sábado, 31 de maio de 2014

Lido: O Detective não Aristotélico

O Detective não Aristotélico (bibliografia) é mais um conto algo estranho de A. E. Van Vogt. Trata-se de um policial de ficção científica, caso se considere que especulações à volta de uma ciência como a lógica semântica, tão afastada do núcleo das ciências duras que costumam inspirar a FC, podem incluir-se no campo da ficção científica. Porque é disso mesmo que se trata.

O enredo é bastante simples: uns polícias, bastante broncos, por sinal, descobrem no jornal um anúncio a um alguém que chama a si próprio "detetive não atistotélico" e decidem ir desafiá-lo com um caso não resolvido, pensando desmascará-lo como charlatão. Só que este decifra a coisa em dois tempos, por entre umas teorias razoavelmente rebuscadas sobre mapas e territórios e lógica e semântica, fazendo lembrar um pouco o protagonista da série televisiva O Mentalista.

O conto poderia ser interessante, mas a verdade é que não é. Bem mais de metade é gasta em conversas entre os polícias, cuja repetida incapacidade de pronunciar a palavra "aristotélico" depressa se torna cansativa, e a parte potencialmente mais interessante, isto é, a exploração das teorias subjacentes à atividade do tal detetive, é despachada em duas ou três páginas. Somando a isso um texto insípido, o resultado deixa muito a desejar.

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sexta-feira, 30 de maio de 2014

Lido: Uma Questão de Honra

Uma Questão de Honra, mais um conto de Mia Couto, é uma história tragicómica sobre dois amigos que há anos se encontram quotidianamente para uma partida de damas, sempre com vencedor antecipado e garantido à partida. Até que um dia acontece o inesperado: as damas, ou porque alguém as tivesse mudado de sítio, ou porque o sistemático derrotado tivesse aprendido jogadas novas, favorecem quem até aí sempre tinha ficado desfavorecido. As coisas começam a correr mal com desconfianças de batota e daí, passo largo a passo largo, vão malapiorando até ao desfecho final.

Não sendo dos contos que mais me agradou, por vários motivos, não deixa por isso de ser um bom conto. Mia Couto não parece ser capaz de os fazer maus.

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quinta-feira, 29 de maio de 2014

Lido: O Menino que Escrevia Versos

O Menino que Escrevia Versos é mais um continho de Mia Couto que, sem surpresa, está carregadinho de poesia. O protagonista principal (sim, que há um secundário) é, claro está, o menino que escrevia versos, para grande escândalo e medo da família, o pai mecânico de automóveis, a mãe doméstica. Que essa coisa de escrever versos não é certamente normal, que alguma coisa deve haver com o miúdo, que o melhor é levá-lo ao médico. Dito e feito, ainda que o médico (cá está o protagonista secundário) não dê ao caso a solução que a família do miúdo pretendia.

É um conto divertido, muito embora seja também de certa forma previsível, sendo Mia Couto quem é e o tema qual é. É por demais evidente que o escritor e poeta da língua portuguesa que Couto é só poderia tomar o partido de um miúdo que escreve versos.

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quarta-feira, 28 de maio de 2014

Lido: Carta VII

Carta VII é um texto epistolar não se sabe bem se de Abel Barros Baptista, se de Luísa Costa Gomes, se de ambos, que conta uma historieta burguesa decaída, entre morgados e marquesas, e bastante anacrónica dado que a "carta" está datada de 1995 mas todo o ambiente, e até boa parte do estilo literário, é muito oitocentista. É uma abordagem à literatura que não me costuma agradar muito e, realmente, também aqui não agradou. A ironia que contém é tão bem-comportada, mas tão, tão bem-comportada, que não tem graça alguma. Salva-se a qualidade da escrita, que existe, porque de resto...

É dos tais textos que tão depressa se leem como se esquecem sem deixar qualquer rasto na memória, sem fazer a mínima marca.

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terça-feira, 27 de maio de 2014

Lido: Há Outras Forças

Há Outras Forças é mais um conto de José Eduardo Agualusa para o qual o realismo mágico, ou até mesmo o fantástico propriamente dito, é central. A história debruça-se sobre um tal Carlos Marimont, janota oitocentista que, apesar do apelido francês, é português, e chega um não muito belo dia à colónia de Angola para aí tomar contacto com os negócios do tio Joaquim, que pretende fazer dele herdeiro. Mas o Carlos enceta nesse preciso instante uma relação de desamor à primeira vista com África que vai acabar por ter o seu desenlace mais ou menos inevitável a páginas tantas, mais especificamente a páginas penúltimas. Até aí, o conto parece nada ter de fantástico; parece ser um conto histórico bastante comum. Mas depois, a páginas últimas, o caso reviravolta.

É mais um bom conto: interessante, bem escrito e concebido com mestria. Aqui o tipo da Lâmpada aprova.

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quinta-feira, 22 de maio de 2014

Lido: Climbing the Tallest Tree in the World

Climbing the Tallest Tree in the World é um pequeno conto surrealista, de autor não creditado (não digam a ninguém: é o Rhys Hughes), sobre um grupo de gozões que num ataque de folia decide subir uma árvore. Só que a árvore não é como as outras e a subida leva-os a deparar com o inesperado e torna-se infinita, pelo menos para um deles. Muito onírico, tanto no mundo simplificado que apresenta como naquela espécie de impotência e isolamento, de repetição implacável da mesma situação insolúvel, façamos o que fizermos, que tão comuns são nos pesadelos, o conto vale principalmente, a meu ver, pela forma como está escrito. É incómodo, como um pesadelo é incómodo. Termina-se a leitura com aquela espécie de nervoso miudinho de um despertar banhado em suor. Tudo devido à forma como o conto está escrito.

Sim, gostei.

