sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Lido: O Inevitável Poente

O Inevitável Poente é uma crónica de José Saramago que começa com uma espécie de pedido de desculpa: "Ao menos uma vez na vida, cronista ou literato em dificuldade de tema faz a sua glosa pessoal ao pôr do Sol. Fecha os olhos ao ridículo, arrisca-se a que o apanhem em flagrante delito de plágio involuntário (ou não) — mas paga o tributo." E pronto, está a crónica explicada. O tema andava escasso, a crónica era esperada no jornal que a pagava (A Capital, no fim dos anos 60), e lá teve de ser. Saramago pede desculpa, mas como fez um bom trabalho e, com ridículo ou não, com plágios ou sem eles, a crónica se lê com agrado, está desculpado.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Réplica à resposta à contraposição ao post do Senhor Palomar

O Senhor Palomar achou por bem publicar uma réplica ao post que eu aqui publiquei há umas horitas. Aquece-me o coração vê-lo tão atento, e agradeço a consideração. Mas julgo ter de explicar melhor uma coisa que aparentemente deixei menos clara.

O meu problema não são as posições políticas, Palomar. Que alguém tenha ideias direitistas, esquerdistas, medianistas, alteradas, banais, radicais, etecetritais, está no seu pleno direito e tem toda a legitimidade para as divulgar quando e como muito bem entenda. Eu namorei por três anos com uma votante no CDS, e só me arrependo da segunda metade do último ano por motivos que nada têm a ver com a política. De modo que por mim, Senhor Palomar, pode ser de direita à vontade. É só através da discussão franca e honesta de ideias diferentes que se pode chegar a algum lado que se assemelhe, ainda que vagamente, a alguma espécie de verdade.

Mas é precisamente aqui que bate o ponto.

Porque não existe discussão franca e honesta de ideias diferentes quando se usam subterfúgios para tentar impôr as nossas. Subterfúgios como a omissão dum facto que, por si só, explica imediatamente toda a "incoerência" que o Senhor Palomar aparenta ver na situação em Salvaterra. Não é franco, não é honesto e, convenhamos, não é lá muito bem educado, porque está nas entrelinhas a acusar o partido e/ou a autarca de não serem sinceros nas posições que são públicas ao mesmo tempo que omite aquilo que basicamente demonstra essa sinceridade. E isso não lhe fica nada bem.

De modo que talvez não me seja necessário engolir o sapo soareiro para continuar a ler o blogue. Basta apenas que as ideias apareçam de futuro livres deste tipo de deturpações e omissões. Por mais erradas que me pareçam.

Lido: Uma Mulher é um Piquenique Rápido

Curioso título, não? Pena é ter muito pouco a ver com o título original, A Woman in a Fast-Moving Picnic, e não, a tradução não foi feita por nenhum perigoso misógino, daqueles ainda de bigode farfalhudo e brilhantina no cabelo. O tradutor é uma tradutora.

Uma Mulher é um Piquenique Rápido (bib.) é um conto curto de Ray Bradbury, ambientado numa Irlanda muito presente no imaginário americano: a Irlanda dos bêbados, dos bares e dos pântanos, onde os homens se desafiam, e ao álcool que cada um contém, a penetrar no pântano, sobre o qual se contam histórias e cantam canções sobre desaparecimentos e afogamentos. Não sendo propriamente um conto fantástico, está repleto da atmosfera misteriosa das histórias de fantasmas, e o desenlace, apesar de racional e explicado, não deixa de conter em si também algum mistério. É uma história interessante, embora não chegue nem perto das melhores histórias de Bradbury.

É a chamada honestidade dos direitinhas. Nada que surpreenda, portanto. O costume. Mais do mesmo. Enfim, é o que é.

O Senhor Palomar tem um blogue porreiro. Quando fala de literatura é uma voz digna de ser ouvida, e já tem escrito e publicado coisas em que eu dou por mim a responder a cada palavra com um "pois é" interno. E não foi uma nem duas vezes que isso aconteceu.

O problema é que não se fica pela literatura. E em coisas como esta, entra política dentro. Se o fizesse decentemente, tudo bem, mas não o faz. Fá-lo enviesadamente, com deturpações grosseiras da verdade e com insultos implícitos.

Senão, vejamos.

Insinua ele que é exemplo da "coerência habitual" do BE que o partido tenha uma posição oficial sobre as touradas e outros espetáculos de degradação taurino-equestre, enquanto a presidente-candidata à câmara de Salvaterra de Magos, eleita nas listas do BE, se manifeste favorável a tais espetáculos.

