segunda-feira, 30 de agosto de 2021
Publicar? Sim. Mas a qualquer custo, não.
Há pessoas para as quais escrever só faz sentido se o que é escrito for publicado. Não tenho nada contra, mas não sou assim. Para mim, escrever é coisa pessoal, que acontece porque há histórias a querer sair. Depois de elas saírem, publicar é coisa que pode acontecer ou não. Se é certo que o escrito quer ser lido, normalmente, não é menos certo que quando o que nos move é o ato de escrever propriamente dito a leitura por outros é apenas um sucedâneo razoavelmente desimportante. E a gaveta transforma-se num reservatório de histórias de que nos livrámos.
Isto, de um modo geral. Há casos particulares em que as coisas mudam de figura. Quando aparece um convite para participar de alguma publicação, por exemplo, ou quando há um prémio a dar dinheiro, esse dinheiro faz falta e se tem alguma ideia que parece adequada. Ou quando se quer levar um projeto avante. Quando resolvi pôr em prática o Infinitamente Improvável, por exemplo, escrevi para o II algumas histórias que de outra forma nunca teria escrito. Olhando agora a minha produção, recente e antiga, calculo que esse tipo de escrita feita para publicação ande no máximo por cerca de um sétimo ou um oitavo de tudo o que escrevi, embora a percentagem seja bastante mais elevada quando se contar só o que publiquei (em número, pelo menos; em extensão nem tanto, que o Por Vós lhe Mandarei Embaixadores, o único romance que publiquei até hoje, foi escrito para me divertir e só para isso) e também quando se contam só as coisas que tenho completas. Na gaveta quase não tenho coisas escritas para publicar e, por outro lado, há lá muita coisa incompleta.
(Querem números? OK, tomem lá uns quantos. O Bibliowiki, que só lista coisas publicadas, evidentemente, mas talvez não liste todas as coisas publicadas, lista cerca de 50 títulos em meu nome; uma consulta à minha gaveta eletrónica dá mais de 220, dos quais uns 40 estão por completar. Todos estes números incluem coisas dos mais variados tamanhos, do miniconto ao romance.)
Na publicação também pode haver um certo elemento de ativismo. Algumas das coisas que publiquei só viram a luz do dia porque achei que se estava a escrever e publicar pouca FC em Portugal. Manter a chama viva e essa conversa toda. E continua a escrever-se e publicar-se pouca FC em Portugal, embora não tão pouca como há algum tempo, o que reduz o estímulo para pôr cá fora coisas minhas. Outro do material que publiquei só saiu porque me apeteceu explorar formas alternativas de edição; toda a experiência Infinitamente Improvável foi isso mesmo desde o início e Por Vós lhe Mandarei Embaixadores, o romance, também: Foi primeiro serializado num blogue, só saindo em livro, revisto, anos mais tarde (e só saiu em papel porque quis aprender sobre paginação, criação de capas, as minudências dos ISBNs e depósitos legais, etc.). O certo é que sem esses incentivos aqueles 50 títulos seriam significativamente menos. Porque publicar é para mim sempre coisa secundária. E por isso, aquelas coisas de que me veem aqui a falar uma vez por mês tendem a ficar engavetadas durante períodos longos. Ou indefinidamente.
Quem perde se for indefinidamente? Eu, com toda a franqueza, não perco grande coisa. As coisas estão escritas, pelo que me livrei delas, já não me andam às voltas na cabeça. Ainda se se ganhasse algum dinheiro que se visse com a publicação de livros, talvez perdesse, mas neste país isso é utopia bastante utópica. Perde o punhado de pessoas que gostam do que eu escrevo e as outras que também gostariam se conhecessem... mas estas perdem sem saber que perdem, pelo que no fim de contas talvez não percam coisa alguma, e aquelas... bem... aquelas ainda vão sendo um dos poucos incentivos que tenho para tentar publicar. E uma das razões para estar aqui agora a escrever isto. Porque imagino que para essas pessoas, por poucas que sejam, acaba por ser insatisfatório virem aqui um mês atrás de outro ler um postzito sobre o que ando a escrever e depois não encontrarem nenhuma informação sobre eventuais publicações.
Outra razão para estar aqui agora a escrever isto, e a principal, é ter tomado uma decisão.
Talvez saibam (e talvez não saibam) que tenho dois livros em análise por duas editoras diferentes. Podem vir a ser aceites para publicação, mas o mais provável é, desde o início, que não o sejam. Por motivos diferentes (afinal, os livros são diferentes) e também por um forte motivo comum: o ano em que estamos é provavelmente o pior ano possível para apresentar originais a editoras, sejam elas quais forem. Está tudo em retração total. E sim, ainda está: muitas das edições recentes são edições que já estava previsto fazer antes da pandemia ou nos seus primeiros meses, pelo que a abertura para coisas novas é baixa, quando não é inexistente. Mas como foi no ano passado que os livros ficaram prontos, é este ano que andam por aí.
O que não sabem de certeza é que eu tenho regras bastante estritas para apresentar coisas a editoras. Para começar, não faço submissões múltiplas. Enquanto um livro está na editora xis só está na editora xis, mesmo quando elas me deixam à vontade para o apresentar a outras. E não apresento os livros a qualquer sítio. Vanities, por exemplo, nunca, mesmo que a Chiado por vezes me tente um bocadinho com aquela coisa de publicar ao mesmo tempo no Brasil e em Portugal. Mas é uma tentação muito insuficiente para compensar o resto. E também não apresento nada a quem não dê mostras de me respeitar as opções ortográficas. Tudo isto (e mais umas coisas) precisamente porque não há pressa e não há realmente necessidade de publicar. Sem pressa e sem necessidade não me sujeito a qualquer coisa, como vejo tantos escrevinhadores como eu fazer por aí.
O que eu ainda não tinha decidido, e decidi agora, é os prazos. OK, só apresento o livro xis à editora ípsilon, mas durante quanto tempo lá fica? Não indefinidamente, com certeza, e indefinidamente seria uma possibilidade real, com o tempo que tipicamente demoram a dar uma resposta. Andei a pensar nisto durante o último mês e picos e finalmente resolvi que este ano, excecionalmente, será um ano. De 2022 em diante será seis meses. Findo esse prazo, mandarei o livro a outra editora e será dessa outra editora o exclusivo. Se entretanto a primeira editora resolver que quer publicá-lo, terá de esperar que a segunda diga de sua justiça, ou que o prazo a ela dado termine, para podermos conversar.
E se eu entretanto ficar com pressa, ou se o projeto for demasiado pessoal para o estar a apresentar a editoras, ou se não gostar das condições que me propuserem, ou se, como explico nesta série, o livro for de contos (se bem que o estigma pareça estar a ficar menos intenso, o que me pode levar no futuro a reavaliar as minhas opções relativas a contos), publico-o simplesmente eu. Quem gosta do que eu escrevo não terá grande dificuldade em encontrá-lo, que a internet é nossa amiga. Aumenta a dificuldade de chegar aos que não conhecem e poderiam gostar, mas não é intransponível, pelo menos em parte. E tudo talvez se concretize mais depressa.
Portanto já sabem. As tais notas mensais não existem num vácuo. Vão acontecendo coisas por trás delas. Devagarinho, muito devagarinho, mas sim. E vai haver novidades mais concretas, mais tarde ou mais cedo. Provavelmente mais tarde que mais cedo, mas seja como for é só questão de uma coisa: tempo.
Irmãos Grimm: O Rei da Montanha Dourada
Há sempre a tentação de pegar na literatura, mesmo na pré-literatura das histórias de transmissão oral, e tentar transpô-la para a vida real, como se estas histórias contivessem ensinamentos fundamentais para a vida do ser humano. Por um lado percebo a tentação; afinal, é assim que aprendemos, através das narrativas que os nossos pais, professores ou outras pessoas próximas nos transmitem sobre o funcionamento do mundo. Por outro causa-me uma certa espécie que tanta gente encare a ficção que o é assumidamente como algo mais que isso mesmo: ficção. Histórias.
Isso vem-me às ideias em especial quando leio histórias como esta que os Irmãos Grimm não parecem ter alterado muito. É que O Rei da Montanha Dourada é daqueles contos nos quais o herói vai ter de suportar provações impensáveis, incluindo a decapitação, para alcançar o seu objetivo: a libertação de uma princesa de um feitiço que a mantém aprisionada. E eu fico a pensar de onde terá vindo esta ideia de que se aguentarmos um sofrimento extremo iremos acabar por alcançar todos os nossos objetivos porque os feitiços se quebram ou porque um deus qualquer se condói ou respeita o valor demonstrado.
É que o mito do sacrifício por um bem mágico superior parece estar disseminado por todo o planeta, ainda por cima. Sim, é fulcral na mitologia cristã ou, na verdade, em todas as mitologias abraâmicas (com resultados particularmente grotescos, muitas vezes, como a ideia de que ao se fazerem explodir os militantes islâmicos vão para um céu beatífico repleto de odaliscas virgens), mas não se restringe a elas, longe disso. Desconfio que é muito anterior, pela disseminação e pela multiplicidade de formas que assume.
É neste tipo de coisas que eu fico por vezes a pensar depois de ler estar histórias dos Grimm. Não nas histórias em si, que muitas vezes (e é o caso) nem são particularmente interessantes, mas naquilo que pode estar por trás delas. Na evolução das ideias que vieram desembocar nelas. E naquelas que a sua cristalização na palavra escrita pode ter ajudado a gerar.
As conclusões a que chego, quando chego a algumas (não é frequente, diga-se), nem sempre são bonitas.
Contos anteriores deste livro:
Isso vem-me às ideias em especial quando leio histórias como esta que os Irmãos Grimm não parecem ter alterado muito. É que O Rei da Montanha Dourada é daqueles contos nos quais o herói vai ter de suportar provações impensáveis, incluindo a decapitação, para alcançar o seu objetivo: a libertação de uma princesa de um feitiço que a mantém aprisionada. E eu fico a pensar de onde terá vindo esta ideia de que se aguentarmos um sofrimento extremo iremos acabar por alcançar todos os nossos objetivos porque os feitiços se quebram ou porque um deus qualquer se condói ou respeita o valor demonstrado.