Como decidi o meu voto nestas eleições

Os portugueses têm uma relação doentia com a política e muito em especial com os partidos políticos. Não raro, dizem que “não se reveem” nos partidos e que por isso não participam, como se para participar no processo político fosse necessário ter nas lideranças partidárias espelhos de si próprios. Esta atitude é doentia porque é a raiz dos maiores sectarismos. Alguém que por “não se rever” é incapaz de participar do processo político, vendo todos aqueles em que “não se revê” como igualmente maus, igualmente incapazes ou igualmente corruptos, é alguém que não tem capacidade para colaborar e fazer pontes. É alguém que só entra em esforços unitários por vantagens próprias ou para impor a sua agenda aos outros. E é alguém que, no momento em que encontra algum partido em que “se revê”, algum espelho em que se admirar, perde o sentido crítico para com “os seus” e se encerra com eles numa bolha que exclui todos os outros.

Pessoalmente, tenho uma atitude bem diferente e que me parece muito mais saudável. Não sei bem se não me revejo em nenhum partido ou se me revejo em vários, mas o certo é que isso nunca me impediu de participar, quer com o voto, quer de formas mais profundas.

Consoante os assuntos, tanto me sinto mais próximo do PCP como do LIVRE ou do PAN, ou mesmo, em duas ou três questões, do PS. Na vasta maioria das questões, no entanto, a minha proximidade maior é para com o Bloco de Esquerda. Por isso sou eleitor do Bloco desde a sua formação e por isso aderi ao Bloco há alguns anos. No entanto, estar num partido nunca será para mim sinónimo de apoiar esse partido em toda e qualquer situação. Votei no Bloco em quase todas as eleições desde que o Bloco se formou, mas houve um ou dois casos em que votei noutros partidos ou em candidatos diferentes dos que o BE apoiava.

Isso aconteceu e continuará a acontecer quando as questões mais importantes no momento forem algumas em que tenho divergências com a linha escolhida pelo BE, quando não acredito que os candidatos apoiados pelo BE sejam os mais adequados ou até por questões de voto útil, apesar de só muito raramente achar os “votos úteis” realmente úteis. Estar no partido ou fora dele não muda nada a esse respeito. Estar no partido não implica fidelidade canina. Continuo a pensar pela minha cabeça e a ter opiniões próprias. Sou fiel ao Bloco na medida em que essa fidelidade não violentar a minha consciência e estou no Bloco, também, para o puxar um pouco mais para o meu lado das ideias. Não “me revejo” mais no partido estando dentro do que “me revia” estando fora.

E por isso, decido o meu voto eleição a eleição. Quase sempre no Bloco. Ocasionalmente não.

Este ano, vi-me num daqueles momentos em que divirjo da linha do Bloco numa questão muito importante. A questão essencial da nossa vida coletiva no momento atual e no futuro próximo: o que fazer com a Europa. Portanto estive muito, muito indeciso quanto ao que fazer com o meu voto.

Para explicar porquê e como acabei por me decidir, voltemos atrás.

Fui convictamente europeísta. Achava excelente, e na verdade ainda acho, a ideia duma Europa unida e solidária, na medida em que permitia a todos os países europeus ultrapassar a sua relativa pequenez e criar sinergias que propiciassem o desenvolvimento mútuo, afastando ao mesmo tempo o espectro da guerra, que como sabemos está sempre presente na Europa. Notem que a expressão “Europa unida” não está isolada nesta frase, vem em conjunto com a palavra “solidária”. E é aí que temos o grande busílis dos tempos que correm.

Pois o que a crise económica veio revelar é que a Europa está pouco unida e não é nada solidária. Com o rebentar da crise, a primeira coisa que os países do norte fizeram, liderados pela Alemanha, foi massacrar economicamente os do sul para salvar os seus próprios bancos, ainda para mais atirando-lhes para cima com as culpas por uma crise que foi criada, precisamente, por esses bancos. Convém sublinhar sempre este facto histórico, tantas vezes deturpado: quem criou esta crise foi a grande finança internacional, não o “despesismo” dos Estados.

Ora, ao sacrificarem a periferia europeia, atirando-a aos lobos, assassinaram toda e qualquer ideia de união europeia.

E por isso, eu sou hoje claramente eurocético. Porque uma Europa sem solidariedade não é uma união, é um império. E um império só se mantém de pé com prosperidade ou à força; quando aquela desaparece, desagrega-se, a menos que esta o mantenha violentamente unido. E apenas durante algum tempo, pois a violência só gera as condições para mais violência futura e, tarde ou cedo, o processo termina com uma desagregação tanto mais sangrenta quanto mais sangue for derramado para a evitar.

Uma gigantesca Jugoslávia.

Mesmo a prosperidade nem sempre é eficaz. De nada serve uma prosperidade assimétrica, em que o centro vampiriza as periferias para se manter próspero enquanto estas definham. Pelo contrário: isso só serve para apressar a desintegração ou para aumentar a necessidade de uma brutalidade cada vez maior para a evitar. Impérios pacíficos são aqueles em que o fluxo financeiro se faz ao contrário, do centro (que tem vantagens pelo simples facto de ser centro) para as periferias. Assim, talvez um império europeu funcionasse. Mas de qualquer forma não seria a união europeia que nos foi prometida.

Eu não quero nada disto. Sem verdadeira solidariedade, a UE é um cadáver adiado e quanto mais depressa nos desligarmos dele, melhor.

Mas o Bloco não pensa assim.

Durante muito tempo, confesso, não percebi bem o que o Bloco pensa. Sempre compreendi a exigência de renegociar a dívida, que é correta, urgente e cada vez mais consensual não só em Portugal como lá fora, mas a partir daí o discurso oficial deixava-me confuso. Até que entendi. E, ao entender, decidi o meu voto.

