, e o carro ter uma ou outra característica estranha, poderia considerar-se banalíssimo.

Mas há as características estranhas e o desaparecimento do condutor, portanto o carro é apreendido pela polícia estadual, metido num barracão... e começam a acontecer coisas estranhas com ele. Coisas ainda mais estranhas que as primeiras. Espetáculos de luzes, aparecimento de bizarras e repugnantes criaturas que rapidamente se decompõem emitindo odores nauseabundos... e desaparecimentos vários de coisas e criaturas que se encontravam à sua volta. Incluindo um polícia.

A história é-nos contada porque décadas depois do carro ter aparecido o filho de um polícia morto num acidente e desde o início profundamente mergulhado na investigação possível à natureza daquela coisa começa a fazer biscates na esquadra em busca de informações sobre o pai. E os colegas do pai vão-no pondo ao corrente do que sabem, das coisas que aconteceram com o Buick, das coisas que o pai fez e das coisas que os outros fizeram. É uma história longa, contada a várias vozes, e em grande medida inconclusiva porque apesar de se terem passado décadas desde o abandono (se é que o foi de facto) do carro na bomba de gasolina, ninguém conseguiu penetrar muito no mistério do Buick.

Perto do fim, o rapaz quase é apanhado pelo carro-portal, resistindo apenas porque um dos colegas do pai o agarra, amarrado a uma corda que outros colegas seguram, fornecendo-nos um vislumbre do lugar que existe do outro lado. Este é tão esquemático e limitado que também está aberto a interpretações, ou seja, traz em si muito pouca informação — uma espécie de prado numa espécie de colina, cores estranhas e pouco mais. De novo, não é por acaso. Mas para mim este vislumbre sustenta a aproximação do livro à ficção científica: o lugar que se vislumbra tem todas as características de um sítio real no mundo natural.

Há quem deteste esta indefinição, este deixar as coisas em aberto e sujeitas a interpretações; eu, aqui, gosto bastante, uma vez que ela contribui em grande medida para a eficácia do livro. Numa história sobre o incognoscível pouco sentido faria definir aquilo que só pode ficar indefinido, compreender o que não se pode compreender. Este livro é bastante bom. A narração é pausada mas apesar disso não tem a palha que se encontra em alguns dos outros livros de Stephen King, antes segue o modo naturalmente sinuoso do contar oral de histórias, em especial quando estas são contadas por vários contadores, como acontece aqui. E a informação que acaba por ser fornecida, sendo insuficiente para o leitor ficar com certezas, é no entanto mais que suficiente para ter suspeitas e construir opiniões. Ou seja: King teceu o seu romance bastante bem. Não perfeitamente, até porque a perfeição é tão inatingível como o Buick 8 é incognoscível, mas sim, bastante bem.

Este livro veio da biblioteca dos meus pais.

Anderson Petroni: Suculência / Asas / Cortante

Sobre estes três "haicais" de Anderson Petroni tenho a dizer muito do que disse sobre os cinco de Aline Aimée: não são propriamente haicais porque não respeitam parte das regras, nomeadamente as métricas. Eu chamar-lhes-ia apenas poemas ultrabreves de três versos. E gostei mais dos de Petroni, sobretudo do segundo, Asas. A imagem nele esboçada é verdadeiramente bela. Cortante também me pareceu bastante interessante; em contraste, Suculência deixou-me indiferente.

Textos anteriores desta publicação:

terça-feira, 16 de julho de 2019

Italo Calvino: História do Indeciso

Não sei ainda se será característica das histórias contadas já não no castelo mas na taberna, mas pelo menos esta História do Indeciso é narrada de forma mais livre que a maior parte das histórias contadas no castelo. Italo Calvino não abandona o tarot como fio condutor e motor dos enredos, claro, mas nesta história a narração está mais liberta de constrangimentos, ao ponto de haver trechos em que o leitor quase se esquece de que tudo se baseia em cartas pousadas numa mesa.

Aqui encontramos, como o título indica, um indeciso. Alguém que, confrontado com as encruzilhadas da vida, hesita em escolher um caminho, sobrecarregado de dúvidas sobre qual será o melhor e o que poderá perder ao não seguir aqueles que não seguir. Muitíssimo bem escrita (sim, gostei ainda mais do texto de Calvino neste conto do que é hábito), esta é uma história longa para o que é hábito neste livro, com muito em comum com as histórias populares, incluindo um certo ar arquetípico das situações e personagens.

E no fim depara com o seu duplo, um duplo simétrico, farto de ter a vida adiada à espera que ele tome as decisões que, por contraste, lhe determinem o rumo. Uma ideia brilhante. Diria mesmo que quase borgesiana.

Este conto é magnífico.

