quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Vamos lá então a 2015

Costumo fazer aqui na Lâmpada um balanço do ano que acaba. Este ano não farei porque não há tempo para isso... o que é, em si mesmo, uma espécie de balanço do ano que acaba.

Fica só uma foto, mais ou menos em jeito de balanço: os livros que neste ano foram publicados e tiveram mãozinha minha, duas traduções, duas adaptações. Ei-la:


E já agora, outra foto de uma coisa com que nem em sonhos contava ao abrir o ano. Comigo desfocado, como convém a algo tão fora dos planos. Ei-la:


E agora, vamos a 2015. Desejos? Bem... há um ror de anos, quando andava a fazer as minhas spamesias, fiz uma que rezava assim:

Ano novo vida nova

Ano novo
vida nova
bota o ovo
para a cova

Dorme o povo
e não acorda
porque o polvo
se renova

Ano novo
vida nova?
Uma ova!


Isto tem 11 anos de idade. Já. O tempo voa. E nestes 11 anos manteve-se atual em todos. Sem. Qualquer. Exceção.

Não que tenha grande esperança, mas... seria pedir muito que este ano fosse diferente? Era só isso que eu queria, realmente. É que já basta, não vos parece?

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Lido: Estou Sentado ao Lado do Miguel Sousa Tavares!!!! E Agora?!

Estou Sentado ao Lado do Miguel Sousa Tavares!!!! E Agora?! é um longo texto de Vítor Elias e António Marques (ou... ah, já disse) que pouco tem a ver com Miguel Sousa Tavares além de uma vaga identificação estilística. O texto é uma espécie de manual de identificação de caminhantes (e de sobrevivência aos mesmos), um peculiar e ridicularizável estilo de turista que pulula em estalagens de turismo de natureza e em percursos pedonais. Muito semelhante ao anterior, à parte uma muito muito maior extensão, é mais um texto a que só achei graça a espaços. Estão a ver aqueles textos que tentam demasiado ter piada e depois ficam um bocadinho deprimentes? É um bocado assim.

Textos anteriores deste livro:

Lido: Comprei Haxixe em Marrocos!!! E Agora?

Comprei Haxixe em Marrocos!!! E Agora? é um texto de Vítor Elias e António Marques (ou só de um deles, quiçá) a oferecer conselhos ao cidadão que vai a Marrocos comprar droga e a quer introduzir em território nacional sem levantar suspeitas. Talvez seja útil a alguém, o texto (e daí, talvez não), mas não lhe encontrei grande graça. É um bocadinho ao estilo dos textos do José Alberto Braga que andei a comentar por aqui há uns meses e dos quais também não gostei lá muito.

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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Lido: Caixa Negra

Caixa Negra volta a sair das notícias falsas e entra diretamente pelo terreno das crónicas dentro. O autor é o João Quadros, e aqui devo confessar que não lhe achei grande graça. Porquê? Principalmente porque este texto é mais uma sucessão de ditos espirituosos do que uma crónica com princípio, meio e fim. É um pouco o que ele faz agora no twitter, não o que faz na Visão, ainda que não por inteiro. Há parágrafos com muita piada, aos quais se seguem outros que não só a têm em muito menor quantide, como pouca ou nenhuma ligação mostram com os anteriores. Às tantas está-se a falar de portugueses, espanhóis e hóquei em patins, para logo a seguir mergulharmos na época de incêndios e na arquitetura das casas tipo maison com janelas tipo fenaitre e logo a seguir, sem que nada o faça antever, nas qualidades stompeiras dos homens do lixo da rua dele. Algumas piadas têm verdadeira graça, mas todas juntas, parece-me, não fazem um texto realmente engraçado.

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Lido: Canal Parlamento Mulher

Canal Parlamento Mulher volta às notícias falsas, dando conta da criação de um canal de televisão por cabo destinado a tornar a política mais apelativa para as mulheres. O ponto de partida é uma das célebres frases arrevesadas de Jorge Sampaio (e vivam os "enviesamentos masculinocêntricos"!) e a inspiração de quem assina a notícia, a Patrícia Castanheira, é, claramente, a programação do Canal Parlamento e da SIC Mulher. Ou talvez os títulos das revistas femininas.

Se não fosse escrito por uma mulher, este texto facilmente receberia o rótulo de machista, e um tipo até ficava constrangido se se divertisse com ele. Mas felizmente foi, portanto podemos rir à vontade. É que apetece.

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Lido: Edital

Edital, para variar, não é uma notícia falsa. É um edital falso. Lavrado pela pena de Sª Exª o Presidente Jorge Sampaio, pela mão do "escrivão" Mário Botequilha (ou será vice-versa?), trata-se de uma ordem de bom comportamento com estrangeiro a ver, destinada a toda a população portuguesa (ou melhor: tuga, que isto se destina aos tugas realmente tugas) durante o período em que decorresse o Euro 2004. Onde ele já vai, não é? Pois.

É uma forma diferente de criticar a "piolheira" (e os piolhosos que a habitam, naturalmente), desporto nacional mais popular ainda que o futebol, e também bem mais antigo, pois já é praticado no Retângulo, nas suas colónias e ex-colónias e nas comunidades espalhadas pelo mundo, pelo menos desde o tempo das Cantigas de Escárnio e Maldizer. Muda-se a forma, o conteúdo é o mesmo. Portuguesices.

Mas tem piada? Tem. Não assim muita, mas tem.

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Lido: Manhãs e Tardes da Televisão Declaradas Zonas de Calamidade

Manhãs e Tardes da Televisão Declaradas Zonas de Calamidade é, como quem ainda não se esqueceu do que ficou para trás certamente calculará, uma notícia falsa. Assinada por Mário Botequilha, atira sobre a TV-para-velhinhas que dominava há dez anos a programação dos canais generalistas de televisão durante a manhã e a tarde um espesso véu de sarcasmo. Não tem é piada nenhuma: é que a calamidade, nestes dez anos entretanto transcorridos, nada fez além de se tornar mais grave.

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terça-feira, 25 de novembro de 2014

Coisas que acontecem na vida de um tipo quase sem que ele dê por isso

Como já disse algumas vezes (por exemplo, aqui), sou próximo do Bloco de Esquerda desde que o partido se formou, em 1999. Até 2011, fui aquilo a que se costuma chamar um simpatizante: alguém que é próximo mas não filiado, que vota normal mas não exclusivamente no partido, que se identifica com a maioria das suas propostas mas não com todas.

Em finais de 2010, início de 2011, comecei a notar os primeiros sinais sérios de um certo desvario, que me levaram até a ter grandes dúvidas sobre se valeria a pena votar no partido nas eleições desse ano. Acabei por votar. Mas depois das eleições pus-me a pensar. E a 12 de junho, farto de tanto e tão crasso erro, vendo que ou se fazia alguma coisa ou em breve deixaria outra vez de ter em quem votar, tomei uma decisão: aderir ao Bloco. O objetivo? Tentar contribuir para que se cometessem menos erros, participando até certo ponto da vida interna do partido (só até certo ponto porque nem tenho tempo nem espírito de ativista), mas fundamentalmente votando em gente que, a meu ver, fosse capaz de evitar cair no mesmo tipo de disparates.

E foi o que fiz, na convenção seguinte.

Infelizmente, fui traído: parte dessa gente a primeira coisa que fez a seguir a ser eleita foi pôr-se na alheta.

E os erros, como se sabe, não pararam, apesar de nunca terem voltado a ter a mesma amplitude e catastrófica repercussão daquele destrambelhadíssimo início de 2011.

Portanto este ano resolvi participar mais ativamente, escrevendo coisas, debatendo ideias, fazendo propostas. Coisas destas. Às duas por três, vejo-me contactado pela mesma gente em quem tinha votado dois anos antes (aqueles que ficaram). Queriam reunir-se comigo — andavam a preparar uma moção para concorrer este ano. Achei ótimo: ia voltar a ter em quem votar com vontade. Uma reunião, outra reunião, às tantas descubro que a parte algarvia dessa malta queria pôr-me à cabeça da lista de candidatos a delegados. Recusei terminantemente, mas lá me convenceram a ficar em segundo lugar. Aceitei porque pensei que era bem possível que acabasse por não ser eleito e, se fosse, participar de um congresso partidário (nós chamamos-lhes "convenções", mas é a mesma coisa) era uma experiência nova e podia ser interessante, quanto mais não fosse porque me faria conhecer melhor o que é o partido.

Fui mesmo eleito delegado. Pronto, está bem.

A convenção era uma semana depois. Dias antes de começar, descubro que me querem pôr numa lista para a Mesa Nacional. Digo-lhes claramente que é má ideia. E lá fui para Lisboa reunir-me com eles à volta de um jantar, convencido de que não me seria difícil dissuadi-los. Ao jantar, descubro que estava bem enganado: nunca vi tanta gente a não querer candidatar-se a dirigente de um partido político. Eram nãos atrás de nãos, sins-mas-mais-abaixo atrás de sins-mas-mais-abaixo, nem-pensar-nissos atrás de nem-pensar-nissos. E eu, ali no meio, sem saber muito bem o que dizer, descubro-me listado, e, pior, em posição elegível. Argumentei, chamei-lhes lelés da cuca por me quererem pôr naquela posição, mas a verdade é que era só mais uma voz renitente entre muitas. Podia ter recusado taxativamente? Podia. Mas depois o Algarve ficava sem representação, e tinha de se refazer a lista toda porque seria demasiada Lisboa junta e haveria que encontrar mais gente de fora para o meu lugar, e não havia, e isto, e aquilo, e mais um critério, e mais outro, e mais algum, e "de qualquer maneira vais lá parar mais tarde ou mais cedo porque há sempre gente que sai". Portanto limitei-me a desaconselhar veementemente a minha inclusão na lista e sentei-me. Ninguém me ligou peva.

E lá fui para a convenção. A posição era elegível mas a eleição não era certa: podia haver faltas, votos transferidos à última hora, tanta coisa. Em suma: havia esperança de ficar de fora, pelo menos para já.

Mas qual quê! Fui mesmo eleito. Fui o último eleito dos 79, mas fui.