É que o mito do sacrifício por um bem mágico superior parece estar disseminado por todo o planeta, ainda por cima. Sim, é fulcral na mitologia cristã ou, na verdade, em todas as mitologias abraâmicas (com resultados particularmente grotescos, muitas vezes, como a ideia de que ao se fazerem explodir os militantes islâmicos vão para um céu beatífico repleto de odaliscas virgens), mas não se restringe a elas, longe disso. Desconfio que é muito anterior, pela disseminação e pela multiplicidade de formas que assume.
É neste tipo de coisas que eu fico por vezes a pensar depois de ler estar histórias dos Grimm. Não nas histórias em si, que muitas vezes (e é o caso) nem são particularmente interessantes, mas naquilo que pode estar por trás delas. Na evolução das ideias que vieram desembocar nelas. E naquelas que a sua cristalização na palavra escrita pode ter ajudado a gerar.
As conclusões a que chego, quando chego a algumas (não é frequente, diga-se), nem sempre são bonitas.
Contos anteriores deste livro:
domingo, 29 de agosto de 2021
Leiturtugas #117
E cá estamos outra vez para falar mais um pouco de Leiturtugas, em mais uma semana de leituras abundantes e também com pelo menos uma novidade no que toca a obras e várias no que toca a blogues e outras fontes.
E isto apesar de só ter havido uma opinião vinda de um participante oficial no projeto: a Carla Ribeiro, que leu e comentou o conto de Mónica Cunha publicado no ano passado pela Imaginauta e pelo The Portuguese Portal of Fantasy and Science Fiction, Projecto: MOTHER. Este é livro de FC, e a Carla passa a sinalefar 3c9s.
Mas houve abundância de oficiosos.
Pois esta semana tivemos direito a saber a opinião do Luís Pinto sobre a coletânea O Deus das Moscas Tem Fome, de Luís Corte Real. Como é sabido, esta edição da Saída de Emergência, deste ano, não tem FC.
Também conhecemos a opinião da Diana sobre o romance Para Onde Vão os Guarda-Chuvas, de Afonso Cruz, publicado pela Alfaguara em 2013 e que também parece não ter FC.
E ficámos ainda ao corrente da opinião da Inês Santos sobre A Anos Luz, o romance de Carmen Garcia, com FC, publicado há quase dois anos pela Ego.
Por fim, mas não por fim-fim, tivemos também a opinião da Liliana Raquel sobre um romance de fantasia publicado no fim do ano passado pela Chiado, que ao que parece é primeiro volume de uma série: A Descendente: o Despertar, de Clara Novo.
E terminaríamos aqui? Ah, mas é que eu continuo a ir revisitar o passado. E tenho encontrado blogues novos com fartura, embora muitos deles se dediquem a falar das mesmas obras de que outros já falaram. Certo, isso é em parte consequência da forma que achei para os encontrar, mas não creio que seja só isso. Exemplos?
Bem, há o caso da Elga que opinou sobre um livro que já aqui tinha aparecido na semana passada: Zalatune, de Nuno Gomes Garcia. Esta FC publicada pela Presença levou-me a descobrir o blogue dela.
E há também o caso da Sandra, que opinou sobre outro livro já aparecido na semana passada: Segredo Mortal, o thriller de Bruno M. Franco. Este romance com umas pitadas de FC saiu pela Cultura.
Por outro lado, também há quem fale de livros novos, pelo menos no contexto desta busca. É o caso do Nuno Mata, que opinou sobre Mors-Amor, romance de fantasia em edição da autora, Sónia Ferreira. Sem FC.
Ou do Armando Frazão, que opinou sobre O Despertar do Nefilim, outro romance de fantasia (versão dark), ou talvez de horror, que David Costa publicou pela Cordel d'Prata. Também sem FC.
Por sua vez, a Marta opinou sobre A Rainha Desejada, o romance "outlanderesco" autoeditado por Telma Monteiro Fernandes. Este envolve viagens no tempo, pelo que tem umas pitadas de FC.
Para terminar a semana, que isto já vai muito longo, temos a Fátima Costa e a sua opinião sobre uma coletânea autoeditada por Rute Simões Ribeiro. Intitula-se A Revolução dos Homens Sentados, foi publicada há um ano e picos, e parece conter algum fantástico.
E para a semana há mais, que ainda tenho aqui uma porção de coisas para divulgar. Haja tempo para escrever o post. Até lá.
E isto apesar de só ter havido uma opinião vinda de um participante oficial no projeto: a Carla Ribeiro, que leu e comentou o conto de Mónica Cunha publicado no ano passado pela Imaginauta e pelo The Portuguese Portal of Fantasy and Science Fiction, Projecto: MOTHER. Este é livro de FC, e a Carla passa a sinalefar 3c9s.
Mas houve abundância de oficiosos.
Pois esta semana tivemos direito a saber a opinião do Luís Pinto sobre a coletânea O Deus das Moscas Tem Fome, de Luís Corte Real. Como é sabido, esta edição da Saída de Emergência, deste ano, não tem FC.
Também conhecemos a opinião da Diana sobre o romance Para Onde Vão os Guarda-Chuvas, de Afonso Cruz, publicado pela Alfaguara em 2013 e que também parece não ter FC.
E ficámos ainda ao corrente da opinião da Inês Santos sobre A Anos Luz, o romance de Carmen Garcia, com FC, publicado há quase dois anos pela Ego.
Por fim, mas não por fim-fim, tivemos também a opinião da Liliana Raquel sobre um romance de fantasia publicado no fim do ano passado pela Chiado, que ao que parece é primeiro volume de uma série: A Descendente: o Despertar, de Clara Novo.
E terminaríamos aqui? Ah, mas é que eu continuo a ir revisitar o passado. E tenho encontrado blogues novos com fartura, embora muitos deles se dediquem a falar das mesmas obras de que outros já falaram. Certo, isso é em parte consequência da forma que achei para os encontrar, mas não creio que seja só isso. Exemplos?
Bem, há o caso da Elga que opinou sobre um livro que já aqui tinha aparecido na semana passada: Zalatune, de Nuno Gomes Garcia. Esta FC publicada pela Presença levou-me a descobrir o blogue dela.
E há também o caso da Sandra, que opinou sobre outro livro já aparecido na semana passada: Segredo Mortal, o thriller de Bruno M. Franco. Este romance com umas pitadas de FC saiu pela Cultura.
Por outro lado, também há quem fale de livros novos, pelo menos no contexto desta busca. É o caso do Nuno Mata, que opinou sobre Mors-Amor, romance de fantasia em edição da autora, Sónia Ferreira. Sem FC.
Ou do Armando Frazão, que opinou sobre O Despertar do Nefilim, outro romance de fantasia (versão dark), ou talvez de horror, que David Costa publicou pela Cordel d'Prata. Também sem FC.
Por sua vez, a Marta opinou sobre A Rainha Desejada, o romance "outlanderesco" autoeditado por Telma Monteiro Fernandes. Este envolve viagens no tempo, pelo que tem umas pitadas de FC.
Para terminar a semana, que isto já vai muito longo, temos a Fátima Costa e a sua opinião sobre uma coletânea autoeditada por Rute Simões Ribeiro. Intitula-se A Revolução dos Homens Sentados, foi publicada há um ano e picos, e parece conter algum fantástico.
E para a semana há mais, que ainda tenho aqui uma porção de coisas para divulgar. Haja tempo para escrever o post. Até lá.
quarta-feira, 25 de agosto de 2021
Água Viva
Seria possível em Portugal a existência de uma revista de discentes de um programa de pós-graduação em literatura que dedicasse um número inteiro ao fantástico na aceção lata do termo (i.e., não ao fantástico enquanto género literário mas enquanto rede que engloba os vários géneros a que eu às vezes gosto de chamar literaturas do imaginário)? Talvez fosse, se dinamizada por alguma das poucas pessoas que, na nossa Academia, têm mostrado interesse por essas literaturas. Mas duvido, e apresento como testemunha da minha dúvida a inexistência — que eu saiba — de tal coisa até ao momento.
Quanto ao Brasil não é preciso perder tempo com dúvidas. Existe. Existe, chama-se Água Viva e pode ser encontrada na internet, aqui. Isto, quanto à revista. Quanto ao número dedicado ao fantástico, ele também está online, aqui.
E encontram lá o meu nome. Não enquanto autor de artigo, mas enquanto gajo com opiniões.
Eu explico.
Aqui há alguns meses fui contactado pelo Rubens Angelo (o autor do artigo), dizendo que estava a pensar expandir um artigo anterior do Luiz Bras, focado nos erros comummente cometidos pelos principiantes na escrita de FC, agregando mais opiniões sobre erros cometidos e generalizando, isto é, sem os restringir necessariamente aos principiantes. Achei a ideia interessante e, como até tenho falado desse tipo de problema em algumas das opiniões que vou deixando por aqui, também achei que poderia ter algo a dizer. Vai daí, disse.
Tentei não ser óbvio. Isto é, tentei não repetir o que toda a gente diz, por mais verdadeiras que muitas vezes sejam essas queixas (e nem sempre são). Não consegui por completo. No mínimo, não consegui tão bem como o Luís Filipe Silva. E também não percebi que a minha participação ia ser publicada ipsis verbis (julguei que o Rubens fosse pegar nos pontos de cada um e fazer uma síntese), pelo que não me preocupei em aprimorar o texto. Há ali frases demasiado longas que podiam e deviam ter sido encurtadas para tornar mais clara a leitura. Mas não estou insatisfeito com o resultado. Não muito, pelo menos (um tipo que faz coisas e não está sempre pelo menos um pouco insatisfeito com aquilo que faz nunca será capaz de progredir).
Se tiverem interesse, o artigo está aqui. E sim, Candeias à parte é bastante interessante.
Quanto ao Brasil não é preciso perder tempo com dúvidas. Existe. Existe, chama-se Água Viva e pode ser encontrada na internet, aqui. Isto, quanto à revista. Quanto ao número dedicado ao fantástico, ele também está online, aqui.
E encontram lá o meu nome. Não enquanto autor de artigo, mas enquanto gajo com opiniões.
Eu explico.
Aqui há alguns meses fui contactado pelo Rubens Angelo (o autor do artigo), dizendo que estava a pensar expandir um artigo anterior do Luiz Bras, focado nos erros comummente cometidos pelos principiantes na escrita de FC, agregando mais opiniões sobre erros cometidos e generalizando, isto é, sem os restringir necessariamente aos principiantes. Achei a ideia interessante e, como até tenho falado desse tipo de problema em algumas das opiniões que vou deixando por aqui, também achei que poderia ter algo a dizer. Vai daí, disse.