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Terence M. Green e Andrew Weiner: Vinte e Dois Passos Para o Apocalipse

E cá está o conto que menos me agradou neste número da IAM.

Vinte e Dois Passos Para o Apocalipse (bibliografia) divide-se, naturalmente, em vinte e um curtíssimos capítulos (o vigésimo segundo será o apocalipse propriamente dito, supõe-se), constituídos sobretudo por diálogos entre uma panóplia de personagens que se veem impelidas a fazer coisas mais ou menos contra a sua vontade, assim um pouco à semelhança do que acontece com as personagens dos Encontros Imediatos do Terceiro Grau, filme que aparentemente terá tido algum impacto sobre os autores. Autores esses que eu nunca tinha lido, julgo. Terence M. Green, de resto, só tem por enquanto esta obra no Bibliowiki, enquanto Andrew Weiner tem mais duas, nenhuma das quais me passou pelas mãos até agora.

Tudo gira em volta de Plutão, onde desperta uma entidade gigantesca cuja real natureza não chega a ficar inteiramente clara mas é pelas personagens tratada por "deus". E esse despertar reflete-se na Terra, levando os "escolhidos" aos seus atos semi-involuntários e à montagem de uma expedição tripulada ao planeta. Há religiões novas que aparecem do nada, há muita loucura aparente. Há pitadas de filosofia e de teologia e há uma leve sugestão de horror cósmico a la Lovecraft. Mas tudo pintado em rápidas pinceladas, que o conto não é muito extenso, e com pouca profundidade.

E é aí que reside a sua grande falha. Tudo sabe a esboço, a coisa pouco palpável, pouco sólida. Há uma série de pormenores que se minimamente explicados ou enquadrados talvez pudessem parecer mais que tolices mas que não o chegam a ser. E o conto fica gratuito, uma construção etérea que se desfaz com um sopro. Numa publicação com menos histórias realmente boas, talvez não destoasse tanto, mas nesta destoa. Este conto é fraquinho.

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Camila de Sá (cinco haicais sem títulos)

Confesso que nunca percebi o apelo dos haicais, mas essa incompreensão levou-me há algum tempo a tentar perceber o que está na sua origem e qual a sua filosofia de base. O que me levou também a informar-me sobre as suas características. E isso leva-me a dizer que estes "haicais" de Camila de Sá não são haicais.

É que os haicais são uma forma poética muito meticulosa. Três versos e nem mais um, o que toda a gente sabe, mas também uma métrica precisa composta por pentassílabo-heptassílabo-pentassílabo, detalhe que escapa a muita gente. Incluindo, aparentemente, à autora destes cinco. Sim, que nenhum respeita a métrica.

Quanto ao resto, deixam-me tão frio como quaisquer outros haicais. Ainda não foi desta que descobri algum haicai que realmente me agradasse. Talvez um dia...

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domingo, 14 de julho de 2019

Leiturtugas da semana #27

E eis que depois de um interregno de duas semanas cá temos de volta as Leiturtugas. Desta vez, elas chegam pela mão da Cristina Alves, que publicou a sua opinião sobre o conto In Vino Veritas, de João Ventura, publicado na antologia Winepunk. FC, claro, pelo que a Cristina sobe a 5c2s.

E por esta semana é só. Vêm aí mais coisas na semana que vem? Esperemos que sim. Até lá.

sábado, 13 de julho de 2019

Zhang Tianyi: O Senhor Hua Wei

O Senhor Hua Wei é um homem muito ocupado e extremamente dedicado à causa pública. Chinês, naturalmente, mas não chinês dos atuais chineses da República Popular, pois o conto de Zhang Tianyi foi escrito e publicado antes da Segunda Guerra Mundial e portanto antes também da implantação do regime maoísta. E a ação do conto é contemporânea da sua publicação, numa época em que a China, ainda imperial, se encontrava já sob ameaça japonesa e havia que mobilizar a população contra essa ameaça. É a isso o que se dedica o Senhor Hua Wei, correndo no seu riquexó de reunião em reunião em reunião e em reunião, ficando minutos em cada uma, debitando as suas pérolas de sabedoria em todas, sempre as mesmas, e indo-se embora para a próxima.

Trata-se, obviamente, de uma sátira. O homem é um perfeito inútil, não faz rigorosamente nada de produtivo, mas faz questão de marcar presença em todos os comités, grupos de trabalho, associações, sociedades, o diabo a quatro, que haja na cidade. Tudo a bem da nação, porque sem ele, diz ele, o país irá inevitavelmente soçobrar sob o jugo japonês. E fica numa fúria sempre que algo acontece sem o seu prévio beneplácito, mexendo todos os cordelinhos de que dispõe para sabotar o trabalho dos outros e voltar a colocar-se à cabeça. Voltando à mesma cegarrega inútil de sempre

Conheço gente assim, oh se conheço.

