terça-feira, 31 de março de 2015

Lido: Esparguete à Carbonária

Esparguete à Carbonária (bibliografia) é um pequeno e muito disparatado conto curto de Alexandre Vieira, que nos apresenta uma reunião de um grupelho de "carbonários" de caricatura que, entre máscaras e arroubos tonitruantes sobre "a causa," vão obedecendo cegamente às paranoias de um líder doido varrido e...

E quê? Para lá da caricatura, da tentativa frustrada de ter graça, numa espécie de humor entre o apatetado e o macabro, que nem sequer começa a despertar em quem o lê (ou em mim, pelo menos) o mais ténue dos sorrisos, o que é que este contículo contém?

Rigorosamente nada.

Ainda por cima, a obediência deste conto ao tema do livro é apenas questão de interpretação. Sim, há monarquia, sim, os "carbonários" reúnem-se secretamente para "lutar" pelos ideais republicanos (será?), mas não há qualquer indicação de época. Só por imaginação se pode ver aqui história alternativa; é igualmente provável que se trate de um conto passado algures em Lisboa em pleno século XIX.

Enfim.

O melhor que se pode dizer dele é que não violenta lá muito a língua portuguesa, porque de resto...

Muito, muito mauzinho.

Contos anteriores deste livro:

sábado, 28 de março de 2015

Lido: A Feira dos Assombrados

A Feira dos Assombrados é um livro de José Eduardo Agualusa composto por uma novela e uma sequência de pequenos contos sujeitos a mote, todos aparentemente passados na Angola colonial de finais do século XIX, o que, conjuntamente com o caráter fantástico destas histórias, confere ao livro estrutura e unidade.

Visto por outros prismas, é um livro bastante dicotómico: por um lado uma novela, por outro uma série de contos curtíssimos; por um lado uma história sem mote, por outro uma série de histórias sujeitas a mote, o que é o mesmo que dizer baseadas em trechos insólitos de velhas notícias ou anúncios publicados em jornais angolanos da viragem do século... uma belíssima ideia, que poderia dar pano para muitas mangas, e não só para a literatura angolana, assim haja quem tenha tempo e gosto para se dedicar a essa caça de velhos tesourinhos.

Por sobre tudo isto há mais uma camada de uniformidade, ou talvez seja melhor dizer de coesão: a indiscutível qualidade literária de Agualusa. Mesmo quando as suas histórias não satisfazem totalmente, quando são demasiado curtas para terem todo o impacto que poderiam ter, ou quando trazem consigo algum déjà vu, ou tenham alguma outra insuficiência, objetiva ou subjetiva, o uso impecável da língua compensa muita coisa.

O resultado? O resultado é um muito bom livro de literatura fantástica angolana e lusófona.

Eis o que achei de cada uma das sete histórias que compõem a coletânea:
Este livro foi comprado.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Lido: Que Viva, Pelo Menos, a Democracia

Que Viva, Pelo Menos, a Democracia é um continho de Rui Cardoso Martins que arranja uma história comico-ternurenta sobre um velho monárquico, o senhor Aquino, que vai de basbaque assistir ao casamento de D. Duarte, o nosso ridículo pretendente ao trono, entre espanhóis, ativistas de Foz Côa, anarco-surrealistas e personagens variadas da política portuguesa e europeia.

A historieta é francamente divertida, em especial devido às "bocas" da variegada populaça que vê passar os famosos e pelo desconforto e indignação que elas causam ao nosso bom velhote. Cardoso Martins, que eu tantas vezes vi nas páginas da Pública mas nunca tive curiosidade de ler (Casos de tribunal?, pensava então. Meh!) e agora me arrependo, parece ter um talento especial para apanhar tiques identificativos e explorá-los com uma valente dose de piada. E este conto é, além de divertido, um saboroso retrato de certo(s) tipo(s), que provavelmente todos vamos conhecendo por aí, às vezes quase sem dar por isso.

Sim, gostei.

Textos anteriores deste livro:

terça-feira, 24 de março de 2015

Lido: Brancos Estúpidos

Brancos Estúpidos, de subtítulo e Outras Desculpas Esfarrapadas para o Estado da Nação, é um livro de Michael Moore (exato, o cineasta, o tipo que fez Bowling for Columbine e outros documentários igualmente incisivos) na qual é implacavelmente dissecado o estado da América que levou à muitíssimo controversa eleição de George W. Bush, depois de perder o voto popular para Al Gore. Foi assumidamente a fúria sentida por Moore por aquilo que considera ter sido uma fraude eleitoral de grande escala, um autêntico golpe de estado que terá posto em causa a própria democracia americana, que o levou a escrever este livro, e nele essa eleição é central, embora não esteja a ela limitado.

O livro não é, nem pretende ser, uma análise imparcial do estado da América. É, como aliás é apanágio de Moore, um relato opinativo, por vezes até um pouco demagógico, muito embora quase todas as afirmações que Moore nele faz estejam sustentadas por dados ou por artigos saídos na imprensa. E é precisamente por isso que é tão arrasador.