A posição do Bloco é suficientemente complexa para não ser fácil de explicar em meia dúzia de slogans de campanha. O que o BE quer é tentar recuperar a solidariedade, tentar devolver a UE ao seu espírito inicial (ou tentar criá-lo, talvez… talvez ele nunca tenha existido, talvez não tenha passado de uma ilusão). Para isso, quer mais Europa em certas coisas e muito menos Europa noutras. Exemplos? Quer muito menos Europa no controlo antidemocrático das finanças nacionais por via de tratados orçamentais e outras coisas que tais mas mais Europa em coisas como o acolhimento a refugiados e a imigrantes ilegais, que na prática significam um alívio da tensão a que estão sujeitas as periferias por onde essas pessoas tentam entrar. A tal solidariedade.

E quer, caso não seja possível convencer os outros de que se exige muito mais solidariedade para conservar a UE como projeto político minimamente viável, preparar Portugal para todos os cenários.

Foi isto que me decidiu. Porque sei que o abandono do euro ou até da UE não é coisa que se faça sem consequências negativas para nós e que por isso só se justifica quando as consequências negativas de não o fazer são maiores, estou disposto a aceitar que se tente revolucionar as regras antes de tomar medidas drásticas. Mas é preciso estar preparado para tomar mesmo as medidas drásticas, se necessário. Porque estou plenamente convencido de que será. E porque se não estivermos preparados para sair mesmo do euro, ou até, numa situação extrema, da própria UE, não teremos nunca força para a duríssima negociação que é preciso fazer. É esta a grande fragilidade da posição dos federalistas de esquerda: ficam sem opções se a resposta que obtiverem às suas exigências, que na base pouco se diferenciam das do resto da esquerda, for um não. Depois do não fazem o quê? Só podem ceder, não têm outra alternativa. O recuo na integração, seja em que aspeto for, não faz parte dos seus planos.

Até porque numa negociação das duras, entre inimigos (e é esse o ponto em que estamos), é sempre melhor começar por exigir o impossível para obter o possível do que abrir logo com concessões.

O PCP faz um pouco isso com a sua posição de abandono do euro. Cheguei, por isso, a pensar dar-lhes o meu voto nestas eleições. O problema é que tenho enormes dúvidas de que os comunistas tenham a flexibilidade necessária para aceitar o possível se este lhes for apresentado. A história mostra que se há algo que não abunda por aqueles lados é a flexibilidade. E o isolacionismo de que o PCP dá continuamente mostras é contraproducente: a negociação que teremos de fazer é dura o suficiente para precisarmos de todas as alianças que conseguirmos encontrar e o PCP nem sequer apoiou o candidato a presidente da Comissão que foi escolhido pelo Grupo da Esquerda Europeia, de que o partido faz parte.

Portanto não, não é uma opção que me sirva.

Vou mesmo votar no Bloco nestas eleições. De pé! É a escolha mais acertada.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Lido: Seis Momentos em Tempo Real

Seis Momentos em Tempo Real (bibliografia), de João Aguiar, foi uma enorme desilusão. Tinha-o em muito boa conta — gostei imenso de livros como A Voz dos Deuses — mas neste conto faz quase o pleno do que sai mal ao escrever ficção curta. É um conto apressado, muitíssimo apressado. Não só porque Aguiar procura encaixar meio século de uma história alternativa em que o Regicídio falha e a monarquia perdura em apenas quinze páginas, mas também porque o faz sem manter um foco claro, antes sobrecarregando o texto de personagens (e de nomes, de muitos, muitos nomes) como se este conto não passasse de um romance esboçado. Até a própria execução dá alguns sinais de pressa: não estava à espera de encontrar num texto de um autor tão experiente a velhíssima e muito desagradável técnica conhecida como "as-you-know-bob", personagens a explicar umas às outras factos que ambas conhecem, com datas e tudo, apenas para "instrução" do leitor.

Acresce a tudo isto, que já basta e sobra para tornar o conto fraco, um retrato de algumas personagens históricas no mínimo distorcido. Toda a família real é retratada como se, em vez de gente de carne e osso, fossem alguma espécie de heróis mitológicos, com destaque para D. Carlos, que, ferido nas costas (no mundo real, ficou morto logo ali), ainda tem tempo de se virar, pegar numa arma e responder ao fogo. Certeiramente. Soem fanfarras: para-pariii.

Enfim. Talvez a desilusão tenha carregado de sombras mais densas a opinião com que saí da leitura deste conto, mas a verdade é que o achei mesmo mauzinho.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Lido: Os Outros Dois

Os Outros Dois é um conto de Edith Wharton que tem tudo para me desagradar. Detesto histórias mais ou menos fúteis de alta sociedade, as suas subtilezas sociais enchem-me de um sono imenso, abomino histórias centradas em triângulos ou quadriláteros amorosos, enfim, seria um milagre gostar desta história.

Porque ela é tudo isso.

Passa-se há coisa de um século, na mais alta das sociedades novaiorquinas do tempo, entre banqueiros e empresários, e gira em volta de uma mulher que enfrenta e afronta a moralidade do tempo por já ir no terceiro marido, depois de dois divórcios, tendo até uma filha do primeiro. O protagonista não é ela, mas o terceiro marido, que se vê confrontado com os outros dois. Um por causa da filha, o outro porque acaba por ter negócios com ele. E é o seu lento processo de mudança entre a revolta e repugnância interior perante a ideia de ter o mínimo contacto com qualquer desses homens e uma aceitação descomplexada de ambos que o conto mostra.