E assim, sem saber bem como, sem vontade nenhuma, tornei-me dirigente do Bloco de Esquerda três anos depois de ter entrado no partido única e exclusivamente para tentar contribuir para pôr na direção gente capaz de fazer menos disparates.

Conhecem muitos partidos em que algo assim seja possível? Eu não conheço nenhum, pelo menos entre aqueles que têm alguma dimensão.

E agora?

Agora vou fazer o que faço sempre que meto as mãos a alguma obra: o melhor trabalho possível, tentando, obviamente, contribuir para que não se façam disparates. Uma coisa, no entanto, é certa: não planeio tratar quem votou em mim, por mais indireto que esse voto seja, como o Daniel Oliveira me tratou a mim: tenciono ficar até ao fim (a menos que me revele incompetente para a tarefa, caso em que é melhor que saia). Não sei se será possível, mas é o que tenciono fazer. E vou tentar também fazê-lo sem mergulhar na bolha política. Tive um contacto de raspão com ela há uns anos e não gostei nada do cheiro.

Até escrevi um livro sobre isso e tudo.

A vida dum gajo dá umas voltas do caraças, essa é que é essa.

E o que acontecer, acontecerá.

domingo, 16 de novembro de 2014

Lido: A Lua-de-Mel de Ouro

A Lua-de-Mel de Ouro é um conto de Ring Lardner que, à semelhança do anterior, comecei a esquecer demasiado depressa, de novo menos por defeito do conto do que por ser pouco do meu interesse pessoal. Trata-se de uma história ternurenta e vagamente divertida sobre um velho casal reformado que faz uma viagem pelos Estados Unidos e a certa altura encontra um antigo conhecido da mulher. A história é contada na primeira pessoa pelo velhote, que como todos os velhotes tem as suas manias (uma delas é a precisão nos horários), chama "Mãe" à mulher e não para de dizer que não se pode discutir com ela, o que ao fim de algum tempo se torna algo cansativo. Como ele próprio se tornaria, caso fosse de carne e osso e não de tinta e ideias.

O conto é suave e, como disse, vagamente divertido. Descreve as peripécias das férias do casal ao longo de vários dias, as irritações mais ou menos rabugentas do velhote, entre sedes dos rotários e partidas de damas e dominó. O ambiente e um certo ar melancómico fez-me lembrar vivamente um filme com o Jack Nicholson como protagonista: About Schmidt. Não é um mau conto mas, lá está, não é dos contos que perdure na minha memória.

Lido: Os Filhos do Lavrador

Os Filhos do Lavrador é um conto rural mas subversivo de Elizabeth Bishop sobre homossexualidade oculta, vergonha e a tendência que daí vem para tirar conclusões precipitadas. É uma história bastante bem contada, plena de subtileza, sobre um lavrador que de vez em quando viajava até à cidade com um seu empregado, passando lá a noite com ele, e que uma bela e fria manhã vai encontrar os filhos, a dormir no celeiro para proteger as alfaias de eventuais ladrões, coisa que faziam sempre que o pai se ausentava, numa posição que malentende.

É um conto muito bom, em especial se tivermos em conta que foi publicado na puritana América do fim dos anos 40: está muito bem concebido e levanta com eficácia uma série de questões muito pertinentes sobre a repressão da sexualidade. Mas a verdade é que para mim também acabou por ser um daqueles contos que se esquecem muito depressa. A paginação bizarra que sofreu neste número da Ficções não ajuda nada, mas o principal fator para isso terá sido não se tratar de leitura cujo tema me desperte grande interesse. No entanto, é leitura recomendável. Provavelmente é conto capaz de ensinar alguma coisa a muita gente.

Contos anteriores desta publicação:

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Lido: The Vanishing Life and Films of Emmanuel Escobada

The Vanishing Life and Films of Emmanuel Escobada é um curiosíssimo conto surrealista de autor anónimo (e desta feita é mesmo anónimo; o autor ainda não foi revelado, embora se tenha especulado com a possibilidade de ser o polaco Mark Z. Danielewski) que, em forma de tese, procura resgatar a vida e filmografia de um cineasta brasileiro que vai lentamente desaparecendo da realidade. O conto/tese é basicamente uma lista anotada de obras de que já só restam vagas referências em publicações obscuras e de acontecimentos biográficos que são já apenas sugeridos por passagens e testemunhos que o que quer que anda a percorrer os interstícios do universo a apagar Emmanuel Escobada ainda não teve tempo ou oportunidade para fazer desaparecer.

Não costumo gostar muito destes textos pseudofactuais, embora eles constituam um verdadeiro subgénero, com alguns contos de Borges como expoentes máximos e um razoavelmente extenso conjunto de fãs e cultores, mas a verdade é que este é excecional. A ideia, absolutamente brilhante, quase só poderia ser desenvolvida desta forma, e o facto de surgir publicada numa publicação em que os nomes dos autores não são revelados até mais tarde (ou, como no caso deste conto, nunca) acrescenta uma camada extra de ironia que só refina mais a experiência. Não há volta a dar-lhe: isto é realmente muito bom.

Contos anteriores desta publicação:

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Lido: Primos de Além-Mar

Primos de Além-Mar (bibliografia) é um conto de história alternativa de Gerson Lodi-Ribeiro, que decorre numa linha temporal em que um Portugal monárquico entra pelo século XX dentro, para acabar invadido por tropas franquistas na sequência da Guerra Civil Espanhola (ou seja: na II Guerra Mundial). E o rei, fiel à tradição, exila-se no Brasil, país que também ainda se mantém sob o governo dos Braganças, embora independente. É aí que a história vai encontrar o rei português exilado, numa caçada em que resolve escapar-se à escolta na companhia do primo, o príncipe brasileiro. Mas as coisas correm mal e o rei tem um acidente, acabando sozinho no mato, sujeito a todos os perigos que se podem encontrar em caçadas numa floresta cerrada, desde animais selvagens e predatórios a outros homens. Armados.

O conto contrasta com alguns dos anteriores por ser claramente conto de quem sabe o que está a fazer: Ribeiro sustém o interesse do leitor pondo o seu protagonista em perigo e mantendo até final a incerteza sobre o que lhe irá acontecer. Ao mesmo tempo vai intercalando o presente incerto com recuos a vários pontos do passado, usados para transmitir informação sobre a linha histórica alternativa e o que está em causa, aquilo que depende da sobrevivência daquele homem.

Apesar disso, Ribeiro tem textos bastante melhores do que este. É que este termina de uma forma tão aberta, tão inconclusiva, que mais parece um primeiro capítulo de um romance do que propriamente um conto. Há finais abertos que, apesar de o serem, não deixam de ser também satisfatórios. Este não; chega-se ao fim e fica-se a pensar "então e o resto?" E o resto não existe. Ou seja: o conto não é mau, mas poderia ser melhor.

E, tendo em conta a produção literária do autor nos últimos tempos, é bem possível que venha a ser um dia.

Contos anteriores deste livro:

domingo, 9 de novembro de 2014

Opiniões pessoalíssimas e intransmissíveis - Resumo e conclusões

Ora bem, vamos lá.

O objetivo inicial era ir lendo os artigos publicados no número dois do Debates sem olhar para os nomes, para avaliar até que ponto concordo ou discordo deles antes ainda de saber a que moção estão ligados. Nem sempre consegui fazê-lo: foram muitos os autores que declararam as suas escolhas nos próprios textos, ao passo que noutros ela é bastante óbvia por aquilo que está escrito (ainda que tenha havido dois ou três casos que me trocaram as voltas). Também houve alguns casos de textos que conhecia previamente por já terem sido publicados em órgãos de comunicação ou divulgados de outras formas. Mas mesmo com estas limitações, a leitura cega predominou.

E, sem surpresa, o meu grau de acordo com as moções está muito próximo do meu grau de acordo com os textos produzidos por pessoas a elas associadas: concordo sobretudo com gente da moção B, seguida de perto por gente da moção R (julgo serem desta os melhores textos, mas também vieram daqui alguns de que discordo bastante), seguida a alguma distância por gente da moção U, e seguida, também a alguma distância, por gente da moção E. A moção A fica fora destas contas por uma questão de escassez de amostragem: não produziram um número suficiente de textos para eu conseguir perceber onde incluí-los no escalonamento.

Também sem surpresa, concordei com textos oriundos de todas as moções e discordei, total ou parcialmente, de textos oriundos de todas as moções.

E saí da leitura ao mesmo tempo bastante satisfeito e um bom bocado triste. Mas vamos por partes.

O melhor

1. A qualidade. Embora haja, naturalmente, uns melhores e outros piores, estamos perante um conjunto de cerca de 85 textos em geral de boa qualidade. Alguns são mesmo excelentes.
2. O debate. Por esta altura, quem andou a dizer que há debates proibidos no Bloco deve estar a morder a língua. Nestes textos debate-se praticamente tudo, e geralmente com um nível político que contrasta fortemente com as inundações de fulanismo e demagogia que estamos habituados a encontrar nos debates internos de outros partidos.
3. A abertura. Debate-se tudo, livremente e de forma aberta: quem for ao site do Bloco lá encontrará todo o debate linkado logo da primeira página, disponível para qualquer pessoa interessada, mostrando um partido que só não está aberto para quem realmente não quer saber.
4. A política. Já o referi, mas quero destacar: aqui debate-se mesmo política. Não exclusivamente, é certo, mas principalmente. E isso é muito bom: mostra um partido com ideias, o primeiro passo indispensável para ser um partido com soluções, e a milhas do vácuo dos debates que temos visto em outras formações. E um partido com ideias e com soluções é um partido com tudo para ter futuro. Assim consiga fazer as escolhas certas.
5. As ideias. Encontram-se nestes textos muito boas ideias.
6. A clareza. Apesar de tudo, estes textos contribuem para clarificar uma série de posturas, atitudes e opções que talvez não ficassem inteiramente claras com a mera leitura das moções.