Tentei não ser óbvio. Isto é, tentei não repetir o que toda a gente diz, por mais verdadeiras que muitas vezes sejam essas queixas (e nem sempre são). Não consegui por completo. No mínimo, não consegui tão bem como o Luís Filipe Silva. E também não percebi que a minha participação ia ser publicada ipsis verbis (julguei que o Rubens fosse pegar nos pontos de cada um e fazer uma síntese), pelo que não me preocupei em aprimorar o texto. Há ali frases demasiado longas que podiam e deviam ter sido encurtadas para tornar mais clara a leitura. Mas não estou insatisfeito com o resultado. Não muito, pelo menos (um tipo que faz coisas e não está sempre pelo menos um pouco insatisfeito com aquilo que faz nunca será capaz de progredir).
Se tiverem interesse, o artigo está aqui. E sim, Candeias à parte é bastante interessante.
terça-feira, 24 de agosto de 2021
José Viale Moutinho: Aquela Cativa que me Tem Cativo?
Não podia continuar, não é? Não podia gostar mais dos contos do José Viale Moutinho a cada um que lia. Alguma vez teria de gostar menos de um conto novo do que do anterior. Calhou ser com este Aquela Cativa que me Tem Cativo?, e sim, o ponto de interrogação faz parte do título, não é uma dúvida que eu tenha.
Despacho a abrir uma coisa óbvia para qualquer pessoa que leia a primeira página deste conto: está muitíssimo bem escrito, numa prosa poética de grande qualidade, que evita cair nas lagoas de púrpura em que este tipo de texto arrisca sempre mergulhar (não perceberam? Procurem na net por "purple prose"). Não é, portanto, por aí que chega o meu menor agrado. Ou por outra, não é sobretudo por aí, pois não costumo ser grande fã de prosas poéticas, ainda que haja algumas exceções de obras escritas dessa forma que me agradam muito.
Nem será propriamente pela história, ainda que também esta não seja das que mais tende a agradar-me: uma história de amor e desejo, contada (muito bem, sublinhe-se) de um jeito sinuoso, na qual o fantástico se insinua, forte e onírico, com mais que um pouco de fantasmagoria a trazer-lhe aquilo que para mim, normalmente, é um interesse acrescido.
Será talvez pela forma como estas partes se conjugam. Há algo de comum entre a literatura e a gastronomia. Por vezes acontece que a conjugação de partes parcialmente desagradáveis para o leitor xis serve para esconder o que nelas existe de desagradável, formando um todo bastante mais agradável do que as partes poderiam fazer supor. Mas por vezes sucede o contrário: a junção das partes como que intensifica aquilo que não agrada. Para mim, esta história de José Viale Moutinho é das que intensificam o que não me agrada. Não que me tenha desagradado, mas agradou-me significativamente menos do que seria previsível sendo cada parte o que é.
Seja como for, o conto é bastante bom. No fundo, mais do que as impressões subjetivas de um Fulano leitor, é isso o que conta.
Contos anteriores deste livro:
Despacho a abrir uma coisa óbvia para qualquer pessoa que leia a primeira página deste conto: está muitíssimo bem escrito, numa prosa poética de grande qualidade, que evita cair nas lagoas de púrpura em que este tipo de texto arrisca sempre mergulhar (não perceberam? Procurem na net por "purple prose"). Não é, portanto, por aí que chega o meu menor agrado. Ou por outra, não é sobretudo por aí, pois não costumo ser grande fã de prosas poéticas, ainda que haja algumas exceções de obras escritas dessa forma que me agradam muito.
Nem será propriamente pela história, ainda que também esta não seja das que mais tende a agradar-me: uma história de amor e desejo, contada (muito bem, sublinhe-se) de um jeito sinuoso, na qual o fantástico se insinua, forte e onírico, com mais que um pouco de fantasmagoria a trazer-lhe aquilo que para mim, normalmente, é um interesse acrescido.
Será talvez pela forma como estas partes se conjugam. Há algo de comum entre a literatura e a gastronomia. Por vezes acontece que a conjugação de partes parcialmente desagradáveis para o leitor xis serve para esconder o que nelas existe de desagradável, formando um todo bastante mais agradável do que as partes poderiam fazer supor. Mas por vezes sucede o contrário: a junção das partes como que intensifica aquilo que não agrada. Para mim, esta história de José Viale Moutinho é das que intensificam o que não me agrada. Não que me tenha desagradado, mas agradou-me significativamente menos do que seria previsível sendo cada parte o que é.
Seja como for, o conto é bastante bom. No fundo, mais do que as impressões subjetivas de um Fulano leitor, é isso o que conta.
Contos anteriores deste livro:
domingo, 22 de agosto de 2021
Irmãos Grimm: O Gnomo
É sabido e reconhecido que muitos contos tradicionais foram trabalhados por uma miríade de escritores que os transformaram em obras mais extensas, muitas vezes muito diferentes do material que lhes deu origem, ainda que seja comum encontrá-lo nelas ainda bastante reconhecível. Não é assim de estranhar que ao ler estas histórias dos Irmãos Grimm (ou simplesmente recolhidas por eles) nos lembremos desta história ou daquela, de Fulano ou Beltrano, mesmo quando a fantasia moderna nem é propriamente o nosso género preferido. Mas por vezes também acontece encontrarmos uma história que daria para ser desenvolvida e, que saibamos, não foi.
O que, é bom reconhecer logo à partida, pode perfeitamente dever-se mais a desconhecimento do que à realidade do que existe. Pois o que existe é vasto e multifacetado ao ponto de se tornar incognoscível seja por quem for. E eu que o diga, que quando comecei o Bibliowiki pensava acabá-lo com algumas centenas de títulos e neste momento tem para cima de 16 mil e milhares de títulos em falta (OK, o âmbito do site era de início muito mais restrito do que é hoje: edições portuguesas de ficção científica. Mas mesmo assim...).
Pois este O Gnomo é uma historiazinha complicada que mete um rei rico com três (claro!) filhas e um peculiar gosto por uma certa macieira em cujas maçãs ninguém pode tocar, filhas desobedientes e por isso punidas, desaparecendo, um tal João que vai tentar encontrá-las e eventualmente libertá-las, embora infelizmente tivesse irmãos, um gnomo que depois de levar uma surra indica aos candidatos a heróis onde estão as princesas, uma série de dragões multicefálicos e coisas que é preciso fazer em rigos e sequência para quebrar feitiços. Assim descrito, o conto parece uma grande salada, e de certa forma até é, mas não deixa de ter a sua coerência, bem como pano para muitas mangas que, que eu saiba, nunca ninguém desenvolveu.
Esta é das tais histórias que são interessantes mais pelo potencial que têm do que propriamente pela parte desse potencial que está concretizada.
Contos anteriores deste livro:
O que, é bom reconhecer logo à partida, pode perfeitamente dever-se mais a desconhecimento do que à realidade do que existe. Pois o que existe é vasto e multifacetado ao ponto de se tornar incognoscível seja por quem for. E eu que o diga, que quando comecei o Bibliowiki pensava acabá-lo com algumas centenas de títulos e neste momento tem para cima de 16 mil e milhares de títulos em falta (OK, o âmbito do site era de início muito mais restrito do que é hoje: edições portuguesas de ficção científica. Mas mesmo assim...).
Pois este O Gnomo é uma historiazinha complicada que mete um rei rico com três (claro!) filhas e um peculiar gosto por uma certa macieira em cujas maçãs ninguém pode tocar, filhas desobedientes e por isso punidas, desaparecendo, um tal João que vai tentar encontrá-las e eventualmente libertá-las, embora infelizmente tivesse irmãos, um gnomo que depois de levar uma surra indica aos candidatos a heróis onde estão as princesas, uma série de dragões multicefálicos e coisas que é preciso fazer em rigos e sequência para quebrar feitiços. Assim descrito, o conto parece uma grande salada, e de certa forma até é, mas não deixa de ter a sua coerência, bem como pano para muitas mangas que, que eu saiba, nunca ninguém desenvolveu.
Esta é das tais histórias que são interessantes mais pelo potencial que têm do que propriamente pela parte desse potencial que está concretizada.
Contos anteriores deste livro:
Leiturtugas #116
Ora vivam e sejam bem aparecidos em mais uma semana cheia de leituras fantásticas portuguesas, Leiturtugas para os amigos. E esta semana voltámos a ter participações oficiais, o que já não acontecia há algum tempo.
Refiro-me à opinião que a Cristina Alves publicou sobre um lançamento muitíssimo recente, o romance Futuro, de Lívia Borges, uma FC que parece ser bastante soft e foi publicada pela Divergência no mês passado. A Cristina passa, assim, a 5c7s.
E refiro-me também à opinião da Tita, muito breve em texto e mais desenvolvida em vídeo, sobre Hospital Einstein, um conto de FC de Rui Pinto Ferreira autopublicado pelo autor via Amazon. A Tita já cumpriu os mínimos; já está no lucro.
No que toca a oficiosos, tivemos esta semana a opinião da Fátima Costa sobre Para Onde Vão os Guarda-Chuvas, romance de Afonso Cruz publicado em 2013 pela Alfaguara, um livro cheio de fantástico que pode até ter umas pitadas de FC ainda que, sem certezas, vou pô-lo na coluna dos "sem".
Também a Anabela Risso publicou esta semana uma breve opinião. O alvo dessa opinião foi um livro infantil, uma fábula, com o complicado (e comprido) título de Histórias de (En)Contar de um Lobo Que Não Gostava de Matemática. Escrito por Maria Francisca Macedo, foi publicado pela Fábula (apropriadamente) em 2020. Népia de FC, claro.
Tivemos ainda a opinião do Nuno Ferreira sobre Caim, o romance de José Saramago publicado originalmente, na Caminho, em 2009, embora o Nuno pareça ter lido uma das edições recentes da Porto Editora. Também nada de FC por aqui.
E termina a lista de leituras da semana a opinião, em vídeo (mas o vídeo foi publicado num blogue, o que facilita sobremaneira que a malta o encontre... e sim, isto é uma dica aos booktubers que possam vir a ler isto), da Maria João Covas sobre Deus Pátria Família, o livro com história alternativa de Hugo Gonçalves que já apareceu várias vezes por aqui. Edição deste ano da Companhia das Letras e este, finalmente, tem mesmo FC.
