segunda-feira, 14 de maio de 2007

Sotaques

Esta história dos sotaques é curiosa. Acabei de ouvir na televisão uma moça inglesa mas criada no Algarve, e achei piada a detetar nas palavras dela (em português) uma curiosa mistura dos dois sotaques, o inglês e o algarvio, uma mistura que nunca antes tinha ouvido, e que se não os conhecesse bem a ambos provavelmente teria grande dificuldade em identificar.

E é curiosa, esta coisa dos sotaques, por serem completamente involuntários. Uma pessoa cresce mergulhada num determinado ambiente linguístico e é esse ambiente que determina o seu modo de falar, sem que ela tenha voto na matéria. Se mais tarde muda de ambiente, ou se toma a decisão consciente de mudar o modo de falar (por uma questão de prestígio, por exemplo, ou por obrigação profissional) é raro que o sotaque secundário soe puro, livre das influências do original. Quando a decisão é consciente, o que envolve um esforço também consciente e uma auto-vigilância constante, assim que essa vigilância abranda, seja por que motivo for, eis que o sotaque original surge em todo o seu esplendor, ou quase.

Li ou ouvi algures que isto tem a ver com a maneira como a parte interior da boca é em parte moldada pela(s) língua(s) que se aprende(m) a falar na infância. Suponho que haja também uma moldagem semelhante nos circuitos linguísticos do cérebro, mas estou longe de ter a certeza.

Seja como for, os sotaques são fonte de infinito divertimento. Quem ainda não tentou pôr um brasileiro a falar com sotaque português? E quem não se divertiu com os resultados, invariavelmente um falhanço completo? E as infinitas piadas que envolvem a troca nortenha "dos bês pelos bês". Ou o arrastado do falar alentejano? Ou o falar típico dos ciganos... ou de Cascais? E como soaria um cigano criado em Cascais? Ou o gozo que é com os lisboetas à conta do seu "treuze" ou dos seus trejeitos repletos de fadistice?

Pena é que tendam a desaparecer, pelo menos dentro de um mesmo país, com a homogeneização criada pela televisão. Hoje, temos quase todos um sotaque híbrido, meio determinado pelo lugar onde nascemos, meio determinado por aquilo que a televisão decidiu, de forma bastante totalitária diga-se de passagem, que devia ser o "sotaque-padrão", contra o qual todos os outros perdem prestígio. Seria bom que não fosse assim. Não só para a manutenção da pluralidade cultural (porque o modo de falar também é cultura) de um país, mas também em nome do hom humor.

Pessoalmente, tenho um sotaque algarvio ligeiro: a minha mãe, embora nascida em Portimão, aprendeu a falar em Lisboa e o sotaque dela já era híbrido antes mesmo da televisão, e o meu pai é de uma aldeia cujo sotaque local é bastante menos marcado do os que o rodeiam, de modo que o meu acaba por ser também pouco marcado. Mas acarinho-o, e hei-de acarinhá-lo para sempre. Nunca farei nenhum tipo de esforço por não dizer "na" em lugar de "não", nas situações em que no falar algarvio a negativa se faz com "na" ("na sê" e não "não sei", por exemplo; comigo, hibridamente qb, é mais "na sei"), ou por pronunciar as vogais mudas do fim das palavras, em especial nos plurais terminados em "es".

É que, como grande parte dos outros fragmentos de que é composta a identidade, este também poderá ser involuntário, mas é parte daquilo que sou. Sem o meu sotaque, por ligeiro que seja, ficaria um pouco menos eu. E não me apetece que isso aconteça.

sábado, 12 de maio de 2007

Milagres

Parece que há, ou houve, grandes sarilhos com o trânsito em Fátima. Acho giro. Porquê? Epá...

Então o sítio não é famoso pelos milagres? Não seria um milagre porreirinho, daqueles bem milagrosos, capazes de fazer os incréus ficarem todos de olhos pestanejantes e húmidos postos nos céus, se deusnossossenhorapostólicorromano, o tal que dizem que é infinitamente bom, e coisital, pegasse nos carrinhos de todas aquelas piedosas criaturas, os transportasse pelo ar e os depositasse, um a um, com a doçura de miosótis, em parques de estacionamento especialmente e de antemão preparados para o efeito?

Isso sim, seria um milagre. Nada dos truques de falsário com que se costumam enganar os patetas de deus.

Por outro lado, não deviam ser nem um nem dois os piedosos crentes que se lançariam, em pânico, do carro abaixo, se o sentissem a levantar voo, bem ou mal seguro pela mão de nóssenhor. Muito crentes, muito crentes, milagres e mais milagres, mas calmex!...