O pior

1. A roupa suja. Suponho que seria inevitável, mas é desnecessário e desagradável. Os textos de lavagem de roupa suja, de diz-que-disse, de acusação pessoal contrastam com os restantes e ficam muito mal na fotografia. Suponho que também seria inevitável, mas a verdade é que é sobretudo, ainda que não exclusivamente, gente ligada às moções E e U que a eles se entrega. O que está diretamente ligado a...
2. A relativa falta de qualidade das moções à partida maioritárias. Comparando o nível médio dos textos, a quantidade e qualidade médias de ideias que eles contêm, até que ponto são, ou deixam de ser, construtivos, é triste constatar que é em ambas as moções maioritárias que o nível é mais baixo. O facto de haver nelas uma quantidade desproporcional de textos de lavagem de roupa suja explica boa parte desse nível reduzido mas creio que, mesmo pondo esses de lado, os textos da moção U e sobretudo da E são em média um pouco piores que os da B e da R. Isso, no entanto, só será preocupante se não se souber ou quiser integrar quem optou pelas moções minoritárias no trabalho normal do partido a seguir à convenção. O que nos leva diretamente a...
3. A vontade de isolamento. Ficou para mim inteiramente claro que existe uma forte corrente que pretende o isolamento do Bloco relativamente ao exterior e, dentro do Bloco, o isolamento de vozes divergentes. De nada serve afirmar-se desejar a convergência com pessoas ou movimentos imaginários se se mostra sistemática oposição a todas as convergências com pessoas e movimentos reais. As grandes mobilizações populares que alguns proclamam só poderão acontecer com pessoas que se aceita; com aquelas que se rejeita (que, azar dos azares, são as que realmente existem) não acontecerão nunca.
4. A ausência, total ou relativa, de alguns temas que me parecem importantes. Nomeadamente o euro, muito pouco discutido, ou certas transformações sociológicas recentes que não me parecem estar a ser bem compreendidas no partido. Este último tema, aliás, é aquele que eu gostaria de levar à convenção, caso os aderentes do Algarve deem votos suficientes à moção B para eu ser eleito delegado. Se não derem, olha, fica para a próxima.

E pronto, é isto. Quem ainda não leu e quiser ler, aqui estão os links para as cinco partes das minhas notas:

- Primeira parte
- Segunda parte
- Terceira parte
- Quarta parte
- Quinta parte

Obrigado pela atenção.

Opiniões pessoalíssimas e intransmissíveis, quinta parte

E cá temos o fim desta série, que no entanto ainda terá um resumo e algumas conclusões a rematá-la, talvez escritas e publicadas ainda hoje, talvez deixadas para amanhã. Veremos. Para já, aqui ficam os últimos artigos:

71. Como Inverter o Declínio do Bloco de Esquerda? - Um artigo muitíssimo crítico da atividade de Francisco Louçã, quer nos últimos tempos de coordenador, quer quando deixou de o ser, apontando-lhe a dedo erros, ziguezagues e inconsequências. Embora concorde com o que se propõe (uma maior democratização do partido) discordo bastante da fulanização em torno de Louçã, em que caem com demasiada frequência tanto os seus fãs como os seus detratores. Sim, Louçã teve grande impacto na queda do Bloco, por vários motivos, mas a verdade é que esteve longe de ser o único a tê-lo. Ao centrar em Louçã todos os males do partido está-se na prática a desculpar os outros dirigentes dos erros que também eles cometeram (ou, do lado simétrico, a ignorar os contributos positivos dos restantes). As coisas não devem ser assim. Nunca. (Moção R)

72. A Educação ou a Hipoteca das Gerações Futuras!? - Mais um artigo sobre o estado miserável em que temos o sistema educativo. Concordo no geral, apesar de duas ou três afirmações que me levantam dúvidas e uma, a primeira, que é comprovadamente falsa. Não é verdade, como se comprova pela melhoria consistente dos resultados do sistema até recentemente, que "a educação em Portugal nos últimos vinte anos tem vindo a degradar-se paulatinamente." Houve uma degradação contínua nas condições de trabalho dos professores e nos seus níveis salariais, como de resto aconteceu com a esmagadora maioria das pessoas que vivem dos rendimentos do trabalho, mas isso é só uma parte do conjunto que constitui a educação. (Moção R)

73. Pela Unidade, Vamos Debater - Um artigo bastante bom, e com que em boa medida concordo, sobre as virtudes do debate interno por contraste com a tentação de dar prioridade aos rostos e omitir o debate, que por vezes se sente em alguns quadrantes. É pena que omita as responsabilidades próprias da moção apoiada nos erros que agora critica, mas não se pode ter tudo. O artigo é bom e merece o meu acordo em quase tudo o que não se refira direta ou indiretamente à moção E, que apoia declaradamente. Até porque contrasta bastante com a grande maioria dos outros artigos da E que ficaram para trás. (Moção E)

74. O Partido, Movimento das Solidariedades - Outro artigo muito bom, com que concordo plenamente, que procura fazer uma hierarquização de prioridades de curto prazo na ação do partido, tendo no entanto o cuidado de evitar a questão das alianças (mas dando a entender, pelo menos a mim, que elas deverão ser variadas e amplas). Gostei. (Moção U)

75 e 76. Para Além das Cinco Moções - Outro a roubar-me o título. Tsc. Mas concordo em grande medida com o que está escrito neste artigo, dividido em duas partes e a propósito de uma série de assuntos que vão da integração (ou desintegração) europeia até ao que se entende por socialismo, embora tenha uma ou outra discordância de pormenor. (sem moção)

77. Uma Aposta na Audácia - Mais um artigo francamente bom sobre requalificação urbana, propondo que passe por aqui uma bandeira principal do Bloco. Estou quase inteiramente de acordo. (Moção R)

78. Desenterrando Fantasmas: A Moção E e o Apoio a Manuel Alegre - Mais um artigo a pôr pontos em is. Já não tenho paciência para estes artigos. Passo. (Moção U)

79. Responder à Nova Política Agrícola Comum (PAC) - Um artigo, muito técnico, sobre questões ligadas ao desenvolvimento rural naquilo que ele se interseta com a política da União Europeia. Parece-me bem, mas a verdade é que eu sei pouquíssimo sobre o assunto portanto não tenho realmente ferramentas para formar uma opinião minimamente sólida. (Moção U)

80. O Recall Election - Contributo Para o Debate na IX Convenção Nacional do Bloco de Esquerda - Um artigo em que se propõe a institucionalização da possibilidade de interromper mandatos políticos por via referendária. Tem-se visto nos últimos anos, em que em vez de um presidente temos tido um cavaco, que isso é, realmente, uma necessidade. Concordo plenamente. (Moção E)

81. No - Um excelente artigo sobre a política de comunicação do Bloco, com ramificações pelo mal causado pelo espírito de capelinhas existente em alguns setores do partido e por omissões políticas existentes nos últimos tempos. Concordo por inteiro. (Moção B)

82. A Natureza do Bloco é a Pluralidade - Outro ótimo artigo sobre aquilo que o título reflete: uma reflexão sobre onde reside a natureza do BE, opondo-se a tentações de o homogeneizar. Estou plenamente de acordo. (Moção E)

83. Para Quê o Bloco de Esquerda? - Mais um excelente artigo sobre a diversidade de base do Bloco e também sobre a sua unidade intrínseca. Concordo por inteiro. (Moção R)

84. A Propósito do Bem-Estar e dos Direitos dos Animais - Artigo sobre as posições assumidas pelo BE a respeito dos animais de companhia, com proposta de prosseguir e aprofundar o mesmo rumo. Estou basicamente de acordo. (Moção E)

85. Nem Bandeira, nem Pin de Lapela - Luta Feminista Aqui e Agora - Outro artigo feminista que, além de fazer um balanço (algo vago) sobre o feminismo no Bloco, procura colar a coordenação paritária à ação feminista, insinuando que todas as opções que não passem por aí são por inerência um retrocesso. Não é o primeiro artigo a fazê-lo, e faço a este a critica que fiz ao outro. Mas acrescento: resumir a luta feminista à coordenação paritária ou até a paridades, sejam elas quais forem, é mais folclore que outra coisa. As paridades são um instrumento que serve para remover bloqueios machistas à ascensão de mulheres nas organizações e apenas para isso. Num momento em que as mulheres participam muito menos que os homens na vida do partido (pelo menos na minha região; talvez noutras seja diferente) importaria sobretudo perceber porquê e de seguida encontrar mecanismos para mitigar ou resolver o problema. Não são as paridades, seja na coordenação seja em que estrutura estejam, que vão por si só resolver esse problema. (Moção U)

86. Contributo - Artigo sobre irreverência e institucionalização, defendendo a primeira e formas alternativas de fazer a segunda. Concordo parcialmente, em especial porque nem a irreverência nem a institucionalização são boas ou más por si só: tudo depende do objetivo a alcançar com cada uma. E isso é aflorado no artigo mas está longe de ficar claro. (Moção U)

87. Tendências e Liderança - Mais um artigo a procurar pôr pontos em is, centrando-se este na constituição da tendência Socialismo (que também sempre achei péssima ideia, diga-se). Continuo sem qualquer paciência. (Moção E)

E pronto, chegámos ao fim. Relembro que há a primeira, segunda, terceira e quarta partes para quem quiser ler e que ainda haverá uma conclusão e balanço para encerrar esta sessão de leitura e comentário.

sábado, 8 de novembro de 2014

Opiniões pessoalíssimas e intransmissíveis, quarta parte

Cá está a quarta parte desta série, com mais uma vintena de artigos. Aproximamo-nos do fim.