Divertido, acutilante e bastante curto, este é dos tais contos eminentemente recomendáveis.

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sexta-feira, 12 de julho de 2019

Italo Calvino: A Taberna

Tal como acontece com O Castelo, este A Taberna também é um texto introdutório, no qual Italo Calvino explica e descreve a premissa e o ambiente que estão na génese das histórias que se irão seguir; aquela é idêntica, pessoas que se reúnem e se descobrem impossibilitadas de comunicar a não ser por gestos e com cartas de tarot; este plebeíza-se e é agora uma taberna. Menos desenvolvido que O Castelo, até porque este texto já ficou para trás e já explica boa parte do que de outra forma seria necessário explicar, A Taberna é um texto mais desordenado que aquele, mais sensorial, o que não será por acaso pois o próprio ambiente o é. Além de estar muito bem escrito, é plenamente eficaz no seu propósito e nada mais se lhe pode exigir.

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quinta-feira, 11 de julho de 2019

Carina Castro: Garoa Sobre Mário

Deste Garoa Sobre Mário de Carina Castro, um poema chuvoso, posso dizer que gostei particularmente do uso que a autora faz da aliteração. O poema parece pensado de propósito para aliterar. Quase. E a penúltima frase é um exemplo do que nele se pode encontrar.

Também posso dizer que o verso livre não lhe retira o ritmo, como por vezes acontece. É qualidade. Tirando isso, não tenho grande coisa a acrescentar. Foi um poema que me agradou medianamente, o que não é mau.

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Steven Utley: Minha Mulher

Continuando o que fui dizendo quando falei do conto anterior desta revista, outra qualidade da ficção científica normalmente ignorada por quem a desconhece é falar de assuntos polémicos muito antes de eles subirem a primeiro plano nas preocupações gerais da sociedade. Os exemplos são demasiado numerosos para enumerar, mas neste conto de Steven Utley podem encontrar-se logo dois: a violência conjugal e que direitos há sobre cadáveres passíveis de serem ressuscitados e quem tem tais direitos.

O primeiro dificilmente podia estar mais na ordem do dia, não só em Portugal como no mundo inteiro, de tal forma que nem vale a pena explicar porquê. Já o segundo, embora já seja relevante para os dias que correm, terá uma premência maior quando, num futuro mais ou menos próximo, seja possível reanimar pessoas que para todos os efeitos estão mortas, não só aquelas cujos corpos foram preservados criogenicamente, mas também as outras, ou pelo menos algumas das outras. Note-se que não sigo se mas quando. Não é por acaso, embora essa discussão não caiba aqui.

Aqui cabe falar-se do conto. Não é por acaso que Minha Mulher (bibliografia) tem este título, uma daquelas raras ocasiões em que a tradução para a língua portuguesa ainda o torna mais adequado ao texto do que o original em inglês. O protagonista do conto é um homem, riquíssimo, inconformado com a morte da mulher, e que por isso contrata cientistas de ponta para a ressuscitarem enquanto vai convivendo com o seu fantasma em realidade virtual. O processo é novo, não testado, de êxito incerto e ilegal, mas ele não quer saber: quer ter a mulher de volta e pronto. E não admite recusas nem hesitações. As coisas ou são como ele quer ou alguém vai ter problemas.

O que move a história é a progressiva descoberta da natureza do homem, da natureza do processo (que nunca chega a ficar inteiramente claro, mas não é preciso; basta que fique clara a sua incerteza) e do motivo da morte da mulher. É um conto concebido para a surpresa, e é provável que mesmo tendo tido cuidado para não o revelar demasiado já tenha aqui deixado demasiadas pistas. Nesse aspeto, está muito bem concebido. Na relevância dos temas que aborda, e até na forma como os aborda, também. Onde para mim falha um pouco é no texto propriamente dito. É por isso que não o acho um conto muito bom. Mas é bom.

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quarta-feira, 10 de julho de 2019

Patrícia Vieira de Faria: Orfandade / Moldura

Também sobre estes poemas de Patrícia Vieira de Faria não tenho muito a dizer. Parece que acontece quando não gosto muito mas não há nada de objetivo a explicar porquê. Coisas. Orfandade é um poema sobre uma crise existencial e Moldura é um poema de amor que até poderia ser visto como poema fantástico se fosse encarado sob um ângulo suficientemente literal, pois descreve alguém que amarra destinos e orienta sonhos ligando com uma caneta as sardas que o amante tem nas costas. De nenhum tenho motivo para falar mal, ambos me parecem pelo menos razoavelmente bem feitos, mas nenhum ressoou cá dentro.