Compreendo perfeitamente a relevância, e até o caráter subversivo, que esta história terá tido na época (o conto é de 1904). Mas é das tais histórias que mostram que não é só a ficção científica que pode envelhecer de uma forma quase violenta. Hoje, enredos como este estão remetidos para a banalidade sensaborona da literatura cor de rosa ou das telenovelas, os dilemas morais do homem já pouco ou nada dizem aos de hoje e a atitude da mulher, tão irreverente na época, hoje chega a irritar de tal modo tempera essa irreverência com uma enorme submissão. Poderá, suponho, ser interessante lê-la para ver até que ponto as mentalidades mudaram em cerca de um século. E a história está escrita de forma competente. Mas a verdade é que, comigo, e apesar de tudo isso, o milagre não aconteceu: não gostei mesmo.

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Lido: A Herdade da Pegada

A Herdade da Pegada (bibliografia), outro conto de ficção científica de A. E. Van Vogt é, mais uma vez, sobre alienígenas. A princípio não parece: somos apresentados a uma família em disputa, entre um pai quinteiro que gosta da quinta, uma mãe que a detesta e uma filha pequena que, a princípio, é como se não contasse. A quinta seria uma herdade vulgaríssima se não se desse o caso de estar embutida num vale e ter a forma de uma pegada, daí o seu nome. O calcanhar da pegada, segundo depressa ficamos a saber, corresponde a uma cratera de impacto, onde teria caído um meteorito um par de séculos antes.

Esta informação depressa leva o leitor com alguma experiência a perceber o que ali se passa — afinal, há muitas histórias destas, tanto na literatura como na televisão ou até no cinema. O ambiente cedo toma um ar declaradamente Twilight Zone... o que não é bom, visto que a série de TV é uns 20 anos mais antiga que esta história. Tudo aqui soa a batido, a velhos clichés reaproveitados de forma pouco inspirada. Nada contra reaproveitar velhos clichés... mas convém que o reaproveitamento seja bem feito. Aqui não é. E até o próprio texto, não sei se por culpa de Van Vogt se de Saló (mas tenho suspeitas), é muito mauzinho.

Em suma: fraco. Muito fraco.

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Lido: A Avó, a Cidade e o Semáforo

A Avó, a Cidade e o Semáforo é mais um dos poéticos continhos do Mia Couto. Desta feita trata-se de um conto sobre o choque entre o urbano e o rural, entre a modernidade e as velhas culturas e mundovisões do mundo antigo. A protagonista é uma velhota, avó do narrador, que terá passado a vida inteira na sua aldeia, mergulhada na sua cultura africana ancestral, sem saber, ou talvez mais propriamente sem querer saber, que lá fora as coisas são muito diferentes, que uma cultura bem diferente e cada vez mais globalizada — e uniformizada — aí predomina. É a esse "lá fora" citadino que o neto-narrador é chamado, e ela decide acompanhá-lo. Sem admitir contestação.

Não sendo dos contos que mais me agradou, achei-o apesar disso muitíssimo interessante de um ponto de vista, digamos, sociológico. Não me custa muito imaginar uma história semelhante a ter lugar no Moçambique natal de Mia Couto. Nem sequer me custaria imaginar uma história muito semelhante a ter lugar no Portugal de há algumas décadas, à parte um punhado de diferenças entre as culturas africanas e a nossa cultura europeia. Porque a civilização urbana global é muito semelhante no mundo inteiro e as velhas culturas rurais, apesar das diferenças, também têm muito de comum umas com as outras. Esta história é, pois, muito moçambicana, mas ao mesmo tempo universal.

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domingo, 18 de maio de 2014

Lido: Onanismo e Pornografia

Onanismo e Pornografia é uma espécie de ensaio, ou pelo menos de artigo de opinião, de Rui Zink, onde o autor discorre sobre o onanismo, a pornografia e as relações entre ambos e a sociedade em geral. É um texto altamente subversivo, em especial para a época em que foi escrito (1984), afrontador da moral e dos bons costumes e irónico desde o início, mas até mesmo ao fim (e ele ainda é bastante longo, talvez o mais longo de toda a antologia) não percebi por que motivo haveriam de o ter escolhido para integrar uma antologia de humor. Pois, ironias à parte, parecia-me uma opinião honesta e até razoavelmente fundamentada.

Mas depois, mesmo a chegar ao fim, Zink apresenta-nos uma sua utopia pessoal quase de ficção científica (ou não tão quase como isso: falha fortemente na parte da verosimilhança), descrevendo um Portugal idealizado enquanto pornódromo da Europa e enriquecido com isso. Aqui sim, o humor é claro e desbragado. E tão subversivo como o resto do texto. Ou mais ainda.

Não que concorde inteiramente com a tese do autor, não que gostasse de viver no Pornotugal que ele descreve (sem lhe chamar isso; esta é minha), mas gostei do texto. É interessante e, mais importante do que isso, desafiador.

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Lido: A Queda de Santa-Maria

A Queda de Santa-Maria é um conto curto de José Eduardo Agualusa que parte de uma notícia insólita de um jornal angolano de 1882. O conto, esse, movido a imaginação e humor, é ainda mais insólito. Um desgraçado escriturário vai andando a pé pelo mato nos arredores de uma terra chamada Pungo Andongo quando de repente a terra o engole e se vê mergulhado num buraco cheio de aranhas e formigas nauseabundas. Aí sobrevive durante meses até que alguém o descobre e o salva. Mas o que acontece em seguida é completamente inesperado. Para todos os envolvidos.

Trata-se de um conto com forte pegada fantástica, mas principalmente muito divertido, sobre azares, incompreensões, medos e superstições. O que acontece ao bom do escriturário não lembra ao diabo. Mas lembrou a Agualusa, que além do mais escreve bem que se farta. Muito bom.

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Lido: Depois

Depois é um conto curto de Guy de Maupassant sobre uma trajetória de vida. Trata-se, no fundamental, de um estudo de personagem, de uma visita ao funcionamento interno de uma personalidade, àquilo que nessa personalidade leva às escolhas que se fazem ao longo da vida e às consequências que essas escolhas têm. Maupassant descreve-nos, por intermédio de uma conversa, os motivos que levam alguém a optar pela vida monástica. Curiosamente, ou talvez não, deus não tem grande relevância. Os motivos são outros.