51. Alterações Climáticas, Campo Aberto da Luta de Classes - Um artigo sobre os efeitos assimétricos que as alterações climáticas estão a ter e virão a ter no futuro sobre as pessoas, contendo uma crítica feroz ao capitalismo que as potencia. Concordo em pleno com a crítica, mas não me esqueço da assombrosa devastação ecológica que teve lugar em sistemas de economia planificada como a URSS, vários países da Europa de Leste ou a China. O problema, portanto, não é só de capitalismo, vai mais fundo do que isso. É um erro assacá-lo apenas ao capitalismo. Não tenho respostas concretas para este problema, mas uma coisa sei: não chegaremos nunca à resposta correta se a basearmos em pressupostos errados. (Moção U)

52. Feminismos Socialistas Como Ação Comum Para o Bloco de Esquerda - Um artigo muito bom que alarga o conceito de feminismo às múltiplas lutas contra as desigualdades e as descriminações (o que não me parece necessário, mas é uma ideia interessante) e parte daí para propor uma atitude de abertura do Bloco não só a outros grupos de esquerda como à própria sociedade. Estou quase inteiramente de acordo com o que aqui se diz. (sem moção, talvez -- não encontro o nome completo nas listas de subscritores, mas há em duas (U e E) uma versão encurtada)

53. Balanços e Lições de um Século que se Fecha e de Outro que se Abre - Um artigo muito bom, também muito teórico, cheio de citações, sobre a sociologia política global nesta viragem de século. Tendo a concordar, embora não por inteiro. (Moção U)

54. Primeiro a Política, Depois as Coordenações - Mais um artigo de gente de uma moção, a U, a pôr pontos nos is relativamente ao afirmado por gente de outra, a E, a propósito de acontecimentos ocorridos na cúpula do partido. Ou seja: mais diz-que-disse que não tenho como avaliar. E como na verdade e com toda a franqueza este diz-que-disse não me interessa nada, passo. (Moção U)

55. O Tratado Orçamental e a Centralidade da Questão Europeia - Artigo sobre aquilo que o título indica. É uma explicação muito bem feita do que está em causa e dos dilemas que nos confrontam. À parte alguns pormenores semânticos, estou plenamente de acordo. (Moção U)

56. Vantagem e Desvantagem de um Gambozino Para a Política do Bloco de Esquerda - Mais um artigo de gente da moção U a desmontar argumentário da moção E. Como desta feita o alvo é a ideia peregrina de que a questão central da política portuguesa no futuro próximo é a Constituição, concordo com a desmontagem. Mas não concordo nem com o tom, nem com muito do que é dito. Na verdade, ao contrário do que aqui se afirma, todas as intervenções de dirigentes afetos à moção E mostram que convergências ao centro (ou para onde seja, temo bem) são o que mais longe está das suas intenções. (Moção U)

57. Algumas Ideias Sobre Como Recuperar a Organização Chamada Bloco de Esquerda - Um artigo basicamente sobre a atitude do Bloco para consigo próprio e para com os outros. Era gajo para subscrever cada vírgula... ah, espera. Olha: já subscrevi. Aliás, já escrevi. (Moção B)

58. Uma Questão de "Paridade" - Um artigo sobre os problemas e limitações da representação territorial nos órgãos dirigentes do partido. Compreendo e concordo com a análise dos problemas, mas não posso concordar com a solução proposta porque ela irá distorcer a proporcionalidade da representação. É muito preferível adotar-se um sistema de listas semiabertas, que permita que, sempre que uma distrital não consiga eleger ninguém diretamente para a Mesa, o elemento dessa distrital que acabe mais perto da eleição ultrapasse os candidatos anteriores da sua lista. (Moção A)

59. Acerca da Cultura Democrática (ou da Falta Dela) - Um artigo sobre os problemas levantados pela forma como está institucionalizada a elaboração das moções, a arregimentação de subscrições e o calendário de debates e de apresentação de candidaturas. Concordo por inteiro. (Moção A)

60. Não Desistir do Arrojo - Um bom e claro artigo sobre as esquerdas e que opiniões se confrontam quanto ao que fazer para as unir (ou não) neste momento histórico específico. Estou quase inteiramente de acordo com ele. (Moção U)

61. A Posição do BE na Votação da Proposta do Orçamento de Estado - Um artigo que propõe que os deputados do BE saiam do parlamento no momento da votação do orçamento de estado. Parte de uma ideia demasiado comum em certos setores, especialmente entre os ativistas da abstenção: a de que a participação nas votações, mesmo votando contra, de alguma forma legitima as decisões nelas tomadas. Acho que esta ideia é um erro completo: a legitimidade existe sempre, quer se participe, quer não se participe, porque é sobretudo uma questão de organização institucional das coisas. E as ausências só beneficiam o infrator. Ganhar por 51% ou por 80% não é a mesma coisa. Péssimo. (sem moção)

62. O Direito a uma Vida Digna e a Emancipação Pelo Trabalho - Artigo sobre a ideia da criação de um Rendimento Básico Incondicional e a atitude do Bloco perante essa ideia. É um bom artigo, propondo um debate aprofundado sobre o tema, com o que concordo, embora tenha muitas reservas quanto ao próprio RBI: é que fiz umas continhas rápidas e percebi que mesmo para instituir um pequeno RBI é necessário orçamentar uma montanha de dinheiro. Gosto da ideia, gostaria que fosse viável, mas não me parece que o seja. No entanto, oxalá alguém me prove o contrário. (Moção R)

63. A Propósito de Fábulas - Mais um artigo a pôr pontos em is, desta feita de um dirigente da moção E contra a U. Com muitas coisas discutíveis e defendendo com toda a clareza para quem souber ler entrelinhas o completo isolamento do Bloco. Péssimo. (Moção E)

64. Por Uma Política Coerente de Defesa dos Direitos dos Animais - Artigo cujo tema o título define bem, contém muitas coisas com que concordo plenamente, nomeadamente no que toca às touradas, mas vai, a meu ver longe demais, nomeadamente no que diz a propósito da experimentação animal (é completamente falso que o contributo desta para as ciências biológicas seja "fraco," por exemplo). Ou seja: tendo a concordar mas com reservas. (Moção U)

65. Para Além das Moções... o que Está em Causa - Artigo, mais um, de confronto direto entre as moções U e E. Este é de alguém da U contra a E. Com algumas coisas certas, mas com demasiadas afirmações no mínimo discutíveis. Quanto mais artigos destes leio mais me convenço de que a solução não está nem numa nem na outra: parece haver em ambas uma completa incapacidade e ausência de vontade para dialogar, quando é de diálogo e de pontes, tanto internas como externas, de que realmente precisamos. E ainda por cima quase me copiou o título do meu artigo expandido. (Moção U)

66. Suspender os Exames no Básico e Correr com o Crato - Repor a Decência na Política - Um artigo irritado sobre as cratinadas do início deste ano letivo. Estou inteiramente de acordo com ele, mas a bem dizer para repor a decência na política não basta correr com o Crato; seria preciso correr com muito mais gente. (várias moções)

67. Democracia e Votos por Correspondência - Artigo muito crítico sobre a existência de votação por correspondência no BE. Concordo parcialmente. Penso que o verdadeiro problema é o abuso da votação por correspondência (mas concordo inteiramente que o abuso é um problema verdadeiro, existente e grave), não os votos em si, e que há formas de solucionar esse abuso sem passar pela sua eliminação pura e simples. Esta é a minha principal divergência com a moção que apoio. (Moção B)

68. O Bloco, o Desafio de Unidade e Luta Contra a Austeridade - Artigo escrito de forma algo confusa, sobre a situação europeia e a política de alianças, defendendo abertura a todas as convergências possíveis no quadro de uma real quebra com a austeridade. Não partilho do otimismo do autor quanto à impossibilidade de o PS ganhar eleições sem nenhuma espécie de viragem à esquerda, mas tenho pena e gostaria muito de estar enganado. E é evidente que estou de acordo que a convergência com um PS realmente disposto a, por uma vez, seguir mesmo pela esquerda num eventual futuro governo deve estar em cima da mesa. (Moção B)

69. O Mais Arriscado é não Arriscar - Outro artigo confuso e muito equivocado, que se vangloria de o Bloco ter "vencido a sua mais difícil batalha destes quinze anos" porque saíram militantes e até fundadores, sem sequer parar cinco segundos para reconhecer o facto de que ao mesmo tempo que isso acontecia saíam também dois terços do eleitorado (a menos que isso também seja uma "grande vitória"), o que se calhar tem algum impacto na apregoada necessidade de gerar "alternativas amplas, consistentes, percetíveis e viáveis acumulando forças para derrotar o poder do capital." E por aí fora. Enfim. Mais um artigo muito mau. (Moção U)

70. Direito a ter Direitos - E mais um artigo a defender a ideia de que o centro do combate político no futuro imediato é a Constituição. Já antes mencionei o quanto esta ideia me parece descabida (precisamente porque em questões constitucionais as posições do PS não são dúbias), portanto não vou voltar a fazê-lo. Concordo com o que aqui se diz sobre as virtudes da Constituição, discordo da ideia de que ela está realmente em causa. (Moção E)

Quem queira, já sabe: também há as partes um, dois e três.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Opiniões pessoalíssimas e intransmissíveis, terceira parte

Mais uns quantos artigos lidos e comentados. Hoje voltam a ser vinte e há de tudo, do excelente ao muito preocupante.

