Um Tigre não Bebe Tisanas, de Eduardo Madeira, é um texto longo no contexto deste livro (10 páginas, creio não errar ao afirmar que é o maior de todos), o que se compreende dado tratar-se de uma biografia. A de um tal José Augusto Toledo de Guimarães Luís, mirabolante personagem sempre envolvida nos mais extremistas de todos os extremismos, terrorista, mercenário, colecionador de pósteres, fundador do Partido Anarquista de Todos os Operários e, acima de tudo, mau condutor, que vai passando pela história recente de Portugal e do mundo como quem nada bruços num lago de lâminas de barbear.
É um humor cheio de nonsense, este, um humor que faz questão de brincar com coisas sérias e se alguém não gosta que se vá encher de mosquitos. Imaginação não falta ao Madeira; de tal forma que eu fiquei a perguntar a mim próprio o que lhe sairia da pena (vá, do teclado de computador) um dia que decidisse ser menos destrambelhado. E depois perguntei a mim próprio: conseguiria ele ser menos destrambelhado? Mais: teria ele algum gosto em escrever sendo menos destrambelhado?
Ri, com este texto? Sim, até ri, duas ou três vezes. Não é texto daqueles de gargalhada constante, mas é um texto divertido. Mas será mais do que isso? Não, não creio que o seja, e daí nenhum mal vem ao mundo, antes pelo contrário, talvez.
Textos anteriores deste livro:
quinta-feira, 30 de abril de 2015
Lido: A Bíblia e a Lista Telefónica
A Bíblia e a Lista Telefónica é mais uma crónica radiofónica de Nuno Markl em que se discorre sobre uma ideia verdadeira-mente genial: um projeto de filme que consiste em adaptar, já não a Bíblia, que é ideia gasta e repetitiva, mas sim a lista telefónica.
Verdadeira-mente genial (só para não pensarem que foi calinada casual)!
Claro que, com ideia tão assumidamente parva, o texto também saiu parvo. Mas é aí que está a piada de muito do que o Markl escreve/diz, de modo que ao ler-se esta crónica solta-se algumas vezes ar a grande velocidade pelas narinas, abana-se a cabeça como quem diz "que coisa tão parva" e segue-se adiante depois de se passar um minutinho ou dois divertido.
Que é como quem diz: nada de transcendente, nada que faça rebolar pelo chão agarrado à barriga, mas funciona como se pretende.
Textos anteriores deste livro:
Verdadeira-mente genial (só para não pensarem que foi calinada casual)!
Claro que, com ideia tão assumidamente parva, o texto também saiu parvo. Mas é aí que está a piada de muito do que o Markl escreve/diz, de modo que ao ler-se esta crónica solta-se algumas vezes ar a grande velocidade pelas narinas, abana-se a cabeça como quem diz "que coisa tão parva" e segue-se adiante depois de se passar um minutinho ou dois divertido.
Que é como quem diz: nada de transcendente, nada que faça rebolar pelo chão agarrado à barriga, mas funciona como se pretende.
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segunda-feira, 27 de abril de 2015
Lido: Ninguém Mais se Perderá por Luba
Ninguém Mais se Perderá por Luba é um pequeno conto de Luiz Lopes Coelho que subverte as regras dos contos policiais de uma forma que é impossível revelar sem revelar também o fulcro do conto.
À primeira vista, a história é bastante típica de uma história policial. Uma tal Luba Soares (antes Luchesi, antes Veletch) é encontrada morta, e a polícia investiga as circunstâncias dessa morte, sendo os acontecimentos relatados, em primeira pessoa, por um detetive privado que se envolveu com o caso. São-nos descritos pormenores da vida da vítima e das suas complicadas relações humanas, informações que, à partida, talvez tivessem o seu relevo no desvendar do crime.
Mas depois chegamos ao fim, e Coelho subverte tudo.
Creio que verdadeiros amantes da literatura policial se sentiriam defraudados ao ler esta história; ela é um whodunnit, sim, mas não segue as regras, não fornece ao leitor os elementos necessários para o desvendar do mistério. Eu, que não o sou, achei-a curiosa. Não posso dizer que tenha gostado muito do conto, mas a leitura foi interessante.
À primeira vista, a história é bastante típica de uma história policial. Uma tal Luba Soares (antes Luchesi, antes Veletch) é encontrada morta, e a polícia investiga as circunstâncias dessa morte, sendo os acontecimentos relatados, em primeira pessoa, por um detetive privado que se envolveu com o caso. São-nos descritos pormenores da vida da vítima e das suas complicadas relações humanas, informações que, à partida, talvez tivessem o seu relevo no desvendar do crime.
Mas depois chegamos ao fim, e Coelho subverte tudo.