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terça-feira, 9 de julho de 2019

Sebastião Ribeiro: Cônjuges / Expect(a/o)re

E volto a gostar mais, embora não igualmente, destes dois poemas. Sebastião Ribeiro tem imagens que me parecem ótimas, ainda que por estes dois exemplos pareça ser mais ou menos monotemático (é óbvio que dois poemas não chegam nem de perto nem de longe para dizer que assim é mesmo; mas estes dois apontam para aí): ambos são sobre relações. Cônjuges é sobre a infelicidade conjugal e é um poema que me agradou bastante. Já Expect(a/o)re é sobre a dúvida que se instala numa relação amorosa (sê-lo-á?) e agradou-me significativamente menos, até porque há nele uma incoerência que não sei se foi propositada mas não parece: o poema é posto na pena do lado da relação que tem dúvidas e é dirigido ao outro lado, que na primeira estrofe é tratado por você e daí para a frente (com alguma insegurança interpretativa na terceira) passa a sê-lo por tu. É esquisito e soa mal.

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Fabiola Weykamp: Roma, 1978

Sobre este Roma, 1978, um poema de Fabíola Weykamp, não tenho realmente nada de substantivo a dizer. Pareceu-me mauzinho mas nem sei ao certo porquê. Ainda por cima até é um texto que ideologicamente me agrada: um poema pacifista. Mas o certo é que não gostei. Mistérios...

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segunda-feira, 8 de julho de 2019

Catarina do Espírito Santo: Conto Bizantino

O lugar é Bizâncio, a cidade que provavelmente se chamaria oficialmente Constantinopla na época em que esta história decorre e muito mais tarde viria a tomar o nome de Istambul. O tempo é meados do século XV, às vésperas da queda perante a invasão otomana. O protagonista é um veneziano, ou pelo menos alguém que viveu em Veneza, e que se encontra na cidade com um objetivo bem definido: compilar todo o conhecimento humano.

Com esta base, Catarina do Espírito Santo desenvolve um conto inteligente, que até tem um levíssimo cheirinho a ficção científica (demasiado leve para que se possa sequer pensar em incluí-lo no género) por intermédio de uma rapariga veneziana que se corresponde com o protagonista e é por ele tratada como "a visionária". Porque o Conto Bizantino poderá ser bizantino, mas só marginalmente é sobre Bizâncio; trata-se, isso sim, de uma história cujo tema é algo muito contemporâneo: que efeitos tem sobre a sociedade a disponibilização livre e acessível de toda a informação do mundo?

A autora aborda a ideia de uma forma anacrónica, mas por isso mesmo francamente interessante. Sendo esse o projeto do seu protagonista, animado da ideia utópica de que o resultado só poderia ser o melhor possível, de que estando toda a informação disponível para todos a ignorância e os males que esta gera só poderiam desaparecer, Catrina do Espírito Santo arranja-lhe uma admiradora antagonista, cética relativamente à capacidade humana para absorver e realmente compreender toda essa informação. Para a gerir. O protagonista chama-lhe visionária porque ela lhe descreve o futuro que vê — o futuro em que nós vivemos —, um futuro em que as massas se mantêm tão irracionais e desinformadas como sempre, e em que os problemas se conservam, teimosos e resistentes.

Este, caros compinchas, é um conto muito bom. Não só é inteligente como ainda por cima está muito bem escrito.

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domingo, 7 de julho de 2019

Aline Aimée: Ondula e Renasce / Impulso Im/pele / O Peso da Tua Letra

E se não retirei grande coisa dos poemas do Davi Araújo, já não posso dizer o mesmo destes três poemas da Aline Aimée. Continuo sem perceber grande coisa disto, sublinhe-se à cabeça, mas gostei bastante da forma irreverente com que a Aline decompõe e recompõe as palavras, salpicando os seus versos de neologismos, de uma forma que me fez lembrar um pouco o Mia Couto. Os versos dela ressoam bastante mais em mim, e geram imagens que são mais sugeridas que expressas.

Curiosamente, é mais complicado decifrá-los. Nenhum dos três tem título; vêm identificados apenas pelos primeiros versos respetivos. Mas estes até que dão indicações razoavelmente sugestivas relativamente ao assunto de cada um. Ondula e Renasce parece ser sobre a dança e a vida, Impulso Im/pele sugere uma espécie de autorretrato razoavelmente autodepreciativo, O Peso da Tua Letra aparenta ter como tema o desvendar do poeta pela poesia.

Ou não; talvez tudo isto esteja errado.

