quinta-feira, 30 de abril de 2009

Antes que o dia acabe...

Antes que o dia acabe, deixem-me roubar uns segundos ao avanço inexorável do tempo para assinalar algo de que fui recordado pelo serviço público que é este blogue: a Lâmpada faz hoje 6 anos. Para o ano já vai para a escola.

E agora com licença, que vou ali pô-la a soprar velas.

domingo, 19 de abril de 2009

Leitura muito recomendada a todos os interessados no Bibliowiki

Hoje passei a tarde a fazer algo que já planeava fazer há muito, muito tempo, mas que fui adiando por ter dado prioridade à introdução de dados no Bibliowiki. Trata-se de uma página em que o projecto é descrito e algumas das suas características enumeradas, e pretende ao mesmo tempo servir de guia para quem se interessa por ele e responder a algumas dúvidas que têm sido levantadas a seu respeito.

Embora seja ainda um trabalho em curso, julgo ser já de leitura obrigatória para todos os que se interessam pelo projecto, quer desejem colaborar, quer prefiram permanecer na condição de usufrutuário, para ficarem com uma ideia mais concreta sobre o que aquilo é, não é porque nunca foi seu objectivo ser, ou ainda não é.

Gostaria de aproveitar para pedir feedback. Depois de ler aquilo, e tendo em mente que os aspectos mais concretos sobre a edição do wiki ficam para outra página, que dúvidas continuam a ter? O que mais gostariam de saber? Podem responder aqui, ou clicar no link que diz "Corrigir e nova info", para o fazerem no próprio wiki.

sábado, 18 de abril de 2009

Semana

Lá se acabou mais uma semana, e mais uma semana muito pouco produtiva, sob todos os aspectos. Eu chamo-lhe recarregar de baterias, que realmente andavam em baixo. Mas se alguém lhe chamar preguiça eu lá terei de baixar os olhos e raspar com o pé na terra, pois então.

Não que não tenha feito nada. Li os capítulos do próximo livro do Martin que estão disponíveis, quer no último livro (o típico capítulo de chamariz que aparece em todos), quer na web. Depois, escolhi aquele que me pareceu mais interessante, traduzi-o, revi-o e enviei-o à editora. Ou seja: até que o Martin termine e publique A Dance With Dragons, nada mais dele tenho a traduzir.

Isto, claro, se a editora não decidir publicar algum livro fora da série do Gelo e Fogo e não pensar em mim para a tradução. Não se pode dizer que não tivesse a sua piada.

Ah, sim, e também escrevi umas coisas. Tenho um conto quase pronto, o primeiro que escrevo desde há muitos meses. É... bizarro.

O wiki esteve muito parado. Só tem 18 páginas novas desde a semana passada, subindo o total para 16 162. Mesmo tendo em conta que a maior parte do que se fez foi refinamento de material pré-existente, que portanto não entra nas contas das novidades, é pouco.

No que toca a leituras, passei a maior parte da semana a tentar penosamente dar um avanço num romance muito chato, mas ainda li mais umas coisitas. Nomeadamente...

Três crónicas de Saramago. Ninguém se Banha Duas Vezes no Mesmo Rio é um daquelas reflexões filosóficas sobre o tempo e a mudança por que toda a gente já deve ter passado. As Bondosas tem um certo tom neo-realista ao descrever aquilo que terá acontecido à casa de infância da família Saramago. E Cair no Céu é mais um texto umbiguista sobre um momento em que, deitado de costas, o autor se terá deixado dominar pela vertigem do azul. A linguagem é quase sempre saborosa, mas confesso que estas crónicas pouco mais do que isso me estão a dar. A ver vamos o que está para vir.

Li também —E a Lua Continue Assim Brilhante, conto de Bradbury em jeito de western de ficção científica, no qual um dos elementos de mais uma expedição a Marte se decide defensor das cidades mortas do planeta morto, e primeiro deserta, regressando depois para matar os antigos companheiros. É um conto francamente bom se tomado isoladamente, e melhor se torna quando enquadrado na história mais lata a que pertence. É uma das charneiras dessa história.

Por fim, li Four Lawns, um poema razoavelmente longo de Tom Disch. Sabem aqueles textos que se lêem e relêem e nos deixam sem saber o que pensar ou, sequer, se fazem ou não sentido? Pois. Foi o caso.