Creio que verdadeiros amantes da literatura policial se sentiriam defraudados ao ler esta história; ela é um whodunnit, sim, mas não segue as regras, não fornece ao leitor os elementos necessários para o desvendar do mistério. Eu, que não o sou, achei-a curiosa. Não posso dizer que tenha gostado muito do conto, mas a leitura foi interessante.
sábado, 11 de abril de 2015
Lido: Ligeia
Ligeia (bibliografia) é um conto de Edgar Allan Poe que... hm... que eu já tinha lido, e há relativamente pouco tempo. Terei falado aqui dele?
Ora pois falei, sim senhores. Está aqui, a opinião que tive então. E que devo dizer que é, sem tirar nem pôr, a mesmíssima que tive agora.
Às vezes acontece que diferentes leituras das mesmas obras dão origem a opiniões diferentes, em especial se se trata de traduções, e de traduções diferentes por tradutores diferentes, ou quando o período decorrido entre uma e outra é suficiente para o leitor já não ser propriamente o mesmo. Não foi o que aconteceu aqui, apesar de temos traduções diferentes e quatro anos e meio de intervalo entre leituras.
Mérito do Poe, claro.
Conto anterior deste livro:
Ora pois falei, sim senhores. Está aqui, a opinião que tive então. E que devo dizer que é, sem tirar nem pôr, a mesmíssima que tive agora.
Às vezes acontece que diferentes leituras das mesmas obras dão origem a opiniões diferentes, em especial se se trata de traduções, e de traduções diferentes por tradutores diferentes, ou quando o período decorrido entre uma e outra é suficiente para o leitor já não ser propriamente o mesmo. Não foi o que aconteceu aqui, apesar de temos traduções diferentes e quatro anos e meio de intervalo entre leituras.
Mérito do Poe, claro.
Conto anterior deste livro:
Lido: Os Filhos do Fogo
Os Filhos do Fogo (bibliografia) é uma curiosa noveleta de Jorge Palinhos que me fez lembrar um pouco O Prestígio, de Christopher Priest. O protagonista, também narrador, é um homem de certas posses, como costumava dizer-se nas histórias de antigamente, amigo da cultura e de tertúlias, que a páginas tantas, numa dessas tertúlias, conhece um tal Casimiro Gonçalves, poeta de vulto e de mérito. Nada de mais? Não tanto assim. Qual não é o seu espanto quando, dias mais tarde, acorda a meio da noite com o mesmíssimo Casimiro no seu quarto, em cima de si, a tentar sufocá-lo com uma almofada.
Palinhos arranca daqui para construir uma história mirabolante, num ambiente e num estilo muito oitocentistas. O que a faz mover é, claro, o mistério em volta de Casimiro Gonçalves, e por isso mesmo não o irei detalhar. Direi apenas que o ambiente oitocentista inclui também uma certa abordagem um pouco, digamos, "etérea" às questões físicas e que isso tem relevância central para o enredo, além de ser aquilo que mais me levou a recordação até ao romance de Priest.
A noveleta é boa. Bastante, mesmo. Poderá exigir um certo esforço para suspender a descrença mas, uma vez esse esforço bem sucedido, fica-se livre para apreciar uma história muito bem estruturada e bem escrita, com toques de humor nos lugares certos.
A única coisa que me deixou algumas dúvidas foi a forma como ela se encaixa nas restantes que compõem o livro. Pareceu-me destoar um pouco; as duas histórias lidas antes dela nada têm dos toques novecentistas que Palinhos inculcou na sua, o que faz com que esta última tenha um certo ar de corpo estranho. Mas a verdade é que pode perfeitamente ser só impressão ilusória e passageira; afinal de contas, é apenas a terceira história em 17.
Contos anteriores deste livro:
Palinhos arranca daqui para construir uma história mirabolante, num ambiente e num estilo muito oitocentistas. O que a faz mover é, claro, o mistério em volta de Casimiro Gonçalves, e por isso mesmo não o irei detalhar. Direi apenas que o ambiente oitocentista inclui também uma certa abordagem um pouco, digamos, "etérea" às questões físicas e que isso tem relevância central para o enredo, além de ser aquilo que mais me levou a recordação até ao romance de Priest.
A noveleta é boa. Bastante, mesmo. Poderá exigir um certo esforço para suspender a descrença mas, uma vez esse esforço bem sucedido, fica-se livre para apreciar uma história muito bem estruturada e bem escrita, com toques de humor nos lugares certos.
A única coisa que me deixou algumas dúvidas foi a forma como ela se encaixa nas restantes que compõem o livro. Pareceu-me destoar um pouco; as duas histórias lidas antes dela nada têm dos toques novecentistas que Palinhos inculcou na sua, o que faz com que esta última tenha um certo ar de corpo estranho. Mas a verdade é que pode perfeitamente ser só impressão ilusória e passageira; afinal de contas, é apenas a terceira história em 17.
Contos anteriores deste livro:
Lido: The Drowned
The Drowned é um conto de (Joel Lane) autor anónimo, contado na primeira pessoa, sobre uma relação amorosa entre dois homens, um dos quais HIV-positivo. À primeira vista pouco parece ter de fantástico (o que só tem relevância porque é nisso -- e no anonimato provisório dos autores -- que se centra esta revista). A história vai-se desenrolando, da sedução à paixão, desta a uma vida em comum entre aberta e clandestina, e pelos altos e baixos de qualquer relação sentimental entre duas pessoas, embora carregada pelo facto de uma delas estar doente.