Spamesia

Aqui está uma das tais postas grandes que ando a adiar há montes de tempo. Esta estava planeada para 29 de Abril e a ideia era comemorar assim, celebrando o melhor que a Lâmpada já teve, o quarto aniversário aqui deste veterano blogue. Não deu. A vida, essa chata, não deixou. Para quem é novo, acabou de aqui cair e não sabe, a spamesia são poemas (com ou sem pseudo) que eu fiz, durante um ano, intitulados segundo as mensagens de spam que recebia todos os dias, e inspirados pelos títulos. São portanto trezentos e sessenta e seis spamemas, que o ano de 2004 foi bissexto, e aqui fica a lista completa, com links para os conteúdos. Divirtam-se.

PSeAdL (Post-scriptum e antes da lista): Haverá por aí alguém que perceba destas coisas das poesias mais do que eu (é fácil) e que esteja na disposição de selecionar entre este material aquele que eventualmente seja publicável em papel?

1. Auto-fascinação cegante
2. Está feliz?
3. Dose digital
4. Seja
5. Novidades! Não perca!
6. Dá valor à sua saúde e bem-estar?
7. Olhe pela janela
8. Senti a tua falta
9. Nvite
10. Divirta-se
11. Thriller de casa de banho
12. Cansado?
13. iftern mudd
14. Lançamento na internet
15. Pílula azul?
16. Queres ouvir uma história?
17. Pensei que talvez precisasse disto
18. Aprovado
19. Força muscular aumentada
20. Não sei
21. Eh, tu
22. À procura do meu fósforo
23. Não sejas tonto
24. A gira estudante Sveta está muito chateada
25. Seis razões
26. Não esperes até que a tempestade se aproxime
27. Os teus problemas com o carro acabaram, amigo
28. Melhor é maior
29. Fonte da juventude
30. Contacta-a
31. De um amigo
32. Acordo
33. Papá e mamã a fazer a filhinha
34. Calhaus
35. Acerca de ontem
36. Noites solitárias
37. Onde está?
38. Grandes notícias!
39. Reservar agora
40. Oh, sim, claro
41. Problemas com dívidas?
42. Está a ser vigiado?
43. Boa ideia
44. Vermelho especial
45. Onde és tu sexy?
46. Parece que dá certo
47. Bisbilhotice privada?
48. Querem ver isto?
49. Esqueceste-te de responder
50. Olá!
51. É demasiado grande para mim
52. Vagas abertas
53. Grito por assistência
54. Não acredito que te esqueceste!
55. Confidencial
56. Tire o melhor partido da sua experiência digital
57. Tu és quente!
58. Confiança
59. Não mais bichos a morder pontos
60. Esqueceu-se do chapéu de chuva
61. Uma mulher mais velha e solitária ainda gosta de sexo
62. É altura de conheceres o novo tu
63. Precisas de uma mudança?
64. Entrega discreta
65. Instale-se na internet
66. dtldrum dedugt
67. Nunca mais percas as chaves
68. Ficção
69. Abre-me
70. Cultiva-as
71. Ouviste as notícias?
72. A solução para a poluição
73. A descoberta da juventude
74. Requere-se uma resposta
75. O recuperador de tempo
76. São possíveis melhoramentos massivos
77. Despacha-te
78. Envolvido em plástico
79. Agora
80. !
81. Proposta
82. Conforme solicitado
83. Anima-me
84. Pensaste no teu filho?
85. O sul, o sol, o sal
86. Melhora a tua vida
87. A chegar
88. O meu corpo nu
89. Proposta muito interessante
90. As fotografias da Florinda
91. Muito prazer
92. Crescimento
93. É altura de mudar
94. Foi bom conhecer-te
95. Direitos reservados
96. Talvez pudéssemos tentar?
97. Vital
98. Boa ideia
99. Tautologia
100. Plástico
101. Meandros
102. Pesquisei
103. O milagre contra o envelhecimento
104. Não negues
105. Gosto disso!
106. O bilhete tecnológico
107. A minha irmã
108. Detalhes
109. É simplesmente pequeno demais
110. Obrigado
111. Clube de fãs da aveleira
112. Que te aconteceu?
113. A reunião
114. Aumente o seu comprimento
115. Isto é porreiro!
116. Leia, por favor
117. Urgente
118. Queres ser um amante biónico?
119. Precisa-se gerador de dobra dimensional
120. Sucesso garantido
121. A primeira vez
122. Que se passa?
123. Parabéns, você ganhou!
124. Olá, Ujay
125. 100% Livre
126. Tenho a cura
127. Eu sei tudo isso
128. Surpreende-a
129. Desejas um futuro próspero?
130. Permanece para sempre, no quarto
131. Como passa o teu marido?
132. Combatibilidade
133. Instruções divinas
134. Incrível!
135. E porque não?
136.
137. Livro
138. De que estás à espera?
139. Memorizado
140. Mensagem de erro
141. Dilúvio
142. Dará resultado?
143. Homens e burlas
144. As minhas desculpas
145. Faz as coisas à homem
146. Causador
147. Manuela
148. Infeliz com o tamanho do seu músculo do amor
149. A felicidade
150. Linguagem
151. Pense num número de sete dígitos
152. Espantoso
153. Procura
154. Vem cá amanhã
155. Melhore a qualidade do sono