E é tudo. Até para a semana

The stars, my destiny

OK, o título do post é uma brincadeira que reutiliza o título de um belíssimo romande de ficção científica de Alfred Bester, publicado em Portugal em duas traduções diferentes em 1977 e 1985. Ou de um dos títulos, porque teve dois, sendo o outro Tiger! Tiger! Vivamente recomendável. Mas não é disso que vos quero falar; é do Nuno Galopim.

O Nuno Galopim resolveu fazer uma breve visita ao centro russo de treino de astronautas, e eu acho muitíssimo bem, ainda por cima por ter feito também uma brincadeira com o título de outra obra marcante na ficção científica duma certa geração: a série Espaço: 1999.

O que já não me parece bem é ter-lhe chamado "Star City".

Não, Nuno, aquilo não se chama Star City. Se quisermos ser pernósticos e dar-lhe um nome em estrangeiro, então chamemos-lhe pelo seu nome russo: Звёздный городок, o que se poderia transcrever em português como Zviozdni Gorodok. Star City é, tão-só, a tradução inglesa desse nome, e se vamos usar uma tradução pois que se use a portuguesa, já que o resto do texto é em português. Sim, embora Звёздный городок não signifique precisamente Cidade das Estrelas, é esse o nome comum do lugar em português, provavelmente por adaptação da designação inglesa. Portanto é essa a designação que se deve usar em textos portugueses. Cidade das Estrelas, não Star City.

Mesmo no caso de não haver já uma designação comum na nossa língua, nunca seria boa ideia chamar ao lugar Star City. A Rússia não é um país anglófono. Ou se usava a transcrição do russo, ou então traduzia-se directamente para português. E a tradução mais correcta, nesse caso, seria "Vila das Estrelas", visto que cidade em russo é город (gorod), não городок (gorodok). Городок quer dizer, textualmente, "cidadezinha".

Tá bem?

domingo, 12 de abril de 2009

Conto: Ange e Damune

Hoje, em conversa no twitter, este conto veio à baila. A bem dizer, foi trazido à baila por mim, mas uma das minhas interlocutoras manifestou interesse em lê-lo, e eu lamentei mentalmente, não pela primeira vez, que seja tão simples perder a informação presente na web.

É que o conto tinha sido publicado. Foi em 2005, no site Filhos de Atena, antes de alguém ter achado boa ideia hackeá-lo, fazendo assim com que se perdesse toda a informação lá contida. Desapareceram assim da web dois contos meus, este e outro, e mais uma série de textos duma série de gente, dos quais não resta nem sinal, a não ser que algum desses autores tivesse mantido consigo cópia daquilo que lá foi publicando.

Não foi, aliás, caso único. Com o site da Intempol aconteceu algo de muito semelhante, e as dezenas de ficções e não-ficções que lá se encontravam publicadas só puderam ser recuperadas porque parte delas foi arquivada pelo Web Archive. Um desses contos também é meu. E quando David Soares decidiu mudar de blogue, apagando o antigo, também desapareceu um dos meus contos, além de tudo o que o David tinha aí escrito e de um conto de um brasileiro de que não resta rasto, nem de título nem de autor.

Mas pelo menos Ange e Damune regressa hoje à "vida". Agora mesmo.