Até que entra o tema da água. O protagonista-narrador, ao ficar a saber que o namorado tem medo de água e não sabe nadar, decide que há de o ensinar para lhe afastar os receios. E consegue. E passado algum tempo vai com ele de férias para o litoral, onde pretende acabar-lhe com o resto da fobia com uma sessão de natação no mar. E é aí que se dá um primeiro desenlace (a história ainda se prolonga relatando superficialmente o resto da relação), com a irrupção de um fantástico muito todoroviano numa história que até então era inteiramente realista.
Trata-se de mais um bom conto. Bem escrito, bem desenvolvido e bem concluído. Não aconselhável a homofóbicos (e daí...), mas bom.
Contos anteriores desta publicação:
Até que entra o tema da água. O protagonista-narrador, ao ficar a saber que o namorado tem medo de água e não sabe nadar, decide que há de o ensinar para lhe afastar os receios. E consegue. E passado algum tempo vai com ele de férias para o litoral, onde pretende acabar-lhe com o resto da fobia com uma sessão de natação no mar. E é aí que se dá um primeiro desenlace (a história ainda se prolonga relatando superficialmente o resto da relação), com a irrupção de um fantástico muito todoroviano numa história que até então era inteiramente realista.
Trata-se de mais um bom conto. Bem escrito, bem desenvolvido e bem concluído. Não aconselhável a homofóbicos (e daí...), mas bom.
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Lido: A Encenação
A Encenação (bibliografia), conto de José Manuel Lopes, é outra história alternativa com bastante interesse (duas de seguida! uau!), principalmente porque não se conforma ao plano ficcional específico de si própria, se me perdoarem a frase bombástica.
É que a história tem vários níveis. No primeiro, é uma história relativamente simples na qual se conta com detalhe como, por que motivo e através de que personagens falhou uma conspiração que pretendia matar o rei no ano de 1908, com o objetivo último de acabar com a monarquia. Quem saiba algo da história de Portugal, sabe que essa conspiração não falhou, o que nos coloca na alternativa histórica que é imagem de marca do género história alternativa.
Mas por trás desse nível, há outro. Um subtil jogo com a ideia de universos paralelos, e até mesmo algumas alusões metaficcionais, que o autor introduz no texto por intermédio de sonhos e devaneios. É coisa arriscada, que nem sempre sai bem. Na verdade, na maior parte das vezes sai mal. Mas o resultado, aqui, é interessante, porque Lopes consegue inverter a situação bem o suficiente para que o leitor como se se entreveja nos interstícios da história e ache isso natural.
Não me parece que seja conto que agrade a toda a gente, mas a mim agradou.
Contos anteriores deste livro:
É que a história tem vários níveis. No primeiro, é uma história relativamente simples na qual se conta com detalhe como, por que motivo e através de que personagens falhou uma conspiração que pretendia matar o rei no ano de 1908, com o objetivo último de acabar com a monarquia. Quem saiba algo da história de Portugal, sabe que essa conspiração não falhou, o que nos coloca na alternativa histórica que é imagem de marca do género história alternativa.
Mas por trás desse nível, há outro. Um subtil jogo com a ideia de universos paralelos, e até mesmo algumas alusões metaficcionais, que o autor introduz no texto por intermédio de sonhos e devaneios. É coisa arriscada, que nem sempre sai bem. Na verdade, na maior parte das vezes sai mal. Mas o resultado, aqui, é interessante, porque Lopes consegue inverter a situação bem o suficiente para que o leitor como se se entreveja nos interstícios da história e ache isso natural.
Não me parece que seja conto que agrade a toda a gente, mas a mim agradou.
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quinta-feira, 9 de abril de 2015
Lido: As Unhas dos Pés
As Unhas dos Pés é outro texto do Nuno Markl, com o muito em comum com o anterior que seria de esperar, mas que funciona melhor enquanto texto lido. O motivo é duplo: por um lado, o texto em si está menos dependente da voz do Markl para funcionar, é um texto menos radiofónico; por outro, vem acompanhado de bonecada ilustrativa (feita pelo próprio, claro, e quem já viu os desenhos do Markl pode ter uma ideia bastante concreta do que aqui se pode encontrar), que o complementa bastante bem.
O tema são, claro, as unhas dos pés, mais propriamente as unhas de pés masculinos. Não propriamente enquanto tal, mas enquanto barómetros do estado da relação do feliz possuidor das unhas (que são, como toda a gente sabe, uma chatice do caraças para cortar) com a respetiva cara metade. E tem graça, sim senhor. Tem bastante graça.