156. Segredos de beleza
157. Juventude
158. Rápido como um bolo
159. Amadores
160. Bolachas e queijo
161. Desocupados
162. Poupe gasolina
163. O natal está a chegar
164. Truque de magia
165. Aprovação
166. Pagamos em dinheiro pelas suas opiniões
167. Melhores medicamentos
168. Spam
169. Aqui sentado sonhando com milhões
170. Eu tenho a cura
171. Viva a baixa
172. Por favor
173. Paixão neste cheiro
174. Protege a tua individualidade
175. Uma pergunta rápida
176. Manda um email ao mundo
177. Pústulas de vaca
178. OK
179. Exemplar
180. Um pouco de ajuda nunca fez mal a ninguém
181. A prenda ideal para o seu natal
182. O prazer dela
183. As pinturas a óleo
184. Remendo
185. Com medo da fechadura
186. Escrevi este livro
187. Enquanto o Diabo esfrega o olho...
188. Leia isto bem
189. A modos que falido de momento?
190. Há uma Lua lá fora esta noite
191. Agora?
192. Pinta essa porta de preto
193. Saudável e
194. Não apague, dê uma chance à vida!
195. Adolescentes inocentes que o fazem como putas
196. Viril
197. O sistema perfeito
198. Ouve, queres saber um segredo?
199. Pensas que é possível?
200. Quando dizes “amo-te”
201. Algo para lamentar
202. Livre durante um mês
203. Convite
204. Sabia que a violência doméstica
205. Maria
206. Informação de que necessitava
207. Cigarros
208. A loja do vidro
209. Má memória
210. Comida livre
211. Acredito em ti
212. Violino
213. Só para o pai
214. Desejamos-lhe um feliz Natal
215. Presente para a mulher que se ama
216. Ficção científica
217. Nota
218. Afrodisíaco
219. Desarrumado
220. Segunda-feira
221. Impressione-a como a luz do dia
222. No mínimo
223. Um pequeno duende tem uma mensagem para ti
224. Tempo de férias
225. U
226. Fique em forma para as festas
227. Ler para reflectir
228. Preocupado?
229. Tão doce...
230. O tempo é da essência
231. Jogos
232. Ideias para ele e para ela
233. Viagens dentro do orçamento
234. Sou eu
235. O útil óleo
236. É o Perfeito
237. Super cargas
238. Descansa, touro, eu não digo a ninguém
239. Ano novo vida nova
240. Palmada
241. Nunca morrerá
242. Grande sensação
243. O frenesi de saque no gueto
244. A sua herança
245. Colono
246. Betão
247. Mais uma vez
248. Muito raro
249. A andesina de Colombo
250. Filha com o pai
251. Ásia
252. Produto gratuito inverte o envelhecimento
253. Sexta-feira
254. Carta
255. O pato do contra
256. Onde?
257. O degrau
258. Brisa
259. Diverte
260. Genitivo
261. Bagatela corruptível
262. Não é aldrabice
263. Estudantes
264. Como vai a família?
265. O gato farfalhudo
266. Cinto
267. Fugiu
268. Erro
269. Esta informação é útil para a sua saúde
270. Teste
271. Vais adorar isto
272. Oh! A caricatura de um dingo!
273. Alerta de vírus
274. Detestas ressacas?
275. O teu ano
276. Contrito
277. Bijuteria
278. Demonstrável
279.
280. Respeito por todos
281. Bernardina
282. Estás cansada?
283. Dura 36 horas
284. Teste gratuito
285. O parvalhote
286. A tua posição está confirmada
287. Acústico
288. Visibilidade
289. Frase subliminal
290. Aquele pedaço de papel
291. Que se passa QFI 95?
292. Prisão
293. Quanto maior, melhor
294. Detestação
295. Refazendo o passado
296. Membrana
297. Fantástico!
298. Roubado
299. Tintureiro
300. Falso
301. Gestalt
302. Desconhecido
303. Faz as malas
304. Duro como pedra
305. Aterrorizado
306. Tempo de jogar
307. Como queiras
308. O meu grito
309. Estatuto
310. Tentativa de ignorância
311. Pausa
312. Métrico
313. Portal para o seu
314. Correio devolvido: utilizador desconhecido
315. Irreal
316. Contrabando
317. Excepção
318. Caos
319. Sexto
320. Projectos no Médio Oriente
321. Alma gémea
322. Conversa
323. A luz das chamas
324. A economia está muito melhor agora
325. Termostato de presunção
326. O palhaço anelar
327. A exaustão da maçaneta
328. Viagem para a queda
329. Matilde felina
330. Misantropo
331. Grito
332. Iconoclasmo
333. Pornografia livre
334. Emprego de sonho
335. Cocheiros acinzentados
336. Siringe
337. Elísio
338. Quadrângulo
339. Ordem
340. Anatomia
341. Abstractor
342. Uma casa não é um lar
343. Patife
344. Pollux
345. Asa de morcego
346. Mandíbula
347. Meridional
348. Pacífico
349. Poeta
350. Tempo de vida
351. Reversão
352. Tangível
353. Limbo
354. Acastanhado
355. Tempo numa garrafa para si
356. Real
357. Ábaco
358. Tecendo o futuro
359. Ramifica
360. Documento roubado
361. Ar
362. A tua música
363. Boing (o som que faz uma pequena pílula)
364. A tua fotografia
365. Lacunas
366. Tema de mensagem