Ora, o Senhor Palomar, que é óbvio que não é nem inculto, nem burro, nem mal informado, sabe perfeitamente que Ana Cristina Ribeiro não é militante do BE. Talvez seja o BE o partido com que mais se identifica, razão pela qual se sentirá bem concorrendo nas suas listas mas, se não é militante, é porque tem pontos de divergência com a linha oficial do partido que considera suficientemente relevantes para impedir que nele se inscreva. Eu sei como é: é o que acontece comigo, com a diferença de eu não ser candidato a nada. Mas não me inscrevo no partido em que tenho votado quase sempre nos últimos anos e com o qual mais me identifico no geral porque há coisas em que discordo por completo dele. Assim são todos os não-militantes partidários, suponho eu. Ou pelo menos aqueles que têm algumas ideias políticas na cabeça.

Ora bem: pelas posições tomadas publicamente por ambas as partes, é evidente que um dos pontos de discórdia entre partido e candidata independente é o modo como devem ser encarados pela sociedade no seu todo os espetáculos tauromáquicos. Ambas as partes aceitam essa divergência como parte inevitável e natural de se lidar com pessoas que pensam pela própria cabeça, e nenhuma das partes ousa tentar reprimir ou suprimir as ideias discordantes da outra, o que é sintoma de espírito tolerante e democrático, que qualquer pessoa que fosse realmente tolerante e democrática só poderia saudar.

Sabendo o Senhor Palomar disto, como certamente sabe, como se explica aquela tentativa patusca de associar uma posição da independente que é candidata a presidente duma câmara a pretensas "incoerências" num discurso partidário, suprimindo precisamente a parte da história que explica as divergências? Sim, que o Senhor Palomar fala como se Ana Cristina Ribeiro e o BE fossem uma e a mesma coisa, e sabe perfeitamente que isso é uma deturpação desonesta da realidade.

Mas não é nada que surpreenda. Mesmo. A nossa lamentável direita é quase toda assim. Só tenho pena é de que o síndroma ataque desta forma devastadora um blogue que, em geral, até se pode ler.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Ainda a abstenção

Na sequência deste post, publicado antes da cavacal excelência nos tentar atirar para os olhos aquele inenarrável monte de areia de ontem, mas que parecia que estava a prevê-lo, pus-me a fazer umas contas e tive mais algumas ideias sobre o sistema eleitoral e a abstenção. Isto porque se estivermos à espera que certos políticos ganhem algum nível, bem podemos esperar sentados. Se alguém ainda tinha dúvidas, a comunicação ao país da pessoa mais séria de Portugal dissipou-as: é mais seguro procurar combater a abstenção reforçando o sentimento de representação das pessoas do que estar a contar com algum nível por parte dum conjunto alargado dos políticos que temos.

De modo que fiz contas e tive ideias. As contas foram rápidas, aquilo a que os físicos e engenheiros anglófonos chamam, numa tradução literal, cálculos de costas de envelope. Fiz, por exemplo, uma redistribuição dos deputados por círculo não a partir do número de recenseados, como devia ser, mas a partir do número atual de deputados; deu-me mais jeito assim e o resultado é suficientemente próximo daquele que se obteria se tivesse ido buscar os números dos recenseados para ilustrar eficazmente o ponto. Para que fiz essa redistribuição? Para ver o que aconteceria com os resultados de domingo se tivéssemos o sistema de 115 deputados eleitos nos círculos e outros 115 eleitos num círculo nacional de compensação, de que falei no post de segunda-feira. Obriguei os círculos a eleger no mínimo 2 deputados, uni os dois círculos da emigração num só, e redistribuí o resto até perfazer 115. Quanto aos outros 115, resolvi seguir um caminho diferente do que sugeri na segunda-feira. Um caminho que exige alguma explicação.

O ideal, para reduzir as distorções à proporcionalidade e potenciar as hipóteses de mais sensibilidades políticas se verem representadas no parlamento é, como eu disse, um único círculo nacional. Com 230 deputados, esse círculo único teria eleito no domingo 89 deputados do PS, 70 do PSD, 25 do CDS, 24 do BE, 19 da CDU, 2 do MRPP e 1 do MEP, isto é, iriam 38,7% dos deputados para o PS, 30,4% para o PSD, 10,9% para o CDS, 10,4% para o BE, 8,3% para a CDU, 0,9% para o MRPP e 0,4% para o MEP. Se compararem estas percentagens com as percentagens dos votos válidos e não brancos obtidos por cada formação política (37,7%, 30%, 10,8%, 10,2%, 8,1%, 1,0% e 0,4%, respetivamente) verão bem como as diferenças são mínimas. As percentagens de deputados são apenas ligeiramente superiores, com um muito ligeiro, e na minha opinião muito aceitável por ser tão ligeiro, benefício do partido mais votado, devido em grande medida aos votos entregues a formações que não chegam aos cerca de 23 mil votos que marcam a fronteira entre os partidos parlamentares e os outros. Ora, não há nenhuma maneira de fazer com que através dos restos do método de Hondt, como eu sugeri na segunda-feira, se chegue a este nível de precisão. As distorções são sempre maiores. Mas eu gosto da ideia de eleger os quadros nacionais dos partidos por intermédio de um círculo nacional, deixando os círculos regionais para gente com ligação às terras. Como conciliar as duas coisas?