31. Fazer da Diversidade Força, Outra Vez - Um artigo sobre o sistema de liderança do Bloco e a perceção pública dessa liderança. Tenho algumas discordâncias pontuais com ele, mas estou plenamente de acordo quer no essencial, quer com a solução proposta: uma liderança coletiva com vários porta-vozes. Por vezes tenta-se passar a ideia de que há dois modelos em compita nesta convenção: um líder, homem, ou dois líderes, homem e mulher. Mas não há: há três. O terceiro é o da coordenação coletiva, defendido por duas das cinco moções. (Moção R)

32. Ousar Fazer Escolhas - Um artigo que faz um breve elogio da moção U e um longo ataque à moção E. Embora esteja de acordo com a vasta maioria das críticas que nele se faz à E, especialmente no que toca à política de alianças, não deixo de notar o contraste entre este artigo e a esmagadora maioria dos anteriores. Este é um artigo de subgrupo; os que ficaram para trás são, quase todos, artigos de proposta, de ideias e de política. E isso não deixa este nada bem na fotografia. (Moção U)

33. Por uma Agricultura Social e Ecologicamente Sustentável - Artigo em que se faz um balanço da posição do Bloco face às questões rurais. Pouco sei sobre o assunto, portanto não tenho opinião firme a não ser sobre dois ou três pontos que conheço melhor. E com esses concordo. (Moção U)

34. Uma Orientação Forte Para Unir o Bloco - Artigo dos coordenadores que basicamente defende as opções que nortearam a filosofia que desembocou na sua moção, contrastando-as com as da moção E, embora sem nunca a citar diretamente. Há muito neste artigo com que concordo, mas discordo por completo da anatemização apriorística do PS e penso que entre as boas intenções aqui expressas e o que tem sido a prática dos últimos anos há um contraste que não é possível ignorar. (Moção U)

35. Atrás do Pano - Artigo que faz um diagnóstico factual sobre o (mau) estado das questões de género após estes anos de governo de direita. Não há de que discordar: são factos. No entanto, a verdadeira intenção do artigo está na frase "por tudo isto, pôr um homem a liderar o Bloco de Esquerda, depois do caminho feito, é um grande passo atrás." Até pode ser que seja, mas parece-me fraco argumento para contrapor a anos de derrotas sucessivas causadas por estratégias erradas e/ou erráticas. Realmente grave é que o homem que se candidata a suceder aos dois coordenadores foi tão responsável como eles por essas estratégias erradas e/ou erráticas. Vamos mas é resolver isto com uma coordenação coletiva com paridade total, que tal? (Moção U)

36. Europa: Migrar de Dentro e Migrar de Fora - Um artigo muito bom sobre as contradições da União Europeia, escrito a partir de uma perspetiva europeísta crítica e de esquerda. Concordaria por inteiro se não estivesse cada vez mais convencido de que a União Europeia é um projeto já morto (e a cheirar cada vez pior), apenas à espera de ser enterrado. Mas se ainda há alguma esperança de ressuscitar o cadáver, só pode ser pelo caminho aqui delineado. (Moção R)

37. Não Podemos Trabalhar Sem as Nossas Vidas - Outro artigo excelente da mesma autora do anterior, desta feita sobre as questões ligadas à precariedade laboral e de vida e ao impacto que elas têm na vida nas nossas sociedades, propondo ideias novas que ultrapassam os velhíssimos chavões da esquerda ortodoxa sobre a luta de classes. Posso subscrever? Apetece-me mesmo. (Moção R)

38. Não Voltaremos Atrás - Mais um artigo de gente da moção U a atacar a moção E. E mais uma vez, eu concordo com muita coisa, mas. E o principal mas aqui é não parecer ter-se compreendido ainda que uma das principais causas do momento em que estamos é precisamente a velha forma de encontrar "consensos" através da distribuição de lugares e candidaturas pelas várias tendências, esquecendo que o crescimento do Bloco significou e continua a significar, apesar do recuo recente, que nele se juntaram muitas pessoas que não se reveem em nenhuma dessas tendências, e esquecendo também que esses equilíbrios sempre constituíram um entrave à expressão de opiniões desalinhadas. Ora, quem se sente bloqueado ou é teimoso ou sai. Que não se compreenda isto só pode querer dizer que a erosão interna irá continuar. E isso é grave. (Moção U)

39. Assimetrias Regionais Versus Níveis de Desenvolvimento - Um artigo sobre questões regionais. Acho. É que não o percebi. Tentei, juro que tentei, mas não consegui perceber o artigo. (sem moção)

40. Estratificação Social Versus Ordenamento Regional - Outro artigo do mesmo autor, que já percebi um pouco melhor mas continuou bastante obscuro. (sem moção)

41. Reforma do Estado, Democracia e Poder Regional - Ah. Os dois artigos anteriores eram preâmbulo para este, onde se faz alguma teorização sobre a regionalização no quadro da União Europeia e se propõe um modelo e mapa para se avançar de vez com o processo. Não concordo por inteiro, mas parece-me um documento válido para discussão. No entanto, creio que este resumo aqui presente foi particularmente mal sucedido: é que isto é uma versão condensada em três peças de algo que já foi publicado no esquerda.net no início do ano passado e o resultado ficou extremamente confuso. Se calhar mais vale ler-se esse artigo em vez destes três. (sem moção)

42. Contributo - Artigo em que se fazem algumas propostas de que eu discordo quase por completo por me parecerem simplistas, do voto obrigatório (não resolve nada, antes pelo contrário) à proporcionalidade direta para pôr fim à distorção entre votos e mandatos (não discordo por inteiro, mas a verdade é que não é o método de Hondt que causa a maior parte da distorção: é a divisão por círculos) passando por várias medidas no campo da justiça. (sem moção)

43. A Fábula do Governo Sem Condições - Artigo sobre os contactos propostos e efetuados pelo Bloco com o PS e o PCP na sequência da demissão do Irrevogável Portas, escrito pela delegação que neles participou, em que se desmente com toda a veemência a versão que Pedro Filipe Soares deles apresentou. Do que me lembro do que na altura transpirou para o exterior, dou mais credibilidade a esta versão do que à de Soares, mas como a verdade é que não sei qual é a versão certa, fico principalmente neutro. (Moção U)

44. Igualdade, Nada Menos - Bom artigo sobre imigração, xenofobia e assuntos conexos. Estou basicamente de acordo. (Moção U)

45. A Constituição Portuguesa de 1976: Memória Coletiva e Resistência Social - Um artigo bizarro sobre a atitude do Bloco (ou, mais precisamente, da moção U) para com a Constituição, no qual se lançam acusações de desvalorização da Constituição (ainda não vi ninguém desvalorizar a Constituição; vi muita gente, isso sim, desvalorizar a ideia de que a Constituição está em verdadeiro risco de ser subvertida. São coisas bem diferentes) e se sugere que há quem queira "fazer dela um programa de governo ou um instrumento capaz, por si só, de alterar" a relação de forças na sociedade (o que também nunca vi ninguém fazer; não é nada disso que se pretende dizer quando se fala em pôr a constituição no centro do debate político), o que parece constituir um ataque à moção E. Não gostei nada. (Moção R)

46. Ainda Falta o Q na Bandeira do Bloco - Artigo, muito crítico, sobre as relações entre o Bloco e as questões LGBT. Tendo a discordar por dois motivos: um é que se há partido que sempre se bateu pelo reconhecimento de direitos LGBT é o Bloco. O outro é não me parecer censurável que se opte pelo pragmatismo do possível para obter algum progresso sempre que uma análise das condições existentes mostre que o progresso todo é de momento impossível. E isso não é "política fácil". Pedir tudo sabendo de antemão que não se obterá nada é que é política fácil. E inútil. (Moção R)

47. Movimento Social: Esticar Cordas - Um artigo sobre as experiências recentes (e históricas) ligadas aos movimentos sociais e à relação entre estes e os partidos, em particular o BE. Tendo a concordar, ainda que me falte algum conhecimento de base sobre o que foi feito, como e por quem para ter uma opinião mais sólida. (Moção U)

48. Memó(ria) Sobre um Mandato - Outro artigo que pretende pôr pontos em is. Neste caso trata-se de uma dirigente que diz que votou contra todas as convergências possíveis no Bloco nos últimos tempos e que portanto defende um caminho sectário e isolacionista, dizendo que não é nem uma coisa nem a outra. Como por esta altura já deve ser óbvio, acho péssimo. E o pior é que penso que é precisamente aqui, não na abertura a convergências que algumas declarações apregoam ou na pluralidade que consta do nome da moção, que reside a verdadeira natureza da moção E. (Moção E)

49. À Procura da Unidade de Esquerda - Um artigo sobre a unidade de esquerda e o papel que o Bloco (não) teve nessa busca nos últimos tempos. À parte um pequeno parágrafo que se refere a uma reunião da Mesa Nacional que desconheço, estou basicamente de acordo com tudo. (Moção U)

50. Paciência Impaciente - Um artigo que analisa as cinco moções no que as aproxima e no que as divide. Tem, ao contrário de outros, a virtude de se preocupar mais com a construção de pontes (embora não com todos, infelizmente) do que com a sua destruição. Isso é bom. Concordo no essencial, mas há dois ou três pontos de que discordo. (Moção R)

Quem se interessa e gostou disto, tem também a primeira e a segunda parte para ler.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Opiniões pessoalíssimas e intransmissíveis, segunda parte

Continuando onde fiquei ontem, aqui vão as minhas notas sobre a segunda dezena de artigos. Hoje são só dez; não tenho forças para mais.

20. Mais Democracia, Mais Organização - Um texto muito propositivo (o que é bom) mas demasiado abrangente para o espaço de que dispõe (o que já não é), e que pode ser dividido grosseiramente entre uma parte mais desenvolvida, sobre funcionamento interno, e uma parte basicamente reduzida a tópicos, sobre outras coisas. Tendo a concordar bastante com a primeira parte, mas do ponto 5 em diante discordo mais do que concordo. Ou por outra: não discordo, propriamente, mas parece-me inútil propor-se coisas como a "permanência no Euro" ou a "prisão efetiva para corruptos com confiscação dos seus bens" sem se discutir como será isso possível no contexto institucional e legal existente hoje e num futuro previsível e quais as consequências que tomar tais medidas poderão ter. Compreendo a limitação de espaço, mas fiquei com a ideia, quiçá injusta, de que falta aqui muito trabalho de casa. (sem moção)

21. Emigramos mas não Desistimos do Bloco - Um ótimo texto sobre a experiência da emigração e os desafios e potencialidades que essa experiência coloca a filiados emigrados e à organização do partido no exterior. Parece-me tudo muito acertado, embora conheça mal a realidade a que o texto diz respeito. (Moção R)

23. Provocar uma Reviravolta na Luta de Classes - Outro texto parcialmente debruçado sobre um mundo que mal conheço, desta vez o dos sindicatos. Parte do artigo parece-me muito bem, sobre outra parte não sei o que pensar por desconhecimento das realidades subjacentes, mas outra parte ainda deixou-me uma certa impressão de se tratar de uma lista de reivindicações sem verdadeira fundamentação. É muito possível que se trate de mais um caso de falta de espaço para explanar devidamente as ideias, mas a verdade é que fiquei cheio de dúvidas. (Moção E)