Textos anteriores deste livro:
O tema são, claro, as unhas dos pés, mais propriamente as unhas de pés masculinos. Não propriamente enquanto tal, mas enquanto barómetros do estado da relação do feliz possuidor das unhas (que são, como toda a gente sabe, uma chatice do caraças para cortar) com a respetiva cara metade. E tem graça, sim senhor. Tem bastante graça.
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quarta-feira, 8 de abril de 2015
Lido: Manuscrito Encontrado Numa Garrafa
Manuscrito Encontrado Numa Garrafa (bibliografia) é um conto de horror de Edgar Allan Poe, escrito em forma de depoimento pelo protagonista, que, como o título indica, o terá lançado ao mar dentro de uma garrafa na esperança de um dia alguém o encontrar. Nesse depoimento é relatada uma mirabolante história de naufrágios, salvamentos in extremis e misteriosas viagens por um mundo e num navio alterados e mais que um pouco fantasmagóricos, principalmente o navio, visto ser tripulado por marinheiros que são descritos como homens (serão homens?) quase incompreensivelmente envelhecidos.
É um conto excelente, como seria de esperar de Poe, e que põe em cheque alguns clichés sobre a arte da escrita que se têm tornado populares nos últimos tempos. De facto, aqui Poe não mostra nada, conta tudo. E no entanto não há neste conto nada fora do sítio, o que indica que não é no contar ou mostrar que está a questão, mas na qualidade do texto e na perícia com que o autor transmite ao leitor o que pretende transmitir.
Um conto de leitura muito aconselhável, em particular aos que pensam que as receitas que aprendem em cursos de escrita criativa são o alfa e o ómega da criação literária.
É um conto excelente, como seria de esperar de Poe, e que põe em cheque alguns clichés sobre a arte da escrita que se têm tornado populares nos últimos tempos. De facto, aqui Poe não mostra nada, conta tudo. E no entanto não há neste conto nada fora do sítio, o que indica que não é no contar ou mostrar que está a questão, mas na qualidade do texto e na perícia com que o autor transmite ao leitor o que pretende transmitir.
Um conto de leitura muito aconselhável, em particular aos que pensam que as receitas que aprendem em cursos de escrita criativa são o alfa e o ómega da criação literária.
segunda-feira, 6 de abril de 2015
Lido: Venha a Mim o Nosso Reino
Venha a Mim o Nosso Reino (bibliografia) é um conto eletropunk do estreante Ricardo Correia sobre a queda e morte (ou será que não?) de um tal Luís Couto, supremo reverendo da Igreja do Deus Eletromagnético.
O conto começa bastante bem, com uma boa descrição de quem Couto foi antes de ter "encontrado a vocação", intercalada por cenas em que se mostra quem ele é: um arrivista ambicioso, que se serve da religião e das ligações ao mais alto nível que a sua condição de líder lhe traz para obter informações e, consequentemente, poder. E também sexo, muito sexo.
No entanto, se nos abstrairmos da condição de estretante do autor, e apesar de conter várias ideias interessantes, o desenvolvimento da história deixa algo a desejar, desembocando numa cena de violência sem grande profundidade e repleta de exageradíssimas onomatopeias que poderão ficar bem numa BD mas em texto corrido se tornam... bem... ridículas. ("VvvvrrrrrrrBRRRRAAAAMM"? A sério?)
Mas a verdade é que Correia é estreante na literatura propriamente dita, embora já tenha experiência na arte de contar histórias através da BD. Portanto, sendo certo que ainda tem muito a aprender, não é menos certo que a estreia é auspiciosa. O conto não é mau, tem trechos até bastante bons, e poderia mesmo ser globalmente bom com um pouco mais de solidez literária. Também é algo prejudicado por se seguir a um bom conto do Barreiros, mas nisso a culpa não é dele.
É, decididamente, autor a manter debaixo de olho.
Conto anterior deste livro:
O conto começa bastante bem, com uma boa descrição de quem Couto foi antes de ter "encontrado a vocação", intercalada por cenas em que se mostra quem ele é: um arrivista ambicioso, que se serve da religião e das ligações ao mais alto nível que a sua condição de líder lhe traz para obter informações e, consequentemente, poder. E também sexo, muito sexo.
No entanto, se nos abstrairmos da condição de estretante do autor, e apesar de conter várias ideias interessantes, o desenvolvimento da história deixa algo a desejar, desembocando numa cena de violência sem grande profundidade e repleta de exageradíssimas onomatopeias que poderão ficar bem numa BD mas em texto corrido se tornam... bem... ridículas. ("VvvvrrrrrrrBRRRRAAAAMM"? A sério?)
Mas a verdade é que Correia é estreante na literatura propriamente dita, embora já tenha experiência na arte de contar histórias através da BD. Portanto, sendo certo que ainda tem muito a aprender, não é menos certo que a estreia é auspiciosa. O conto não é mau, tem trechos até bastante bons, e poderia mesmo ser globalmente bom com um pouco mais de solidez literária. Também é algo prejudicado por se seguir a um bom conto do Barreiros, mas nisso a culpa não é dele.