Mas tenho continuado a passar em revista o que poderá ter sido publicado fora do universo conhecido sobre as obras comentadas desde o princípio do ano no universo conhecido, e tenho encontrado, muitas, muitas, MUITAS coisas. O blogue da Maria João Covas, por exemplo. É o que dá investigar o desconhecido: passa-se a conhecer mais. A lista é extensa, só mostra sinais de se estender mais, mas como o post de hoje já vai muito longo só vou incluir aqui cinco das opiniões que tenho encontrado.
A primeira: a opinião da Marina Daniela sobre o romance de Bruno M. Franco, Segredo Mortal. Edição da Cultura com FC.
Segue a opinião da Ana Rute Primo sobre Zalatune, de Nuno Gomes Garcia, que também já cá tivemos várias vezes. Este é FC e saiu pela Presença.
A terceira é a opinião de alguém que assina simplesmente como Toupeira sobre A Rapariga Invisível, a fantasia de Carlos M. Queirós publicada no ano passado pela Cultura. Nada de FC por aqui.
A quarta é uma opinião da Sofia sobre mais um livro do José Saramago, desta feita O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Também este romance saiu originalmente pela Caminho (em 1991) mas parece ter sido lido numa das edições recentes da Porto Editora. Nada de FC.
E encerro a semana com a opinião de Mário Rufino sobre Tropel, de Manuel Jorge Marmelo, outra edição da Porto Editora, esta do ano passado. Aqui há FC. Alguma.
Ufa. Isto saiu grande. E para a semana há mais. Até lá.
Refiro-me à opinião que a Cristina Alves publicou sobre um lançamento muitíssimo recente, o romance Futuro, de Lívia Borges, uma FC que parece ser bastante soft e foi publicada pela Divergência no mês passado. A Cristina passa, assim, a 5c7s.
E refiro-me também à opinião da Tita, muito breve em texto e mais desenvolvida em vídeo, sobre Hospital Einstein, um conto de FC de Rui Pinto Ferreira autopublicado pelo autor via Amazon. A Tita já cumpriu os mínimos; já está no lucro.
No que toca a oficiosos, tivemos esta semana a opinião da Fátima Costa sobre Para Onde Vão os Guarda-Chuvas, romance de Afonso Cruz publicado em 2013 pela Alfaguara, um livro cheio de fantástico que pode até ter umas pitadas de FC ainda que, sem certezas, vou pô-lo na coluna dos "sem".
Também a Anabela Risso publicou esta semana uma breve opinião. O alvo dessa opinião foi um livro infantil, uma fábula, com o complicado (e comprido) título de Histórias de (En)Contar de um Lobo Que Não Gostava de Matemática. Escrito por Maria Francisca Macedo, foi publicado pela Fábula (apropriadamente) em 2020. Népia de FC, claro.
Tivemos ainda a opinião do Nuno Ferreira sobre Caim, o romance de José Saramago publicado originalmente, na Caminho, em 2009, embora o Nuno pareça ter lido uma das edições recentes da Porto Editora. Também nada de FC por aqui.
E termina a lista de leituras da semana a opinião, em vídeo (mas o vídeo foi publicado num blogue, o que facilita sobremaneira que a malta o encontre... e sim, isto é uma dica aos booktubers que possam vir a ler isto), da Maria João Covas sobre Deus Pátria Família, o livro com história alternativa de Hugo Gonçalves que já apareceu várias vezes por aqui. Edição deste ano da Companhia das Letras e este, finalmente, tem mesmo FC.
Mas tenho continuado a passar em revista o que poderá ter sido publicado fora do universo conhecido sobre as obras comentadas desde o princípio do ano no universo conhecido, e tenho encontrado, muitas, muitas, MUITAS coisas. O blogue da Maria João Covas, por exemplo. É o que dá investigar o desconhecido: passa-se a conhecer mais. A lista é extensa, só mostra sinais de se estender mais, mas como o post de hoje já vai muito longo só vou incluir aqui cinco das opiniões que tenho encontrado.
A primeira: a opinião da Marina Daniela sobre o romance de Bruno M. Franco, Segredo Mortal. Edição da Cultura com FC.
Segue a opinião da Ana Rute Primo sobre Zalatune, de Nuno Gomes Garcia, que também já cá tivemos várias vezes. Este é FC e saiu pela Presença.
A terceira é a opinião de alguém que assina simplesmente como Toupeira sobre A Rapariga Invisível, a fantasia de Carlos M. Queirós publicada no ano passado pela Cultura. Nada de FC por aqui.
A quarta é uma opinião da Sofia sobre mais um livro do José Saramago, desta feita O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Também este romance saiu originalmente pela Caminho (em 1991) mas parece ter sido lido numa das edições recentes da Porto Editora. Nada de FC.
E encerro a semana com a opinião de Mário Rufino sobre Tropel, de Manuel Jorge Marmelo, outra edição da Porto Editora, esta do ano passado. Aqui há FC. Alguma.
Ufa. Isto saiu grande. E para a semana há mais. Até lá.
terça-feira, 17 de agosto de 2021
Luís Filipe Silva: A Ascensão
Mais extenso que A Queda, atingindo o tamanho de novela, A Ascensão (bibliografia) é uma espécie de imagem no espelho da primeira noveleta, o que de resto já se entrevê nos títulos. Se Barreiros situa a sua ação no anel circunplanetário, Luís Filipe Silva situa a sua (pelo menos de início) na superfície da Terra, apresentando ao leitor os efeitos que a chegada dos alienígenas teve na vida quotidiana. Mr. Lux não deixa de aparecer, mas o protagonista aqui é outro. Uma personagem muito barreiriana, com perdão do neologismo mal enjorcado. Um professor que detesta a profissão, achando-a inútil pois os putos nunca aprendem. Pastor de seu nome. Pastor de estranhas ovelhas. E porque não?
Pois o bom do Pastor vê-se na posse de um dos objetos pertencentes ao Mr. Lux, por vias travessas e porque uma das naves do Anel foi derrubada anos antes e se despenhou no Altântico, aparentemente ao largo de Portugal, o que terá levado toda a fauna que sobrevive da recuperação e revenda de tecnologia alienígena a tratar de ir lá buscar tudo aquilo a que conseguisse deitar as mãos (ou tentáculos, ou tenazes, ou o que seja). Que nave? A nave da espécie de ETs que decidiu contratar o assalto ao Mr. Lux e foi punida por isso. E que objeto? Uma simples caixa. Mas uma caixa que vai causar ao Pastor um nunca acabar de problemas.
É que algumas das menos benévolas criaturas da Terra e arredores andam a tentar encontrá-la. Incluindo o Mr. Lux, claro, que todos aqueles anos depois ainda não desistira de tentar recuperar o que lhe pertence. E o Pastor é só um professor. Mas é um professor que teve um vislumbre da tecnologia avançada que a caixa contém, o que o alterou de formas que nem suspeita e lhe deu capacidades de que começa a suspeitar.
O resultado é outro texto movimentado e complexo, diferente do primeiro texto do livro mas muito semelhante a ele, com menos referencialismo que o primeiro mas sem deixar de o ter, e, de uma forma geral, igualmente bom.
Conto anterior deste livro:
Pois o bom do Pastor vê-se na posse de um dos objetos pertencentes ao Mr. Lux, por vias travessas e porque uma das naves do Anel foi derrubada anos antes e se despenhou no Altântico, aparentemente ao largo de Portugal, o que terá levado toda a fauna que sobrevive da recuperação e revenda de tecnologia alienígena a tratar de ir lá buscar tudo aquilo a que conseguisse deitar as mãos (ou tentáculos, ou tenazes, ou o que seja). Que nave? A nave da espécie de ETs que decidiu contratar o assalto ao Mr. Lux e foi punida por isso. E que objeto? Uma simples caixa. Mas uma caixa que vai causar ao Pastor um nunca acabar de problemas.
É que algumas das menos benévolas criaturas da Terra e arredores andam a tentar encontrá-la. Incluindo o Mr. Lux, claro, que todos aqueles anos depois ainda não desistira de tentar recuperar o que lhe pertence. E o Pastor é só um professor. Mas é um professor que teve um vislumbre da tecnologia avançada que a caixa contém, o que o alterou de formas que nem suspeita e lhe deu capacidades de que começa a suspeitar.
O resultado é outro texto movimentado e complexo, diferente do primeiro texto do livro mas muito semelhante a ele, com menos referencialismo que o primeiro mas sem deixar de o ter, e, de uma forma geral, igualmente bom.
Conto anterior deste livro:
segunda-feira, 16 de agosto de 2021
Irmãos Grimm: O Jovem Gigante
Os Irmãos Grimm não o referem na nota que, como é hábito, agregam a este conto e na qual enumeram as ligações que encontram entre ele e outras histórias, tanto as presentes nesta compilação como as que constam de outras, mas parece-me que há qualquer coisa de Hércules neste O Jovem Gigante.
Porquê?
Porque tudo gira em volta da força física do protagonista.
Mas o conto começa por fazer lembrar O Pequeno Polegar (ou O Polegarzinho): o protagonista é tão pequenino que não ultrapassa o tamanho de um polegar, mas tudo muda quando é levado por um gigante, que lhe dá de mamar. Sim, parece que os gigantes produzem leite. E leite extraordinário, que com ele o protagonista vai-se lentamente transformando também num gigante.
E depois parte pelo mundo, em busca de aventuras, a cometer feitos de força extraordinária e a sobreviver assim, sem nunca deixar de se vingar de todos os que o desfeiteiam. E ainda são alguns os insensatos o suficiente para fazer tal coisa.
Não é uma história particularmente interessante, a meu ver, até porque termina sem terminar, abandonando simplesmente o protagonista em viagem de um lugar para outro. Mas tem pelo menos o interesse de funcionar um pouco como história de super-heróis, no que de resto não está sozinha. Os criadores do género de super-heróis inspiraram-se assumidamente em histórias como esta e nas mitologias de vários povos, e é sempre curioso encontrar nestas histórias dos Grimm algumas das raízes de uma série de outras coisas.
Contos anteriores deste livro:
Porquê?
Porque tudo gira em volta da força física do protagonista.
Mas o conto começa por fazer lembrar O Pequeno Polegar (ou O Polegarzinho): o protagonista é tão pequenino que não ultrapassa o tamanho de um polegar, mas tudo muda quando é levado por um gigante, que lhe dá de mamar. Sim, parece que os gigantes produzem leite. E leite extraordinário, que com ele o protagonista vai-se lentamente transformando também num gigante.