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Onésimo Teotónio Almeida: Jean-Charles, Amor de Calções

Eu percebo. A tentação é forte. Sendo o escritor um escritor, e antes disso um leitor, é simplesmente natural que escreva sobretudo com a sua própria condição em mente. Daí a abundância de textos literários a enaltecer os livros, um dos clichés mais queridos de certa franja de leitores (mas que não deixa por isso de ser cliché, tão banal como qualquer outro). E daí a existência de textos como este.

Porque este conto de Onésimo Teotónio Almeida é um conto de escritor absolutamente consciente de o ser, e ainda por cima escritor imbuído daquelas ideias típicas do mainstream sobre a importância relativa da caracterização de personagens, o enredo e o trabalho da língua. Apesar de pôr o contrário na pena de um dos seus narradores.

Estes são dois, que o conto é epistolar "à moderna", sendo construído não por cartas mas por mensagens de email, por vezes com os respetivos anexos. Trocadas entre um orientador de tese e o seu orientando, um holandês estudante de literatura portuguesa, centram-se no que explica o título de Jean-Charles, Amor de Calções: o filho do orientador e as suas tiradas de uma ironia corrosiva, que pelos vistos são sua característica desde a mais tenra infância. O orientando tenta convencê-lo de que tal personagem vale pelo menos um conto e insta-o a escrevê-lo, coisa a que o orientador resiste enquanto envia ao outro sucessivas mensagens carregadas de ditos do jovem "Jean-Charles" (com aspas; ele não se chama realmente Jean-Charles) e cheias de recomendações para se deixar de ilusões sobre a possibilidade de uma mera personalidade dar um conto e avançar mas é com a tese, pois o tempo passa e ela não se faz sozinha.

Ironicamente, é isso mesmo o que Onésimo Teotónio Almeida faz com a mera personalidade: um conto. Talvez queira com isso dizer que as fórmulas existem para serem violadas, talvez queira mostrar que tudo depende da abordagem. Quer certamente fazer um comentário muito consciente à teoria literária. E fá-lo com plena eficácia. A questão que fica é: e isso interessa a alguém que não seja também escritor e/ou estudioso de literatura?

Desconfio que nem por isso, francamente. Eu não desgostei; percebi a ideia, acho, até porque também escrevo de vez em quando, e as tiradas do puto são frequentemente bastante engraçadas. Não engraçadas de gargalhada, talvez (ou talvez não; eu soltei uma e não me custa a crer que haja quem solte mais), mas de sorriso com certeza. Mas desconfio que para muitos leitores, quiçá a maioria, isso não chega. Nem a mim chegou para realmente gostar, pois existe nestes contos de escritor-para-escritores um isolamento em redoma feita de palavras que me desagrada com insistência. Como se o mundo fosse irrelevante e só a literatura importasse. De modo que este conto sai da minha leitura com carimbo de mediano. Escapa. Não está mal.

Dean Whitlock: Iridescência

Quem não conhece ficção científica tende a avaliá-la por aquilo que costuma aparecer no cinema, e normalmente pelo pior, no sentido de mais raso e superficial, que aparece no cinema, julgando a FC, toda a FC, pelos efeitos especiais e sessões de pancadaria mais ou menos tecnológica que a maioria dos filmes contém. Quem conhece ficção científica, claro, sabe que o género vai muito além disso e, não raro, irrita-se com essa imagem básica que o cinema lhe cola.

E depois põe-se a mostrar coisas. Coisas como este conto de Dean Whitlock, por exemplo.

Como muitas outras obras de ficção científica, Iridescência (bibliografia) é um conto sobre o outro. Mas pode-se falar do outro das mais variadas formas, e a ficção científica fá-lo desde sempre, do monstro incompreendido de Mary Shelley ou dos marcianos conquistadores de Wells à panóplia de outros da ficção científica moderna, que replicam as mesmas abordagens e mais algumas. A de Whitlock é dupla e debruça-se sobretudo sobre a dualidade entre a violência e a não-violência, e o valor e utilidade (ou não) de cada uma.

Aqui, estamos num futuro indefinido pós Primeiro Contacto. O protagonista é um humano, ex-polícia (acabado de se demitir), que para na rua a ver um alienígena fazer bolhas de sabão de uma forma especialmente artística. E que testemunha depois uma agressão por parte de um segundo alienígena, de outra espécie particularmente abrutalhada, contra a arte do primeiro. E que intervém, o que tem como consequência passar a alvo de uma agressão quase mortífera, e isso tem como consequência que o primeiro alienígena o acolhe em casa para cuidar dele até recuperar a saúde. E ganhando assim um companheiro. Mas os dois não se livram do agressor, que se põe a persegui-los, o que leva a um desenlace trágico.