É, decididamente, autor a manter debaixo de olho.
Conto anterior deste livro:
Lido: Estacionamento Proibido
Estacionamento Proibido (bibliografia) é um conto de Maria de Menezes, no qual um polícia extraordinariamente obtuso, dividido entre o afã de passar multas aos muitos prevaricadores automóveis da capital e a falta de vontade de andar de um lado para o outro no meio da chuvada que vai caindo, depara com um veículo invulgar. E, pouco depois, com o não menos invulgar dono do veículo.
O leitor, ou pelo menos o leitor que não seja tão obtuso como o guarda (e seria difícil sê-lo) depressa percebe que veículo e condutor não são deste mundo, e vai assistindo, incrédulo e divertido, aos malentendidos com que o bom do polícia vai explicando a si próprio as peculiaridades do indivíduo que lhe caiu na rifa.
E basicamente, o conto é isso. Uma história situacional, centrada nos malentendidos do polícia e na boa vontade atrapalhada do ET.
Outra vez comédia, claro. E de novo comédia com um revestimento de ficção científica razoavelmente ténue, agora pertencente à variante ufológica. Mas como desta feita a comédia tem mesmo graça, sendo nisso auxiliada pela ausência de distrações ortográficas e por uma maior agilidade e brevidade do texto, gostei bastante mais deste conto do que da noveleta de abertura.
Conto anterior deste livro:
O leitor, ou pelo menos o leitor que não seja tão obtuso como o guarda (e seria difícil sê-lo) depressa percebe que veículo e condutor não são deste mundo, e vai assistindo, incrédulo e divertido, aos malentendidos com que o bom do polícia vai explicando a si próprio as peculiaridades do indivíduo que lhe caiu na rifa.
E basicamente, o conto é isso. Uma história situacional, centrada nos malentendidos do polícia e na boa vontade atrapalhada do ET.
Outra vez comédia, claro. E de novo comédia com um revestimento de ficção científica razoavelmente ténue, agora pertencente à variante ufológica. Mas como desta feita a comédia tem mesmo graça, sendo nisso auxiliada pela ausência de distrações ortográficas e por uma maior agilidade e brevidade do texto, gostei bastante mais deste conto do que da noveleta de abertura.
Conto anterior deste livro:
domingo, 5 de abril de 2015
Lido: Striped Pajamas
Striped Pajamas é mais um brevíssimo conto de autor anónimo (segundo os boatos cochichados pelas esquinas é de Margaret B. Simon), contado na segunda pessoa, sobre uma despedida. Ou talvez sobre uma libertação. Sobre um suicídio?
O conto não é claro. É daqueles contos que sugerem mais do que dizem, deixando-se propositadamente ocultar atrás de um véu de ambiguidade. E fá-lo bem; nesse sentido é um bom conto. Também o é por tratar bem a língua inglesa. Mas o facto é que não gostei muito dele. É demasiado curto e demasiado vago para me ter realmente agradado. Pareceu-me ter havido muito — demasiado — que ficou só na cabeça da autora, sem sequer se deixar espreitar através do texto propriamente dito. Se fosse mais longo talvez fosse melhor. Só talvez. Mas mesmo assim não é um mau conto.
Contos anteriores desta publicação:
O conto não é claro. É daqueles contos que sugerem mais do que dizem, deixando-se propositadamente ocultar atrás de um véu de ambiguidade. E fá-lo bem; nesse sentido é um bom conto. Também o é por tratar bem a língua inglesa. Mas o facto é que não gostei muito dele. É demasiado curto e demasiado vago para me ter realmente agradado. Pareceu-me ter havido muito — demasiado — que ficou só na cabeça da autora, sem sequer se deixar espreitar através do texto propriamente dito. Se fosse mais longo talvez fosse melhor. Só talvez. Mas mesmo assim não é um mau conto.
Contos anteriores desta publicação:
Lido: A Noite das Marionetas
A Noite das Marionetas (bibliografia) é um conto de história alternativa de João Seixas ambientado num 1916 alternativo, num universo em que a monarquia se prolongou para lá de 1910, mas em que a instabilidade que caracterizou o início do século XX em toda a Europa não deixou de existir e de ter efeitos e consequências.
Este é, sem quaisquer reservas, um bom conto. Porque cria uma alternativa histórica credível e inteligente, sem a ultrassimplificação (ou a pura e simples ignorância do que é a história alternativa) que é imagem de marca de tantas das histórias presentes neste livro, porque está bem concebido, intercalando narração em primeira pessoa, feita por um dos principais protagonistas da ação, com depoimentos e documentos relevantes para a investigação dessa mesma ação, décadas mais tarde, que funcionam bem para dar ao leitor a informação relevante de uma forma que faz todo o sentido literário, evitando introduzir infodumps a seco e à pressão, e porque está bem escrita.