E depois parte pelo mundo, em busca de aventuras, a cometer feitos de força extraordinária e a sobreviver assim, sem nunca deixar de se vingar de todos os que o desfeiteiam. E ainda são alguns os insensatos o suficiente para fazer tal coisa.
Não é uma história particularmente interessante, a meu ver, até porque termina sem terminar, abandonando simplesmente o protagonista em viagem de um lugar para outro. Mas tem pelo menos o interesse de funcionar um pouco como história de super-heróis, no que de resto não está sozinha. Os criadores do género de super-heróis inspiraram-se assumidamente em histórias como esta e nas mitologias de vários povos, e é sempre curioso encontrar nestas histórias dos Grimm algumas das raízes de uma série de outras coisas.
Contos anteriores deste livro:
Leiturtugas #115
Ora vivam e sejam bem-vindos a mais uma semana de Leiturtugas. Ainda pensei passar a semana em branco, que ninguém publicou nada relevante na última semana, mas como continuo em maré de revisão da matéria dada (i.e., à pesca de novos blogues que tenham falado sobre as obras de que os já conhecidos falaram desde o início do ano), resolvi publicar o post mesmo assim. Com um dia de atraso, mas cá está ele.
Começo pela Liliana Raquel e pela sua opinião sobre Segredo Mortal, o thriller de Bruno M. Franco, com elementos de FC, que já cá tinha aparecido na semana passada. Edição da Cultura.
Por seu lado, a Marisa Luna opinou sobre Felicidade, um romance de João Tordo que tem bastantes elementos fantásticos. Edição da Companhia das Letras.
Já a Fátima Costa escreveu sobre A Alegria de Ser Miserável, um romance de Rute Simões Ribeiro, publicado pela própria, sobre um jovem incapaz de sentir tristeza. Parece ser realismo mágico bastante assumido.
E porque isto não se faz só de blogues, descobri também que em abril a Cláudia Sérgio publicou na Activa uma opinião sobre Zalatune, o romance de FC de Nuno Gomes Garcia que a Presença publicou.
E graças à Rita Lima e ao que ela escreveu sobre Autobiografia, descobri que este romance que José Luís Peixoto fez publicar pela Quetzal também tem elementos fantásticos. Sempre desconfiei que eles deviam existir, sendo o tema saramaguiano em vários sentidos, mas só agora tive certeza.
E olhem, sabem que mais? Por hoje fico por aqui. Ainda havia mais algumas coisas a divulgar mas vão ficar para a semana. Até lá.
Começo pela Liliana Raquel e pela sua opinião sobre Segredo Mortal, o thriller de Bruno M. Franco, com elementos de FC, que já cá tinha aparecido na semana passada. Edição da Cultura.
Por seu lado, a Marisa Luna opinou sobre Felicidade, um romance de João Tordo que tem bastantes elementos fantásticos. Edição da Companhia das Letras.
Já a Fátima Costa escreveu sobre A Alegria de Ser Miserável, um romance de Rute Simões Ribeiro, publicado pela própria, sobre um jovem incapaz de sentir tristeza. Parece ser realismo mágico bastante assumido.
E porque isto não se faz só de blogues, descobri também que em abril a Cláudia Sérgio publicou na Activa uma opinião sobre Zalatune, o romance de FC de Nuno Gomes Garcia que a Presença publicou.
E graças à Rita Lima e ao que ela escreveu sobre Autobiografia, descobri que este romance que José Luís Peixoto fez publicar pela Quetzal também tem elementos fantásticos. Sempre desconfiei que eles deviam existir, sendo o tema saramaguiano em vários sentidos, mas só agora tive certeza.
E olhem, sabem que mais? Por hoje fico por aqui. Ainda havia mais algumas coisas a divulgar mas vão ficar para a semana. Até lá.
domingo, 15 de agosto de 2021
José António Gonçalves: Onde a Pobreza se Esconde
Encerremos então a participação de José António Gonçalves nesta revista lendo o último dos seus quatro poemas. E se do primeiro gostei, do segundo bastante e do terceiro nem por isso, este Onde a Pobreza se Esconde volta a agradar-me mais ou menos tanto quanto o primeiro.
O título não engana. Trata-se de facto de um texto sobre a pobreza e a tristeza que ela contém, pelo menos aos olhos de quem escreve. E é bastante eficaz a transmitir essa sensação de tristeza, quase de desespero, o que constitui um dos motivos principais para o poema me ter agradado. Por outro lado, que sei eu de poesia?
Textos anteriores desta publicação:
O título não engana. Trata-se de facto de um texto sobre a pobreza e a tristeza que ela contém, pelo menos aos olhos de quem escreve. E é bastante eficaz a transmitir essa sensação de tristeza, quase de desespero, o que constitui um dos motivos principais para o poema me ter agradado. Por outro lado, que sei eu de poesia?
Textos anteriores desta publicação:
sexta-feira, 13 de agosto de 2021
Mia Couto: Cronicando
Sempre tive uma enorme relutância em chamar crónica a textos que são claramente pequenos contos, ficção em estado mais ou menos puro, objetos literários desprovidos da componente de opinião e/ou de narrativa factual que associo à palavra. Mas sei que nisso pertenço a uma pequena minoria, talvez uma minoria de um. Fora dessa minoria, ninguém estranha que num livro intitulado Cronicando, em cuja capa, debaixo do título, se entrevislumbre a palavra "crónicas", haja sobretudo textos de ficção, acompanhados por alguns exercícios de estilo literário e umas quantas crónicas naquilo que eu considero a plena aceção da palavra.
Mas também sei por que motivo isto acontece, e não é nada que se resuma a Mia Couto. Estes textos, tal como os textos de outros livros como este, têm aqui a sua segunda vida, sendo a primeira a publicação em espaços fixos em jornais e revistas. Espaços fixos a que se dá o nome de espaços de crónica. Que autores como Mia Couto decidam publicar neles ficção não lhes altera a designação. Daí chamar-se crónica a tudo o que assim é produzido. Eu é que não sou obrigado a seguir essa prática, pelo que chamo conto ao que me parece ser conto, deixando a designação de crónica para o resto.
Aqui temos ambas as coisas: crónicas propriamente ditas e contos breves, vinhetas, muitas das quais de caráter fantástico. Em todos os textos está bem patente o estilo característico de Mia Couto, cheio de uma poesia muito sua, repleta de neologismos tantas vezes irónicos mas só muito raramente gratuitos. Nos contos, esse estilo vem mais à supefície que nas crónicas, o que não deixa de ser natural, e é nos fantásticos onde se cumpre por inteiro. Parece-me. Disse várias vezes ao longo das opiniões que aqui fui deixando sobre cada um dos textos que na minha opinião é quando escreve fantástico que Mia Couto se sai melhor. Não que todos os contos fantásticos sejam melhores que os outros, não que não haja entre os outros as suas pérolas, mas creio que em média sim, é isso o que acontece.
No todo, no entanto, esse caráter dicotómico entre ficção e não ficção (e também alguns textos em que é praticamente impossível perceber onde termina a crónica e começa a ficção), e talvez alguns detalhes de organização, faz com que o livro não surja como particularmente equilibrado. Há partes, em especial o início, em que é a ficção que predomina, noutras é na crónica que encontramos a maioria dos textos. E eu, que de um modo geral prefiro a ficção à crónica, dei por mim nestas últimas partes com uma certa saudade dos contos. Julgo haver nestas páginas algumas obras-primas, mas o livro como um todo não o é.
Mas é bom; isso nada lhe tira.
Eis o que achei dos textos deste livro:
Mas também sei por que motivo isto acontece, e não é nada que se resuma a Mia Couto. Estes textos, tal como os textos de outros livros como este, têm aqui a sua segunda vida, sendo a primeira a publicação em espaços fixos em jornais e revistas. Espaços fixos a que se dá o nome de espaços de crónica. Que autores como Mia Couto decidam publicar neles ficção não lhes altera a designação. Daí chamar-se crónica a tudo o que assim é produzido. Eu é que não sou obrigado a seguir essa prática, pelo que chamo conto ao que me parece ser conto, deixando a designação de crónica para o resto.
Aqui temos ambas as coisas: crónicas propriamente ditas e contos breves, vinhetas, muitas das quais de caráter fantástico. Em todos os textos está bem patente o estilo característico de Mia Couto, cheio de uma poesia muito sua, repleta de neologismos tantas vezes irónicos mas só muito raramente gratuitos. Nos contos, esse estilo vem mais à supefície que nas crónicas, o que não deixa de ser natural, e é nos fantásticos onde se cumpre por inteiro. Parece-me. Disse várias vezes ao longo das opiniões que aqui fui deixando sobre cada um dos textos que na minha opinião é quando escreve fantástico que Mia Couto se sai melhor. Não que todos os contos fantásticos sejam melhores que os outros, não que não haja entre os outros as suas pérolas, mas creio que em média sim, é isso o que acontece.
No todo, no entanto, esse caráter dicotómico entre ficção e não ficção (e também alguns textos em que é praticamente impossível perceber onde termina a crónica e começa a ficção), e talvez alguns detalhes de organização, faz com que o livro não surja como particularmente equilibrado. Há partes, em especial o início, em que é a ficção que predomina, noutras é na crónica que encontramos a maioria dos textos. E eu, que de um modo geral prefiro a ficção à crónica, dei por mim nestas últimas partes com uma certa saudade dos contos. Julgo haver nestas páginas algumas obras-primas, mas o livro como um todo não o é.
Mas é bom; isso nada lhe tira.
Eis o que achei dos textos deste livro:
- A Carta
- A Sombra Sentada
- Lénine na Cabeceira
- O Viajante Clandestino
- Sangue da Avó, Manchando a Alcatifa
- A Ascensão de João Bate-Certo
- A Velha e a Aranha
- Lixo, Lixado
- O Gato Nacional
- O Dia em que Fuzilaram o Guarda-Redes da Minha Equipa
- O Januário, ou Melhor: o Januário
- O Jardim Marinho
- Lágrimas Novas Para as Velhas Damas
- A Rua de Pernas Para o Ar
- O Filho da Morte
- A Lição do Aprendiz
- Mulher Roxa em Vestido Laranja
- Natural da Água
- Balões dos Meninos Velhos
- Pingo e Vírgula
- Pela Gravata Morre o Tímido
- A Prenda do Viajante
- As Medalhas Trocadas
- Mezungos
- A Mancha
- O Rio que Bebeu o Homem
- Um Pilão no Nono Andar
- Entre a Missa e as Misses
- O Homem com um Planeta Dentro
- Sangue da Actriz no Cinema da Vida
- No Zoo-Ilógico
- O Monstro Infantil
- O Secreto Namoro de Deolinda
- Ossos do Ofício
- O Retro-Camarada
- O Cabrito que Venceu o Boeing
- A Culatra Saiu Pelo Tiro
- Os Anjos Embriagados
- A Derradeira Morte da Estátua de Mouzinho
- Sonhar de Bicho
- Escrevências Desinventosas
- A Morte Nascida do Guardador de Estradas
- África com Kapa?