Ange e Damune


— Boa tarde, damun Kahaath — disse-me a secretária, uma mulherzinha minúscula de cornichos cor de rosa, um par de desnecessários e anacrónicos óculos pendurado do nariz, cabelo apanhado no alto da cabeça e umas asas raquíticas e cinzentas a despontar das espáduas. Purgatório típico, híbrida e agarrada aos tiques, manias e modas de quem fora na antevida.
— Os ange estão um pouco atrasados — prosseguiu, mantendo o ar circunspecto de burocrata que o era por ideologia e vocação. — Se desejar, pode esperar na sala. Eles não devem tardar.
Grunhi um assentimento e mostrei-lhe os colmilhos. Não custa ser simpático, e o damune tem em alta conta as relações públicas.
A sala era vasta, dominada por uma longa mesa e decorada com aquilo que no purgatório passa bom gosto: metade repleta de não muito subtis mas bastante banais referências ao andar de baixo, a outra com não mais subtis e não menos banais referências ao de cima. Sentei-me no braço de uma das cadeiras dos ange. Apeteceu-me. Ter-me-ia sentado na cadeira propriamente dita, mas são diabolicamente incómodas, com perdão do trocadilho: nada de buraco para o rabo e umas costas que não lembram ao menino jesus, feitas de três paus verticais, juntos a meio das costas como um tridente. É para os mariconços meterem as asinhas, naturalmente, mas não há damun que se consiga enfiar naquilo, muito embora o design esteja imbuído de uma deliciosa ironia.
Levantei-me. Estava a ficar impaciente, o que era precisamente o que os ange queriam. Os antevivos que ainda pensam que a malta do andar de cima respeita escrupulosamente todas as regras deviam ser convidados para vir assistir a uma destas reuniões. Talvez perdessem as manias.
Impaciência, paciência, pum, pam, pim, tralalá, prilimpimpim, não faz mal esperar assim...
Sentei-me numa cadeira do "meu" lado, uma cadeira decente, depositei a maleta sobre a mesa, abri-a e retirei os documentos. Pus-me a ler, apesar de já os conhecer de trás para a frente.
Demonstrando um timing perfeito, os ange escolheram entrar no momento em que acabava a primeira frase.
Eram três. Saudámo-nos com simpatia. Eu mostrei-lhes os colmilhos, eles mostraram-me as bochechas e adejaram as asas, adequadamente brancas e penugentas. Penojentas, diria eu se alguém me perguntasse. Mas ninguém pergunta, pois a moda dos ange é dos ange, só dos ange e ai de quem se intrometa. Lá em baixo conhecemo-los por paneleirotes, por uma questão de tradição, mas a verdade é que se não fossem as asas e o ar bochechudo de querubins, aqueles três até escapavam do cliché efeminado. Um trazia um mohawk e um piercing na asa esquerda, outro era tão barbudo quanto a sua compleição permitia, ostentando uma valente penugem no queixo, e só o terceiro era mais tradicional, mas mesmo esse trazia uma túnica tão curta que mais parecia uma camisa, metida displicentemente para dentro de um par de calças. Aquelas asas repugnantes é que eram, por si só, um atentado ao bom gosto.
Damun Kahaath, certamente? — disse o do mohawk. Mostrei os colmilhos e grunhi. O angi prosseguiu:
— Sou o angi Fuiriri, este é o angi Toriti e este o angi Patatati. Estamos aqui para tratar do caso do senhor Costa Maclaren, não é verdade? Deve ser rápido. Dada a documentação que recolhemos, não nos opomos a que no-lo leve lá para baixo, embora, como sabe, seja nosso dever salvar o máximo de almas que for possível. Infelizmente, somos constantemente confrontados com situações em que, para nosso grande pesar, nos vemos impedidos de exercer esse desígnio dadas as falhas irremediáveis que as almas apresentam à chegada aos nossos serviços. Suponho que esteja de acordo?
O mohawk engana, pensei. Este gajo é tão chato como todos os outros, safa!
— Não — resmunguei. — Não estou nada de acordo. Pelo contrário, acho que o Maclaren é material vosso. De caras.
Os ange pareceram chocados. Genuinamente. Deviam estar à espera que isto fosse favas contadas.
— Desculpe?! — disse o da penugem quando recuperou a fala (O Toriti? Patatati? Bah, não importa).
— Naturalmente. Temos aqui provas concludentes da sua intrínseca bondade — insisti, sacudindo o maço de papéis — e não podemos aceitar gente dessa lá em baixo, de modo algum.
Os ange entreolharam-se e dois levaram as mãos à raiz dos cabelos encaracolados. O terceiro respondeu-me.
— Desculpe, caro colega, mas não me parece que seja possível encontrar nesta alma motivos de redenção. Afinal de contas, o Maclaren fez dois desfalques e assaltou uma drogaria, que diabo... oh! Perdão!...
Soltei uma baforada de fumo das narinas, querendo com isso dizer que por mim podiam falar mal do chefe à vontade.
— Por amor à família — expliquei — por amor à família. O Maclaren tinha uma mãezinha doente, como sabem, padecendo de um caso grave de esquizofrenia paranóide e uma filha aleijadinha...
— Porque ele lhe deu uma surra quando ela tinha três anos! — interrompeu um dos ange. Não lhe fiz caso e continuei a ladainha.
— Aleijadinha, coitada, necessitando de cuidados permanentes e caros que o nosso amigo não podia comportar. — Sou o maior, pensei, comigo a jogar o jogo deles estes três palhaços não têm a mínima hipótese.
— Mas e as vítimas... a propriedade privada... — exasperou-se o da túnica — o que os actos do Macdonald causou nas vidas dos inocentes que atacou!...