Maupassant era um grande escritor e este é mais um dos seus bons contos. Mesmo não tendo eu grande interesse pessoal pelo tema, a sua concretização tem tudo no lugar certo. Uma das definições possíveis de grande escritor é alguém capaz de tornar interessante o desinteressante. Para mim, é o que acontece com este conto.

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sábado, 17 de maio de 2014

Lido: O Primeiro Rull

O Primeiro Rull (bibliografia) é um conto de ficção científica de A. E. Van Vogt sobre, uma vez mais, uma invasão alienígena. Ou pelo menos algo de semelhante. Desta feita, os ETs são os rulls, uma espécia mimética e muito mais avançada que a humanidade, que envia agentes à Terra a fim de se misturarem com os indígenas e assim não só recolher informações mas também recuperar uma nave que por um infeliz acaso teria caído em mãos humanas.

O protagonista é um dos rulls, o que significa que nos vemos através dos seus olhos. É algo que a FC tentou fazer muitas vezes, mas só raramente com verdadeiro sucesso. É que não é nada fácil imaginar uma espécie suficientemente alienígena para ser credível ao mesmo tempo que se procura olhar para algo que se conhece bem, nós e a nossa cultura, através desses olhares imaginários. Há que equilibrar as idiossincrasias de cada uma das espécies, a real e a inventada, com a necessidade de tornar o resultado inteligível para leitores humanos e a combinação de compreensão e incompreensão que é inevitável em todos os contactos interespecíficos e que depende em muito dessas mesmas idiossincrasias. E bastante, também, de algum acaso.

Van Vogt não me parece que o tenha conseguido fazer bem. O conto não é mau, mas também não o achei bom. Não só a caracterização dos rulls é algo básica, uns vilões interstelares bastante típicos, como a própria história avança apressadamente espalhando pontas soltas por todo o lado. Isso confere-lhe algum dinamismo, é certo, mas o resultado seria muito melhor sem as pontas soltas. Este conto é, parece-me, um pouco medíocre.

Contos anteriores deste livro:

Lido: Enterro Televisivo

Enterro Televisivo, mais um dos pequenos contos de Mia Couto, é uma ternurentíssima história de amor. O título fornece pistas sobre o que se passa: estamos a acompanhar um enterro que não é como os do costume pois a viúva se vira para os netos e exige uma televisão nova. Que se passa com a antiga?, perguntam-lhe e ela encolhe-se nas poucas palavras da velhice obstinada. Mas lá lhe vão arrancando aos poucos que a antiga já não tem, que foi vontade do falecido, e por aí fora. Não vou contar tudo.

É um conto sobre a morte e a dor da perda definitiva de quem se ama. Sobre aquilo que fazemos e, mais ainda, sobre o que gostaríamos de ainda poder fazer pelos nossos entes queridos (detesto esta expressão) que já se foram. Sobre o luto.

Bate fundo, o raio do conto. Deve ser por isso que é bom. Ou vice-versa.

Contos anteriores deste livro:

Lido: A Revolta dos Pesos e Medidas

A Revolta dos Pesos e Medidas é um divertido conto surrealista, também de algum ou alguns dos autores do Pão Com Manteiga, sobre o que acontece um dia em que algum desavisado deixa a balança e a fita métrica ao pé do relógio. Sim, que os instrumentos de medida têm tendências subversivas e não é muito saudável deixá-los conspirar à vontade, como este conto tão bem ilustra. Que os tipos decidem trocar-se para nos baralhar. Devem achar divertido ver a malta feita barata tonta sem saber a que distância se sai do trabalho ou quantos quilos tem de percorrer para chegar a casa ou quantos metros irá engordar se não fizer exercício. E se não acham, achamos nós, os leitores. Ou pelo menos eu, o leitor, que isto de humor é coisa subjetiva por natureza. As personagens, essas, é que não acharam gracinha nenhuma.

E sim, este conto é claramente fantástico.

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sexta-feira, 16 de maio de 2014

Lido: O Roque e a Amiga

O Roque e a Amiga é um continho Pão Com Manteiga sobre um casal, ele chamado Roque, ela identificada como amiga. Também é uma anedotazinha de salão, com muito pouca graça, baseada no trocadilho entre "Roque" e "rock". Basicamente, o enredo é: a amiga pesa-se e o Roque ri-se. Porquê?, pergunta a amiga. Porque, responde o Roque, badum-tss, punch line.

Tudo bastante medíocre. Ou talvez seja a idade da piada a torná-la desinteressante, não sei bem. O facto é que o é.

Textos anteriores deste livro:

Lido: O Carteiro

O Carteiro é um conto de um dos autores do Pão Com Manteiga (ou de mais do que um, quiçá? Eles foram seis.) sobre um homem, solitário, que vivia uma vida dupla. De dia, era carteiro. De noite, no entanto, depois de dormir umas horinhas dedicava-se a ser o que lhe calhasse ser, sentado a uma mesa e de caneta na mão.

É um conto mais melancólico do que hilariante. Na verdade, de hilariante nada tem. É um pouco irónico, sim, mas trata-se de uma ironia tristonha, que espicaça mais pelo isolamento do protagonista e por aquilo que ele faz para o diminuir um pouco do que propriamente por qualquer outro fator. Tem o seu quê de insólito, este conto, mas é mais um estudo de personagem que outra coisa qualquer.

Se gostei? Sim, até gostei. Não muito, mas gostei.