Também não é um livro muito focado num tema específico. Moore preocupou-se mais em falar daquilo que lhe pareceu mais importante para explicar a ascensão e a filosofia da direita americana do tempo, direta antecessora do tenebroso Tea Party que conhecemos hoje, e explanar as consequências que vê nessa ascensão, prevenir os seus leitores para o ponto até onde essa direita está preparada para ir, do que em ser particularmente organizado ou sistemático. Os episódios, as historietas, as interligações entre um facto e outro sucedem-se numa espécie de caos vagamente organizado que, no entanto, acaba por fazer todo o sentido, intercalados por exercícios de sarcasmo, como um que ficou famoso, intitulado "Uma Oração para Atormentar os Que Vivem com Conforto."

Poucas feridas passam sem que Moore nelas espete um dedo. Ou vários.

As falhas e insuficiências da democracia americana são, claro, o alvo principal, mas Moore fala de sexismo, racismo, xenofobia relativa a comunidades de imigrantes, os media e a estupidez de que eles se alimentam e promovem, o anti-cientificismo e anti-intelectualismo, e por aí fora.

É um livro datado? Sim, em certa medida é; afinal de contas foi lançado em 2001 e 2001 foi há já 14 anos. Sim, o tempo voa mesmo. Mas a verdade é que muito daquilo por que estamos a passar hoje, com a crise financeira que fez estoirar as dívidas soberanas, com o florescimento de um conservadorismo extremo e asqueroso, tanto nos EUA como na Europa, que tantas vezes traz à memória ecos tenebrosos de um passado que devia estar morto, enterrado e coberto com cal-viva, têm sólidas raízes em gente, factos e atitudes que Moore aqui descreve à sua maneira colorida.

Não é um livro sisudo para sisudos historiadores. Na verdade, creio que não serão muitos os historiadores capazes de ler isto sem sentirem desconforto na sua costela académica. É, sim, um livro cujo objetivo foi ter impacto junto do público em geral e que foi nisso tão bem sucedido que ainda hoje continua a tê-lo.

Eu, que não sou nem sisudo nem historiador, e que além disso conhecia a história mas não todas as histórias que Moore aqui conta, gostei bastante deste livro. Também me assustei com ele.

Era mesmo essa a ideia, suspeito.

Este livro veio da biblioteca dos pais, mas de certeza que foi comprado.

terça-feira, 17 de março de 2015

Lido: Cristo em Casa de Marta e de Maria

Cristo em Casa de Marta e de Maria é um conto bastante feminino de A. S. Byatt sobre amor-próprio. Partindo de uma história bíblica, como aliás o título já indica, é protagonizado por Dolores, irascível e feiíssima cozinheira que, após um ataque de mau-génio acaba por aceitar ser pintada por um artista amigo de uma sua colega. E no processo, e ao terminar o processo, vem a descobrir com surpresa e alegria uma faceta de si que desconhecia.

É um conto suave, bem escrito e bem desenvolvido, cuja parte menos agradável, para mim, é a prisão ao superficial que revela talvez na autora, talvez na sociedade que ela pretende retratar. Dolores, aparentemente, é especialmente dotada para as suas artes culinárias, mas daí não retira qualquer orgulho ou melhoria no amor-próprio. Porquê? Porque é feia. Porque não pode vestir os vestidos das senhoras finas que, acha ela, a poriam bonita. E por isso é só quando o artista consegue retirar beleza da sua fealdade e transpô-la para a tela que ela faz as pazes consigo mesma.

É uma forma fútil de ver o mundo, esta, a que coloca a beleza (e o dinheiro, já agora) acima de qualquer outro talento ou habilidade que as pessoas possam ter. Este conto baseia-se nela, e num conformismo, num conservadorismo, que reduz a questões de feiúra e ciúme a humaníssima aspiração por uma vida melhor. E assim, este conto até pode ser literariamente bom mas não fui capaz de gostar dele.

Contos anteriores desta publicação:

segunda-feira, 16 de março de 2015

Lido: Pêndulo

Pêndulo (bibliografia) é uma coletânea de contos de ficção científica, de A. E. Van Vogt, que não só é, de origem, razoavelmente medíocre, como foi ainda piorada na edição portuguesa pelo facto de a tradução ter sido entregue a Eduardo Saló.

A coletânea é de 1978, tal como quase todos os contos, mas a verdade é que parece ser mais antiga. Sim, há algumas ideias interessantes, ainda que raramente me pareçam bem executadas, mas é mais frequente que estas histórias me cheguem com um certo ranço mais característico da FC de décadas anteriores do que da do fim dos anos 70. Se é uma lapalissada dizer-se que toda a FC envelhece mais rapidamente do que a generalidade da outra ficção, este livro parece sugerir que o envelhecimento daquela que nunca chegou a ultrapassar a mediocridade é ainda mais rápido.

Mas nem tudo aqui é mau ou mauzinho. Há contos razoáveis e há um, o último, que só por si salva a coletânea e faz com que o livro valha a pena. Por coincidência, ou talvez não (não, certamente que não), é o único que não é só de Van Vogt; trata-se, isso sim, de uma colaboração de Van Vogt com Harlan Ellison, e Ellison transparece com grande clareza no esforço conjunto.