— Inocentes? Quais inocentes? — Escolhi uns maços de folhas e atirei-lhos através da mesa. — Têm aí os vossos "inocentes". São todos clientes nossos, salvo a Cátia Castilho, que ainda está anteviva mas já tem um ficheiro lá em baixo bastante agradável e sem dúvida acabará por juntar-se-nos mais cedo ou mais tarde. O Maclaren não só roubou pela família, como escolheu muito bem quem roubava...
— ... ou teve uma sorte diabólica — resmungou o da barbinha, folheando os documentos. Desta vez nem se incomodou em pedir desculpa: estava a ficar zangado. Óptimo!
— Seja — disse o do mohawk, pondo os documentos de lado. — Aceitemos por agora que os roubos são inconclusivos. Isso não invalida o facto de que o Costa Maclaren assassinou duas pessoas a sangue-frio. Como pode sugerir que acolhamos um assassino lá em cima?
Reprimi a tentação de responder que não seria o primeiro. Não seria bom para a negociação. Em vez disso, escolhi uma tangente.
— Qual é o valor que se preza mais lá por cima?
— Como?
— Que é que vocês mais prezam? Qual o valor que está no topo da vossa escala?
— O amor?
— Tá bem, o amor, mas que amor? Isto é, o amor a quê?
— Não percebo onde quer chegar, damun.
— É ou não é verdade que lá em cima o valor supremo é o amor ao vosso chefe? O amor ao que é transcendente? Àquilo que não é humano?
— Bem, sim, mas...
— E é ou não é verdade que é bem aceite lá por cima fechar os olhos a pecadilhos menores quando eles são resultado e consequência desse amor?
— Não propriamente. Nós...
— Não? Então aquilo que você disse no começo da nossa conversa é mentira?
— Como?! Os ange nunca mentem, damun! Nós...
— Desculpe. Mas julgo tê-lo ouvido dizer que é "vosso dever salvar o máximo de almas que for possível". Disse isto, não disse?
— Disse e é verdade! O nosso...
— Certo. E, segundo a última versão do manual operativo dos agentes ange, que os vossos serviços amavelmente nos ofereceram, capítulo terceiro, parágrafo 54, alínea f, cito, "os dilemas e casos omissos devem ser resolvidos a favor da alma sempre que sejam resultado, no todo ou em parte, de amor transcendente ao não humano". Confirmam que citei correctamente, não confirmam?
— Confirmo, sim. Mas se nos deixar argumentar e não nos interromper gostaríamos de salientar que não vemos nenhuma relação entre esse ponto do nosso regulamento e o caso em análise.
— Ah, mas ela existe. Conhecem o caso da cadelinha?
— O caso da cadelinha?!
— Sim, a cadelinha que o Costa Maclaren teve em criança.
— Ah, sim claro. Uma tragédia. Pobre animal.
— Exacto. Pois bem, os nossos serviços psicométricos determinaram, sem margem para dúvidas que no momento de ambos os assassínios o Maclaren evocou a sua cadelinha. Têm aqui os resultados da análise. Ora bem, o que isto significa é que no momento dos assassínios ele não estava em nenhum estado que nos interesse a nós e, bem pelo contrário, se encontrava em pleno êxtase místico, repleto de amor, defendido do pecado por um sentimento que, ainda por cima, obedece às determinações do vosso manual operativo. Segundo os vossos regulamentos, aqueles actos não têm peso e a alma deve ser, como vocês dizem, salva.
Quando me calei os ange olhavam-me de boca aberta e breves lampejos de fúria no mais fundo dos olhos. Provavelmente continham-se para não arrancar a fina camada de bondade e compreensão com que se vestiam todos os dias de manhã e desatar aos palavrões e aos socos na mesa. Quanto a mim, também me continha mas para não me rir. O nó estava atado. E não tinha maneira de ser desatado.
— Isto é, isto é... — acabou por gaguejar o da barba — isto é altamente irregular.
Não disse nada. Limitei-me a mostrar os colmilhos.
O do mohawk estudava a análise psicométrica, provavelmente à procura de falhas. Chato mas inteligente, pensei, mas não vais encontrar nada: não te preparaste suficientemente bem para um caso que pensaste que ia ser apenas rotina e não vais ser capaz de ver para lá dos resultados mais óbvios. Acabou por colocar o documento sobre a mesa e olhar-me, de bochechas rosadas e um tremor pouco saudável nas asas.
— Parece estar tudo em ordem, realmente. Parece que não temos outro remédio senão aceitá-lo... quer dizer — corrigiu rapidamente — teremos todo o gosto em salvar mais esta alma dos tormentos lá de baixo, para maior glória do andar de cima. Como sabe, vivemos imersos em compaixão, o que este caso comprova à saciedade.
Pois, pois, pensei, lá por baixo damos outros nomes a esse tipo de compaixão. Mas disse apenas:
— Assinamos?
— Com certeza.
Fui o último a sair. Os ange esgueiraram-se a toda a pressa assim que puseram um trio de rabiscos ilegíveis no documento de entrega da alma do Maclaren ao andar de cima, levando consigo a sua cópia e a que se destina aos serviços de encaminhamento do Purgatório. Muito simpáticos. Arrumei a minha tralha com todo o vagar. Tinha sido fácil, afinal de contas. E muito divertido.
Quanto ao Costa Maclaren, era um pulha, um canalha, um javardolas da pior espécie. Merecia o inferno sete vezes. Mas para ele, ficar lá em baixo seria como passar a eternidade num parque de diversões. Agora lá em cima... no meio dos chatos todos do universo...
Danação eterna!
Quase que tive pena do homem.
Quase.
Em vez disso, soltei por fim a gargalhada que trazia atravessada. Saiu bastante diabólica. Foi uma boa gargalhada.

sábado, 11 de abril de 2009

Semana

Um pouco mais tarde do que o que é hábito (tenho estado cá com uma preguiça... mas não. Chamemos-lhe "recarregar de baterias". Isso), eis-me aqui a falar da semana que passou.

Passou e com ela foi-se uma avaria na net que já andava a chatear há quase uma semana, mas que foi piorando aos poucos até me deixar quase completamente desligado na terça-feira. O mais chato das avarias nem são as avarias: é o tempo imenso que se perde a fazer experiências nisto e naquilo até que o técnico decida finalmente chegar, e passar depois algumas horas, também ele, a fazer experiências nisto e naquilo enquanto um tipo fica de lado, de braços cruzados, a ver. O que é ainda pior do que perder tempo pessoalmente com experiências.

Mas enfim, lá se foi a avaria, e com ela foi-se um modem e veio outro.

No que toca a trabalho daquele que se executa para ganhar a vida, a semana foi gasta a ler o próximo livro, e já lá vi mais daquelas chaticezitas que me perseguem as traduções: poemas e trocadilhos, um exemplar de cada, que irão querer dizer dois dias de muito trabalho e muito pouco rendimento da espécie que se põe no banco. Não ocupam uma mão-cheia das 315 páginas que ainda estão por fazer, mas deviam valer por umas 10 ou 15.

O wiki esteve razoavelmente activo, com 73 novidades que fizeram crescer o total de artigos para 16 144. Material brasileiro antigo e traduções portuguesas recentes, principalmente.

E como acontece sempre que tenho leituras laborais a fazer, as de lazer ficaram um pouco postas de lado. Mas ainda li umas coisitas. De Bradbury, li Aquele Velho Cão Deitado Sobre a Poeira, um conto algo surrealista sobre uma visita ao circo, cujo interesse reside sobretudo na linguagem. Não gostei lá muito, confesso. Já gostei mais de A Sereia de Curitiba, de Rhys Hughes, um conto sobre um viajante que conhece uma sereia uma certa noite no carnaval de Curutiba. Conhece e apaixona-se ao ponto de a seguir quando ela parte da cidade, de comboio, a cavalo, de bicicleta, através de todos os meios de transporte que consegue arranjar. Não será nenhuma obra-prima, mas é um conto fantástico interessante.