Textos anteriores deste livro:

Lido: Extrato de "Dádivas Divinas"

Extrato de "Dádivas Divinas" é um pequeno fragmento de Rui Zink, carregadinho de um humor bem negro. Não sei sobre o que será o livro, mas este fragmento é sobre a guerra, a perda de peso e o empreendedorismo, bem como sobre as linhas com que se cose a política internacional.

É frequente o humor servir para fazer denúncias. Há até quem ache que esse é um dos seus usos mais nobres, embora outros discordem. Seja como for, é o caso aqui.

Não sei se gostaria do livro e confesso não ter ficado tão curioso a respeito dele como de outros com excertos incluídos nesta antologia, mas do excerto gostei.

Textos anteriores deste livro:

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Lido: Primeira Mão

Primeira Mão é um continho irónico de Rui Zink, este com forte pegada fantástica. Trata do otimismo e do pessimismo e tem como protagonista e narrador um homem de tal forma mergulhado em problemas que tem até receio de poder ser morto a qualquer momento. O cenário é um bar, onde o protagonista conversa com um amigo. Aquele, é pessimista, ou se calhar realista; este, pelo contrário, é um firme crente na ideia de que se ignorarmos os problemas eles desaparecem automagicamente e tenta convencer o protagonista de que é assim que o mundo funciona. Com um sucesso, no mínimo, irónico, como vemos no fim.

É um bom continho. Um continho com moral, felizmente apenas implícita. Duvido é que neste mundo de avestruzes haja muitos capazes de a compreender. Isso, no entanto, não é defeito do conto.

Textos anteriores deste livro:

Lido: A Inacreditável mas Verdadeira Estória de D. Nicolau Água-Rosada

A Inacreditável mas Verdadeira Estória de D. Nicolau Água-Rosada é um conto mágico-realista de José Eduardo Agualusa ambientado na antiga colónia de Angola, ainda no século XIX. O protagonista, D. Nicolau Água-Rosada e Sardónia, é um príncipe africano, do Congo, que depois de ser educado em Portugal renega a sua condição de príncipe e prefere viver uma vida pacata com um emprego normal, em Luanda... isto até que é puxado, algo a contragosto, para dentro de uma conspiração para libertar o seu povo. Aí, vai acabar por se ver confrontado quer com as contradições próprias de uma colónia, quer com as escolhas do seu passado.

A história é curta mas interessante e tem um tom muito realista até ao final, onde o realismo mágico toma o controlo de uma forma que me fez lembrar o início e mais alguns trechos do Barroco Tropical e que não vou revelar porque o final é muito importante para o pleno desfrutar da história. Parece andar ali imagem recorrente, talvez mesmo obsessão do autor.

Uma coisa que achei curiosa foi ver os portugueses praticamente ausentes da história, mesmo tratando-se esta, basicamente, de uma conspiração para livrar o Congo (não Angola; especificamente o Congo) do jogo colonial português. É como se Agualusa nos dissesse que Portugal e os portugueses, no fundo, não tinham grande influência nas condições que fizeram com que o colonialismo perdurasse. É uma ideia que me parece algo estranha, mas espicaçante.

Conto anterior deste livro:

terça-feira, 13 de maio de 2014

Lido: A Porta

A Porta é um conto curto e bizarro de E. B. White. Dramático? Talvez. A mim, pareceu mais que está entre o surrealista e o realista, entre o onírico e o demasiado concreto e real. Um conto sobre a loucura, contado por um louco e por isso repleto de alusões alucinatórias e fragmentos de realidade a(du)lterada. Não há nele grande enredo, e o que há está subentendido. É daqueles contos que, mais do que relatar uma história, se preocupam em descrever uma situação, deixando que a história seja criada pelo leitor com base nos antecedentes entrevistos e nas consequências previsíveis dessa situação.

Eu gostei deste conto. Até talvez tenha gostado bastante. Mas compreendo que para muita gente não será fácil gostar dele. É porventura demasiado absurdo, demasiado diferente do que se costuma ler por aí. Para mim, isso é bom, especialmente em contos. Para outros leitores não será.

Lido: A Vida com Jane

A Vida com Jane (bibliografia) é uma noveleta de ficção científica de A. E. Van Vogt que, infelizmente, foi traduzida pelo Eduardo Saló. Sim, esta é mesmo a informação mais relevante que se pode dar sobre esta leitura.

É que a história parece talvez não ser propriamente boa, mas ser pelo menos interessante, inteligente e muito dependente da precisão da linguagem para funcionar. Gira em volta de androides quase indistiguíveis dos humanos e de uma rapariga que foi educada com eles e por eles e mostra algumas capacidades extraordinárias, tudo no meio de uma trama quase policial com tomadas de reféns e exigências de libertação de prisioneiros. Só que no meio disto tudo aparece o Saló.

Eduardo Saló é famigerado por chamar "cibermaníaco" ao "ciberpunk" e mostrar uma certa tendência para "corrigir" o que não percebe quando está a traduzir FC. Naves vivas transformam-se magicamente em vulgares naves de aço e coisas do género. E aqui nota-se demasiado que houve muito que não percebeu. As "correções" saíram-lhe francamente mal. O resultado? Um texto quase ilegível, atrás do qual Van Vogt quase desaparece.

Há traduções que ultrapassam a simples ruindade e atingem o grau de catastróficas. Esta é uma delas.

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Lido: O Caçador de Ausências

O Caçador de Ausências é mais um continho fantástico de Mia Couto com tudo o que costuma tornar tão inconfundíveis os seus contos. Mas aqui com especial pureza, parece-me. A inventiva linguística, a poesia do neologismo e das subtis ligações de ideias está aqui particularmente apurada, como se Couto tivesse escrito este conto mais inspiradamente do que é hábito.