Tudo somado, este é um livro fraco que, graças àquele último conto, consegue atingir o patamar do razoável.

Eis o que achei sobre cada uma das sete histórias:
Este livro foi comprado.

Lido: Eyes Like Water Like Ice

Eyes Like Water Like Ice, é uma pequena historinha de uma espécie de horror brando, escrito por autora anónima (discretamente revelo aos entendidos, mas só aos entendidos, que é de Jai Clare), que nos descreve uma apresentação de místicos indianos para um público muito ocidental, ou talvez se deva mesmo dizer muito britânico. Os místicos têm, de facto, poderes, entre outros o de controlar o fogo, e a plateia assiste, contente e plácida, à exibição desses poderes. Até que um homem decide participar.

Claramente inspirado pelas imagens de gurus a imolar-se pelo fogo e escrito numa prosa bastante poética, este continho muito oblíquo trata principalmente da perda e da incapacidade que cada um de nós tem para impedir aqueles que nos são queridos de partir quando e como a sua própria vida, não a nossa vontade, determina.

Não foi conto que me absorvesse, até porque não tem tamanho suficiente para tanto, mas é um bom conto.

Contos anteriores desta publicação:

sábado, 14 de março de 2015

Lido: O Fio das Missangas

O Fio das Missangas é uma coletânea de pequenos contos de Mia Couto que, para quem conhece o autor, não traz nada de muito inesperado. São contos carregados de poesia, repletos dos seus característicos neologismos, sempre tão cheios de significados, ajoujados de humanidade. Muitos são contos fantásticos, chegando alguns, até, a passear-se por territórios próximos da ficção científica. Muitos, também, são contos em que a mulher, a sua vida, os seus problemas, as suas ideias e aspirações, é tema e fulcro. A mulher ou o povo. Ou a mulher do povo.

As melhores destas histórias são pequenas maravilhas, com tudo no sítio certo, tão próximas da perfeição como é possível ao engenho humano. São raras as apenas medianas, embora também haja duas ou três; histórias em que a poesia é levada longe demais, perdendo-se a história pelo caminho, ou histórias cuja ideia não se ajusta bem ao tamanho exigido a todas elas (de três a cinco páginas; o tamanho de uma crónica de jornal). A maioria, no entanto, está entre o "meramente" bom e o muito bom, ainda que se considerarmos apenas o tratamento dado à língua portuguesa ele seja, em quase, quase todas, excelente.

Ao todo são vinte e nove continhos, vinte e nove pequenos retratos de humanidade, num livro que nem chega às 150 páginas. África está muito presente, como não podia deixar de ser, e tantas vezes em confronto, direto ou indireto, com uma modernidade importada que é recebida e incorporada de uma forma muito própria na teia de raízes e influências que constitui o ambiente de Mia Couto. Não são vinte e nove obras-primas? Não, não são; ninguém é capaz de transformar em prima cada obra que produz. Mas há aqui obras-primas, e o livro, globalmente, é bastante bom.

Eis o que achei das histórias, uma a uma:
Este livro vem da biblioteca dos meus pais; o mais certo é ter sido comprado.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Lido: Ao Serviço de Sua Majestade

Ao Serviço de Sua Majestade (bibliografia) é um conto de Luís Richheimer de Sequeira, de uma espécie de ficção científica ufológica à X-Files, de um modo geral bem escrito que, para "caber" numa antologia como esta, enfia a páginas tantas uma brevíssima menção a uma tal "amada Rainha D. Maria III" e... mais nada.

Essa é menos importante das suas duas grandes falhas. Menos importante porque só é falha no contexto da proposta temática do livro em que se integra, servindo-se de uma habilidadezinha para se enquadrar formalmente no tema, apesar de, no fundo, não o fazer. E porque, retirando-se este conto deste livro em concreto, a falha desaparece.

O conto descreve com um detalhe digno de romance uma tal Subdivisão de Crimes Extraordinários da Polícia Judiciária, dedicada à investigação de bizarrias variegadas, e as características e idiossincrasias do punhado de agentes que a compõem. Passa depois à apresentação de um caso novo, coisa oriunda da força aérea, depressa nos informando que envolve OVNIs e uma área secreta na Base Aérea de Beja, uma espécie de versão reduzida e alentejana da Área 51 dos americanos. E de seguida...

Pois de seguida, infelizmente, acaba.

E é essa a segunda e mais importante das suas falhas. No momento em que o conto ameaça ganhar algum interesse, em que se passa da descrição de ambiente e personagens a alguma ação, surge inopinadamente o ponto final a dar-lhe fim.

O caso é que Luís Sequeira não escreveu um conto, chame-lhe o que chamar; escreveu o início de uma novela ou romance. Apresentá-lo como conto é outra habilidadezinha que, sobretudo esta, corre francamente mal, transformando o que podia ser um bom início de um texto no mínimo agradável num bocado de prosa francamente insatisfatório. É pena.

Contos anteriores deste livro: