A Vampira (bibliografia) é um conto de Ernst Hoffmann, aqui apresentado em "versão livre" de Sacadura Brettz. E é, não se fica a saber bem se devido a Hoffmann, se devido a Brettz (e eis o problema principal das versões livres), romantismo em estado puro. Ambientado entre a nobreza de algum país não identificado, ainda que os nomes nesta versão livre sejam portugueses, conta uma história tipicamente oitocentista, cheia de heranças, nobres depauperados, sentimentos arrebatados (e frases longas e convolutas... será da versão livre?) apesar das conveniências e das conivências, e, bem entendido, o terror sobrenatural associado aos vampiros. Mas, uma vez mais, não encontramos aqui a imagem do vampiro tal como foi fixada por Bram Stoker e autores subsequentes. Não há dentadinhas no pescoço, e nem sequer há propriamente a criatura sedenta de sangue a que estamos habituados. Os vampiros de Hoffmann (e aqui julgo que a versão livre não se atreveria a tocar) são algo de diferente, que talvez tenha mais a ver com o Hannibal do Silêncio dos Inocentes do que propriamente com o Conde Drácula. Mas também não são versões atávicas do Hannibal. E mais não digo, para não desvendar demasiado do mistério que faz mover a trama.
Como o estilo exagerado dos textos românticos costuma repelir-me, não gostei muito deste conto, mesmo apesar de ter encontrado nele bastantes motivos de interesse. Isto resume bem a experiência de leitura: foi interessante, mas não agradável.
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domingo, 30 de junho de 2013
Lido: Tendências
Tendências (bibliografia) é uma noveleta de Isaac Asimov datada de 1939, uma das primeiras publicadas por esse que mais tarde se viria a tornar um dos maiores escritores de ficção científica de sempre. Infelizmente, na época em que escreveu esta história, ainda estava algo longe de o ser. A noveleta está cheia daqueles pequenos e grandes defeitos das más histórias de FC: incongruências, personagens a descrever detalhadamente, no futuro mais ou menos longuínquo, acontecimentos históricos que, apesar de se situarem no futuro do leitor contemporâneo, serão do conhecimento comum no seu presente ficcional e portanto não necessitam de explicação detalhada (uma das versões mais daninhas da (falta de) técnica conhecida como "as you know, Bob"), uma prosa ainda menos sofisticada do que é de norma em Asimov, que nunca foi um bom estilista, etc.
E no entanto...
E no entanto, este conto não é realmente mau. Porque não se limita a descrever os sucessos e insucessos de um intrépido grupo de cientistas e técnicos que, contra ventos e marés, conseguem construir e fazer voar um foguete que leva um deles (o cientista-chefe desta vez) até às imediações da Lua e de volta, embora também o faça. Porque é uma história cujo principal fulcro não é a viagem à Lua propriamente dita, mas a relação muito política entre o racionalismo científico e a irracionalidade religiosa, algo que Asimov abordou consistentemente ao longo de toda a carreira, embora muitas vezes de forma mais subtil do que aqui. E essa relação permanece quase tão conflutuosa hoje como há setenta anos, o que faz com que este conto mantenha intacta toda a sua relevância alegórica, coisa rara na FC da época dos pulps. Asimov ainda não seria o grande escritor em que mais tarde se tornaria, ainda não teria adquirido o característico rigor com que abordava a elaboração dos seus enredos, ainda não saberia bem como entregar a informação relevante ao leitor sem incorrer em incoerências, mas o talento já lá estava, e a coragem também. E isso faz com que esta noveleta, apesar de não ser um exemplar realmente bom de ficção científica, também não seja má, e acabe até por ser muito interessante para quem conhece bem e aprecia a obra de Asimov.
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E no entanto...
E no entanto, este conto não é realmente mau. Porque não se limita a descrever os sucessos e insucessos de um intrépido grupo de cientistas e técnicos que, contra ventos e marés, conseguem construir e fazer voar um foguete que leva um deles (o cientista-chefe desta vez) até às imediações da Lua e de volta, embora também o faça. Porque é uma história cujo principal fulcro não é a viagem à Lua propriamente dita, mas a relação muito política entre o racionalismo científico e a irracionalidade religiosa, algo que Asimov abordou consistentemente ao longo de toda a carreira, embora muitas vezes de forma mais subtil do que aqui. E essa relação permanece quase tão conflutuosa hoje como há setenta anos, o que faz com que este conto mantenha intacta toda a sua relevância alegórica, coisa rara na FC da época dos pulps. Asimov ainda não seria o grande escritor em que mais tarde se tornaria, ainda não teria adquirido o característico rigor com que abordava a elaboração dos seus enredos, ainda não saberia bem como entregar a informação relevante ao leitor sem incorrer em incoerências, mas o talento já lá estava, e a coragem também. E isso faz com que esta noveleta, apesar de não ser um exemplar realmente bom de ficção científica, também não seja má, e acabe até por ser muito interessante para quem conhece bem e aprecia a obra de Asimov.
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Lido: Ouvido no Escuro II
Ouvido no Escuro II é um texto de Samuel Beckett muito semelhante, em tudo e mais alguma coisa, a Ouvido no Escuro I. Tanto, na verdade, que nada tenho a dizer sobre ele que não tenha já dito sobre o primeiro, portanto remeto para este os dois ou três leitores interessados.
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sexta-feira, 28 de junho de 2013
Lido: The Evolution of Trickster Stories Among the Dogs of North Park After the Change
The Evolution of Trickster Stories Among the Dogs of North Park After the Change é o longo título de uma noveleta de Kij Johnson, extraordinariamente bem concebida e executada, que parte de um ponto de partida interessante: e se de repente os animais passassem mesmo a falar, como nas fábulas? Johnson não perde muito tempo com os outros animais; dá apenas uns apontamentos, aqui e ali, destinados a informar o leitor de que a mudança terá sido mais lata do que apenas nos cães. Mas é nestes que se concentra, contando uma história cheia de camadas sobre a reação das pessoas ao verem-se de repente obrigadas a conviver com "escravos", como Johnson lhes chama, que, apesar de terem quatro patas, são tão capazes de raciocínio e comunicação como as pessoas propriamente ditas. Fá-lo em capítulos curtos, todos eles iniciados por uma breve história da lavra dos próprios cães, parte de um folclore de tradição oral recém-adquirido, e centrados em Linna, uma rapariga que se apieda dos cães expulsos de casa pelos antigos donos e forçados a viver em dois parques da zona da cidade em que mora, e que por isso os alimenta... até que acaba por fazer mais do que isso.
Há nesta história um conteúdo metafórico forte, uma reflexão bastante profunda sobre a nossa capacidade de relação com o Outro, uma forma subtil de abordar o tema e o trauma da escravatura. Na verdade, este conto só podia ser proveniente de uma sociedade tão marcada pela escravatura como a americana. E não nos deixa (a nós, os que pertencem ao grupo que antes era proprietário, mesmo que nem todos o tivéssemos sido) em muito bom estado; não nos representa a uma luz propriamente favorável. Mas a verdade é que não posso dizer que Johnson não é realista nesse retrato amargo.
Há aqui muita política, um claro assumir de uma opinião própria relativamente aos direitos que o Outro deve ter, seja esse Outro quem ou o que for. Num momento em que tantos elegem o vazio (pelo menos o vazio aparente) como valor a promover, é refrescante ver que uma história com tanto (e, sim, há que dizê-lo: com tão bom) conteúdo ainda consegue ser publicada e quase vencer um dos mais importantes galardões da literatura fantástica. Muito, muito bom.
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Há nesta história um conteúdo metafórico forte, uma reflexão bastante profunda sobre a nossa capacidade de relação com o Outro, uma forma subtil de abordar o tema e o trauma da escravatura. Na verdade, este conto só podia ser proveniente de uma sociedade tão marcada pela escravatura como a americana. E não nos deixa (a nós, os que pertencem ao grupo que antes era proprietário, mesmo que nem todos o tivéssemos sido) em muito bom estado; não nos representa a uma luz propriamente favorável. Mas a verdade é que não posso dizer que Johnson não é realista nesse retrato amargo.
Há aqui muita política, um claro assumir de uma opinião própria relativamente aos direitos que o Outro deve ter, seja esse Outro quem ou o que for. Num momento em que tantos elegem o vazio (pelo menos o vazio aparente) como valor a promover, é refrescante ver que uma história com tanto (e, sim, há que dizê-lo: com tão bom) conteúdo ainda consegue ser publicada e quase vencer um dos mais importantes galardões da literatura fantástica. Muito, muito bom.
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sábado, 22 de junho de 2013
Que força é essa?
Às vezes regresso a esta canção. Ultimamente, então, tem sido com grande frequência.