- Carta Entreaberta do Corrupto Nacional
- O Português, as Raças, os Corvos
- Amar à Mão Armada ou Armar a Mão Amada?
- Pescador na Ida, Herói na Chegada
- O Gentipó, Suas Gentis Poeiras
quinta-feira, 12 de agosto de 2021
Ângelo Brea: Perdidos na Lua
Uma das armadilhas da ficção científica que pretende ser dura, no sentido de respeitar com maior rigor os conhecimentos científicos contemporâneos em especial no que toca às ciências do mundo físico, é ser muito pouco (ou nada) indulgente com coisas que violam esses conhecimentos, em especial quando a violação é flagrante e/ou quando é fulcral para toda a estruturação da história. E neste Perdidos na Lua, Ângelo Brea caiu nessa armadilha.
A ideia é simples. Estamos num futuro em que já existe uma base lunar em funcionamento, estruturada mais ou menos nos moldes das bases antárticas que salpicam o continente. Um duo, o narrador e outro astronauta, recebem a missão de irem ver o que se passa com uns espelhos instalados do lado oculto da Lua que são usados para orientar um telescópio orbital e parecem não estar a funcionar. E, por uma série de azares, o veículo em que seguem deixa de funcionar no caminho de regresso.
Se Brea tivesse limitado a tensão em que os seus astronautas se encontram à falta de oxigénio, arranjando um problema qualquer com os sistemas de recuperação ou com os filtros de absorção de CO2, ou qualquer coisa do género, poderia ter escrito um conto interessante, ainda que não propriamente original. Mas não. Resolveu arranjar um perigo adicional, postulando que astronauta que esteja sob a radiação solar direta é astronauta que tem morte assegurada por esturricamento em pouco tempo. Pois.
Infelizmente, para ele e para a experiência de leitura, os astronautas e cosmonautas executam longas atividades extraveiculares em órbita terrestre (onde a radiação solar direta é na prática idêntica à que a Lua recebe) sem qualquer problema. Nunca nenhum saiu de lá esturricado, pelo que o "perigo" que Brea inventa não é perigo nenhum. E como consequência, a suspensão de descrença vai por água abaixo e ao terminar a leitura fica a impressão de que ela foi má. Numa FC que não tentasse ser dura isto talvez passasse, desde que o resto fosse interessante. Mas a de Brea tenta. Até demasiado, pois é frequente ele cair em excesso de explicações. E isso tem consequências.
Contos anteriores deste livro:
A ideia é simples. Estamos num futuro em que já existe uma base lunar em funcionamento, estruturada mais ou menos nos moldes das bases antárticas que salpicam o continente. Um duo, o narrador e outro astronauta, recebem a missão de irem ver o que se passa com uns espelhos instalados do lado oculto da Lua que são usados para orientar um telescópio orbital e parecem não estar a funcionar. E, por uma série de azares, o veículo em que seguem deixa de funcionar no caminho de regresso.
Se Brea tivesse limitado a tensão em que os seus astronautas se encontram à falta de oxigénio, arranjando um problema qualquer com os sistemas de recuperação ou com os filtros de absorção de CO2, ou qualquer coisa do género, poderia ter escrito um conto interessante, ainda que não propriamente original. Mas não. Resolveu arranjar um perigo adicional, postulando que astronauta que esteja sob a radiação solar direta é astronauta que tem morte assegurada por esturricamento em pouco tempo. Pois.
Infelizmente, para ele e para a experiência de leitura, os astronautas e cosmonautas executam longas atividades extraveiculares em órbita terrestre (onde a radiação solar direta é na prática idêntica à que a Lua recebe) sem qualquer problema. Nunca nenhum saiu de lá esturricado, pelo que o "perigo" que Brea inventa não é perigo nenhum. E como consequência, a suspensão de descrença vai por água abaixo e ao terminar a leitura fica a impressão de que ela foi má. Numa FC que não tentasse ser dura isto talvez passasse, desde que o resto fosse interessante. Mas a de Brea tenta. Até demasiado, pois é frequente ele cair em excesso de explicações. E isso tem consequências.
Contos anteriores deste livro:
quarta-feira, 11 de agosto de 2021
Guy de Maupassant: De Viagem
Pois. Se o primeiro conto deste livro me surpreendeu por não ver nele aquilo que esperava encontrar numa antologia de contos românticos, neste De Viagem Guy de Maupassant oferece precisamente aquilo de que eu estava à espera: uma história romântica, sobre amores arrebatados e trágicos, com muita faca e alguidar à mistura. Precisamente aquilo de que eu não gosto.
Mas, como já disse numerosas vezes por aqui (acho que digo o mesmo sempre que leio alguma coisa de Maupassant), o velho Guy era um escritor do caraças. E este conto é um excelente exemplo disso mesmo, porque só um escritor do caraças me conseguiria levar a gostar duma história como esta.
A história é daquelas de ouvir dizer, que tão em voga estiveram no século XIX e início do século XX, aquelas histórias em que um grupo de personagens secundárias conversa e conta histórias umas às outras. Muitas vezes, estes contos são fantásticos: histórias de fantasmas e assombrações, casos insólitos, por aí fora. Mas aqui não. Aqui, o nosso narrador (subnarrador?) relata um caso protagonizado por uma condessa russa que viaja para o sul de França a fim de se tratar de uma "doença de peito", provavelmente a tão literária tuberculose (há centenas e centenas de histórias desta época que têm a ver direta ou indiretamente com a tuberculose), e que antes de sair do país ajuda um jovem perseguido a fugir, conquistando com esse ato de solidariedade o seu amor eterno.
Este segue-a, claro, que o comportamento de assédio era na época tido como altamente romântico. Especialmente quando platónico, como aqui, visto que o jovem se limita a mirá-la de longe, observar as janelas da casa onde ela se aloja em busca de um vislumbre, sem nunca chegar a aproximar-se. Até que o desfecho, inevitável quando temos em conta que este tipo de história vive de tragédia, acontece. Mas está tudo tão bem contado, com uma mestria tão grande, que eu, que normalmente acho estas histórias ridículas, quando não lhes encontro características piores, gostei de ler o conto.
Conto anterior deste livro:
Mas, como já disse numerosas vezes por aqui (acho que digo o mesmo sempre que leio alguma coisa de Maupassant), o velho Guy era um escritor do caraças. E este conto é um excelente exemplo disso mesmo, porque só um escritor do caraças me conseguiria levar a gostar duma história como esta.
A história é daquelas de ouvir dizer, que tão em voga estiveram no século XIX e início do século XX, aquelas histórias em que um grupo de personagens secundárias conversa e conta histórias umas às outras. Muitas vezes, estes contos são fantásticos: histórias de fantasmas e assombrações, casos insólitos, por aí fora. Mas aqui não. Aqui, o nosso narrador (subnarrador?) relata um caso protagonizado por uma condessa russa que viaja para o sul de França a fim de se tratar de uma "doença de peito", provavelmente a tão literária tuberculose (há centenas e centenas de histórias desta época que têm a ver direta ou indiretamente com a tuberculose), e que antes de sair do país ajuda um jovem perseguido a fugir, conquistando com esse ato de solidariedade o seu amor eterno.
Este segue-a, claro, que o comportamento de assédio era na época tido como altamente romântico. Especialmente quando platónico, como aqui, visto que o jovem se limita a mirá-la de longe, observar as janelas da casa onde ela se aloja em busca de um vislumbre, sem nunca chegar a aproximar-se. Até que o desfecho, inevitável quando temos em conta que este tipo de história vive de tragédia, acontece. Mas está tudo tão bem contado, com uma mestria tão grande, que eu, que normalmente acho estas histórias ridículas, quando não lhes encontro características piores, gostei de ler o conto.
Conto anterior deste livro:
terça-feira, 10 de agosto de 2021
Mário de Carvalho: O Percurso pra Cá
Não sei se Mário de Carvalho escreveu estes contos sequencialmente, isto é, se a organização das histórias no livro corresponde à sequência da sua produção. Mas se o fez, ao chegar a este O Percurso pra Cá já estava com as ideias um tanto ou quanto esgotadas e o humor um pouco murcho.
Não que o conto seja mau, atenção. Não é: está bem escrito e tem alguma piada. Mas quando o comparamos com os contos anteriores este sai claramente a perder, até mesmo na graça com que o autor caracteriza os habitantes do Beco das Sardinheiras. O bordão do Manuel Germano (quem leu compreenderá) é metido na história um tanto ou quanto forçadamente, e o elemento fantástico que irrompe pelo quotidiano é coisa já muito vista: uma espécie de portal que vai desaguar num marco de correio. Dentro do marco de correio.
E é basicamente a essa ideia que se resume toda a história. O portal, aparentemente, liga o Cais do Sodré ao Beco das Sardinheiras, só nesse sentido, e volta e meia lá vem uma pessoa ou um grupo desaguar no marco de correio. Mas depois deixa de acontecer porque a entrada está num buraco que a câmara depressa trata de tapar. Fim. Nada disto sequer se aproxima da elaboração e da piada dos outros contos, o que, para quem vem de os ler e está à espera de coisa comparável, é algo descoroçoante. Mas não é mau, o conto. É... fracote.
Contos anteriores deste livro:
Não que o conto seja mau, atenção. Não é: está bem escrito e tem alguma piada. Mas quando o comparamos com os contos anteriores este sai claramente a perder, até mesmo na graça com que o autor caracteriza os habitantes do Beco das Sardinheiras. O bordão do Manuel Germano (quem leu compreenderá) é metido na história um tanto ou quanto forçadamente, e o elemento fantástico que irrompe pelo quotidiano é coisa já muito vista: uma espécie de portal que vai desaguar num marco de correio. Dentro do marco de correio.
