sábado, 31 de outubro de 2020

Vítor Claudino (ed.): Magazine do Fantástico e Ficção Científica, nº 5

A partir de experiências anteriores com este Magazine do Fantástico e Ficção Científica, há coisas que eu já esperava encontrar neste número 5 (bibliografia): uma mistura entre fantasia e FC nas histórias apresentadas, uma tendência para esta última cair mais para o lado «soft» que para o lado «hard» do género e uma tradução genericamente bastante má. A última destas coisas é problemática, mas não há nada de mal nas duas primeiras. O que não esperava era encontrar este número ocupado em exclusivo com histórias longas.

Tê-lo-ia esperado, claro, se tivesse consultado primeiro o Bibliowiki. Mas não o fiz, e por isso surpreendeu-me encontrar aqui apenas duas novelas e uma noveleta, sem nada mais curto a acompanhá-las. Não sei, naturalmente, que motivo levou o editor a afastar-se desta forma da típica mistura entre histórias longas e curtas nas revistas de género, embora suspeite que possa ter qualquer coisa a ver com o famigerado narizinho torcido do público português face a contos. Talvez tenha sido uma tentativa de dar novo fôlego à revista com histórias mais elaboradas. Se o foi, não resultou: este foi, tanto quanto eu saiba, o último número do MFFC que se publicou entre nós, e creio que mais do que o facto de ser uma revista de contos o que levou a esse desfecho foi principalmente a qualidade invulgarmente deficiente das traduções e da edição em geral (revisão não parece ter existido, a paginação consegue por vezes ser atroz, por aí fora) e talvez também uma distribuição deficiente (só ouvi falar desta revista já na era da internet; na altura em que ela se publicou nunca cheguei a pôr-lhe a vista em cima).

E as histórias selecionadas, francamente, também não ajudaram, e este número é bom exemplo disso. Mesmo sendo forçoso admitir que esta avaliação pode estar tingida pela qualidade do texto português, de fraca a fraquíssima, a verdade é que o que o leitor obtém desta revista é muito pouco. Das três histórias só uma, e logo a mais curta, parece ser boa o suficiente para merecer realmente a leitura. As duas novelas... enfim. A primeira podia ser interessante mas não passa de banal, a segunda é uma chatice pegada. A edição completa-se com um ensaio de Isaac Asimov sobre a questão da existência ou inexistência de alienígenas, que na época é bem capaz de ter sido o texto mais interessante de todos mas que hoje em dia, uns cinquenta anos de ciência acumulada mais tarde, já está bastante datado. A evolução do conhecimento não perdoa.

Enfim, foi leitura que não impressionou. Não posso dizer que tenha sido realmente má, pois afinal de contas sempre houve um texto cuja leitura valeu a pena, mas que deixou bastante a desejar, deixou.

Eis o que achei das três histórias:
Esta revista foi comprada.

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Mário-Henrique Leiria: Caso XU - 7 ZBA - 35/arq. 26 918

Ah! Depois de um conto apenas mediano, eis-nos de regresso aos grandes contos de Mário-Henrique Leiria, não em tamanho (embora este nem seja tão pequeno como isso) mas em conteúdo. E este traz aquilo que Leiria faz melhor: alienígenas verdadeiramente alienígenas.

Tudo gira em volta de um caso de explosão planetária. O queixoso, um argniano, procura as autoridades para apresentar queixa porque um zkill lhe destruíra o planeta. É esse o Caso XU - 7 ZBA - 35/arq. 26 918 (bibliografia). O argniano é razoavelmente humano na sua psicologia, mas essa acaba por ser personagem secundária. O centro do conto é o zkill destruidor e a sua forma de pensar e agir.