E, tirando o que avancei num par de romances, o que li esta semana resumiu-se a isto. Até à próxima.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Gosto... não gosto

Atenção, atenção. O que se segue é uma tentativa de lançar um meme. Mas um meme invulgar porque completamente livre e voluntário, que não espicaça ninguém para passar adiante. As regras são simples, e convém mantê-las mais ou menos constantes, senão o meme deixa de o ser e passa a ser outro (o que também talvez tivesse o seu interesse de seguir. A evolução do meme, e tal. Mas isso fica para uma próxima oportunidade, parece-me). Basta indicar 5 coisas de que se gosta e 5 coisas de que não se gosta. Só isso, nada mais. Seria útil e faria sentido também republicar as regras, ou fornecer um link para algum sítio onde se possa encontrá-las. Mas para além disso, é à vontade do freguês. Querem explicar porquês? Expliquem. Não vos apetece? Não expliquem. Entendam "coisas" como muito bem vos aprouver. Para mim, a definição é a mais lata possível. Dá para gente, objectos, sentimentos, acções, tudo e mais alguma coisa (lá está). Para vocês será o que entenderem que seja. Ah, e não se passa adiante. Convida-se toda a gente a participar da disseminação do meme não se convidando ninguém. Boa? Vamos lá.

Não gosto de...
Gente presunçosa.
Irritam-me, mexem-me com os nervos. Especialmente quando têm poucos ou nenhuns motivos para a presunção, o que é quase invariavelmente o caso. Quando nada fazem ou o que fazem é mal feito, quando dizem ou escrevem mais asneiras do que coisas acertadas. Quando entre a opinião que têm de si próprios e a realidade se abre um fosso. Quando não uma fossa.

Gosto de...
Rir.
Gosto mesmo de me rir. Gosto tanto de me rir, que no período mais tenebroso da minha vida escrevi uma história como esta.

Não gosto de...
Esparregado.
Não gosto de nada que diga respeito a esparregado. Não gosto do nome, não gosto da cor, não gosto da consistência, nada. Odeio de tal modo o esparregado que a única vez na vida que meti tal lamentável alimento à boca não estive com meias medidas: vomitei. Blhuergh!

Gosto de...
Ficção científica.
Não que goste de toda a ficção científica. Mas sei que gosto de FC porque consigo dela tirar prazer mesmo quando sei perfeitamente que a FC que estou a ler ou a ver é medíocre. Da que é mesmo má não gosto. Mas a medíocre, a mediana menos, a que se esquece imediatamente depois de fechar o livro ou de acabar o filme, essa marcha com gosto. E quando é mesmo boa, oh, delícia das delícias! E já que estamos com a mão nesta massa...

Não gosto de...
Fantasia épica.
É o fenómeno inverso. É preciso que uma obra de fantasia épica seja mesmo muito boa ou excelente para eu gostar dela, e mesmo assim não são todas. As que são meramente boas deixam-me indiferente; as que são medíocres só leio com grande dificuldade. As outras, vade retro, Satanás!

Gosto de...
Aprender.
Adoro aprender. Alimentar o cérebro com informação nova é dos maiores prazeres que a vida traz, e aquilo que mais me entristece na noção de que não estarei vivo para sempre é saber que haverá, por esse motivo, uma imensidão de coisas interessantes que nunca poderei aprender.

Não gosto de...
Promessas não cumpridas.
Especialmente quando quem não as cumpre sou eu. E especialmente quando há outras coisas envolvidas na realização da promessa. A sério: cada promessa não cumprida é uma fonte de frustração para alguém, uma fonte de entropia em algum sistema, um grão na engrenagem. Sempre que se diz "eu faço" e depois não se faz está-se a funcionar como peça defeituosa, e muitas vezes a desencadear uma sucessão de incumprimentos, sempre que há outras coisas ou pessoas dependentes daquilo que não se cumpre. É péssimo.

Gosto da...
Língua portuguesa.
Embora a ache por vezes demasiado perra e inflexível, acho a língua portuguesa um portento de criação colectiva. Pensem bem. Esta nossa língua foi sendo construída, camada após camada, mudança atrás de mudança, ao longo de milhares de anos, por milhões dos seus falantes e escreventes. E hoje, quando bem empregue, consegue ser sublime. Um portento. Qualquer língua o é, provavelmente, mas a portuguesa tem o especial condão de ser a minha.