Vi-te a trabalhar o dia inteiro
construir as cidades pr´ós outros
carregar pedras, desperdiçar
muita força p´ra pouco dinheiro
Vi-te a trabalhar o dia inteiro
Muita força p´ra pouco dinheiro
Que força é essa
que força é essa
que trazes nos braços
que só te serve para obedecer
que só te manda obedecer
Que força é essa, amigo
que força é essa, amigo
que te põe de bem com outros
e de mal contigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Não me digas que não me compr´endes
quando os dias se tornam azedos
não me digas que nunca sentiste
uma força a crescer-te nos dedos
e uma raiva a nascer-te nos dentes
Não me digas que não me compr´endes
Que força é essa
que força é essa
que trazes nos braços
que só te serve para obedecer
que só te manda obedecer
Que força é essa, amigo
que força é essa, amigo
que te põe de bem com outros
e de mal contigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
construir as cidades pr´ós outros
carregar pedras, desperdiçar
muita força p´ra pouco dinheiro
Vi-te a trabalhar o dia inteiro
Muita força p´ra pouco dinheiro
Que força é essa
que força é essa
que trazes nos braços
que só te serve para obedecer
que só te manda obedecer
Que força é essa, amigo
que força é essa, amigo
que te põe de bem com outros
e de mal contigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Não me digas que não me compr´endes
quando os dias se tornam azedos
não me digas que nunca sentiste
uma força a crescer-te nos dedos
e uma raiva a nascer-te nos dentes
Não me digas que não me compr´endes
Que força é essa
que força é essa
que trazes nos braços
que só te serve para obedecer
que só te manda obedecer
Que força é essa, amigo
que força é essa, amigo
que te põe de bem com outros
e de mal contigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Sérgio Godinho
Quando as coisas correm bem
Quando as coisas correm bem é fácil fechar os olhos. É fácil cuidar da vida, fingir que não se vê o que se passa à volta. É fácil encolher os ombros sempre que alguém mente, que alguém engana. Pois que minta. Que engane. Quero lá saber; as coisas correm bem.
Quando as coisas correm bem é fácil iludirmo-nos, julgando que os vigaristas não nos prejudicam, imaginando que não vale a pena insurgirmo-nos porque os aldrabões, no fundo, nem estão a causar um mal assim tão grande como isso.
Como poderiam causá-lo, se as coisas correm bem?
Só que, mais tarde ou mais cedo, as coisas deixam de correr bem. Nesse momento, torna-se difícil continuar de olhos fechados, porque o que se passa à volta nos invade a vida sem pedir licença. Nesse momento, os ombros deixam de se deixar encolher perante os mentirosos e os enganadores. Pelo contrário, os punhos cerram-se, os dentes rangem, e da boca sai a verdade aos gritos.
Quando as coisas deixam de correr bem, as ilusões estilhaçam-se, e sente-se na carne cada golpe que os vigaristas nos infligem, cada murro que os aldrabões nos dão. Não nos insurgirmos deixa de ser uma opção, a menos que sejamos cobardes, que não tenhamos coragem, que sejamos uns vermes sem espinha nem músculo.
Quando as coisas correm bem é fácil manter a civilidade tolerante com quem não vale nada. Quando deixam de correr, a tolerância esfuma-se como o fumo de um cigarro numa ventania.
Quando as coisas correm mal é urgente apontar. Tu, sim, tu, és um mentiroso. Um vigarista. Passaste a vida a mentir e queres continuar a mentir. Roubaste e continuas a roubar. Iludiste quem se quis deixar iludir e quem não é capaz de te ver como és, e estás a fazer tudo para continuar a passar despercebido entre os pingos de chuva, enquanto à tua volta o mundo desmorona debaixo dos pés de quem vale infinitamente mais que tu. Mas eu, porra, olha bem para a minha cara, eu não vou deixar. Vou apontar-te na rua e gritar a plenos pulmões ali vai um canalha. Ali vai um suíno em forma humana. Ali vai alguém que não vale o ar que respira. Vejam-no bem, não esqueçam aquela cara de falsário. Aquela coisa mentiu-vos. Aldrabou-vos. Roubou-vos. Assaltou-vos o corpo e o espírito, a casa e as ideias. Levou-vos a assumir culpas que não vos cabem. Empurrou-vos para precipícios que não merecem. Olhem-no bem. Aquela é a cara da vossa desgraça. Mas não é a única. Ali vai outro. Tu, sim, tu, não te faças desentendido. Tu és um aldrabão. Um gatuno. Uma besta. Um filho de uma vaca comida pelas pulgas.
Quando as coisas correm bem, é fácil ser-se cortês mesmo com quem não merece tal cortesia. De barriga cheia, é fácil manter a polidez. Mas chega um dia em que o excesso de canalhice leva as coisas a correr mal.
Desse dia em diante, puta que pariu todos os canalhas.
Porque é esse dia o momento de gritar BASTA!
Quando as coisas correm bem é fácil iludirmo-nos, julgando que os vigaristas não nos prejudicam, imaginando que não vale a pena insurgirmo-nos porque os aldrabões, no fundo, nem estão a causar um mal assim tão grande como isso.
Como poderiam causá-lo, se as coisas correm bem?
Só que, mais tarde ou mais cedo, as coisas deixam de correr bem. Nesse momento, torna-se difícil continuar de olhos fechados, porque o que se passa à volta nos invade a vida sem pedir licença. Nesse momento, os ombros deixam de se deixar encolher perante os mentirosos e os enganadores. Pelo contrário, os punhos cerram-se, os dentes rangem, e da boca sai a verdade aos gritos.
Quando as coisas deixam de correr bem, as ilusões estilhaçam-se, e sente-se na carne cada golpe que os vigaristas nos infligem, cada murro que os aldrabões nos dão. Não nos insurgirmos deixa de ser uma opção, a menos que sejamos cobardes, que não tenhamos coragem, que sejamos uns vermes sem espinha nem músculo.
Quando as coisas correm bem é fácil manter a civilidade tolerante com quem não vale nada. Quando deixam de correr, a tolerância esfuma-se como o fumo de um cigarro numa ventania.
Quando as coisas correm mal é urgente apontar. Tu, sim, tu, és um mentiroso. Um vigarista. Passaste a vida a mentir e queres continuar a mentir. Roubaste e continuas a roubar. Iludiste quem se quis deixar iludir e quem não é capaz de te ver como és, e estás a fazer tudo para continuar a passar despercebido entre os pingos de chuva, enquanto à tua volta o mundo desmorona debaixo dos pés de quem vale infinitamente mais que tu. Mas eu, porra, olha bem para a minha cara, eu não vou deixar. Vou apontar-te na rua e gritar a plenos pulmões ali vai um canalha. Ali vai um suíno em forma humana. Ali vai alguém que não vale o ar que respira. Vejam-no bem, não esqueçam aquela cara de falsário. Aquela coisa mentiu-vos. Aldrabou-vos. Roubou-vos. Assaltou-vos o corpo e o espírito, a casa e as ideias. Levou-vos a assumir culpas que não vos cabem. Empurrou-vos para precipícios que não merecem. Olhem-no bem. Aquela é a cara da vossa desgraça. Mas não é a única. Ali vai outro. Tu, sim, tu, não te faças desentendido. Tu és um aldrabão. Um gatuno. Uma besta. Um filho de uma vaca comida pelas pulgas.
Quando as coisas correm bem, é fácil ser-se cortês mesmo com quem não merece tal cortesia. De barriga cheia, é fácil manter a polidez. Mas chega um dia em que o excesso de canalhice leva as coisas a correr mal.
Desse dia em diante, puta que pariu todos os canalhas.
Porque é esse dia o momento de gritar BASTA!
sexta-feira, 21 de junho de 2013
Lido: É imperioso
É imperioso, que não é título mas primeiro verso, é um muito sarcástico poema de Alberto Pimenta, escrito em jeito de discurso de membro de governo que defende (ou que pelo menos debita palavras sobre) a construção de estradas. Bastante filho do seu tempo (anos 90), ridiculariza de forma clara e sem ambiguidades a asfaltização do país levada a cabo principalmente durante o cavaquismo e o guterrismo. Não é propriamente texto de gargalhar; é texto de sorrir sorrisos que hoje em dia, sabendo-se o resultado que tais políticas tiveram, só podem ser tristonhos e deprimidos.
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quinta-feira, 20 de junho de 2013
Lido: O Vampiro
O Vampiro (bibliografia) é uma noveleta de John-William Polidori cujo título não engana ninguém. Escrita já há quase 200 anos, quase um século antes do mais célebre de todos os vampiros literários (o Drácula, caso alguém tenha dúvidas), trata-se de um dos contos seminais da literatura de horror, um dos primeiros a transferir para a literatura os antigos mitos vampíricos do folclore europeu (também existentes em Portugal, diga-se de passagem), solidificando na figura do protagonista uma série de traços que se vão encontrar mais tarde em boa parte da literatura do género. O conto, em boa parte história de viagem, traça um retrato de um tal Lorde Ruthwen, que começa parecendo um inócuo nobre inglês, apesar de misterioso e sedutor, para se ir definindo ao longo do conto como um monstro, corruptor e assassino, verdadeiramente maligno.