O alienígena das bolhas é adepto da não-violência e da cedência como estratégia. Ao longo da leitura vamo-nos apercebendo de que não o foi sempre, de que existe qualquer coisa no seu passado, ou talvez nas suas inclinações mais íntimas, que o empurra para o outro lado, mas no presente da história é essa a sua abordagem. O humano, como bom ex-polícia, acredita que a violência é necessária. E Whitlock usa essa dicotomia e o desenrolar da história para refletir sobre a questão. Profundamente. Sem a carga de ideias preconcebidas que uma história equiparável a esta mas escrita em modo realista traria inevitavelmente consigo. E esta é uma das grandes qualidades da ficção científica: permitir depurar as questões até à sua essência, afastando delas todo o ruído que as rodeia no mundo real. O resultado? Varia. Às vezes é bom, outras mau. Como tudo. Neste caso é ótimo. Este é um conto muito bom.

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sábado, 6 de julho de 2019

Em junho falou-se de...

E cá estamos nós, com mais um mês chegado ao fim e mais uma lista do que se foi falando por aí sobre FC e coisas aparentadas durante o mês anterior. Foi um mês fracote para as coisas portuguesas, ainda que o seja só para os padrões mais recentes; há um ano, teria sido dos melhores. Mas antes...

... mas antes a tal conversa que quem é habitué já conhece mas de quem caiu aqui de paraquedas precisa. O que são estas postas de pescada, o que se pretende com elas e que limitações têm está explicado na primeira que foi publicada, e há uma tag, "leituras fc", que reúne todas as já publicadas, esta incluída, e as que no futuro vierem a existir. Já a seguir há listas do que foi sendo mencionado e os meus comentários sobre essas listas estarão no fim do post. E siga para as listas.