24. Escolhas Anticapitalistas Para o Bloco - Um artigo muito tonitruante que, nos interstícios de uma série de frases de efeito vazias de conteúdo, faz uma defesa clara da linha política seguida pelo Bloco nos últimos anos, ignorando olimpicamente os resultados dessa política e até, pelo contrário, insinuando que os resultados cada vez piores que o Bloco foi tendo e a progressiva desagregação do partido se devem à ação de quem a ela se opôs. Um artigo francamente mau, lamento dizê-lo. (Moção U)

25. O Nosso Ambiente e o Capital Deles - Um artigo ambientalista, claro e bem fundamentado, com o qual concordo quase por inteiro, mantendo reservas apenas quanto à manifesta oposição à produção hidroelétrica: embora não ignore os custos ambientais da construção de barragens e apesar de achar que se tem feito muito menos mitigação desses custos do que seria desejável, parece-me que, tendo em conta a alternativa histórica (na última década, década e meia as coisas mudaram um pouco de figura), ainda é essa a melhor opção. (Moção U)

26. O Bloco Precisa de Ti... Para Transformar a Sociedade - Um dos tais artigos que parecem fazer questão de alternar entre uma coisa acertada e uma completamente equivocada. Dirigido à juventude, destrata a renegociação da dívida, absolutamente fundamental para Portugal ter um futuro, como "labirintos", e vai repescar a "constituição de 76", que já não existe há muito, muito tempo, para o centro do combate político. É um erro crasso. A Constituição de 76 foi quase completamente alterada nas sucessivas revisões constitucionais e aquela Constituição que existe hoje não está em risco porque o PS não tem o mínimo interesse em pô-la em risco (à parte uns Vitorinos que por lá se arrastam) pois isso alienaria uma parte muitíssimo substancial do seu eleitorado que nos últimos anos só reforçou o apego ao texto constitucional, e porque sem o PS não existirá qualquer revisão. Mais: aquela Constituição que existe hoje, ao contrário do que aconteceria com a de 76, tem permitido tudo e mais alguma coisa, todas as privatizações, todos os ataques ao Estado social, todos os ataques ao trabalho, exceto aquilo que colide diretamente com coisas consagradas em qualquer Constituição de qualquer Estado de direito. Basta ver-se quais os artigos constitucionais que têm servido de base para os chumbos do TC a medidas deste governo. Esta ideia de centrar na Constituição o combate político, portanto, é um completo absurdo. Outro artigo francamente mau. (Moção E)

27. Da Radicalização... que Diz que nos Faz Falta! - Um artigo que parte da situação no Serviço Nacional de Saúde, com casos concretos, para traçar um retrato das relações perigosas entre o Estado e empresas privadas que prestam serviços a esse mesmo Estado. Peca por um final muitíssimo desnecessário. Sem o último parágrafo, mereceria o meu acordo quase total. (Moção U)

28. Organizar Este País Desorganizado - Um artigo interessante sobre o estado do ordenamento do território e a sua relação com a regionalização (e com que regionalização) do país. Estou basicamente de acordo com tudo. (Moção R)

29. Sonha a Esquerda com Ovelhas Negras Digitais? - Para começar, adorei o título dickiano! Quanto ao artigo propriamente dito, trata-se de uma análise do que é e do que deve ser a presença do Bloco na internet. Sou menos entusiástico do que os autores quanto ao que está feito, pois parece-me que tem havido subaproveitamento e alguma ineficiência na presença online do Bloco (por exemplo: encontrar no esquerda.net seja o que for que já não esteja nas primeiras páginas é uma enorme dor de cabeça), mas estou basicamente de acordo com o que se propõe para o futuro, ainda que ache que é preciso ter o cuidado de evitar a tentação de abandonar os espaços onde as pessoas realmente estão. (Moção R)

30. O Peter Pan Voltou? - Outro artigo muito bem escrito sobre a institucionalização do Bloco, a relação do partido com o poder e os poderes internos e a pluralidade. Para bom entendedor, é um artigo cheio de sumo, mas só para bom entendedor e eu não sei se haverá por aí tantos como devia haver. Não concordando a cem por cento, não ando longe disso. (Moção R)

E por hoje é isto. Gostaram? Então leiam também a primeira parte.

Opiniões pessoalíssimas e intransmissíveis, primeira parte

Tenho vindo a ler com a maior atenção os 86 artigos de contributo (não são bem 86... já lá iremos) para o debate que o Bloco de Esquerda está neste momento a fazer na preparação da convenção e que podem ser encontrados aqui (PDF). A metodologia tem sido simples: leio o título, ignoro o(s) autor(es), leio o artigo, tiro umas notas e depois vou ver quem escreveu e que moção apoia. Não a que moção estão os textos afetos, note-se: que moção os autores apoiam. É algo diferente.

Isto é uma súmula o mais rápida possível do que penso de cada um deles, ou seja, uma compilação das notas que fui tirando, seguida da moção apoiada pelos autores.

Quem não tenha interesse por política nem pelo BE, passe adiante. Isto não é para vocês. Os outros sejam bem-vindos. Espero não vos aborrecer, embora vá desde logo avisando que geralmente estou de acordo... por algum motivo estou neste partido e não em algum dos outros.

Vamos lá então aos primeiros vinte, mais coisa, menos coisa.

1. Um Partido Para a Luta Social - Artigo de balanço sobre a atividade do "Que Se Lixe A Troika," escrito por alguns dos seus ativistas, e a ligação do Bloco a esse movimento, apontando algumas contradições e insuficiências. Concordo quase com cada palavra. Na verdade, só não concordo com o fim. Não creio que seja o status quo que melhor poderá responder a insuficiências que foi o status quo que criou. (Moção U)

2. A Esquerda e o PS - Artigo de contextualização das relações entre o PS e os partidos à sua esquerda, mas também das várias atitudes perante o PS que existem dentro do próprio Bloco, propondo uma forma de ultrapassar bloqueios à ação comum. Concordo por completo. (Moção B)

3. A Centralidade do Trabalho no Nosso Combate - Artigo sobre a relação entre o BE e o mundo do trabalho, com contextualização do que neste tem acontecido nos últimos tempos. Não gostei muito. Embora concorde com o que nele se diz, parece-me um conjunto de boas intenções demasiado vago. (Moção U)

4. Lutar Pelo Direito ao Trabalho e Pelos Direitos Sociais, Vencer a Precariedade e o Desemprego - Artigo com um tema semelhante ao anterior, embora se concentre mais nas questões ligadas à precariedade laboral. De novo, concordo quase por completo. É um artigo mais sólido que o anterior, motivo pelo qual gostei bastante mais deste. (Moção U)

5. Basta-nos a Constituição? - Artigo basicamente sobre a proposta da moção E de centrar a luta política na defesa da Constituição. Não gostei. Embora concorde que a Constituição não basta, e embora concorde com a ideia de que a defesa da Constituição está longe de ser a questão fundamental dos próximos tempos, desagradou-me muito o tom de mal disfarçado sectarismo patente no artigo. Não é porque é preciso encontrar algo que distinga o Bloco do PS que a defesa da Constituição não chega; é porque de facto, para tirar o país do buraco, não chega. (Moção U)

6. As Autarquias Locais e o seu Relacionamento Institucional com o Estado e as Regiões Autónomas - Artigo com propostas concretas para mudar a relação entre as autarquias e os poderes nacionais e regionais. Gostei do caráter propositivo e objetivo do texto. À primeira vista concordo com as propostas, mas precisaria de me informar melhor sobre os assuntos em pauta para ter uma opinião mais sólida sobre elas. (Moção E)

7. Poderes Tributários e Serviços Públicos das Autarquias Locais - Artigo que faz um apanhado de ideias autárquicas que, na verdade, têm estado no centro do trabalho autárquico do BE nos últimos tempos... e bem. Concordo praticamente com tudo, mas não traz nada de novo. (Moção E)

8. Democracia Local - Outro artigo propositivo sobre mudanças a fazer na legislação e prática autárquicas. Estou basicamente de acordo, apesar de ser menos otimista quanto às virtudes da democracia popular do que os articulistas mostram ser. Mas sim, creio que a generalidade daquelas mudanças faz todo o sentido. (Moção E)

9. Em Bloco Contra o TTIP - Artigo explicativo sobre o que é e quais as consequências que a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP é a sigla inglesa) terá para Portugal e a Europa. Exceto num pormenor (não estou inteiramente convencido de que o PS apoia mesmo este tratado, embora concorde que a posição dúbia do costume não serve), poderia subscrevê-lo e julgo que não há uma pessoa no Bloco e até em setores que vão muito para lá do partido que não o subscreveria. (Moção U)

10. Os Jovens Todos, na Luta Toda! - Artigo sobre a relação do Bloco com a juventude. É um tema que basicamente desconheço, portanto nem concordo nem deixo de concordar. Noto, no entanto, que há um tom genérico no texto que me parece sugerir um embrião de criação de uma juventude partidária, ideia que me desagrada profundamente, tal como também me desagrada a ideologia que reduz a política à "luta". A luta faz parte, com certeza, mas não é o alfa e o ómega da política. (Moção E)

11. Ciência Precisa-se! - Artigo em que é feito um rápido diagnóstico do estado miserável em que este governo tem deixado a investigação científica no país e se lançam ideias sobre a relação do Bloco com esse setor. Só não concordo por inteiro porque me parece que parte do diagnóstico é algo simplista - na verdade, ao capital a ciência (alguma ciência, pelo menos) interessa porque só com ela é possível implementar indústrias de alto valor acrescentado. A questão, parece-me, é que existem pressões fortes, vindas da nossa direita atávica e de poderosos setores internacionais, para destruir o investimento em ciência da Europa do sul. É parte do esforço de terceiro-mundização das nossas sociedades que está em curso. (Várias moções)

12. A Eleição de Delegados/as e a Desvalorização dos Debates - Artigo que critica a opção de realizar os debates preparatórios da convenção já com as listas de candidatos a delegados pelas moções encerradas. Estou inteiramente de acordo com esta crítica. Os prazos deviam, de facto, ser outros. (Moção R)

13. Reinventar a Unidade, Desdramatizar a Pluralidade - Artigo preocupado com o momento interno no Bloco e as tensões internas, onde se propõe um esquema coletivo de liderança. Estou plenamente de acordo. (Moção R)