Esta noveleta tem, relativamente a outras histórias seminais, a vantagem de não se ter transformado por completo em cliché, consequência de não ser a história mais influente do género respetivo. Embora muitas das características do vampiro de Polidori tenham sido reutilizadas mais tarde por Stoker e por autores posteriores, este vampiro não sofre metamorfoses nem é vítima de quaisquer efeitos adversos com a exposição à luz do sol. Embora haja nele algo de sobrenatural e pelo menos a sugestão de imortalidade, estas revelam-se de uma forma que não coincide com o cliché vampírico. E assim, o conto retém uma frescura pouco comum nas nascentes dos géneros e subgéneros. É um conto bastante bom, que possui a curiosidade adicional de ter sido gerado no mesmo local e época de outra grande obra seminal das literaturas do imaginário: Frankenstein.
Esta noveleta tem, relativamente a outras histórias seminais, a vantagem de não se ter transformado por completo em cliché, consequência de não ser a história mais influente do género respetivo. Embora muitas das características do vampiro de Polidori tenham sido reutilizadas mais tarde por Stoker e por autores posteriores, este vampiro não sofre metamorfoses nem é vítima de quaisquer efeitos adversos com a exposição à luz do sol. Embora haja nele algo de sobrenatural e pelo menos a sugestão de imortalidade, estas revelam-se de uma forma que não coincide com o cliché vampírico. E assim, o conto retém uma frescura pouco comum nas nascentes dos géneros e subgéneros. É um conto bastante bom, que possui a curiosidade adicional de ter sido gerado no mesmo local e época de outra grande obra seminal das literaturas do imaginário: Frankenstein.
Lido: O Prometeu Agrilhoado Hoje
O Prometeu Agrilhoado Hoje (bibliografia) é uma coletânea de António Cabral, muito centrada no Douro vinhateiro, composta por histórias bastante mais variadas na abordagem do que no ambiente. Com uma pegada mais mainstream do que qualquer outra, inclui no entanto histórias fantásticas e outras em que desponta um certo surrealismo de cariz poético. Aliás, o livro inclui vários poemas, a maioria incluída nalguma das histórias mais longas, mas também um independente que foi o texto que, de todos, menos me agradou.
Em geral, é um livro que se lê bem, pesem embora algumas falhas e pese embora também conter algumas histórias em que reconheço qualidade mas que não apelam ao meu gosto pessoal. Mas, talvez com a exceção do poemita que encerra o volume, não houve nenhuma história que me tenha realmente desagradado, e houve pelo menos duas ou três de que gostei bastante. Curiosamente, aconteceu com este livro algo que não é habitual. Em muitas coletâneas e antologias, em especial se não existe uma ordem cronológica que pretendam seguir (e aqui julgo que não há), procura-se começar e terminar com contos fortes, diluindo os que não são tão bons pelo miolo. Aqui, a ideia parece ter sido outra: primeiro os textos mais longos, e toca a ir reduzindo as dimensões mais para a frente. Ora, os melhores dos contos de António Cabral são, a meu ver, precisamente os de tamanho intermédio, o que faz com que nem o arranque nem a conclusão do volume lhe façam realmente justiça. Não me parece lá muito boa ideia.
Eis o que achei sobre as histórias individuais:
Este livro foi comprado.
Em geral, é um livro que se lê bem, pesem embora algumas falhas e pese embora também conter algumas histórias em que reconheço qualidade mas que não apelam ao meu gosto pessoal. Mas, talvez com a exceção do poemita que encerra o volume, não houve nenhuma história que me tenha realmente desagradado, e houve pelo menos duas ou três de que gostei bastante. Curiosamente, aconteceu com este livro algo que não é habitual. Em muitas coletâneas e antologias, em especial se não existe uma ordem cronológica que pretendam seguir (e aqui julgo que não há), procura-se começar e terminar com contos fortes, diluindo os que não são tão bons pelo miolo. Aqui, a ideia parece ter sido outra: primeiro os textos mais longos, e toca a ir reduzindo as dimensões mais para a frente. Ora, os melhores dos contos de António Cabral são, a meu ver, precisamente os de tamanho intermédio, o que faz com que nem o arranque nem a conclusão do volume lhe façam realmente justiça. Não me parece lá muito boa ideia.
Eis o que achei sobre as histórias individuais:
Este livro foi comprado.
Lido: Ouvido no Escuro I
Ouvido no Escuro I é outro texto de Samuel Beckett com muito em comum com Imaginação Morta Imagina. Tem o mesmo foco no quase puro tratamento de linguagem, o qual continua a ser soberbo, e também é bastante difícil de interpretar. A mim, parece-me que é uma breve (um parágrafo apenas, ainda que longo) alegoria sobre a vida, com muito de surreal. Outros leitores interpretá-lo-ão certamente de outra forma. E a opinião com que fiquei é, também ela, semelhante à de Imaginação Morta Imagina: um texto muito bom no que toca ao tratamento da linguagem mas sem grandes motivos de interesse para além disso. Acabada a leitura, dissipado o assombro que a prestidigitação linguística provoca, pouco ou nada permanece.
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quarta-feira, 19 de junho de 2013
Lido: O Sentinela e o Mistério da Aldeia dos Pescadores
O Sentinela e o Mistério da Aldeia dos Pescadores (bibliografia) é uma noveleta de Orlando Moreira que leva o leitor à Ria de Aveiro para aí ambientar uma convoluta história que mete nazis, um justiceiro / investigador português, experiências genéticas e um tal Cutulo. E é uma história pulp francamente boa. Não será aquela que mais me agradou até agora entre as do livro onde foi publicada, mas é claramente aquela onde estão melhor conjugadas as características típicas do pulp com uma prosa escorreita e eficaz e um enredo bem concebido. O mais curioso nisso é tratar-se de uma história lovecraftiana (Cutulo é o aportuguesamento de Cthulhu)... e eu que não gosto de Lovecraft?
A história segue o padrão genérico das histórias de mistério. O protagonista, o tal Sentinela a que o título se refere, começa por receber uma carta misteriosa de um velho amigo, e parte para a (julgo que ficcional) Vila do Lameiro a fim de responder a um pedido. Uma vez aí chegado, o mistério só se aprofunda. O final, obviamente, não tem grande surpresa, ou não estivéssemos perante uma história pulp, mas até se chegar lá quase tudo na história resulta bem e há mesmo subtis piscadelas de olho ao leitor atento que só potenciam o todo. Não serão por acaso as aliterações em alguns nomes, por exemplo, a fazer lembrar os Clark Kents e Peter Parkers da BD americana. No fim, temos uma história que é principalmente de mistério, com a forte componente de horror que se esperaria numa noveleta lovecraftiana, mas também uma presença não despicienda da ficção científica; há algo nesta história de Ilha do Dr. Moreau, e também um forte odor a diesel(punk).
E além de tudo isto, a coisa funciona na perfeição como pastiche. Para o género, esta história pareceu-me francamente boa.
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A história segue o padrão genérico das histórias de mistério. O protagonista, o tal Sentinela a que o título se refere, começa por receber uma carta misteriosa de um velho amigo, e parte para a (julgo que ficcional) Vila do Lameiro a fim de responder a um pedido. Uma vez aí chegado, o mistério só se aprofunda. O final, obviamente, não tem grande surpresa, ou não estivéssemos perante uma história pulp, mas até se chegar lá quase tudo na história resulta bem e há mesmo subtis piscadelas de olho ao leitor atento que só potenciam o todo. Não serão por acaso as aliterações em alguns nomes, por exemplo, a fazer lembrar os Clark Kents e Peter Parkers da BD americana. No fim, temos uma história que é principalmente de mistério, com a forte componente de horror que se esperaria numa noveleta lovecraftiana, mas também uma presença não despicienda da ficção científica; há algo nesta história de Ilha do Dr. Moreau, e também um forte odor a diesel(punk).
E além de tudo isto, a coisa funciona na perfeição como pastiche. Para o género, esta história pareceu-me francamente boa.
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Lido: Neuromancer
Neuromancer (bibliografia) é um celebérrimo romance de ficção científica escrito por William Gibson em 1984 e que, não tendo propriamente inaugurado o subgénero do ciberpunk, foi certamente um dos dois livros que mais contribuíram para o cristalizar num conjunto definido de estilos e abordagens. O outro terá sido a antologia Mirrorshades, organizada por Bruce Sterling e publicada dois anos mais tarde.
Consequentemente, é um livro que já foi escalpelizado até à exaustão. Já sobre ele se deverá ter dito tudo o que há para dizer. Podia simplesmente parar por aqui e mandar-vos ler o que outros escreveram, pois alguns terão certamente escrito coisas muito acertadas. Mas não: vou tentar falar dele mesmo assim. Começando com umas notas muito básicas para quem não o conhece.
Neuromancer apresenta-nos tudo o que se veio a tornar cliché no ciberpunk. Um foco grande sobre o estilo, não só pessoal, das personagens, como também literário, do autor (ainda que não me pareça que este último tenha sido vertido com inteiro sucesso para português por esta tradução brasileira que li; quando vejo personagens, numa tradução, a falar em "proteger o rabo", fico de pé atrás, e a paixão de um tradutor por notas de rodapé, muitas totalmente desnecessárias, tem o mesmo efeito — por outro lado, há que reconhecê-lo, o desafio não era nada simples). Um estilo que tem muito (demasiado?) a ver com moda. Personagens que são como baratas, habitando num submundo feito de crime e drogas, mas capazes de entrar em todos os recantos das redes informáticas (não por acaso, aqui apelidadas de matrix; os filmes dos Wachowski são fortemente inspirados por este livro) devido à sua proficiência tecnológica, etc. E conta a história de uma dessas intrusões, levada a cabo por Case, o protagonista, uma das tais baratas, contratado, ajudado e dirigido por misteriosas personagens que se vem mais tarde a compreender tratar-se de inteligências artificiais... inteligências artificiais em conflito.
É um livro em grande medida vítima do seu próprio sucesso; ao definir um padrão para um subgénero, foi também sendo transformado em repositório de clichés à medida que as ideias que propõe foram sendo usadas e reutilizadas até à exaustão em outras obras. Lido hoje, a frescura e novidade que incontestavelmente apresentou aquando da publicação original já mal se vislumbram. O estilo (não tanto o literário, mas todo o outro) tornou-se tão bafiento e, sim, foleiro como os colarinhos abertos do disco sound. E o enredo, se em tempos idos teria provavelmente apresentado reviravoltas de tirar o fôlego, hoje segue quase só o caminho que o leitor já espera.
E além disso, há a pequena questão de vivermos hoje num presente que tem muito de ciberpunk, embora seja diferente do ciberpunk imaginado pelos escritores de ficção científica de há vinte anos em alguns aspetos fulcrais. Os anacronismos aparecem inesperadamente ao virar algumas esquinas, a par de realidades ficcionais que parecem estar hoje tão distantes no futuro (ou até mais) como há vinte anos. Para dar um exemplo: parte significativa da ação desenrola-se em órbita, num conjunto de estações e naves espaciais aglomeradas num dos pontos de Lagrange. Continua a ser pura ficção científica, e sem grandes sinais de deixar de o ser num futuro razoavelmente próximo. O mesmo, arriscaria dizer, se aplica a verdadeiras inteligências artificiais.
Lido hoje, Neuromancer é um livro prematuramente envelhecido. Tão fruto do seu tempo como os ombros enchumaçados, as calças justas ou as permanentes. E é essa, parece-me, a sua maior fragilidade conceptual. Ao ceder à tentação de acompanhar a moda, que por natureza é insubstancial, superficial e em grande medida arbitrária, o ciberpunk colou-se de tal forma à época em que foi produzido que envelheceu ainda mais depressa do que é hábito na FC. Fazê-lo na literatura realista, contemporânea, é diferente de fazê-lo na FC: aquela pretende retratar o presente, e quando o presente se transforma em passado permanece enquanto retrato desse passado; esta, pelo contrário, fala do presente (e por vezes do passado) através do retrato de um futuro possível. É uma parábola que funciona melhor quando o futuro se mantém credível enquanto tal. Quando deixa de o ser, abrem-se fendas no edifício, que vão alargando até que este acaba por ruir.
Daí que se diga com frequência que o ciberpunk morreu. Não que seja hoje impossível criar histórias interessantes e válidas com alguns dos seus ingredientes. Não é. Mas ao ler este livro hoje, tornou-se-me claro como o ciberpunk que Gibson aqui definiu é indissociável dos anos 80 e do início dos 90. E como temas e ideias bem mais antigas na ficção científica lhe dão mais vida do que aqueles que são característicos do ciberpunk.
No entanto, apesar de mostrar alguma ferrugem nas ligações dos cabos óticos, embora comece com uma imagem que dentro de alguns anos ninguém vai conseguir compreender (que raio é a cor de uma TV ligada num canal fora do ar?, pergunta o filho da era da televisão digital), a verdade é que ainda se consegue perceber o impacto que este romance teve na sua época. Foi uma pedrada no charco, e ainda se vê porquê. E isso faz com que não seja, e provavelmente nunca venha a ser, um livro mediocre. Pessoalmente, depois de me colocar no esquema mental dos anos 80, acabei por gostar bastante dele.
Não sei é até que ponto isso é possível a quem não viveu a década. Provavelmente não é.
Este livro foi uma oferta privada, de alguém que nada tem a ver com nenhum dos envolvidos na sua produção e comercialização.
Consequentemente, é um livro que já foi escalpelizado até à exaustão. Já sobre ele se deverá ter dito tudo o que há para dizer. Podia simplesmente parar por aqui e mandar-vos ler o que outros escreveram, pois alguns terão certamente escrito coisas muito acertadas. Mas não: vou tentar falar dele mesmo assim. Começando com umas notas muito básicas para quem não o conhece.
Neuromancer apresenta-nos tudo o que se veio a tornar cliché no ciberpunk. Um foco grande sobre o estilo, não só pessoal, das personagens, como também literário, do autor (ainda que não me pareça que este último tenha sido vertido com inteiro sucesso para português por esta tradução brasileira que li; quando vejo personagens, numa tradução, a falar em "proteger o rabo", fico de pé atrás, e a paixão de um tradutor por notas de rodapé, muitas totalmente desnecessárias, tem o mesmo efeito — por outro lado, há que reconhecê-lo, o desafio não era nada simples). Um estilo que tem muito (demasiado?) a ver com moda. Personagens que são como baratas, habitando num submundo feito de crime e drogas, mas capazes de entrar em todos os recantos das redes informáticas (não por acaso, aqui apelidadas de matrix; os filmes dos Wachowski são fortemente inspirados por este livro) devido à sua proficiência tecnológica, etc. E conta a história de uma dessas intrusões, levada a cabo por Case, o protagonista, uma das tais baratas, contratado, ajudado e dirigido por misteriosas personagens que se vem mais tarde a compreender tratar-se de inteligências artificiais... inteligências artificiais em conflito.
É um livro em grande medida vítima do seu próprio sucesso; ao definir um padrão para um subgénero, foi também sendo transformado em repositório de clichés à medida que as ideias que propõe foram sendo usadas e reutilizadas até à exaustão em outras obras. Lido hoje, a frescura e novidade que incontestavelmente apresentou aquando da publicação original já mal se vislumbram. O estilo (não tanto o literário, mas todo o outro) tornou-se tão bafiento e, sim, foleiro como os colarinhos abertos do disco sound. E o enredo, se em tempos idos teria provavelmente apresentado reviravoltas de tirar o fôlego, hoje segue quase só o caminho que o leitor já espera.
E além disso, há a pequena questão de vivermos hoje num presente que tem muito de ciberpunk, embora seja diferente do ciberpunk imaginado pelos escritores de ficção científica de há vinte anos em alguns aspetos fulcrais. Os anacronismos aparecem inesperadamente ao virar algumas esquinas, a par de realidades ficcionais que parecem estar hoje tão distantes no futuro (ou até mais) como há vinte anos. Para dar um exemplo: parte significativa da ação desenrola-se em órbita, num conjunto de estações e naves espaciais aglomeradas num dos pontos de Lagrange. Continua a ser pura ficção científica, e sem grandes sinais de deixar de o ser num futuro razoavelmente próximo. O mesmo, arriscaria dizer, se aplica a verdadeiras inteligências artificiais.
Lido hoje, Neuromancer é um livro prematuramente envelhecido. Tão fruto do seu tempo como os ombros enchumaçados, as calças justas ou as permanentes. E é essa, parece-me, a sua maior fragilidade conceptual. Ao ceder à tentação de acompanhar a moda, que por natureza é insubstancial, superficial e em grande medida arbitrária, o ciberpunk colou-se de tal forma à época em que foi produzido que envelheceu ainda mais depressa do que é hábito na FC. Fazê-lo na literatura realista, contemporânea, é diferente de fazê-lo na FC: aquela pretende retratar o presente, e quando o presente se transforma em passado permanece enquanto retrato desse passado; esta, pelo contrário, fala do presente (e por vezes do passado) através do retrato de um futuro possível. É uma parábola que funciona melhor quando o futuro se mantém credível enquanto tal. Quando deixa de o ser, abrem-se fendas no edifício, que vão alargando até que este acaba por ruir.
Daí que se diga com frequência que o ciberpunk morreu. Não que seja hoje impossível criar histórias interessantes e válidas com alguns dos seus ingredientes. Não é. Mas ao ler este livro hoje, tornou-se-me claro como o ciberpunk que Gibson aqui definiu é indissociável dos anos 80 e do início dos 90. E como temas e ideias bem mais antigas na ficção científica lhe dão mais vida do que aqueles que são característicos do ciberpunk.
No entanto, apesar de mostrar alguma ferrugem nas ligações dos cabos óticos, embora comece com uma imagem que dentro de alguns anos ninguém vai conseguir compreender (que raio é a cor de uma TV ligada num canal fora do ar?, pergunta o filho da era da televisão digital), a verdade é que ainda se consegue perceber o impacto que este romance teve na sua época. Foi uma pedrada no charco, e ainda se vê porquê. E isso faz com que não seja, e provavelmente nunca venha a ser, um livro mediocre. Pessoalmente, depois de me colocar no esquema mental dos anos 80, acabei por gostar bastante dele.
Não sei é até que ponto isso é possível a quem não viveu a década. Provavelmente não é.