Não gosto de...
Vizinhos barulhentos.
Vizinhos barulhentos são a escumalha da terra. E está tudo dito.

Gosto de...
Mim.
Não, descansem, não me acho a sétima maravilha do mundo. Mas gosto de mim. E quanto mais amadureço mais de mim gosto. Acho que tenho mais qualidades do que defeitos, e que com o passar do tempo alguns dos defeitos se vão atenuando e algumas das qualidades se vão aprimorando. Gosto particularmente do modo como a minha cabeça funciona. Na maior parte das coisas, pelo menos. Chama-se a isto auto-estima, e suponho que tenho uma quantidade saudável de tal qualidade (sim, é uma qualidade). Não de mais, mas a suficiente. A suficiente, pelo menos, para achar que sou capaz de fazer as coisas e meter mãos à obra. E geralmente até tenho sido.

E pronto, é isto. Não passo o meme a ninguém, mas tu que o leste considera-te convidado a participar neste gosto... não gosto.

sábado, 4 de abril de 2009

Semana

Olé, olá! Estou a sentir-me levezinho!

É que acabei o último livro do Martin e despachei uma tarefa relacionada com o próximo da Hobb que me foi pedida mais ou menos à última hora. E agora o próximo prazo a cumprir é francamente longínquo. A pressão destes últimos meses foi levantada, e eu respiro. E vai ser agora que vou finalmente fazer tudo aquilo que tenho vindo a adiar por falta de tempo, oh se vai.

Bem, tudo, tudo, talvez não. São muitas coisas. Mas pelo menos escrever umas coisas, responder a uns mails mais "cabeludos", fazer uns desenhos e o mais que se verá não irão escapar-me.

No wiki, a semana teve ajudinha externa. E em parte como consequência, aumentou mais 50 páginas, subindo o total para 16 071. Também é algo a que vou poder dedicar-me mais, espero.

Quanto a leituras, li O Cadáver de James Joyce, conto célebre de José Luís Peixoto. Tem alguns pormenores de linguagem deliciosos, é certo. O insólito da situação descrita (um tipo que a páginas tantas decide que James Joyce não devia estar enterrado na Suíça e põe mãos à obra de corrigir essa injustiça) deverá explicar boa parte da atracção que este conto originou pela bibliosfera portuguesa fora. Mas eu confesso que acabei a leitura com uma pergunta entalada: "OK, e daí?" Literariamente é bom, sem dúvida, mas pessoalmente não retirei dele grande coisa. Este conto fecha o número 3 da revista Ficções, que anda globalmente pelo bom, apesar do texto do Mendes A. e, menos, do Agnon. Os do Mário de Carvalho, do Maupassant e do Agualusa, que são aqueles de que mais gostei, compensam.

Também li mais duas crónicas em que Saramago passa em revista duas figuras da sua infância: O Meu Avô, Também, e O Amola-Tesouras. Gostei mais da segunda do que da primeira, mas não gostei assim muito de nenhuma. São textos introspectivos e umbiguistas, características que raramente me despertam interesse, por mais bem escritos que estejam.

A Terceira Expedição, de Ray Bradbury, fala-nos duma expedição a Marte, cujos membros vão encontrar no quarto planeta aqueles que lhes tinham morrido no terceiro: os pais, os avôs, os irmãos mortos em acidentes, as saudades. Pelo menos em aparência. A realidade é diferente: uma espécie de telepatas que se defende daquilo que vê como uma invasão. Bastante bom.

Também bastante bom, mas por outros motivos, é The War on Treemon, de Nancy Kress, uma noveleta que, aparentemente, se debruça sobre uma guerra, no mundo longínquo de Treemon, entre uma sociedade ditatorial e uma outra em que os valores da tolerância e da humanidade são defendidas com fúria puritana e fundamentalista. A semelhança do título com o célebre slogan bushista de "the war on terror" não é coincidência. É a ficção científica, essa literatura a que chamam por aí escapista, a reflectir em mundos distantes sobre o momento contemporâneo no planeta Terra. E muito bem.

E, além de umas visitas a um par de romances, e de um artigo sobre a geografia mítica lovecraftiana, foram estas as leituras da semana. Dentro de sete dias haverá outras. Até lá.