E só não é um excelente conto porque padece de um certo excesso de enrodilhamento narrativo, correndo o risco de se tornar confuso para muita gente. Tentando não revelar demasiado sobre a história, porque o seu desvendar constitui boa parte daquilo que prende o leitor ao conto, ela tem a ver com uma conspiração que envolve pretendentes ao trono, republicanos, maçons, alemães, ingleses e espanhóis, a Primeira Grande Guerra e as principais colónias portuguesas em África, alvo de cobiças variadas, cobiças essas que tanto contribuíram para a guerra. No meio de tudo isto, o protagonista, um certo Padre Marietti, comporta-se de forma muito pouco eclesiástica.
Sem dúvida a melhor história do livro, pelo menos até agora.
Contos anteriores deste livro:
Este é, sem quaisquer reservas, um bom conto. Porque cria uma alternativa histórica credível e inteligente, sem a ultrassimplificação (ou a pura e simples ignorância do que é a história alternativa) que é imagem de marca de tantas das histórias presentes neste livro, porque está bem concebido, intercalando narração em primeira pessoa, feita por um dos principais protagonistas da ação, com depoimentos e documentos relevantes para a investigação dessa mesma ação, décadas mais tarde, que funcionam bem para dar ao leitor a informação relevante de uma forma que faz todo o sentido literário, evitando introduzir infodumps a seco e à pressão, e porque está bem escrita.
E só não é um excelente conto porque padece de um certo excesso de enrodilhamento narrativo, correndo o risco de se tornar confuso para muita gente. Tentando não revelar demasiado sobre a história, porque o seu desvendar constitui boa parte daquilo que prende o leitor ao conto, ela tem a ver com uma conspiração que envolve pretendentes ao trono, republicanos, maçons, alemães, ingleses e espanhóis, a Primeira Grande Guerra e as principais colónias portuguesas em África, alvo de cobiças variadas, cobiças essas que tanto contribuíram para a guerra. No meio de tudo isto, o protagonista, um certo Padre Marietti, comporta-se de forma muito pouco eclesiástica.
Sem dúvida a melhor história do livro, pelo menos até agora.
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sábado, 4 de abril de 2015
Lido: A Educação Física
A Educação Física é uma crónica inteiramente típica de Nuno Markl. O tema é, claro, a educação física e o trauma que tal disciplina terá provocado no jovem Nuno. A coisa é mirabolante e mete humilhação e cuecas brancas. E sim, tem graça, mas a maior parte dessa graça nasce quando imaginamos a crónica a ser dita na rádio, na voz do Markl, com as suas inflexões e hesitações, com aquele tom de só-a-mim-acontecem-coisas-destas que ele tanto e tão bem usa. Duvido que quem nunca o tenha ouvido contar uma destas histórias se divirta por aí além com este texto. É texto para ser ouvido, não para ser lido. Nem que seja só no rádio da memória.
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Lido: O Turno da Noite
O Turno da Noite (bibliografia) é uma noveleta de João Barreiros, de um misto de ficção científica e horror, que segue um turno de trabalho de um revisor de caminho de ferro. Mas não de algum caminho de ferro que conheçamos, pois estamos em plena realidade paralela, num outro ano 2000, bem diferente daquele por que passámos há 15 anos. A linha em que José Silvério — assim se chama o protagonista — trabalha é a Trans-sub-Tejo, uma linha de metro escavada num longo túnel por baixo do Mar da Palha, ligando a margem norte e a margem sul de uma outra Grande Lisboa.
Para quem conheça bem a obra de Barreiros, há muito nesta história que é reconhecível. Na verdade, se crítica se pode fazer com propriedade ao autor é repetir com frequência o mesmo tipo de personagem e de circunstâncias, embora em cenários distintos. Aqui, Silvério é um vencido da vida, mais um, uma vítima das circunstâncias, um homem que procura adaptar-se o melhor que lhe é possível a uma maré irresistível de entropia que o arrasta e submerge. E a história é a história desse arrastamento e submersão, da forma como Silvério lida com o inevitável. Da forma como ele estrebucha, tantas vezes mais por vontade do que por atos, contra um universo que conspira para o derrotar.
Já lemos esta história em outras tantas histórias de Barreiros. Mas a grande vantagem que esta repetição tem é criar condições para o apuramento, para já saber de trás para a frente com que ingredientes e cozedura há que executar a receita. Barreiros pode escrever muitas vezes a mesma história, mas a verdade é que a escreve muitíssimo bem. Mais comboio, menos comboio, mais Lisboa alterada, menos Lisboa alterada, mais fantasmas, menos fantasmas, a história costuma sair eficaz, ritmada, bastante bem escrita e interessante. Boa, portanto.
E esta não é exceção.
Para quem conheça bem a obra de Barreiros, há muito nesta história que é reconhecível. Na verdade, se crítica se pode fazer com propriedade ao autor é repetir com frequência o mesmo tipo de personagem e de circunstâncias, embora em cenários distintos. Aqui, Silvério é um vencido da vida, mais um, uma vítima das circunstâncias, um homem que procura adaptar-se o melhor que lhe é possível a uma maré irresistível de entropia que o arrasta e submerge. E a história é a história desse arrastamento e submersão, da forma como Silvério lida com o inevitável. Da forma como ele estrebucha, tantas vezes mais por vontade do que por atos, contra um universo que conspira para o derrotar.