O tema é um salvamento. Um homem desloca-se entre uma terra e outra para tentar resgatar dívida antiga e, ao voltar de bolsos tão vazios como partira, depara com bandidos armados. Morte iminente, no mínimo estropio. Mas eis que é salvo, da forma mais inesperada possível. Porquê? Aí entra o fantástico, bastante todoroviano na medida em que não é claro se o que conta é a verdade se não passa de interpretação imaginosa.

Tudo somado, temos um conto magnífico, mais um. Dos melhores do livro, se não mesmo o melhor.

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segunda-feira, 12 de maio de 2014

Lido: Penúltima Hora

Penúltima Hora é outro texto de Rui Zink que imita os trejeitos linguísticos típicos dos textos jornalísticos para lhes fazer uma divertidíssima sátira. A "notícia" é sobre um atentado à bomba que teria destruído um restaurante lisboeta. Só que em vez de falar dos mortos e feridos, dos eventuais autores do atentado, do ideário que estaria por trás do ato, Zink (ou o jornalista que ele encarna) prefere discorrer longamente sobre... o menu do restaurante.

Muito divertido. Mesmo. E, se pensarmos bem, muito eficaz em termos de desconstrução irónica da linguagem jor... aa... hm... esperem: isto é conversa de crítico sério. Foi um arrebatamento momentâneo. Peço perdão. Não voltará a acontecer.

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domingo, 11 de maio de 2014

Lido: Última Hora

Última Hora é, finalmente, um texto em prosa. Um texto de Rui Zink, surrealista, muito irónico e algo macabro, a imitar uma notícia de imprensa sobre um cidadão moçambicano que teria sido detido no aeroporto a tentar entrar legalmente no país, suspeito de tráfico de órgãos. Um daqueles críticos armados aos cágados provavelmente falaria de desconstrução irónica da linguagem jornalística, ou de algo do género. Mas eu não tenho cá cágados, portanto não digo. Digo só que gostei. Por ter achado graça, mas não só.

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Lido: Ainda Hoje Me Recordo

Ainda Hoje Me Recordo, outro primeiro verso, é uma quadra "defeituosa" de Daniel Maia-Pinto Rodrigues. Defeituosa porque, embora tenha quatro versos, não respeita as rimas e métricas que as quadras propriamente ditas exigem. O tema é de novo o sexo, uma vez mais revestido de um humor bastante básico, mas aqui piorado porque mesmo literariamente me parece que o texto pouco vale. Achei muito fraquinho.

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Lido: Aliás, Entende uma Coisa, Lilas

Aliás, Entende uma Coisa, Lilas, que volta a ser mero primeiro verso, é mais um dos minúsculos poeminhas de Daniel Maia-Pinto Rodrigues. Desta vez trata-se mais de uma experiência com aliterações e sua relação com as rimas do que de outra coisa qualquer. O poema é discurso direto, dirigido pelo poeta à dita (ao dito?) Lilas, e tem a ver com lulas e com pilas.

Piada? Alguma, mas pouca. O humor é um bocadinho básico em demasia. Olarilas.

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sábado, 10 de maio de 2014

Lido: Procimamente (Director's Cut)

Procimamente (Director's Cut), que desta vez é mesmo título (e não, não há nele nenhuma gralha), é mais um poemita de Daniel Maia-Pinto Rodrigues, mais precisamente uma quadra, sobre o que o boi fez à rata. Bem, sobre isso mas também sobre a simplificação ortográfica excessiva (ou, como escreveria o putativo autor da quadra, eiscessiva) que, subentende-se, é coisa para que caminha a língua tal e qual é escrita o que, imagina-se, muito aflige o autor verdadeiro do alerta subentendido. Perceberam? Eu também acho que sim.

Tem alguma piada, sim, mesmo não concordando eu nada com estes alertas mais ou menos apocalípticos por mais travestidos de humor que pareçam. E nem é questão de "ezigência" (por que não "izigência", já agora?...). É porque procuro lembrar-me de que estas "deturpações" são em boa medida resultado da democratição do ensino e da alfabetização para todos, aliadas às tendências subversivas que a juventude que o é de facto sempre teve. Nem sempre consigo, em especial quando deparo com exemplos particularmente ridículos de miguxês. Mas procuro, isso procuro. E o texto sobre o poemita já vai muito mais longo do que o dito. Provavelmente porque não é só sobre o poemita. Ora bem.

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Lido: Enquanto as Coisas Levianamente se Dizem

Enquanto as Coisas Levianamente se Dizem, uma vez mais primeiro verso de um poeminha pequerrucho de Daniel Maia-Pinto Rodrigues, é sobre uma tal Cristina Marques que flirta onde e quando não é lá muito cómodo fazê-lo. Há nele ironia, claro, uma ironia mais situacional, em clima de comédia romântica, que outra qualquer. Não me agrada muito, e como mesmo em termos literários o poema não me pareceu ser grande coisa, pois aí têm: não achei grande coisa.

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sexta-feira, 9 de maio de 2014

Lido: Na Antiga Casa da Minha Avó

Na Antiga Casa da Minha Avó, de novo primeiro verso de outro pequeníssimo poema de Daniel Maia-Pinto Rodrigues, fala piadeticamente de excursões infantis a caves onde, supunha ele, habitariam fadas. Mas o que lá ia encontrar não seriam bem fadas. Tem graça, sim, e tem também um estilo de escrita que me agrada bastante mais que o da amiga Adília.

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Lido: A Mim

A Mim é o primeiro verso de um minúsculo poemita sem título de Daniel Maia-Pinto Rodrigues sobre o gozo que lhe dá andar com as mulheres dos outros. Piada? Alguma, sim, não digo que não.

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Lido: É Preciso Agir

É Preciso Agir, uma vez mais primeiro verso e não título, é outro dos textos de Adília Lopes que aliam ironia a um encadear inesperado e algo surrealista de imagens, muitas delas bem distantes de qualquer espécie de lirismo. E por isso mesmo é dos seus poemas que mais me agradaram, embora nenhum deles me tivesse realmente enchido as medidas por motivos já anteriormente explanados com algum detalhe. Este debruça-se sobretudo sobre a dificuldade que a cidade impõe à ação, que é como quem diz, à bela da queca.