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Festivalices

Vistos e respondidos os comentários, é hora de posta.

Não é sempre, mas às vezes dá-me para trabalhar a ouvir música, em especial quando tenho muito ruído de outro tipo em meu redor. Isso foi parte do motivo que me levou ontem a ligar a TV para ouvir - sim, porque quase nem a olhei - o festival da canção, versão eliminatória. O resto do motivo distribuiu-se por dois tipos de curiosidade: saber se a "canção" portuguesa era mesmo tão má como me tinham dito, pois já há longos anos que me recuso a ver ou ouvir o festival português, e ver se por acaso apareceria algo de semelhante ao bizarro vencedor do ano passado. Sim, porque se há coisa que eu nunca esperaria ver num festivaleco daqueles era uma canção de metal, e a ganhá-lo então...

Assim, lá passei a noite a trabalhar e a ouvir aquilo. Da experiência tirei umas quantas conclusões:

O festival está menos mau do que aqui há anos. Continuam, é certo, a aparacer por lá inenarráveis porcarias, daquelas que só por troça merecem a designação de música, o mais puro plástico continua a dominar de forma quase absoluta, mas vão aparecendo também coisas interessantes aqui e ali. Se continuar assim, melhorzinho, talvez volte a assistir regularmente ao programinha. Mesmo que em geral mauzinho, sempre dá a oportunidade de um ténue contacto com alguma música que se faz fora do eixo anglo-saxão, o que não é inteiramente de deitar fora.

A melhor canção da noite, e por sinal uma bela canção, excelentemente cantada, foi a da Hungria. Fiquei contente por a ver passar à final: é sinal de que há gente com dois ouvidos na cabeça a votar nestas coisas (ou gente com dois dedos de testa a manipulá-las, sei lá eu).

A pior canção da noite, se é que se pode chamar canção àquela porcaria, foi, claro, a portuguesa. Tive pena de o formato actual do programa não fornecer a classificação e os votos recebidos pelas canções que não seguem para a final porque me teria dado um gozo tremendo assistir à completa humilhação das nódoas que "escreveram" aquela bosta, e da não menos nódoa que a "cantou". Poderia, aliás, ser educativo. Ver aquela nojice pimba ficar destacada em último talvez levasse os responsáveis pela escolha portuguesa das canções a ganhar vergonha na cara e compositores dignos desse nome a fazer música digna desse nome para ser cantada por cantores dignos desse nome. A probabilidade disso acontecer não me parece alta, porque bem sei como neste país é sempre a mais completa mediocridade que é sistematicamente promovida e incentivada, mas também não acho que seja nula. Por pequena que a probabilidade fosse, teria valido a pena.

Ufa

Bom, parece que é desta. A partir daqui o trabalho, que continua, irá ter um ritmo menos frenético, de modo que posso voltar a tirar a cabeça da água e olhar em volta.

Para começar, vamos lá ver o que deixaram vocês entretanto por estas caixas de comentários, se é que deixaram alguma coisa. Postas propriamente ditas é mais daqui a bocado. Uma pequenina. E musical. Mais ou menos.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Sorry

As minhas desculpas à mão-cheia de leitores fiéis deste blogue (e à outra mão, cheia de infiéis), mas a realidade voltou a intrometer-se na minha vida, e até dia 9, pelo menos, regressei ao modo eremita.

Melhores dias chegarão, de certeza, e então tratarei de todas as pendências.

Salvo seja...