Já lemos esta história em outras tantas histórias de Barreiros. Mas a grande vantagem que esta repetição tem é criar condições para o apuramento, para já saber de trás para a frente com que ingredientes e cozedura há que executar a receita. Barreiros pode escrever muitas vezes a mesma história, mas a verdade é que a escreve muitíssimo bem. Mais comboio, menos comboio, mais Lisboa alterada, menos Lisboa alterada, mais fantasmas, menos fantasmas, a história costuma sair eficaz, ritmada, bastante bem escrita e interessante. Boa, portanto.
E esta não é exceção.
quinta-feira, 2 de abril de 2015
Lido: Como Fazer Sucesso e Subir na Vida
Como Fazer Sucesso e Subir na Vida (bibliografia) é uma longa noveleta de Maria de Menezes, de algo de semelhante a ficção científica, sobre um funcionário de alto nível do governo português (ou melhor, port-uguês) que concebe e põe em prática um mirabolante plano para, precisamente, fazer sucesso e subir na vida.
Escrito em forma de diário e na primeira pessoa, a noveleta é satírica e pretende, não fazer boa ficção científica, mas sobretudo gozar com as altas figurinhas do Estado, coisa que é tão comum nas letras portuguesas que até eu tenho de me confessar culpado de já ter feito o mesmo. A história ambienta-se quatrocentos anos num futuro bastante mal caracterizado, que seria igualzinho ao presente se não fossem algumas engenhocas futurísticas e uma muito gratuita (e francamente irritante) hifenização de meia dúzia de palavras aparentemente aleatórias, embora usadas com frequência ao longo do texto. Ele é Port-ugal, ele é junh-o, ele é univ-ersidade, ele é hist-ória, por aí fora. Porquê? Para quê? Mistério.
(Mistério, sim, apesar da sarcástica referência ao "49º Acordo Ortográfico". Compreender-se-ia se esta tolice viesse acompanhada por alguma espécie de inovação linguística. Mas não, nada. O texto é linguisticamente banal, ou mesmo conservador, limitando-se o seu "futurismo linguístico" a hífenes distribuídos ao calhas. Mais valia que tivesse mantido uma banalidade completa, francamente.)
Apesar disso, a história propriamente dita tem algum interesse. O protagonista, Ze Dassilva, é um ressabiado que não suporta a supina incompetência arrogante do seu direto superior hierárquico, um muito aristocrático "Lançarote Alb-uquerque." E por isso, quando o governo encarrega o seu departamento de preparar as comemorações do quarto centenário da entrada de Portugal para a CEE e os mil anos da Batalha de Aljubarrota, e fica sabendo que vem provisoriamente até ao país um aparelhómetro sofisticado, emprestado pelos americanos, que permite viajar no tempo, concebe um plano. E põe-no em prática.
Não direi que plano é nem o que daqui sai, embora pelo título do livro de que esta história faz parte já dê para suspeitar. Digo só que quando finalmente a história engrena, o que leva tempo a acontecer, ela se torna interessante e até vagamente divertida, embora até aí seja um bom bocado aborrecida. O suficiente para, no cômputo final, a noveleta atingir um nível razoável.
Escrito em forma de diário e na primeira pessoa, a noveleta é satírica e pretende, não fazer boa ficção científica, mas sobretudo gozar com as altas figurinhas do Estado, coisa que é tão comum nas letras portuguesas que até eu tenho de me confessar culpado de já ter feito o mesmo. A história ambienta-se quatrocentos anos num futuro bastante mal caracterizado, que seria igualzinho ao presente se não fossem algumas engenhocas futurísticas e uma muito gratuita (e francamente irritante) hifenização de meia dúzia de palavras aparentemente aleatórias, embora usadas com frequência ao longo do texto. Ele é Port-ugal, ele é junh-o, ele é univ-ersidade, ele é hist-ória, por aí fora. Porquê? Para quê? Mistério.
(Mistério, sim, apesar da sarcástica referência ao "49º Acordo Ortográfico". Compreender-se-ia se esta tolice viesse acompanhada por alguma espécie de inovação linguística. Mas não, nada. O texto é linguisticamente banal, ou mesmo conservador, limitando-se o seu "futurismo linguístico" a hífenes distribuídos ao calhas. Mais valia que tivesse mantido uma banalidade completa, francamente.)
Apesar disso, a história propriamente dita tem algum interesse. O protagonista, Ze Dassilva, é um ressabiado que não suporta a supina incompetência arrogante do seu direto superior hierárquico, um muito aristocrático "Lançarote Alb-uquerque." E por isso, quando o governo encarrega o seu departamento de preparar as comemorações do quarto centenário da entrada de Portugal para a CEE e os mil anos da Batalha de Aljubarrota, e fica sabendo que vem provisoriamente até ao país um aparelhómetro sofisticado, emprestado pelos americanos, que permite viajar no tempo, concebe um plano. E põe-no em prática.