Comiseremos.

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terça-feira, 6 de maio de 2014

Lido: Duas Irmãs Solteironas

Duas Irmãs Solteironas, que volta mais uma vez a ser primeiro verso e não título, é, segundo a autora explica em nota inclusa, uma "anedota contada na aula pelo [seu] professor de Filosodia" Fulano de Tal. Adília Lopes resolve transformá-la em poema, o que no caso consiste apenas em subdividir as frases em versos. A anedota, essa, debruça-se sobre duas irmãs solteironas, uma gata que com elas vivia, e o que acontece quando uma das manas casou e perdeu os três. É um humorzito de salão, ao mesmo tempo malandreco e bem comportado, e isso é tudo o que me ocorre dizer sobre este texto.

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segunda-feira, 5 de maio de 2014

Lido: O Império das Lãs

O Império das Lãs, que volta a ser mesmo um título daqueles como deve ser, é mais um poema de Adília Lopes com o mesmo estilo, as mesmas ironias e até as mesmas personagens dos anteriores. Desta vez a coisa é surreal, com misturas entre o comezinho suburbano e os deuses do panteão grego e minotauros e touradas e Nárnia e Bennetton e o diabo virado a sete. Literariamente, gostei mais que dos outros. Gostei em especial do encadear inesperado de imagens e arquétipos culturais. Humoristicamente é que nem por isso. Talvez haja quem veja graça naquilo que de ungulado percorre todo o poema, mas eu não vejo lá muita.

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Lido: Maria Andrade

Maria Andrade, que volta a não ser título mas primeiro verso (e que além disso parece ser uma personagem recorrente em poemas da Adília Lopes), é mais um poema, lá está, da Adília Lopes. Desta vez o tema é a sodomia por intervenção médica. O estilo, claro, é igual ao dos outros, mas desta vez até achei graça. Não percebi a referência ao Nodi (sou totalmente ignorante em nodilogia, confesso), mas achei graça.

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domingo, 4 de maio de 2014

Lido: Em Virgem

Em Virgem, que volta a ser primeiro verso e não título, é outro poema de Adília Lopes. Este conta uma historieta suburbana sobre um casal que conversa sobre ver (ou ouvir) Fórumla 1 enquanto faz outras coisas. E eu agora atirava para aqui com umas frases redondas sobre o vazio existencialista (inexistencialista, será?), mas não estou para isso. Acrescento só que o estilo é o do costume e humor pouco existe, ou pelo menos pouco vi. É quanto baste.

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Lido: A Coleção Barbara Azul

A Colecção Barbara Azul, que desta v... hm... esperem aí. Vou mas é escrever isto à Adília Lopes.

A Colecção Barbara Azul
que desta vez é mesmo título
é um poema de Adília Lopes sobre
irreverências juvenis
às voltas entre o que era permitido e o que não era
entre a chatice e a pornografia
simpatizo com a irreverência
a sério que simpatizo
consigo detetar a ironia
a sério que consigo
mas não sou capaz de gostar do estilo
e o próprio humor é assim um bocadinho desenxabido
coisa de menina burguesa
às voltas com o seu umbigo
e assim se faz um poema
(poema?)
diz que sim

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sábado, 3 de maio de 2014

Lido: A Feira dos Assombrados

A Feira dos Assombrados é uma novela de José Eduardo Agualusa, muito ancorada no realismo mágico latinoamericano, sobre um caso insólito que o autor situa em finais do século XIX na cidade angolana do Dondo, que à época não passaria de uma simples vila: o rio, o Quanza, começa a trazer cadáveres. Afogados. Às dezenas.

O que faz mover a narrativa, aparentemente, é o mistério. Quem serão aquelas pessoas? Ou até: tratar-se-á mesmo de pessoas? Ou haverá naquele estranho sucedido alguma mão sobrenatural, de espíritos ou demónios, de coisas ímpias? Agualusa explora a tensão gerada por essas dúvidas, servindo-se de um elenco de personagens tão castiças que até chegam a incluir um bode mensageiro que se apresenta quase humano. Sempre mantendo o realismo mágico ao alcance de uma frase, conservando sempre a sugestão do irreal, do fantástico, como uma possibilidade muito concreta, ainda que nunca inteiramente explícita.

Mas o mistério só na aparência é o fulcro desta história. Ou, pelo menos, digamos que o é num primeiro nível de leitura. Escavando mais fundo, o que aqui encontramos é um retrato da vida e das figuras humanas características de uma vilazinha do interior de Angola colonial de há cento e poucos anos, com as suas estruturas de poder centradas no administrador português e no padre católico, com as suas rivalidades, com a sempre presente desigualdade de base entre brancos e pretos e os mulatos de permeio. No fundo, o retrato de um ambiente em determinado momento socio-histórico, no qual as superstições cruzadas e algo enlouquecidas que os afogados trazem à tona se integram organicamente.

E um retrato bastante bem feito, cheio de subtilezas e subentendidos mas ao mesmo tempo muito claro.

Quanto ao mistério... bem... se eu vos dissesse se ele chega, ou não, a ser resolvido iam cair-me em cima aos gritos de "spoilers", não é? Melhor ficar calado. Afinal de contas, na literatura, como na vida, alguns mistérios acabam por obter resposta esclarecedora enquanto outros têm de contentar-se em permanecer misteriosos por tempo indeterminado. Por isso, resta-me acrescentar algo que julgo já ser óbvio:

Gostei. Não assim muito, não daquele gostar de cair de quatro e boquiabrir-me de espanto e admiração, mas sim, gostei.