E é basicamente a essa ideia que se resume toda a história. O portal, aparentemente, liga o Cais do Sodré ao Beco das Sardinheiras, só nesse sentido, e volta e meia lá vem uma pessoa ou um grupo desaguar no marco de correio. Mas depois deixa de acontecer porque a entrada está num buraco que a câmara depressa trata de tapar. Fim. Nada disto sequer se aproxima da elaboração e da piada dos outros contos, o que, para quem vem de os ler e está à espera de coisa comparável, é algo descoroçoante. Mas não é mau, o conto. É... fracote.
Contos anteriores deste livro:
segunda-feira, 9 de agosto de 2021
José António Gonçalves: Oração em Memória de Tomás More
De regresso aos poemas de José António Gonçalves, deparo com esta Oração em Memória de Tomás More. Mas, ao contrário dos anteriores, foi poema que pouco me disse. De Tomás More (ou Thomas More) a minha referência principal é a obra Utopia; a sua vertente religiosa, que o levou até a ser canonizado pela igreja católica, e os escritos moralistas (moralismo esse que está bem presente em Utopia, mas esse livro tem outros motivos de interesse), pouco ou nada me interessam... mas parece ser isso o que mais interessa a Gonçalves. A consequência é não encontrar neste texto a ressonância que encontrei no anterior. Sim, continua a parecer-me bem concebido, mas deixou-me basicamente indiferente.
Textos anteriores desta publicação:
Textos anteriores desta publicação:
domingo, 8 de agosto de 2021
Leiturtugas #114
Mais uma semana e mais Leiturtugas. E desta feita com uma variaçãozinha, pois decidi tentar refrescar a minha lista de publicações, que estava a ficar um bocado estagnada, procurando outras opiniões que pudessem existir sobre as obras que já apareceram por aqui desde o início do ano. E encontrei várias logo a abrir, sendo provável que continue a encontrá-las à medida que vá percorrendo a lista. Vão todas para os oficiosos, evidentemente.
De resto, a semana é composta inteiramente por oficiosos, pois os participantes oficiais andaram a ler (ou pelo menos a opinar sobre) outras coisas. E há uma listinha razoável deles, sim senhor.
Começando pelas opiniões que saíram mesmo esta semana, temos a Maria Manuel Magalhães que escreveu sobre um livro que já tinha aparecido por aqui: Bairro Sem Saída, o romance que Fernando Ribeiro publicou em maio último pela Suma de Letras. Nada de FC, no entanto.
E temos também mais uma leitura de Deus Pátria Família, o romance de (ou com, pelo menos) história alternativa de Hugo Gonçalves. Quem desta vez leu este livro editado também em maio pela Companhia das Letras foi a Charneca em Flor. E este tenho contado como "com FC".
O resto é fruto das minhas investigações e foi publicado há mais tempo.
O Ricardo Trindade, por exemplo, publicou em abril último a sua opinião sobre o tecnothriller de Bruno M. Franco, Segredo Mortal. Não é a primeira vez que aparece por aqui, portanto já sabem que foi publicado em março pela Cultura e tem FC.
No mês passado, a Liliana Raquel publicou a sua opinião sobre A Força da Escuridão, romance de fantasia de Andreia Ramos publicado pela Chiado. Nada de FC por aqui.
E para rematar este post, que já vai longo, temos a Daniela Rosas que, em junho, tinha publicado a sua opinião sobre A Confissão de Lúcio, de Mário de Sá-Carneiro. Também aqui não há FC.
E até para a semana, altura em que teremos mais coisas a divulgar.
De resto, a semana é composta inteiramente por oficiosos, pois os participantes oficiais andaram a ler (ou pelo menos a opinar sobre) outras coisas. E há uma listinha razoável deles, sim senhor.
Começando pelas opiniões que saíram mesmo esta semana, temos a Maria Manuel Magalhães que escreveu sobre um livro que já tinha aparecido por aqui: Bairro Sem Saída, o romance que Fernando Ribeiro publicou em maio último pela Suma de Letras. Nada de FC, no entanto.
E temos também mais uma leitura de Deus Pátria Família, o romance de (ou com, pelo menos) história alternativa de Hugo Gonçalves. Quem desta vez leu este livro editado também em maio pela Companhia das Letras foi a Charneca em Flor. E este tenho contado como "com FC".
O resto é fruto das minhas investigações e foi publicado há mais tempo.
O Ricardo Trindade, por exemplo, publicou em abril último a sua opinião sobre o tecnothriller de Bruno M. Franco, Segredo Mortal. Não é a primeira vez que aparece por aqui, portanto já sabem que foi publicado em março pela Cultura e tem FC.
No mês passado, a Liliana Raquel publicou a sua opinião sobre A Força da Escuridão, romance de fantasia de Andreia Ramos publicado pela Chiado. Nada de FC por aqui.
E para rematar este post, que já vai longo, temos a Daniela Rosas que, em junho, tinha publicado a sua opinião sobre A Confissão de Lúcio, de Mário de Sá-Carneiro. Também aqui não há FC.
E até para a semana, altura em que teremos mais coisas a divulgar.
Escrita de julho
Os meses estão a passar a uma velocidade de loucos. Como é que já estamos em agosto? E o pior é que parecem passar todos iguais. Talvez por isso passem tão depressa: não há nada de marcante a separá-los uns dos outros. Talvez ainda bem, que o que tem havido de marcante nos últimos dois anos tem saído pior que a encomenda. Mas também se podiam arranjar umas encomendas melhorzinhas, para variar. Não? Ó universo, pst! Estou a falar contigo.
(silêncio)
(suspiro)
OK, deixemos isso e vamos ao que interessa.
Em julho continuei em revisões, pelo que a produção total, entre os acrescentos e os cortes, continuou a ser tão baixa como seria de esperar. Um pouco mais que 900 palavras, umas 3 paginecas, se tanto. Tudo como dantes no quartel de Abrantes, portanto? Não, não propriamente. Aquele projeto que eu estava a rever está revisto e encerrado (a menos que resolva revê-lo mais uma vez daqui a uns meses). O que estou a rever agora é o início de um romance que tenho aqui abandonado há anos e anos e em que decidi voltar a pegar agora. Estou a revê-lo, principalmente, para voltar a entrar no clima e na história, mas o resultado prático é o mesmíssimo corte e costura de uma revisão final. Mas este mês já deverei recomeçar a produzir texto inteiramente novo, e depois, desejavelmente, será sempre a somar.
E está explicado o boneco ali de cima. Quanto aos resultados destas boas intenções, aqui estarão daqui a um mês. Até lá.
sábado, 7 de agosto de 2021
João Barreiros: A Queda
Há pelo menos uma diferença significativa entre uma leitura e uma releitura, mesmo quando esta é apenas parcial devido às numerosas alterações que a obra lida sofreu numa nova edição, e mesmo que entre uma e outra distem décadas: a leitura tende a prender-se pouco em pormenores, dirigindo a atenção para o fluir da história e para os seus grandes traços gerais; já na releitura os pormenores tornam-se bastante mais presentes. Óbvios até.
Foi o que me aconteceu agora ao reler este A Queda (bibliografia), noveleta de João Barreiros que abre o Terrarium. E sim, embora este texto seja novo enquanto parte individualizada do livro, considero-o uma releitura porque parte dele já constava do texto de abertura da edição original, pelo menos nas suas linhas gerais.
Trata-se, basicamente, da história de um assalto. Um tal Mr. Lux é acordado por um alarme e descobre que um grupo de ladrões penetrou num lugar secreto onde ele guarda umas coisas de imenso valor, descobrindo ao mesmo tempo que o lugar, afinal, não é tão secreto como supunha. Que coisas? McGuffins. O texto, de resto, abre com uma citação de Hitchcock em que ele explica o conceito, com a ironia que o caracterizava, e esssa é logo a primeira referência que contém. Mas não a última, que os McGuffins são vários e cada um constitui a sua própria referência (o próprio Falcão de Malta, um dos mais famosos McGuffins do cinema, se não o mais famoso de todos, faz a sua aparição), num jogo referencial entre autor e leitor a que as personagens, muitas vezes, estão completamente alheias. Afinal, estas são quase todas alienígenas (incluindo o Mr. Lux) e as referências são bem terrestres.
Além disso, nem só de McGuffins se faz o jogo de referências. Ele começa, de resto, na própria capa, que nesta edição mantém uma coisa em comum com a da edição original: a imagem da capa de uma velha revista pulp, a qual é também um dos objetos roubados ao Mr. Lux.
Mas não é só o jogo de referências que faz aparecer os McGuffins. Estes são usados como é devido: servindo como truques literários para desenvolver a história e apresentar todo o universo ficcional em que esta se desenvolve. De resto, neste A Queda é a apresentação do cenário que mais importa: um cenário de FC bastante típico, no qual uma quantidade de espécies alienígenas dos mais diversos géneros chegam à Terra, em fuga do centro da Galáxia de onde outros alienígenas mais poderosos as haviam expulsado, e aqui se instalam, independentemente da vontade humana, parcialmente à superfície, parcialmente em órbita num gigantesco anel formado com os restos mais ou menos desmantelados das suas naves interestelares. E o resultado é o caos.
É nesse caos que o Mr. Lux é roubado, e é também nele que vai tratar de encontrar quem o roubou, não só para recuperar os objetos roubados mas também para se vingar da impertinência. Justiça pelas próprias mãos, dizem vocês? Claro. Esperavam o quê? O Lux é um durão, com fartura de truques na manga, ainda que os assaltantes também tenham os seus. Mas sim, tem sucesso. Algum. Parcial.
Mas é boa, a noveleta? Claro que é. Estamos a falar do Terrarium.
Foi o que me aconteceu agora ao reler este A Queda (bibliografia), noveleta de João Barreiros que abre o Terrarium. E sim, embora este texto seja novo enquanto parte individualizada do livro, considero-o uma releitura porque parte dele já constava do texto de abertura da edição original, pelo menos nas suas linhas gerais.