E aqui encontramos o alienígena realmente alienígena com que também nos deparamos, por exemplo, nas ficções de Stanislaw Lem. Um alienígena telepático, mineral, com uma lógica muito própria e quase inerentemente incompreensível, que destruíra o planeta, segundo ele, por acidente, porque simplesmente tentara comunicar. Um alienígena imensamente poderoso, pois, o que leva as autoridades, pragmaticamente, não só a evitar aborrecê-lo mas até a procurar gerar nele um novo aliado. Tudo muito bem feito, de uma forma que muitos autores estabelecidos talvez aspirassem a conseguir igualar caso conhecessem este português meio marginal aos mundos da ficção científica (até porque nunca fez da FC a sua literatura de eleição, apesar de se ter dedicado durante alguns anos a traduzir livros do género). Francamente bom.

Textos anteriores deste livro:

Marcel Schwob: A Cidade Adormecida

Será possível haver textos borgesianos antes de Borges? Nas topografias fantásticas do próprio Borges a possibilidade certamente existiria, mas cá fora, no mundo real, não parece existir. E no entanto...

E no entanto este conto de Marcel Schwob quase parece ser de Borges, ainda que o título, A Cidade Adormecida (bibliografia) faça lembrar mais Calvino, e ainda que Schwob tenha uma prosa bastante mais poética do que a rigorosa prosa analítica do argentino. É sobretudo uma questão de ambiente e de personagens. Aqui acompanhamos uma tripulação de um navio pirata e sobretudo o seu capitão, pois é este o protagonista. Nada de particularmente borgesiano até agora, mas olhem só: os tripulantes são "homens de todos os países, de todas as cores, de todas as línguas", irmanados apenas pela ânsia de encontrar um tal País Dourado. E cá estamos, plenamente mergulhados em Borges sem que no entanto este esteja presente.

E os piratas acabam por encontrar a cidade adormecida do título, uma cidade imensa mas morta, ou pelo menos de vida suspensa, num cenário quase de ficção científica, habitada pelos habitantes de todas as cidades com a diferença de os daqui estarem imóveis, como estátuas paralisadas de surpresa momentânea, agora estavam vivas a viver normalmente e a tratar dos seus afazeres, logo depois são um retrato eterno e tridimensional da humanidade. O desfecho do conto, que não contarei, é ao mesmo tempo previsível e inesperado, e algo horrorífico também, e contribui para fazer com que este seja realmente um conto muito bom. Mesmo.

Textos anteriores deste livro:

sábado, 24 de outubro de 2020

O dito ponto


O da situação, claro.
 
Antes de me pôr a escrever isto, e à parte um par de emails e umas frases aqui e ali nas redes sociais, há quase um mês que não escrevo uma linha, nem aqui para o blogue nem para coisa nenhuma. A tradução súbita e urgente que me apareceu de repente deixa-me a arquejar e, como se não bastasse, ainda há a perna partida da minha mãe a deixar-me numa roda-viva de faz isto, faz aquilo, faz aqueloutro da qual tenho custado a sair. Ou pelo menos da qual tenho custado a sair para fazer seja o que for além de trabalhar.

De modo que há quase um mês que não escrevo uma linha.

Só que a manutenção da sanidade mental — e também, reconheça-se, a manutenção da capacidade de trabalhar a língua escrita, que só por acaso é a minha profissão — exige que leia regularmente, nem que seja uma página por dia ou umas quantas páginas no mínimo dia sim, dia não. Como consequência, as coisas de que eu quereria falar aqui vão-se acumulando, e acumulando, e acumulando, e...

... e nem falemos de coisas como as Leiturtugas e outras promessas sortidas feitas antes do céu me cair em cima da cabeça, à guerreiro gaulês com falta de poção mágica.

Em suma: isto tem de mudar. Tenho de conseguir arrancar algum tempo a outros afazeres, nem que seja à força. Ou ao descanso. Pelo menos ocasionalmente. Vai ter de ser.

Portanto olhem, sem promessas, mas isto é capaz de ser um (re)começo. Ou uma espécie disso. Algo assim.

Enfim. Veremos.