Ficção portuguesa:
  1. 25 de Abril, Corte e Costura, de João Cerqueira
  2. Desleais, de Ana Cláudia Dâmaso
  3. As Crianças Nunca Mentem, de Cristina Flora (conto)
  4. Interplanetas, de Valter Marques (conto)
  5. A Batalha da Escuridão, de Bruno Martins Soares
  6. Laura and the Shadow King, de Bruno Martins Soares
  7. Por Mundos Divergentes, org. Anton Stark
Ficção brasileira:
  1. A Taverna, nº 1, ed. ??
  2. Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica, org. Roberto de Sousa Causo
  3. LOG#1525, de B. Demétrius (3x)
  4. Extemporâneo, de Alexey Dodsworth
  5. Oneironautas, de Fabio Fernandes e Nelson de Oliveira
  6. O Código de Camões, de Beto Junqueyra
  7. Além do Invisível, de Cristina Lasaitis (conto)
  8. Às Moscas, Armas!, de Nelson de Oliveira
  9. Elevador 16, de Rodrigo de Oliveira
  10. O Silêncio dos Livros, de Fausto Luciano Panicacci
  11. Assessor Para Assuntos Fúnebres, de Gerson Lodi-Ribeiro (conto)
  12. Aventuras do Vampiro de Palmares, de Gerson Lodi-Ribeiro
  13. Cão 1 Está Desaparecido, de Lady Sybylla (conto)
  14. Páginas do Futuro, org. Braulio Tavares
  15. 2084: Mundos Cyberpunks, org. Lidia Zuin
Ficção angolana:
  1. Lenguluka, de Onofre dos Santos (2x)
Ficção galega:
  1. As Mulleres da Fin do Mundo, de Daniel Asorey
Ficção lusófona e internacional:
  1. Dagon, nº 3, ed. Roberto Mendes
  2. Granta, nº 3, ed. Pedro Mexia
Ficção internacional:
  1. Star Wars: A Trilogia, org. ??
  2. A Vida, o Universo e Tudo Mais, de Douglas Adams
  3. Até Mais, e Obrigado Pelos Peixes!, de Douglas Adams
  4. O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams (2x)
  5. O Restaurante no Fim do Universo, de Douglas Adams
  6. Praticamente Inofensiva, de Douglas Adams
  7. 2.430 D.C., de Isaac Asimov (conto)
  8. Eu, Robô, de Isaac Asimov
  9. Fundação, de Isaac Asimov
  10. Segunda Fundação, de Isaac Asimov
  11. Sonhar é Assunto Particular, de Isaac Asimov (conto)
  12. Maddadão, de Margaret Atwood (2x)
  13. Oryx e Crake, de Margaret Atwood (2x)
  14. Use of Weapons, de Iain M. Banks
  15. Raízes do Mal, de Gwenda Bond (4x)
  16. O Livro de Areia, de Jorge Luis Borges
  17. Inesquecível, de Alexandra Bracken (3x)
  18. Laranja Mecânica, de Anthony Burgess
  19. Laços de Sangue, de Octavia E. Butler (3x)
  20. História de Astolfo na Lua, de Italo Calvino (conto)
  21. O Mundo Resplandecente, de Margaret Cavendish
  22. A Vida Compartilhada em uma Admirável Órbita Fechada, de Becky Chambers
  23. Canções da Terra Distante, de Arthur C. Clarke
  24. Encontro com Rama, de Arthur C. Clarke
  25. O Fim da Infância, de Arthur C. Clarke
  26. Jogador nº 1, de Ernest Cline
  27. A Passagem, de Justin Cronin
  28. Vox, de Christina Dalcher (3x)
  29. Blade Runner, de Philip K. Dick (2x)
  30. Espaço Eletrônico, de Philip K. Dick
  31. O Homem do Castelo Alto, de Philip K. Dick
  32. O Tempo Desconjuntado, de Philip K. Dick
  33. Home From the Shore, de Gordon R. Dickson
  34. Uma Dobra no Tempo, de Madeleine l'Engle
  35. Tempo Real, de Lawrence Watt-Evans (conto)
  36. O Periférico, de William Gibson
  37. Crianças do Éden, de Joey Graceffa
  38. A Mãe das Moscas, de Jacob Grey
  39. Uma Coisa Absolutamente Fantástica, de Hank Green (2x)
  40. A Curva do Sonho, de Ursula K. Le Guin
  41. Os Despossuídos / Os Despojados, de Ursula K. Le Guin (4x)
  42. Planeta do Exílio, de Ursula K. Le Guin
  43. Guerra sem Fim, de Joe Haldeman (2x)
  44. O Navio Além do Tempo, de Heidi Heilig
  45. Um Estranho Numa Terra Estranha, de Robert A. Heinlein
  46. Duna, de Frank Herbert
  47. Imperador-Deus de Duna, de Frank Herbert
  48. Serotonina, de Michel Houellebecq
  49. Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley
  50. O Legado, de Amie Kaufman e Meagan Spooner
  51. Flores Para Algernon, de Daniel Keyes (2x)
  52. Os Olhos do Dragão, de Stephen King
  53. Além do Planeta Silencioso, de C. S. Lewis
  54. Aquela Fortaleza Medonha, de C. S. Lewis
  55. Perelandra, de C. S. Lewis
  56. A Sombra Vinda do Tempo, de H. P. Lovecraft
  57. O Depoimento de Randolph Carter, de H. P. Lovecraft (conto)
  58. A Estrela da Meia Noite, de Marie Lu
  59. Bobby Bate à Porta, de Josh Malerman (conto)
  60. Máquinas Como Eu, de Ian McEwan (2x)
  61. Um Conto de Natal, de China Miéville (conto)
  62. Utopia, de Thomas More
  63. Mundo em Caos, de Patrick Ness (2x)
  64. The Malice, de Peter Newman
  65. Binti, de Nnedi Okorafor
  66. Home, de Nnedi Okorafor
  67. The Night Masquerade, de Nnedi Okorafor
  68. 1984, de George Orwell (2x)
  69. Medo Clássico, vol. II, de Edgar Allan Poe
  70. Esperando os Olimpianos, de Fredrik Pohl (conto)
  71. A Revolta de Atlas, de Ayn Rand
  72. System Shock, de Justin Richards
  73. The Sands of Time, de Justin Richards
  74. Sedução Mortal, de J. D. Robb
  75. Ano Um, de Nora Roberts
  76. Divergente, de Veronica Roth
  77. As Brigadas Fantasma, de John Scalzi
  78. Encarcerados, de John Scalzi
  79. A Serpente do Velho Nilo, de Charles Sheffield (conto)
  80. A Nuvem, de Neal Shusterman
  81. Fragmentados, de Neal Shusterman
  82. Seca, de Neal Shusterman e Jarrod Shusterman (2x)
  83. Outros Tempos, Outros Mundos, de Robert Silverberg
  84. Android Karenina, de Lev Tolstoi e Ben H. Winters
  85. Space Opera, de Catherynne M. Valente
  86. The Big Book of Science Fiction, org. Jeff VanderMeer e Ann VanderMeer
  87. Cama de Gato, de Kurt Vonnegut
  88. Matadouro-Cinco, de Kurt Vonnegut (4x)
  89. Blindsight, de Peter Watts
  90. Artemis, de Andy Weir (6x)
  91. A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells
  92. Muito Barulho por Nada, de Connie Willis (conto)
  93. Sign of Chaos, de Roger Zelazny
  94. As Horas Vermelhas, de Leni Zumas
Não-ficção internacional:
  1. 21 Lições Para o Século 21, de Yuval Noah Harari
Pois como eu digo lá em cima, isto em junho, para o material português, não correu bem, ainda que haja aí alguma relatividade, pois se foi claramente o pior dos últimos meses não é menos verdade que há um ano seria um mês muito aceitável. Mas a verdade é que apenas sete títulos, menos de metade dos do mês passado, é mau. E pior fica quando dois desses títulos correspondem a opiniões sobre contos vindas aqui da Lâmpada. Por outro lado, a esses sete títulos haverá que acrescentar duas publicações que incluem ficção portuguesa e traduzida (e uma delas tambem brasileira), o que atenua um pouco a queda. Mas é-me cada vez mais claro que o problema vem mais de baixo: quando não se escreve, não se publica; quando não se publica não será propriamente surpreendente que não se leia. E este ano quase não se tem publicado FC portuguesa, pelo que não será de estranhar que os comentários sejam escassos. Ah, sim, o destaque. É o Bruno Martins Soares, claro, com dois comentários a dois livros seus. Surpresa: é o único autor a publicar regularmente nos dias que correm.