14. Que Caminho Tão Longo, que Viagem Tão Comprida! - Artigo, muito bem escrito, sobre a relação, nem sempre fácil, entre a esquerda e o feminismo. Farta-se de pôr dedos em feridas incómodas e por isso mesmo é tão bom. De se lhe tirar o chapéu, mesmo. (Moção B)

15. Ainda a Paridade - Artigo sobre as questões da paridade dentro do BE. Deixou-me ambivalente. Concordo na parte da crítica à coordenação bicéfala e na insuficiência de autocrítica na moção U, mas já discordo na exigência de paridade total que nele se faz. A questão é que a participação não é paritária; está, mesmo, muito longe de o ser. Por isso parece-me inviável que se tente fazer nascer dirigentes de um terreno onde não existem militantes. O que de facto importaria no Bloco, bem mais do que forçar paridades inexistentes na prática, era ir à raiz do motivo por que os homens continuam ainda a participar muitíssimo mais do que as mulheres no trabalho do partido e criar mecanismos internos que possibilitem inverter essa situação, no todo ou em parte. Depois sim, dever-se-á avançar para a paridade total. (Moção E)

16. Roteiro Para uma Cidadania Ativa, na Construção Duma Democracia Real - Artigo com propostas de organização dos cidadãos e algumas ideias sobre a relação entre o BE e essas organizações cidadãs. Embora existam algumas ideias que me parecem certas e outras que me parecem meritórias, não concordo lá muito porque ou fui eu que entendi mal o que aqui é proposto, ou parte das questões organizativas são redundantes com a possibilidade cidadã de participação em instituições já existentes como as assembleias municipais. (primordialmente sem moção)

17, 18, 19 e 22. Organizar os Cidadãos - Mais do que um artigo, trata-se de uma protomoção que acabou por não ser apresentada. Muito duro com o estado do Bloco, é um documento com uma base ideológica forte e cheio de ideias, umas que merecem mais o meu acordo, outras menos. Julgo no entanto que se trata de um documento que deveria ser encarado a sério e bem debatido. Há aqui, parece-me, muito de válido, embora também me pareça haver algum exagero e um punhado de ideias duvidosas e/ou dificilmente exequíveis. Destaco principalmente como boa a proposta da Agenda Para uma Democracia, embora nem todas as suas componentes me pareçam igualmente boas. (primordialmente sem moção)

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Caro Eduardo Pitta

(Qualquer semelhança entre este título e os típicos títulos "chega-lhe-com-força" da Jonas não é coincidência nenhuma, nem pura nem impura)

Caro Eduardo Pitta,

Folgo em vê-lo descobrir, talvez finalmente, as delícias da leitura de Bradbury. É, de facto, um grande autor, coisa que nós que lemos ficção científica com regularidade e gosto já sabemos há muito tempo, e é ótimo que outras pessoas, geralmente mergulhadas num preconceito absurdo contra o género, vão tomando disso consciência.

Tenho pena, no entanto, de que tenha feito acompanhar a nota elogiosa com desinformação algo grotesca a respeito da edição de Bradbury em Portugal.

Costumo dizer que o Google é nosso amigo, embora neste caso nem o seja muito: a fama internacional de Bradbury e a consequente hiperabundância de referências que lhe foram sendo feitas, a sua morte recente, que também contribui para isso, o facto de o seu romance mais conhecido ter o mesmo título em português e em inglês, o facto de a sua coletânea mais conhecida ter o mesmo título em português e em espanhol, e por aí fora, geram uma certa cacofonia googliana que dificulta o encontro fácil entre pesquisador e informação.

No entanto, apesar disso, a afirmação de que "Bradbury não tem tido fortuna na edição portuguesa, estando embora traduzidos os dois ou três livros mais conhecidos" não tem desculpa. Já nem lhe faço notar que existe um site chamado Bibliowiki, cuja página dedicada ao autor lista não "os dois ou três livros mais conhecidos" mas 8 romances, duas coleções de contos interligados e 9 coletâneas. Não são "dois ou três" livros: são 19. Convenhamos que há uma diferençazinha, não é verdade? E isto mesmo estando incompleta: reparará que precisamente o livro de que fala não consta ainda da lista.

Mas, como disse, nem lhe faço notar isso, embora sempre o vá fazendo: é natural que quem não conheça previamente o Bibliowiki não dê com ele ao procurar por Bradbury no Google. Compreende-se e aceita-se.

Porém, alguém que está ligado profissionalmente à literatura tem toda a obrigação de conhecer o site da Biblioteca Nacional. E aí, meu caro Pitta, ao fazer uma pesquisa por Bradbury no catálogo encontra cerca de 50 registos. Cinquenta. O que mostra bem quão absurda é a sua afirmação e o quanto ela diminui a qualidade da crítica.

E é uma grande pena: devia haver muito mais críticas e críticos capazes de não se prender no rótulo "ficção científica" e analisar de facto e sem preconceitos a qualidade literária das coisas, tal como você apesar de tudo acabou por fazer.

Mas para a próxima informe-se melhor, amigo. É melhor para os seus leitores, para os autores de que fala e até mesmo para si.

domingo, 2 de novembro de 2014

Onde se meteu outubro?

Para onde foi outubro? Ainda agora estava quase a começar e de repente já passou.

Pelo menos é o que parece quando se mede o tempo pelos posts na Lâmpada. Mas na realidade da vida não foi bem assim.

O mês foi passado a descansar, a trabalhar e a fazer política. A descansar porque terminei francamente cansado a tradução de mais um livro, a precisar urgentemente de férias. Fi-las, não daquelas férias das pessoas desocupadas mas umas férias à moda do Jorge, interrompendo por alguns dias as leituras e as escritas e tratando de outras coisas há muito pendentes. A trabalhar porque retomei o bibliowiki, que vinha passando por mais um período de negligência, e porque recebi a próxima tradução, um tijolão de um ror de páginas que houve que ler atentamente, tomando notas mentais sobre os seus desafios e dificuldades. Há um, em especial, que me vai dar água pela barba. Os autores, às vezes, são mesmo maus com os tradutores.

E a fazer política.

Porque tem mesmo de ser. Porque, como disse por outras palavras no texto francamente irritado em que há anos anunciei a decisão de aderir ao Bloco, deixar todas as decisões aos outros, sem participar nelas, é meio caminho andado para o resultado serem decisões más, que nos desagradam. Aderi demasiado tarde para participar ativamente na convenção de há dois anos: um recém-chegado, sem conhecer os meandros, a cultura e as leis internas por que se regem os partidos tem (infelizmente, diga-se) muito poucas oportunidades de participação nas decisões que estes tomam. Portanto limitei-me a assistir a alguns debates, a ler os materiais, a tomar uma decisão e a votar para eleger delegados à convenção. Mas agora, com três anos na bagagem, e vendo que pouco mudou para melhor e muito mudou para pior, apesar da esperança com que o resultado da última convenção me deixou, não pude adiar mais.

Portanto discuti, escrevi coisas, troquei opiniões, falei com gente. Escrevi um longo texto, que aqui está em 3.61 megabytes de PDF e tem esta capa vermelhusca e branca aqui em cima, no qual tentei explicar bem as ideias e opiniões que me parecem mais importantes neste momento sobre o que o BE é e deve ser no futuro próximo, e tomei partido. Para quem não sabe, estão neste momento em discussão 5 moções sobre o futuro do BE e eu decidi apoiar a moção B por ser aquela cujas ideias mais se aproximam das minhas. Apoiar e não só: desta vez sou candidato a delegado à convenção... a ver vamos se serei eleito. É muito possível que seja. Seria mais uma novidade.

(E não, malta, não é um tacho: é só uma viagem, um fim de semana ocupado e com pouco sono e, esperemos, a participação em algumas decisões decentes. Ao contrário do que reza o folclore, política não é só tachos.)

E li mais umas coisas, escrevi outras, troquei mais opiniões, falei com mais gente.

Parte do resultado, entre um artigo de opinião e algumas propostas de alteração aos estatutos, está publicado no boletim DeBatEs nº 2 (outro PDF), um documento impressionante com quase 160 páginas de letra miudinha, que contém 86 textos de opinião, individuais e coletivos, além dos textos das moções e das propostas de alteração de estatutos, e mostra um partido que, apesar de tudo, está bem vivo e cheio de gente com vontade de o ver prosperar e desenvolver-se. É uma das coisas que me dá esperança porque o BE continua a ser, com todos os seus defeitos, a única formação política que realmente nasceu e se desenvolveu com a pluralidade e união da esquerda no código genético.

E como precisamos de uma esquerda minimamente unida neste país!...

E como precisamos de esperança!

É que às vezes parece que isto é uma última oportunidade. Que não haverá mais. Que, se não arregaçarmos as mangas agora, não voltaremos a poder fazê-lo. E não, não me refiro apenas ao BE; refiro-me também, ou talvez principalmente, ao país.

Por isso, arregacei-as. Na medida do que sei e posso.

Cidadania. Parece que é esse o nome que isto tem.

PS - se fores algarvio e inscrito no BE não deixes de votar já no próximo dia 15. Na moção B, claro.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Lido: Nova Divisão Administrativa do País Encanta Pela Simplicidade

Nova Divisão Administrativa do País Encanta Pela Simplicidade é, como o leitor mais atento provavelmente já suspeitará, mais uma notícia falsa, desta feita escrita a quatro mãos por Mário Botequilha e Patrícia Castanheira. Trata-se de um artigo que detalha a miríade de detalhes da simplicíssima divisão administrativa em que os poderes de então (o então é há cerca de dez anos) se preparariam para dividir o país. A notícia está um pouco datada, é certo, visto que tem origem nas propostas de subdividir o país numa série de áreas metropolitanas / comunidades urbanas, etc. e o diabo, que entretanto ficaram meio em águas de bacalhau (ainda que pelo menos algumas estejam a funcionar) mas o sarcasmo é de tal forma surreal que mantém intacta a piada. E além disso a geografia não sofre mudanças de peso em tão pouco tempo, portanto todos os absurdos são facilmente reconhecíveis.

É outro texto bem divertido, sim.