Trata-se, basicamente, da história de um assalto. Um tal Mr. Lux é acordado por um alarme e descobre que um grupo de ladrões penetrou num lugar secreto onde ele guarda umas coisas de imenso valor, descobrindo ao mesmo tempo que o lugar, afinal, não é tão secreto como supunha. Que coisas? McGuffins. O texto, de resto, abre com uma citação de Hitchcock em que ele explica o conceito, com a ironia que o caracterizava, e esssa é logo a primeira referência que contém. Mas não a última, que os McGuffins são vários e cada um constitui a sua própria referência (o próprio Falcão de Malta, um dos mais famosos McGuffins do cinema, se não o mais famoso de todos, faz a sua aparição), num jogo referencial entre autor e leitor a que as personagens, muitas vezes, estão completamente alheias. Afinal, estas são quase todas alienígenas (incluindo o Mr. Lux) e as referências são bem terrestres.
Além disso, nem só de McGuffins se faz o jogo de referências. Ele começa, de resto, na própria capa, que nesta edição mantém uma coisa em comum com a da edição original: a imagem da capa de uma velha revista pulp, a qual é também um dos objetos roubados ao Mr. Lux.
Mas não é só o jogo de referências que faz aparecer os McGuffins. Estes são usados como é devido: servindo como truques literários para desenvolver a história e apresentar todo o universo ficcional em que esta se desenvolve. De resto, neste A Queda é a apresentação do cenário que mais importa: um cenário de FC bastante típico, no qual uma quantidade de espécies alienígenas dos mais diversos géneros chegam à Terra, em fuga do centro da Galáxia de onde outros alienígenas mais poderosos as haviam expulsado, e aqui se instalam, independentemente da vontade humana, parcialmente à superfície, parcialmente em órbita num gigantesco anel formado com os restos mais ou menos desmantelados das suas naves interestelares. E o resultado é o caos.
É nesse caos que o Mr. Lux é roubado, e é também nele que vai tratar de encontrar quem o roubou, não só para recuperar os objetos roubados mas também para se vingar da impertinência. Justiça pelas próprias mãos, dizem vocês? Claro. Esperavam o quê? O Lux é um durão, com fartura de truques na manga, ainda que os assaltantes também tenham os seus. Mas sim, tem sucesso. Algum. Parcial.
Mas é boa, a noveleta? Claro que é. Estamos a falar do Terrarium.
sexta-feira, 6 de agosto de 2021
Irmãos Grimm: A Guardadora de Gansos
Leia-se aquilo que escrevi em prolegómeno ao conto anterior, que se aplica quase integralmente a este A Guardadora de Gansos. E não, não se trata aqui daqueles casos de histórias aparentadas que tão frequentes são nas histórias tradicionais, tanto nas suas versões originais — ou por outra, nas versões fiéis ao que se conta tradicionalmente, que versão original é um conceito bastante alheio à literatura popular — quanto nas versões trabalhadas pelos Irmãos Grimm.
Sim, que esta história é diferente. Mas está tão repleta de elementos que reencontramos na fantasia como a anterior estava. É a história de uma princesa que é prometida ao príncipe de um reino distante e parte para o reino deste a fim de se casar, acompanhada apenas por uma camareira. Ah, sim, e por feitiços e um cavalo falante, o que atenua um pouco a estranheza de não haver comitiva. Mas era necessário que assim fosse para que a história funcionasse.
É que a camareira é ambiciosa, não tem escrúpulos, e arranja maneira de se fazer passar pela princesa. Esta vê-se reduzida a guardadora de gansos, e o grosso do conto narra a forma como ela sobrevive assim e de que modo consegue provar que a outra é uma impostora e casar com o príncipe. E não, não há aqui qualquer spoiler. Isto é um conto de fadas; o final feliz faz parte das regras.
Não sendo dos mais interessantes destes contos, este não deixa de se contar entre os mais elaborados, com um enredo simples mas suficientemente enrodilhado para sustentar o interesse de quem lê (ou escuta), bastante longe das historietas rápidas de uma página e picos que por vezes aqui surgem também.
Contos anteriores deste livro:
Sim, que esta história é diferente. Mas está tão repleta de elementos que reencontramos na fantasia como a anterior estava. É a história de uma princesa que é prometida ao príncipe de um reino distante e parte para o reino deste a fim de se casar, acompanhada apenas por uma camareira. Ah, sim, e por feitiços e um cavalo falante, o que atenua um pouco a estranheza de não haver comitiva. Mas era necessário que assim fosse para que a história funcionasse.
É que a camareira é ambiciosa, não tem escrúpulos, e arranja maneira de se fazer passar pela princesa. Esta vê-se reduzida a guardadora de gansos, e o grosso do conto narra a forma como ela sobrevive assim e de que modo consegue provar que a outra é uma impostora e casar com o príncipe. E não, não há aqui qualquer spoiler. Isto é um conto de fadas; o final feliz faz parte das regras.
Não sendo dos mais interessantes destes contos, este não deixa de se contar entre os mais elaborados, com um enredo simples mas suficientemente enrodilhado para sustentar o interesse de quem lê (ou escuta), bastante longe das historietas rápidas de uma página e picos que por vezes aqui surgem também.
Contos anteriores deste livro:
terça-feira, 3 de agosto de 2021
Mia Couto: O Gentipó, Suas Gentis Poeiras
E para terminar (mais) um poema em prosa, no qual Mia Couto fala sobre um refugiado de guerra para falar sobre a guerra. O Gentipó, Suas Gentis Poeiras é mais um daqueles contos que tanto podem ser inteiramente ficcionais como podem ter em si toda aquela realidade onde as crónicas radicam, e narra os brandos desacordos entre o narrador, o próprio Couto, e o Gentipó, agricultor, aldeão, que a guerra civil moçambicana empurrara para a cidade.
Este traz consigo toda a superstição dos antigos e as saudades da vida de outrora, e julga que o perigo que o expulsara da sua terra se resolve com o recurso aos bruxedos dos feiticeiros. Aquele tenta convencê-lo de que a realidade não é assim tão simples e se regressar vai voltar a mergulhar no mesmíssimo perigo de que fugira. Sem sucesso. E a história termina assim, sem que se fique a saber se o homem encontraria a paz ou seria simplesmente dilacerado pela guerra.
E é essa incerteza que Mia Couto quer transmitir. Não a incerteza das personagens, propriamente, mas a sua própria incerteza face ao futuro de Moçambique e de uma guerra civil que nessa época se arrastava sem fim à vista. Fá-lo escrevendo quase um poema. Ou mais um conto muito bom, embora eu tenha voltado a sentir a falta daquilo que a meu ver melhor combina com a prosa do autor: o fantástico.
Textos anteriores deste livro:
Este traz consigo toda a superstição dos antigos e as saudades da vida de outrora, e julga que o perigo que o expulsara da sua terra se resolve com o recurso aos bruxedos dos feiticeiros. Aquele tenta convencê-lo de que a realidade não é assim tão simples e se regressar vai voltar a mergulhar no mesmíssimo perigo de que fugira. Sem sucesso. E a história termina assim, sem que se fique a saber se o homem encontraria a paz ou seria simplesmente dilacerado pela guerra.
E é essa incerteza que Mia Couto quer transmitir. Não a incerteza das personagens, propriamente, mas a sua própria incerteza face ao futuro de Moçambique e de uma guerra civil que nessa época se arrastava sem fim à vista. Fá-lo escrevendo quase um poema. Ou mais um conto muito bom, embora eu tenha voltado a sentir a falta daquilo que a meu ver melhor combina com a prosa do autor: o fantástico.
Textos anteriores deste livro:
segunda-feira, 2 de agosto de 2021
Leiturtugas #113
Começa aqui a 113ª nota de divulgação de Leiturtugas, embora algumas das notas que ficaram para trás não tenham tido divulgação, por nada haver a divulgar, tendo-se limitado a falar de algum aspeto deste projeto. Mas esta tem. Opiniões a divulgar, digo.
Vieram foi todas dos oficiosos.
Começaram ainda no domingo passado, quando a Patrícia, a estrear-se, publicou a sua opinião sobre a história alternativa de Hugo Gonçalves que já tinha aparecido por aí. Deus, Pátria, Família foi publicado pela Companhia das Letras em maio último e tem FC.
Prosseguiram na quarta-feira quando a Anabela Risso publicou a sua opinião, muito breve, sobre um infantojuvenil intitulado Feliz Natal Lobo Mau. Este conto de Clara Cunha (ou talvez continho; são 40 páginas, mais que provavelmente profusamente ilustradas) foi publicado em 2014 pelos Livros Horizonte e não tem, obviamente, qualquer FC.
No dia seguinte, quinta-feira, apareceu a opinião da Francisca Moura sobre Volta ao Mundo em Vinte Dias e Meio, de Julieta Monginho, um romance publicado já este ano pela Porto Editora que parece conter elementos daquele fantástico mais do agrado do mainstream literário. Zero de FC, portanto.
E por fim, na sexta, a Isabel Daires encerrou a semana com a sua opinião sobre um livro de contos de Eça de Queiroz que contém um texto incompleto que a Isabel classifica como fantasia medieval. Intitulado Alves & Cª. e Outras Ficções, é outra edição já deste ano, mas agora dos Livros do Brasil. Ainda continuamos é sem FC.
E ponto final na semana. Siga para a próxima.
Vieram foi todas dos oficiosos.
Começaram ainda no domingo passado, quando a Patrícia, a estrear-se, publicou a sua opinião sobre a história alternativa de Hugo Gonçalves que já tinha aparecido por aí. Deus, Pátria, Família foi publicado pela Companhia das Letras em maio último e tem FC.
Prosseguiram na quarta-feira quando a Anabela Risso publicou a sua opinião, muito breve, sobre um infantojuvenil intitulado Feliz Natal Lobo Mau. Este conto de Clara Cunha (ou talvez continho; são 40 páginas, mais que provavelmente profusamente ilustradas) foi publicado em 2014 pelos Livros Horizonte e não tem, obviamente, qualquer FC.
No dia seguinte, quinta-feira, apareceu a opinião da Francisca Moura sobre Volta ao Mundo em Vinte Dias e Meio, de Julieta Monginho, um romance publicado já este ano pela Porto Editora que parece conter elementos daquele fantástico mais do agrado do mainstream literário. Zero de FC, portanto.
E por fim, na sexta, a Isabel Daires encerrou a semana com a sua opinião sobre um livro de contos de Eça de Queiroz que contém um texto incompleto que a Isabel classifica como fantasia medieval. Intitulado Alves & Cª. e Outras Ficções, é outra edição já deste ano, mas agora dos Livros do Brasil. Ainda continuamos é sem FC.
E ponto final na semana. Siga para a próxima.
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