Este livro foi uma oferta privada, de alguém que nada tem a ver com nenhum dos envolvidos na sua produção e comercialização.
Lido: O Motim
O Motim é um pequeno poema de António Cabral, composto por duas quadras apenas, de cariz popular, sobre um motim que terá ocorrido em Lamego em 1915. Achei bastante fraco. Na verdade, achei-o mais fragmento, ou talvez esboço, que poema propriamente dito. Lê-se em segundos e deixa no ar aquela terrível interrogação de "E? É só isto?"
Talvez o mais fraco de todos os textos deste livro.
Textos anteriores deste livro:
Talvez o mais fraco de todos os textos deste livro.
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Lido: Fastos II
Fastos II é um irreveremte poema de Alberto Pimenta sobre personagens e os filhos que elas fazem ou deixam de fazer ou a relação que com eles têm. Personagens, pelo menos algumas, bem reais; alguns daqueles nomes são conhecidos dos meios intelectuais (e não só) portugueses, e outros que me são desconhecidos podem perfeitamente também pertencer a gente real. Ou não. Não fui verificar. Quanto ao texto, que é o que realmente interessa, é uma obra-prima de ironia como se pode facilmente verificar por versos (?) como
Bem divertido.
Textos anteriores deste livro:
azevedo filho acha que é gostoou
so fazer azevedo neto
padre osório, quem havia de d(sim, a divisão dos versos é feita a meio das palavras. Esquisitices)
izer, é um grandecíssimo filhento.
Bem divertido.
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Lido: Uma Vez em Volta da Lua
Uma Vez em Volta da Lua (bibliografia) é uma noveleta de ficção científica de Vic Phillips, publicada originalmente no já antiquíssimo ano de 1937 que, em jeito de história típica dos pulps, descreve precisamente o que o título indica: uma viagem até à Lua, que não chega a pousar mas se limita a contornar o nosso satélite e a regressar à Terra. Pese embora alguma presciência na descrição de certos aspetos das viagens verdadeiras realizadas trinta anos mais tarde, este conto pareceu-me bastante mau. A escrita não é mais que tosca, o ritmo é fraco, e há demasiados golpes na verosimilhança para que a suspensão da descrença necessária para apreciar este tipo de FC (mesmo esquecendo que vivemos 75 anos no futuro) consiga sobreviver. Só para dar um exemplo, logo no início do conto o heroico protagonista, a meio de um voo solitário pelas regiões selvagens do Alasca, tem problemas e acaba por despenhar-se num lago existente na cratera de um velho vulcão. Obviamente, não morre. Menos obviamente, depara com uma base subterrânea secreta a fazer lembrar as bases que Verne cria para o seu Capitão Nemo, onde depressa descobre que se prepara o tal voo à Lua. E eis que, zás!, ele é precisamente o homem que faltava à expedição, é recrutado (e aceita sem hesitar enquanto ao fundo se diria que soam trombetas de heroísmo) e por aí fora. Phillips tenta parecer-se com Verne, mas falta-lhe qualidade e, escrevendo cinquenta anos depois das melhores obras do grande pioneiro francês, falta-lhe também sintonia com a literatura (mesmo a pulpesca) do seu tempo. E, hoje, só lhe resta algum interesse histórico. Bem pouco, por sinal.
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segunda-feira, 17 de junho de 2013
Deixem-me contar-vos uma história sobre greves de professores
Deixem-me contar-vos uma história.
Nos idos de 1989, se não me engano nas datas, eu, depois de uma mal sucedida experiência no estrangeiro, era um jovem a tentar entrar para uma universidade portuguesa. Nessa época havia exames específicos para a admissão na universidade, cujo nome me está agora a escapar, e também havia reivindicações da classe docente.
E greves.
Os meus exames eram em Faro, a mais de 60 km de Portimão. 60 para lá, 60 para cá; 120 km pela famigerada estrada nacional 125, porque ainda não tínhamos direito a uma Via do Infante que ligasse o Barlavento ao Sotavento do Algarve (e agora já deixámos de ter outra vez, mas isso são outros quinhentos).
E os professores fizeram greve às avaliações.
Sucessivas.
Fui a Faro três vezes para fazer o exame. De uma dessas vezes, houve uma revolta semelhante à que houve hoje numa das escolas, e pelos mesmos motivos: havia alguns colegas a fazer exame ao passo que outros de nós não tínhamos como. Era injusto. Inaceitável. Fizemos barulho, invadimos salas, não nos deixámos tratar de forma desigual.
O braço de ferro prolongou-se. O resultado final foi entrarmos na universidade só em janeiro de 1990, não em outubro de 1989 como estava previsto. Esse primeiro ano foi curto e puxado.
Mas depois tudo entrou rapidamente nos eixos. Fizemos os nossos cursos. Uns de nós tiveram sucesso, outros nem por isso, como sempre acontece. Tenho colegas em altos cargos, outros aparecem com alguma regularidade nas televisões a propósito do seu trabalho; de outros perdi o rasto. Alguns são professores e, provavelmente, estão agora a fazer greve. Mas mazelas duradouras devidas à greve? Não houve. A nossa vida académica acabou por ser igual à de todos os outros estudantes.
Portanto, eu sei do que falo quando vos digo o seguinte: tentar apresentar esta greve como uma irresponsabilidade perante o futuro dos estudantes é um embuste. Uma aldrabice. Uma vigarice.
E eu estou sem paciência rigorosamente nenhuma para vigaristas.
Os professores, hoje, têm muito mais razões para fazerem greve do que tinham em 1989. E hoje a greve é, pelo menos para já, muito mais inócua do que foi em 1989. Portanto que a façam, e que a façam em massa. Os estudantes não ficarão prejudicados de forma duradoura. Dentro de semanas, meses, ou no máximo um ano se isto se prolongar, já estarão como estariam sem greve nenhuma. Para eles, tudo será como se não tivesse havido greve, à parte ficarem com a recordação e o espírito de grupo de terem pertencido à geração da greve de 2013.
Eu pertenço à geração da greve de 1989. E dela a única coisa que ficou foi o Blues do Caloiro, cuja letra escrevi e que fui cantar na Prata da Casa da minha primeira Semana Académica com o Orlando e o Pedro. Todos caloiríssimos. E todos orgulhosos de estamos ali e do modo como ali fomos parar.
Aqui fica. Talvez inspire alguém:
Nos idos de 1989, se não me engano nas datas, eu, depois de uma mal sucedida experiência no estrangeiro, era um jovem a tentar entrar para uma universidade portuguesa. Nessa época havia exames específicos para a admissão na universidade, cujo nome me está agora a escapar, e também havia reivindicações da classe docente.
E greves.
Os meus exames eram em Faro, a mais de 60 km de Portimão. 60 para lá, 60 para cá; 120 km pela famigerada estrada nacional 125, porque ainda não tínhamos direito a uma Via do Infante que ligasse o Barlavento ao Sotavento do Algarve (e agora já deixámos de ter outra vez, mas isso são outros quinhentos).
E os professores fizeram greve às avaliações.
Sucessivas.
Fui a Faro três vezes para fazer o exame. De uma dessas vezes, houve uma revolta semelhante à que houve hoje numa das escolas, e pelos mesmos motivos: havia alguns colegas a fazer exame ao passo que outros de nós não tínhamos como. Era injusto. Inaceitável. Fizemos barulho, invadimos salas, não nos deixámos tratar de forma desigual.
O braço de ferro prolongou-se. O resultado final foi entrarmos na universidade só em janeiro de 1990, não em outubro de 1989 como estava previsto. Esse primeiro ano foi curto e puxado.
Mas depois tudo entrou rapidamente nos eixos. Fizemos os nossos cursos. Uns de nós tiveram sucesso, outros nem por isso, como sempre acontece. Tenho colegas em altos cargos, outros aparecem com alguma regularidade nas televisões a propósito do seu trabalho; de outros perdi o rasto. Alguns são professores e, provavelmente, estão agora a fazer greve. Mas mazelas duradouras devidas à greve? Não houve. A nossa vida académica acabou por ser igual à de todos os outros estudantes.
Portanto, eu sei do que falo quando vos digo o seguinte: tentar apresentar esta greve como uma irresponsabilidade perante o futuro dos estudantes é um embuste. Uma aldrabice. Uma vigarice.
E eu estou sem paciência rigorosamente nenhuma para vigaristas.
Os professores, hoje, têm muito mais razões para fazerem greve do que tinham em 1989. E hoje a greve é, pelo menos para já, muito mais inócua do que foi em 1989. Portanto que a façam, e que a façam em massa. Os estudantes não ficarão prejudicados de forma duradoura. Dentro de semanas, meses, ou no máximo um ano se isto se prolongar, já estarão como estariam sem greve nenhuma. Para eles, tudo será como se não tivesse havido greve, à parte ficarem com a recordação e o espírito de grupo de terem pertencido à geração da greve de 2013.
Eu pertenço à geração da greve de 1989. E dela a única coisa que ficou foi o Blues do Caloiro, cuja letra escrevi e que fui cantar na Prata da Casa da minha primeira Semana Académica com o Orlando e o Pedro. Todos caloiríssimos. E todos orgulhosos de estamos ali e do modo como ali fomos parar.