Textos anteriores deste livro:

Lido: Tuning e Vestir Fato de Treino ao Domingo Vão Pagar IRS

Tuning e Vestir Fato de Treino ao Domingo Vão Pagar IRS é, como o título já sugere, mais uma notícia falsa, desta feita saída da imaginação de Mário Botequilha. E é pena, pois era uma medida que eu apoiaria, em especial na parte respeitante ao tuning, sujeito a imposto apelidado (com um piadão) de "taxa pintas". Na verdade, a notícia lista outras atividades que seriam sujeitas a novos impostos, todas elas populares (e algumas ilegais), o que desde logo assinala a impopularidade de que a medida sofreria. De notar que, pese embora a sua aparente atualidade, esta notícia data de há mais de dez anos. Aparentemente, há coisas que não mudam.

Francamente divertido.

Textos anteriores deste livro:

domingo, 31 de agosto de 2014

Lido: Guterres Lança Livro de Colorir

Guterres Lança Livro de Colorir é outra notícia falsa, também de Luís Filipe Borges e Luís Camilo Alves, que começa a perder, a estes anos de distância, logo na primeira palavra do título. Guterres? Quem é que ainda se lembra do Guterres?

De modo que o humor até podia ter piada na altura em que o texto foi escrito, era Guterres primeiro-ministro e estava por isso nas bocas do mundo, mas hoje que o visado só aparece de vez em quando se a ONU quer mais apoio para os refugiados ou quando alguém se lembra que "olha, aquele gajo era capaz de ser um candidato engraçado para presidente" a reação mais provável é um encolher de ombros. É o mal de todo o humor demasiado preso ao seu envolvente imediato: envelhece a grande velocidade.

Textos anteriores deste livro:

Lido: Taxista de Aeroporto Aldraba-se a si Mesmo

Taxista de Aeroporto Aldraba-se a si Mesmo é uma surreal notícia falsa, congeminada pelas mentes alucinadas de Luís Filipe Borges e Luís Camilo Alves, que descreve o caso de polícia do taxista que vai apresentar queixa contra si próprio acusando-se de se ter enganado à má-fila, não se percebe bem se nos trocos, se na bagagem, se nas voltinhas. Humor do absurdo, claro. Às vezes os resultados deste tipo de abordagem são quase catastróficos. Mas não neste caso; neste caso a coisa saiu bem. Bastante, até.

Textos anteriores deste livro:

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Lido: Entrevista a um Homem-Bomba

Entrevista a um Homem-Bomba é quase precisamente o que o título indica: uma entrevista a um homem-bomba. E digo quase, claro, porque o dito homem-bomba não existe. Trata-se, a entrevista, de um texto inventado de fio a pavio, um projeto de sketch humorístico a que para ser argumento só falta estar escrito como tal, no qual um repórter, alter ego de Zé Diogo Quintela, se desloca a Jerusalém para falar com um bombista suicida sobre essa sua vocação. É divertido, pondo na boca do homem-bomba os lugares-comuns que costumam sair das dos futebolistas quando apanhados em semelhantes assados, mas não muito. Há qualquer coisa no humor do Zé Diogo Quintela que não me agrada muito. Aqui falei de um certo tom engraçadinho, que voltei a encontrar neste texto e possivelmente é por aí que a coisa falha. É um tom que até resulta em sketch televisivo, especialmente quando representado por atores realmente engraçados, mas parece-me que em texto simples fica algo aquém do que seria desejável.

Em todo o caso, deu para sorrir e até para um ou dois daqueles resfòlegos divertidos que a malta às vezes solta. Não se trata, portanto, de um mau texto. Só de um texto que poderia, talvez, ser melhor. Talvez.

Textos anteriores deste livro:

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Lido: As Filhas do Defunto Coronel

As Filhas do Defunto Coronel é uma noveleta de Katherine Mansfield de que, apesar de estar bem longe do meu ponto ómega literário, até gostei bastante. Principalmente por causa das bizarras e francamente perturbadoras misturas que contém, humor negro com ternura, insensibilidade com finíssima sensibilidade, classismo com irreverência.

Como o título indica, as protagonistas são duas solteironas, filhas de um coronel bastante estereotipado na sua severidade e na forma como coarta a vida das filhas. Até que morre. E é aí que o conto as vai encontrar, acompanhando-as nos dias seguintes, enquanto elas tentam perceber como vão ser as suas vidas agora que tudo mudou. Mas sem nunca pensarem propriamente nesses termos, pois ambas são retratadas como mulherzinhas limitadíssimas, daquelas senhoras de sociedade que nada sabem fazer, que nem de tomar decisões simples são capazes, o que é sublinhado pelo óbvio desprezo que a criada lhes devota. A qualidade do conto reside principalmente no modo tão indireto mas tão indubitável como tudo isto é transmitido a quem lê, em conversas entre as duas que quase têm mais significado por aquilo que não é dito do que pelas palavras realmente pronunciadas. Muito, muito bem feito. E eu, que não costumo gostar nada de histórias destas, rendi-me.

Conto anterior desta publicação:

domingo, 24 de agosto de 2014

O zero à esquerda

Há poucas coisas mais patéticas do que alguém que expõe obra ao público ser incapaz de aceitar quando a avaliação dessa obra pelo público não é a melhor. E quando essa incapacidade de aceitar críticas ultrapassa certos limites, a coisa deixa de ser simplesmente patética para passar a sintoma de desequilíbrios mentais mais ou menos graves. Quando o "escritor" passa a percorrer compulsivamente a internet, à caça de tudo e de todos os que possam ter o desplante de não lhe estender passadeira vermelha e o colocar no pedestal que acha que merece, em estátua equestre e pose heroica e tudo, passando de seguida a tentar intimidá-los para que se calem, a insultá-los para que o insultem de volta e possa depois vir vitimizar-se, apontar dedos, rasgar camisas porque tudo é pessoal, a coisa só se resolve com visitas regulares ao psiquiatra e comprimidos, muitos comprimidos.

E quando nem é preciso que as pessoas manifestem reservas relativamente à qualidade da "obra" para haver intimidação, invariavelmente malcriada, bastando tão-só que não falem dela, por esquecimento ou pura e simplesmente por não estarem para alimentar malucos, então provavelmente nem o psiquiatra resolverá alguma coisa.

Octávio dos Santos levou anos a chatear-me por um motivo ou por outro. O mais comum foi a ausência de uma ou outra das suas "obras primas" no Bibliowiki, como se alguém tivesse alguma obrigação de fazer passar sua excelência à frente das centenas de outras publicações que estão à espera de haver tempo e paciência para as integrar no site. A princípio ainda lhe respondi, depois passei pura e simplesmente a ignorá-lo. Aí, a coisa escalou, e escalou ainda mais por causa do Acordo Ortográfico (o tipo é histericamente contra). Às tantas começaram a aparecer comentários completamente trogloditas aqui no blogue, ao mesmo tempo que um pseudónimo que ou era ele ou lhe imitava perfeitamente a falta de estilo destilava veneno por essa internet fora. Comportamento típico de troll.

Ora, um blogue é uma espécie de casa. Posso não ser o tipo mais arrumado do mundo, mas não estou disposto a abrir a porta a qualquer bestunto que assim que chega escarra para o chão, deita abaixo os quadros pendurados na parede, lança dois ou três insultos ao anfitrião, trepa para cima da mesa da sala, onde larga uma poia, invade o quarto e vomita em cima da cama, e desata depois a berrar que aqui d'el rei que o estão a maltratar quando é posto na rua a pontapé. Portanto, desde esse momento em diante Octávio dos Santos ficou proibido de comentar na Lâmpada, a menos que mantenha a mais absoluta delicadeza. Caso contrário, é apagado. Faria isso com qualquer indivíduo que se comportasse reiteradamente como ele. Mas embora já tenha havido por aqui vários casos de falta de chá, nenhum foi reiterado. Nenhum se prolongou no tempo. Com uma única exceção: ele.

Agora, atrevi-me a não gostar de um conto que a criaturinha pariu. Achei-o muito fraquinho, e na verdade não se percebe como é possível alguém achar muito fraquinho um conto que inclui superlativos exemplos de exímio estilo no manuseio da língua portuguesa como "para desse modo poderem mais facilmente atraírem e recrutarem" (p. 78), entre muitos outros que não cito agora porque não tenho pachorra para passar mais que trinta segundos a catar frases neste opus magnum. Só pode ser má vontade, com toda a certeza. Portanto lá veio o inevitável ataque de caráter, primeiro em comentário, que evidentemente foi apagado, e logo de seguida num blogue de uma pseudo associação, cuja sistemática instrumentalização para vendettas pessoais é bem o espelho da qualidade da criatura, incapaz de separar o que é pessoal daquilo que supostamente está a ser feito em nome de um coletivo, e do miserável estado a que a dita associação chegou.

(A propósito, uma associação, supostamente, não deve ter... associados? Sabem como é? Aquelas pessoas que se... associam? E não tem de prestar contas aos ditos cujos? Os associados daquilo, se é que existem, pactuam com este comportamento? Alguém sabe?)

No meio da diatribe, apercebi-me com espanto e não pouca vontade de rir que uma das coisas que o tipo me ataca por fazer é "revelar o fim do conto." Espanto e vontade de rir porque o fim do conto é óbvio desde a primeira página... ou mais especificamente desde o parágrafo que faz a transição da primeira página para a segunda. E descubro agora que isso não é propositado, que o autor pretendia fazer com que o conto tivesse um final surpreendente. Ou seja, que a coisa é ainda pior do que eu pensei a princípio. Que o tipinho não faz mesmo a mais pequena ideia do que anda a fazer.

Realmente o Santos tem razão e eu tenho de pedir desculpa aos meus leitores. O conto dele não é muito fraquinho. É, isso sim, uma gigantesca porcaria. Que me fique de lição.

E agora que venha a resposta malcriada tão fatal como o destino, que será rigorosamente ignorada. Depois de excecionalmente alimentar o troll, regresso à boa prática de o ignorar. Que é, basicamente, o que toda a gente acaba mais tarde ou mais cedo por fazer.