É muito simples. Na verdade, explicar o sistema é bastante mais complicado do que o próprio sistema.

O total de deputados que cada força elege corresponde àqueles que lhe caberiam se no país houvesse um único círculo com 230 deputados. A origem desses deputados é que pode encontrar-se nos círculos regionais ou no círculo nacional de compensação: o número de deputados eleitos através deste é o número total subtraído do número de deputados eleitos pelos círculos. E é só isto. Não perceberam? OK, então exemplifiquemos.

Olhem para os números que pus ali em cima. São esses os totais a atingir e, para os atingir, vão eleger-se 115 deputados pelos círculos e mais 115 pelo círculo de compensação. Fazendo as contas aos resultados de domingo, verifica-se que os 115 deputados eleitos pelos círculos ficariam assim distribuídos: 52 para o PS, 37 para o PSD, 9 para o CDS, 8 para o BE e 7 para a CDU. Isto soma 113: faltam ainda os da emigração, que neste sistema seriam só dois. Suponhamos que vai um para o PS e o outro para o PSD (é bastante natural que seja sempre assim), subindo os totais destes dois partidos para 53 e 38. E quantos deputados cabe a cada um pelo círculo nacional de compensação? Simples: vão 36 para o PS (89-53), 32 para o PSD (70-38), 16 para o CDS (25-9), outros 16 para o BE (24-8), 12 para a CDU (19-7), 2 para o MRPP e 1 para o MEP. Os partidos maiores elegem mais pelos círculos do que pelo de compensação, os médios elegem mais pelo de compensação do que pelos círculos, e os pequenos partidos só elegem pelo de compensação. A distorção da proporcionalidade criada pelos círculos é assim anulada, e o resultado é inteiramente proporcional, ao mesmo tempo que se mantém a representatividade territorial. Ouro sobre azul.

Note-se que isto não funciona com círculos uninominais. Com círculos uninominais é teoricamente possível que um partido "limpe" mais lugares através dos círculos do que os que a proporcionalidade lhe atribuiria. Mas com um sistema em que os círculos têm entre 2 (todo o interior, os Açores e a emigração) e 24 mandatos (Lisboa), funciona às mil maravilhas. E cada voto conta e vale o mesmo, independentemente do local onde é enfiado na urna, porque o número de deputados de cada força é determinado pelo total de votos que ela obtém. Se alguém quer votar no partido xis que sabe que, pelo seu círculo, tem poucas ou nenhumas hipóteses de eleger alguém, tem sempre a certeza de que o seu voto conta para eleger pelo círculo nacional de compensação. Sente-se representado, seja qual for a escolha que faça. Logo, é mais provável que vá votar em vez de ficar em casa a engrossar o número dos abstencionistas.

E outra coisa: o número de deputados por círculo, no sistema que temos, é determinado pelo número de eleitores que cada círculo tem recenseados. Mas há erros nos cadernos eleitorais, erros esses que têm influência direta na composição do parlamento, conforme está exemplarmente exemplificado aqui (incrível: fiz um link para o Blasfémias, e a falar bem!). E que tal esta ideia maluca: deixem lá os eleitores, e passem a fazer as contas com base nos votantes, brancos e nulos incluídos. Se querem ter o número de deputados por círculo definido à partida, usem os votantes das legislativas anteriores; se não for preciso, usem o número das próprias eleições e distribuam os deputados assim que for conhecida a afluência às urnas. Aposto que muita gente, se soubesse que o simples facto de ir ou não votar poderia influenciar a quantidade de gente que é eleita pela sua região, passaria a pensar duas vezes quanto a ficar em casa ou ir à praia. Talvez engrossem o voto em branco, e as frases célebres, mas irão lá. Provavelmente.

São só umas mudançazinhas que podem ser feitas para tentar diminuir a abstenção. E, de passagem, tornar o sistema mais democrático. São só vantagens, parece-me.