O Brasil está estável, alguns degraus abaixo do que esteve há uns meses. São 15 títulos, aos quais poderá somar-se um 16º que inclui textos brasileiros, portugueses e traduzidos; no mês passado tinham sido 14. Uma coisa curiosa entre os brasileiros é a grande quantidade (relativa) de antologias que são publicadas, lidas e comentadas por lá. Mas os destaques não são antológicos. Cabem a B. Demétrius, graças aos 3 comentários que o seu livro recebeu (provavelmente com marketing à mistura) e a Gerson Lodi-Ribeiro, com 2 comentários a 2 títulos, ainda que um esteja incluído no outro e ambos tenham vindo aqui da Lâmpada.

O que teve uma grande subida, mas mesmo assim sem bater recordes, foram os comentários a títulos traduzidos. 94 é bastante mais que os 78 do mês passado, o qual já tinha sido mais movimentado neste capítulo que os meses anteriores. Destacam-se Douglas Adams (ainda), com 6 comentários a cinco obras, Isaac Asimov, com 5 comentários a outras tantas obras, Philip K. Dick, com 5 comentários a 4 obras, Ursula K. Le Guin, com 6 comentários a 3 obras, Kurt Vonnegut, com 5 comentários a 2 obras, e Andy Weir, com 6 comentários a um só romance. Curioso que com a exceção de Weir todos estes autores têm vários títulos na lista, o que mostra consistência, não a corrida ao best-seller. Parece-me bem assim, embora saiba que as editoras talvez não gostem tanto.

Para terminar, uma nota para livros de fora do habitual espaço luso-brasileiro; um deles vem de Angola, o país africano que mais material próximo da ficção científica nos tem dado, e com edições portuguesas (ainda que eu conheça um autor moçambicano que parece ter várias ficções científicas publicadas no seu país, Carlos dos Santos, nenhuma delas saiu cá), e foi logo comentado duas vezes. O outro é galego, apanhado nas minhas buscas regulares porque "distopia" (ao contrário de "ficção científica") é igual nas duas variantes (e em mais algumas línguas).

Tudo somado, não foi um mês muito mau. Veremos o próximo. Até lá.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Davi Araújo: Alter et Idem / Liberdade de Expressão

Já disse por aqui muitas vezes, e repito mais uma vez: não percebo grande coisa de poesia. Tenho umas luzes, mas são de poucos lúmen (que com a variedade de económicas os watts deixaram de ser úteis para ter ideia da luminosidade). E por isso é sempre com um certo embaraço que falo aqui de poemas.

Especialmente de poemas como estes. Davi Araújo faz poemas formalmente corretos, com ritmo, com prosápia, com palavras bem escolhidas e postas nos seus lugares, mas que falham em estabelecer uma ligação comigo, emocional ou qualquer outra. Por isso não sei bem que diga deles. Descrevê-los? Bem... Alter et Idem é um poema sobre o efeito que a literatura tem sobre o eu, ou pelo menos sobre um eu possível, e Liberdade de Expressão mais parece uma brincadeira em que a musicalidade das palavras é muito mais relevante do que o seu significado.

Basta?

Provavelmente não, mas é o que temos.

Hei de ler

E porque não? Se mostrei os livros que tenho em leitura ao dealbar do mês (ou tinha, vá), porque não mostrar também aqueles que provavelmente começarei a ler durante julho? Ou possivelmente. Se calhar falar em possibilidades é melhor que em probabilidades, que isto tem algum planeamento, com certeza, mas também tem imprevistos.


Cá eu estou particularmente curioso com a antologia dos 7 Contos Ilustr.s e também com o Meg, embora este também me dê uma certa cagufa. Cheira-me a uma daquelas coisas feitas de propósito para o cinema, e por isso um bocadinho patetas. Mas veremos.