Não direi que plano é nem o que daqui sai, embora pelo título do livro de que esta história faz parte já dê para suspeitar. Digo só que quando finalmente a história engrena, o que leva tempo a acontecer, ela se torna interessante e até vagamente divertida, embora até aí seja um bom bocado aborrecida. O suficiente para, no cômputo final, a noveleta atingir um nível razoável.
quarta-feira, 1 de abril de 2015
Lido: Viagem a uma Rua de Paris e à Origem dos Telefones Portáteis
Viagem a uma Rua de Paris e à Origem dos Telefones Portáteis é uma historinha aparentemente autobiográfica de Enrique Vila-Matas, que relata um encontro, em Paris, com um desconhecido que decide contar a história de como Hedy Lamarr, beldade austro-americana, desmentindo todos os clichés e preconceitos sobre a relação entre a beleza (e as mulheres, há que dizê-lo) e a inteligência, inventou o sistema FHSS de comunicação por rádio que, entre outras coisas, veio a possibilitar as modernas redes de telemóveis.
O conto está bem escrito e há nele um certo encanto gerado sobretudo pelas interligações que o autor apresenta entre lugares e personagens que à primeira vista seriam totalmente díspares, mas confesso não ter gostado muito. Mesmo sendo Lamarr uma personagem fascinante. O certo é que este tipo de texto nunca me despertou grande interesse, e este não é exceção.
Idiossincrasias pessoais, é o que é.
Contos anteriores desta publicação:
O conto está bem escrito e há nele um certo encanto gerado sobretudo pelas interligações que o autor apresenta entre lugares e personagens que à primeira vista seriam totalmente díspares, mas confesso não ter gostado muito. Mesmo sendo Lamarr uma personagem fascinante. O certo é que este tipo de texto nunca me despertou grande interesse, e este não é exceção.
Idiossincrasias pessoais, é o que é.
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Lido: Earthworks
Earthworks, de mais um autor anónimo (guardam segredo? Então é de Simon Kevin), é um conto muito interessante sobre uma mulher que em certa altura da sua vida se descobre alérgica ao mundo moderno. Não figurativamente (embora o simbolismo seja evidente): fisicamente. E por isso tem de se retirar para o interior de uma bolha de isolamento que a contém a ela e à sua coleção de objetos obsoletos, cortando todas as ligações com o mundo exterior e os contaminantes que ele carrega consigo.
O conto está francamente bem concebido, levando o leitor num balanço suave, em infodumps que mal se notam, sobre o passado e o presente, sobre a vida da protagonista, tanto a anterior ao isolamento como a contemporânea, sobre as pessoas que dela fazem e terão outrora feito parte.
A dar estrutura a tudo estão as escavações que ela a dada altura resolve começar a fazer em segredo e que dão título ao conto. Escavações que são uma mistura de arqueologia e fuga, uma espécie de retorno a épocas anteriores à modernidade que a põe doente. Dir-se-ia quase um regresso ao útero do tempo.
Um pouco ludita? Talvez; afinal de contas, a protagonista só no passado se encontra a si e à sua liberdade. Mas é provável que aqui se trate, mais do que de ludismo, da nostalgia pelo que já foi (e de idealização do passado, também), que constitui uma porção tão grande do apelo que a história tem na literatura e demais artes narrativas para quem dela é fã. Imagino que seja esse o caso do nosso autor anónimo, ou que ele tenha decidido escrever um conto simbólico com uma dessas pessoas como protagonista. Mas fosse esse o objetivo ou não, o certo é que o conto é realmente bom.
Contos anteriores desta publicação:
O conto está francamente bem concebido, levando o leitor num balanço suave, em infodumps que mal se notam, sobre o passado e o presente, sobre a vida da protagonista, tanto a anterior ao isolamento como a contemporânea, sobre as pessoas que dela fazem e terão outrora feito parte.
A dar estrutura a tudo estão as escavações que ela a dada altura resolve começar a fazer em segredo e que dão título ao conto. Escavações que são uma mistura de arqueologia e fuga, uma espécie de retorno a épocas anteriores à modernidade que a põe doente. Dir-se-ia quase um regresso ao útero do tempo.
Um pouco ludita? Talvez; afinal de contas, a protagonista só no passado se encontra a si e à sua liberdade. Mas é provável que aqui se trate, mais do que de ludismo, da nostalgia pelo que já foi (e de idealização do passado, também), que constitui uma porção tão grande do apelo que a história tem na literatura e demais artes narrativas para quem dela é fã. Imagino que seja esse o caso do nosso autor anónimo, ou que ele tenha decidido escrever um conto simbólico com uma dessas pessoas como protagonista. Mas fosse esse o objetivo ou não, o certo é que o conto é realmente bom.
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