Aqui fica. Talvez inspire alguém:
Blues do Caloiro
Os profes fizeram greve
e exames não havia
e eu parecia um coiso inchado
queria entrar mas não podia
Mas depois lá fui praxado
fui gozado, maltratado
e c'o pêlo enfarinhado
fui à fonte ser lavado
Finalmente nas Gambelas
vou prás aulas ressonar
e no meio das pielas
faço um esforço pra estudar
Este é o blues dos caloiros
da nossa universidade
nunca houve outros caloiros
com a nossa qualidade
quinta-feira, 13 de junho de 2013
Lido: Imaginação Morta Imagina
Imaginação Morta Imagina é um texto de Samuel Beckett que não sei bem como qualificar. Prosa poética, de certa forma, não parece adequado. Mas o texto é em prosa, e partilha com a poesia a preocupação quase obsessiva com o ritmo da linguagem. Fala, de uma forma talvez impressionista, certamente surreal de... de quê, ao certo? Abstraindo-me das notas do tradutor, mais longas que o próprio texto, a sensação que me dá é este tratar-se de um artifício quase puramente linguístico, sem grande conteúdo exterior ao texto propriamente dito. Talvez porque, sempre que um texto exige doses elevadas de exegese para nele se vislumbrar significados, eu tenda a desconfiar de que esses significados estão mais na cabeça do exegeta do que na do autor, de que este talvez se tenha limitado a pregar aos seus leitores uma grande partida e assiste a um canto, entre gargalhadinhas, à confusão que lançou. Nunca acredito muito nas interpretações que se fazem de textos deste género... nem mesmo nas minhas. E raramente gosto deles, mesmo quando lhes reconheço qualidades. Este texto de Beckett é um bom exemplo. Parece-me fenomenal em termos de tratamento da língua, mas não lhe encontro muito mais motivos de interesse.
Uma palavra adicional apenas para falar da tradução. Basta uma. Fabulosa.
Contos anteriores desta publicação:
Uma palavra adicional apenas para falar da tradução. Basta uma. Fabulosa.
Contos anteriores desta publicação:
sábado, 8 de junho de 2013
A diferença entre uma pessoa séria e o Bagão Félix
Grosso modo (isto de começar um texto com uma expressão latina fica sempre bem), há duas formas de avaliar o impacto de uma mudança. Digamos, assim ao calhas, uma mudança ortográfica. A das pessoas sérias e a dos aldrabões.
As pessoas sérias pegam num texto qualquer, ou de preferência até em vários, e analisam o que muda nesses textos, a proporção do que se altera e do que fica igual, se há algum problema gerado pelas mudanças, etc., etc. Convém que sejam textos escritos por outras pessoas. Não é obrigatório que sejam literários, mas também não faz nenhum mal que o sejam. Convém é que sejam escritos por quem conhece a língua, por quem a usa quotidianamente (ou cotidianamente, tanto faz; é facultativo), por quem faz dela o seu instrumento de trabalho ou de expressão artística. Textos literários ou jornalísticos são um bom ponto de partida.
Ou seja, fazem mais ou menos o que eu fiz aqui com um texto do David Soares. Demonstrar o oposto do que o Soares queria demonstrar é só um bónus, e não está garantido à partida; as pessoas sérias analisam os factos tal como eles são, não retorcem a realidade para convir aos seus preconceitos.
Pelo contrário, os aldrabões escrevem textículos de propósito para a "análise", empilhando neles o máximo possível de alterações, escolhendo a dedo exemplos que possam ser problemáticos, quer façam sentido, quer não passem de uma pilha de disparates. Para potenciar o fator histeria, pintam as alterações a VERMELHO, não vá alguém correr o risco de não entender a mensagem, que isto há por aí gente burra que tem dificuldade em entender mensagens.
Basicamente o que o Bagão Félix fez com este pedacinho de... hum... enfim, chamemos-lhe prosa à falta de termo mais apropriado:
Empilhando frases sem sentido consegue "provar-se" qualquer coisa. Querem ver? Olhem: "O Bagão Félix é um ser vivo; um piolho é um ser vivo; logo, o Bagão Félix é um piolho." Viram?
E para "provar" este disparate precisei de menos palavreado que o Bagão Félix para "provar" o dele.
O que realmente se prova quando se empilha frases sem sentido, e agora "prova" vem sem aspas, é que quem o faz é claramente um aldrabão. Que não é sério.
(Abre parêntesis. Sabem que respeito me merecem aldrabões, sabem? Zero. Rigorosamente zero. Fecha parêntesis.)
E Bagão Félix consegue até ser tolo, ou pelo menos incompetente, porque entre os exemplos que dá da "nova ortografia" nem sequer foi capaz de encontrar só daquelas mudanças que o são de facto, mudanças obrigatórias. Atira-se a espetador, desconhecendo ou ignorando que essa palavra passa a ter dupla grafia e quem quiser continuar a escrever espectador pode; atira-se a andamos desconhecendo ou ignorando que essa palavra passa a ter dupla grafia e quem quiser continuar a escrever andámos pode.
O Bagão, que tem andado ortograficamente inFélix, tadito, tem todo o ar de alguém que acha tudo isto muito confuso. Mas só quem não tem grande coisa na cabeça pode achar confusas frases como "a ata não ata nem desata" (que é das poucas que fazem algum sentido naquela estúpida salganhada). Será que alguém com mais que um neurónio na cabeça vai pensar que "a ata" pode não ser um nome? Haverá alguém que seja tão perfeitamente zero à esquerda que não conheça e nem consiga individualizar a expressão "não ata nem desata"? Não compreender ou achar confusas frases como esta revela, muito mais do que maldades ou bondades do acordo ortográfico, um grau de incompetência linguística verdadeiramente atroz.
Gente como o Bagão Félix, aliás, deve ser completamente incapaz de falar e escrever português tal como ele já era antes do AO90, pois na nossa bela língua há frases como as que alguém deixou num comentário à patetice felixiana:
Em suma: são desprezíveis.
(Abre parêntesis. Gente como o juiz Rui Teixeira, que acha que com o AO90 cágado passa a cagado e facto passa a fato não entram necessariamente na categoria dos aldrabões, a menos que insistam na asneira mesmo depois de se lhes explicar os factos pertinentes. Por conseguinte não entram automaticamente na categoria dos desprezíveis. Entram na dos patetas com opiniões firmes sobre assuntos que desconhecem por completo, mas não nas dos desprezíveis. Fecha parêntesis.)
E gente desprezível deve ser tratada com desprezo. Ponto final.
As pessoas sérias pegam num texto qualquer, ou de preferência até em vários, e analisam o que muda nesses textos, a proporção do que se altera e do que fica igual, se há algum problema gerado pelas mudanças, etc., etc. Convém que sejam textos escritos por outras pessoas. Não é obrigatório que sejam literários, mas também não faz nenhum mal que o sejam. Convém é que sejam escritos por quem conhece a língua, por quem a usa quotidianamente (ou cotidianamente, tanto faz; é facultativo), por quem faz dela o seu instrumento de trabalho ou de expressão artística. Textos literários ou jornalísticos são um bom ponto de partida.
Ou seja, fazem mais ou menos o que eu fiz aqui com um texto do David Soares. Demonstrar o oposto do que o Soares queria demonstrar é só um bónus, e não está garantido à partida; as pessoas sérias analisam os factos tal como eles são, não retorcem a realidade para convir aos seus preconceitos.
Pelo contrário, os aldrabões escrevem textículos de propósito para a "análise", empilhando neles o máximo possível de alterações, escolhendo a dedo exemplos que possam ser problemáticos, quer façam sentido, quer não passem de uma pilha de disparates. Para potenciar o fator histeria, pintam as alterações a VERMELHO, não vá alguém correr o risco de não entender a mensagem, que isto há por aí gente burra que tem dificuldade em entender mensagens.
Basicamente o que o Bagão Félix fez com este pedacinho de... hum... enfim, chamemos-lhe prosa à falta de termo mais apropriado:
Empilhando frases sem sentido consegue "provar-se" qualquer coisa. Querem ver? Olhem: "O Bagão Félix é um ser vivo; um piolho é um ser vivo; logo, o Bagão Félix é um piolho." Viram?
E para "provar" este disparate precisei de menos palavreado que o Bagão Félix para "provar" o dele.
O que realmente se prova quando se empilha frases sem sentido, e agora "prova" vem sem aspas, é que quem o faz é claramente um aldrabão. Que não é sério.
(Abre parêntesis. Sabem que respeito me merecem aldrabões, sabem? Zero. Rigorosamente zero. Fecha parêntesis.)
E Bagão Félix consegue até ser tolo, ou pelo menos incompetente, porque entre os exemplos que dá da "nova ortografia" nem sequer foi capaz de encontrar só daquelas mudanças que o são de facto, mudanças obrigatórias. Atira-se a espetador, desconhecendo ou ignorando que essa palavra passa a ter dupla grafia e quem quiser continuar a escrever espectador pode; atira-se a andamos desconhecendo ou ignorando que essa palavra passa a ter dupla grafia e quem quiser continuar a escrever andámos pode.
O Bagão, que tem andado ortograficamente inFélix, tadito, tem todo o ar de alguém que acha tudo isto muito confuso. Mas só quem não tem grande coisa na cabeça pode achar confusas frases como "a ata não ata nem desata" (que é das poucas que fazem algum sentido naquela estúpida salganhada). Será que alguém com mais que um neurónio na cabeça vai pensar que "a ata" pode não ser um nome? Haverá alguém que seja tão perfeitamente zero à esquerda que não conheça e nem consiga individualizar a expressão "não ata nem desata"? Não compreender ou achar confusas frases como esta revela, muito mais do que maldades ou bondades do acordo ortográfico, um grau de incompetência linguística verdadeiramente atroz.
Gente como o Bagão Félix, aliás, deve ser completamente incapaz de falar e escrever português tal como ele já era antes do AO90, pois na nossa bela língua há frases como as que alguém deixou num comentário à patetice felixiana:
Eu rio enquanto junto ao rio gelo por causa do gelo que se acumulou durante a noite. Se me queimar, penso que vou ter que pôr um penso. Mas cedo cedo à dor.E o bónus é que estas três frases fazem sentido, coisa que o Bagão Félix foi incapaz de conseguir. Tal como sentido fazem as que eu arranjei aqui há tempos para ilustrar umas noçõezinhas básicas sobre homografias, homofonias e homonomias. Se achasse que valeria de alguma coisa, aconselhava os bagões félixes que por aí andam a irem ler, para ver se aprendiam alguma coisinha. Mas não vale de nada. Porque os bagões félixes não são sérios. Não passam de aldrabõezecos ignorantes que se estão nas tintas para o conhecimento ou, sequer, para uma discussão minimamente séria das coisas. Só querem lançar a confusão, o alarmismo, fazer com que coisas que mal se notam pareçam titaniques prestes a afundar-se com todos os icebergues do mundo em cima, dizer que aumentam divergências que diminuem, gritar aqui d'el-rei que os brasileiros isto e aquilo quando quem já papa as consoantezinhas mudas quase todas na fala são os não brasileiros, etc., etc., etc. e mais etc.
Em suma: são desprezíveis.
(Abre parêntesis. Gente como o juiz Rui Teixeira, que acha que com o AO90 cágado passa a cagado e facto passa a fato não entram necessariamente na categoria dos aldrabões, a menos que insistam na asneira mesmo depois de se lhes explicar os factos pertinentes. Por conseguinte não entram automaticamente na categoria dos desprezíveis. Entram na dos patetas com opiniões firmes sobre assuntos que desconhecem por completo, mas não nas dos desprezíveis. Fecha parêntesis.)
E gente desprezível deve ser tratada com desprezo. Ponto final.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
Lido: O Vinho
O Vinho é uma vinheta de António Cabral que podia ser irmã gémea de A Vindima, tal a semelhança que há entre as duas em termos de estrutura e abordagem ao ato de contar histórias. É outro texto de prosa poética vagamente surrealista, fragmentário, preocupado em criar um ambiente e não tanto com o resto daquilo que compõe a literatura. Na verdade, muito do que disse sobre a outra história aplica-se também aqui. No entanto, gostei mais desta, porque escrever sobre o vinho é, um pouco, escrever sobre a embriaguez, e há uma certa ebriedade neste texto que combina bastante bem com o tema. Não o suficiente para me levar a gostar mesmo do resultado, mas o suficiente para não me deixar de ombros encolhidos de indiferença. Decididamente, embora não mexa comigo esta história não é má.
Textos anteriores deste livro:
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Lido: Problema com Vista a Orientar os Interesses Infantis Para as Realidades Cotidianas
Problema com Vista a Orientar os Interesses Infantis Para as Realidades Cotidianas (sim, antes de começarem a resmungar com o acordo ortográfico ou com os meus erros de ortografia, é "cotidianas" que está escrito, não "quotidianas", não há erro ortográfico nenhum porque este é um dos milhentos casos de dupla grafia facultativa que já existiam antes do AO90, e adiante) é um texto de Alberto Pimenta que propõe ao leitor, supostamente infantil (ou não), um problema de cinemática que tem a ver com aves, cloacas que se abrem e poias que caem. Como coisas sobre caca são sempre estimulantes para espíritos infantis, percebe-se o título. Mas a gargalhada só surge realmente na nota de rodapé. Uma vez mais.
Em conclusão. divertido, sim, ma non troppo. A menos, suponho, que se seja criança.
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Em conclusão. divertido, sim, ma non troppo. A menos, suponho, que se seja criança.
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quinta-feira, 6 de junho de 2013
Lido: Verona: Fala Uma Rapariga
Verona: Fala Uma Rapariga é um conto do americano Harold Brodkey que descreve uma viagem. Narrado na primeira pessoa por uma rapariga, como o título indica, descreve os sentimentos e impressões dessa rapariga ao longo de uma viagem por Itália, que a família (ou, melhor dizendo, o pai, pois parece que só o pai teve voto nessa matéria) decide fazer. Uma viagem de ricos sem que, segundo ela, a família o seja. E que tem a sua apoteose quando ela como que se transforma em poleiro para um grande bando de pombos, numa imobilidade quase a rebentar de entusiasmo. E assim se descobre a felicidade.
E eu li e, ao acabar, acorreu-me a ideia que me ocorre com demasiada frequência ao ler contos mainstream: "e daí?" Porreiro, um conto sobre a infância, e daí? OK, um conto bem escrito, e daí? Que obtive eu disto? E a resposta é: nada. Há contos que, não sendo vazios, são-no para alguns dos seus leitores. Há contos que, mesmo se não forem medíocres, acabam por sê-lo para parte dos que os leem. E no universo das minhas leituras, ler este conto não aqueceu nem arrefeceu. Foram minutos de vida que se gastaram sem qualquer impacto. Dentro de dias estará completamente esquecido.
Meh.
Contos anteriores desta publicação:
E eu li e, ao acabar, acorreu-me a ideia que me ocorre com demasiada frequência ao ler contos mainstream: "e daí?" Porreiro, um conto sobre a infância, e daí? OK, um conto bem escrito, e daí? Que obtive eu disto? E a resposta é: nada. Há contos que, não sendo vazios, são-no para alguns dos seus leitores. Há contos que, mesmo se não forem medíocres, acabam por sê-lo para parte dos que os leem. E no universo das minhas leituras, ler este conto não aqueceu nem arrefeceu. Foram minutos de vida que se gastaram sem qualquer impacto. Dentro de dias estará completamente esquecido.
Meh.
Contos anteriores desta publicação:
Lido: Pena de Papagaio
Pena de Papagaio (bibliografia), é um conto de horror de A. M. P. Rodriguez, escrito num português algo misto no sentido em que pertence primordialmente à família portuguesa dos dialetos da língua mas possui algumas características bem identificáveis da brasileira — o que é curioso pois a autora parece que é de Lisboa e mora no Porto; julgar-se-ia que a mistura fosse outra. Conta uma história de vingança ou de loucura assassina, ambientada algures numa ilha (?) tropical, nos velhos tempos dos descobrimentos portugueses. E é, até agora, o texto de que menos gostei no livro em que está incluído. Porque me pareceu em boa medida gratuito, sem que se vislumbre que motivações poderá ter o protagonista, e porque a prosa exibe fragilidades. Poderão contrapor: sim, mas não é normal isso acontecer com contos pulp, originais ou em pastiche? Não faz parte? Não vem com o território? E eu respondo que sim, realmente assim é, mas os bons (ou menos maus, se preferirem) exemplos do pulp contrapõem a isso uma escrita vigorosa, virada para a ação, que reduz ao mínimo as divagações introspetivas. Ora, é precisamente aí que a porca torce aqui o rabo: este conto não o faz. Tem o menos bom do pulp mas não tem o menos mau. E como eu já não gosto por aí além de pulp por causa do menos bom, se não lhe encontro a pequena compensação do menos mau...
Contos anteriores deste livro:
Adenda - A autora contactou-me para esclarecer que não é de Lisboa. As minhas desculpas. O erro parece ter sido originado num curto-circuito na minha cabeça que transformou "nascida a sul do Tejo" em "lisboeta".
Contos anteriores deste livro:
Adenda - A autora contactou-me para esclarecer que não é de Lisboa. As minhas desculpas. O erro parece ter sido originado num curto-circuito na minha cabeça que transformou "nascida a sul do Tejo" em "lisboeta".
terça-feira, 4 de junho de 2013
Lido: Stars Seen Through Stone
Stars Seen Through Stone é uma novela fantástica de Lucius Shepard, bastante próxima de temas e abordagens que têm vindo a ser agrupadas sob o chapéu da weird fiction e que têm bastante a ver com o bom velho realismo mágico. O protagonista é um produtor musical que se dedica a descobrir talentos menores numa cidadezinha da Pensilvânia, dono de uma pequeno negócio que mistura a edição de discos com a promoção de espetáculos e a gestão de carreiras. A história centra-se na relação que ele desenvolve com um tal Stanky, uma criaturinha repleta de talento musical mas vazia de quase tudo o resto que compõe um ser humano, na qual vê um potencial enorme e que por isso se esforça por transformar em algo de minimamente palatável para o público.
O fulcro mais profundo da história, porém, não é esse. É o modo como, apesar dos nossos melhores esforços, apesar das nossas escolhas e decisões, apesar dos nossos talentos e de sermos ou não capazes de os desenvolver, a vida sempre tende a confrontar-nos com o inesperado.
E o inesperado, nesta novela, é literal e inexplicável, pois a páginas tantas a cidade é surpreendida por um estranho fenómeno, não se percebe bem se subrenatural, se astronómico ou meteorológico, até mesmo se de origem alienígena (há um certo odor a Encontros Imediatos do Terceiro Grau), após o qual vários dos habitantes se veem tocados por surtos de criatividade ou de formas mais subtis. O protagonista está, talvez, incluindo no grupo dos tocados de forma subtil; já Stanky parece ter sido fortemente afetado e o seu talento explode em qualidade e produtividade. Mas uma velha lenda sugere que o fenómeno talvez se repita em breve, e a cidade fica suspensa dessa possibilidade.
Contada de forma intimista, na primeira pessoa, pelo protagonista, e muitíssimo bem escrita, a novela vale, parece-me, mais por outros aspetos da criação literária do que pela história em si, apesar de também esta ser interessante. Vale pelas personagens, por exemplo, muito bem criadas, muito sólidas, muito tridimensionais. Vale pelo texto. Vale até pelo ambiente, uma vez que consegue transmitir muito bem aquela sensação de provincianismo, de pacatez, de neste-sítio-nunca-nada-acontece que também se encontra nas histórias de Stephen King ambientadas nas suas cidadezinhas do Maine. Até que algo acontece, claro. Algo de extraordinário.
É uma história lenta, que pode aborrecer leitores mais virados para a ação, mas de que eu gostei mesmo muito. Uma ótima história, otimamente contada.
Textos anteriores deste livro:
O fulcro mais profundo da história, porém, não é esse. É o modo como, apesar dos nossos melhores esforços, apesar das nossas escolhas e decisões, apesar dos nossos talentos e de sermos ou não capazes de os desenvolver, a vida sempre tende a confrontar-nos com o inesperado.
E o inesperado, nesta novela, é literal e inexplicável, pois a páginas tantas a cidade é surpreendida por um estranho fenómeno, não se percebe bem se subrenatural, se astronómico ou meteorológico, até mesmo se de origem alienígena (há um certo odor a Encontros Imediatos do Terceiro Grau), após o qual vários dos habitantes se veem tocados por surtos de criatividade ou de formas mais subtis. O protagonista está, talvez, incluindo no grupo dos tocados de forma subtil; já Stanky parece ter sido fortemente afetado e o seu talento explode em qualidade e produtividade. Mas uma velha lenda sugere que o fenómeno talvez se repita em breve, e a cidade fica suspensa dessa possibilidade.
Contada de forma intimista, na primeira pessoa, pelo protagonista, e muitíssimo bem escrita, a novela vale, parece-me, mais por outros aspetos da criação literária do que pela história em si, apesar de também esta ser interessante. Vale pelas personagens, por exemplo, muito bem criadas, muito sólidas, muito tridimensionais. Vale pelo texto. Vale até pelo ambiente, uma vez que consegue transmitir muito bem aquela sensação de provincianismo, de pacatez, de neste-sítio-nunca-nada-acontece que também se encontra nas histórias de Stephen King ambientadas nas suas cidadezinhas do Maine. Até que algo acontece, claro. Algo de extraordinário.
É uma história lenta, que pode aborrecer leitores mais virados para a ação, mas de que eu gostei mesmo muito. Uma ótima história, otimamente contada.
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segunda-feira, 3 de junho de 2013
Lido: Contos Natal
Contos Natal é mais uma das pequenas antologias temáticas editadas pela Rosto e distribuídas em conjunto com o DN. Avancei para a leitura desta com algum receio: contos natalícios correm sempre o sério risco de resvalar para o enjoativo e, pior, previsível dos bons sentimentos mui cristãos, recontando a enésima história, sempre igual, de bondade, altruísmo, caridade e abnegação movida a cristo.
Essa sensação de apreensão só saiu reforçada ao ler o primeiro conto, e logo do Eça de Queirós. Mas a verdade é que se atenuou com o segundo conto, que não tem nada a ver com esse tipo de história (e, diga-se de passagem, me pareceu o melhor dos cinco), embora tivesse voltado a intensificar-se mais para a frente.
Ao terminar a leitura do livro, acabei por achá-lo razoável. Razoável para o meu gosto, bem entendido; vários foram os contos de que não gostei particularmente, apesar de os considerar bons enquanto obras literárias. Simplesmente não funcionam bem para o leitor que sou. Suponho que tivesse sido inevitável incluir num livro como este das tais histórias que me causaram a apreensão com que parti para a leitura, mas conta a favor do selecionador (que nenhuma destas antologias identifica, o que é uma falha importante) o facto de não se ter limitado a elas. Por outro lado, gostaria de ter encontrado nestas páginas um pouco mais de fantástico; há algum, mas muito pouco, e o tema é propício.
Eis o que achei de cada um dos contos:
Essa sensação de apreensão só saiu reforçada ao ler o primeiro conto, e logo do Eça de Queirós. Mas a verdade é que se atenuou com o segundo conto, que não tem nada a ver com esse tipo de história (e, diga-se de passagem, me pareceu o melhor dos cinco), embora tivesse voltado a intensificar-se mais para a frente.
Ao terminar a leitura do livro, acabei por achá-lo razoável. Razoável para o meu gosto, bem entendido; vários foram os contos de que não gostei particularmente, apesar de os considerar bons enquanto obras literárias. Simplesmente não funcionam bem para o leitor que sou. Suponho que tivesse sido inevitável incluir num livro como este das tais histórias que me causaram a apreensão com que parti para a leitura, mas conta a favor do selecionador (que nenhuma destas antologias identifica, o que é uma falha importante) o facto de não se ter limitado a elas. Por outro lado, gostaria de ter encontrado nestas páginas um pouco mais de fantástico; há algum, mas muito pouco, e o tema é propício.
Eis o que achei de cada um dos contos:
domingo, 2 de junho de 2013
Lido: A Vindima
A Vindima é mais uma vinheta de António Cabral ambientada no Douro vinheteiro. Trata-se, desta feita de um texto de prosa poética, quase sem história, mais preocupado em criar um ambiente a largas pinceladas impressionistas e vagamente surreais do que com qualquer outra vertente do ato de criação literária, incluindo, até, o burilamento do texto, embora esta seja a preocupação imediata. Não o faz mal, mas a verdade é que o resultado nem me agrada, nem me interessou, o que tem obviamente mais a ver comigo do que com o texto. Gosto da simples criação de ambientes, em especial se conjugada com um bom tratamento da língua, quando eles ultrapassam o comezinho e me conseguem surpreender. Não é o caso aqui: embora a língua não saia maltratada, o ambiente é o de milhentas outras histórias durienses. Incluindo, até, algumas presentes neste mesmo livro.
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sábado, 1 de junho de 2013
Lido: Discurso Preliminar
Discurso Preliminar é um texto de humor de Alberto Pimenta. Um texto, diga-se desde logo, absolutamente genial. Para começar, o texto propriamente dito não tem uma única palavra. Mais: não tem uma única letra. Tem pontuação, muitos pontinhos... e chamadas para notas de rodapé. Estas, tomando a forma habitual nas notas de rodapé dos textos académicos (ou academicoides, vá), são perfeitamente hilariantes (com pérolas como "porque nós somos, como direi, como somos" ou "numa tentativa de consecução dessa ideia, elaborámos já um ficheiro composto por cerca de centenas de verbetes de vários formatos"), fazendo com que o conjunto se transforme numa gargalhada pegada. Magnífico.
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Um mês produtivo
Estive aqui a fazer umas continhas e descobri que no mês que acabou de acabar me saíram dos dedos quase 22 mil palavras de textos originais e mais de 59 mil de tradução. Com o bónus de a maior parte do texto original ser ficção. Aí umas 15 mil palavras, mais coisa, menos coisa... e se calhar esta estimativa é por defeito (autonota: devias arranjar maneira de separar a ficção da não ficção, ó pá). Para quem não consegue visualizar facilmente estes números, dá um volumezinho com umas 230 páginas. Só de textos originais são umas 60. E isto, para um escritor lento como eu, é francamente bom.
Um dos contos que escrevi este mês foi este. Mete ratazanas e ministros. Tudo a mesma coisa...
Sim. Foi um mês porreiro, à parte a saúde.
E o país.
Por falar nisso, já falta menos de hora e meia para a manif. Até já.
Um dos contos que escrevi este mês foi este. Mete ratazanas e ministros. Tudo a mesma coisa...
Sim. Foi um mês porreiro, à parte a saúde.
E o país.
Por falar nisso, já falta menos de hora e meia para a manif. Até já.
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