Não se assustem. Isto não vai ser mais um artigo a tecer loas ao nosso Nobel literário. Já existem em quantidade mais que suficiente, na blogosfera e na net em geral, e na imprensa, uns genuínos, feitos por gente que realmente lia Saramago há muitos anos e gostava, outros feitos por pessoinhas que passaram décadas a destratá-lo, mas aproveitam este tipo de oportunidade para se porem em bicos de pés e se mostrarem muito cultos, assim como quem diz "veem, veem, eu também sou um intelectual e sempre gostei da escrita dele".
Não, nada disso.
Isto é só um post para vos dizer que, se quiserem, podem ler um artigo que escrevi há cinco anos para publicar no número zero da revista Bang!. Está no scribd, aqui, e fala, porque foi o aspeto que me pediram para focar, da relação entre a obra de Saramago e a ficção científica. Poderia ter falado muito mais das relações entre a mesma obra e outros géneros fantásticos, porque Saramago sempre foi muito mais dado à fantasia mais ou menos mágico-realista do que à FC, mas pediram-me FC, e sobre a FC foi.
Hoje, um artigo que escrevesse com o mesmo ponto de partida seria praticamente idêntico, embora ele me obrigasse a atualizar-me. É que fiquei suficientemente dececionado com alguns dos romances pós-Nobel para fazer uma pausa de alguns anos na leitura de Saramago, e os livros mais recentes ainda estão aqui nas minhas múltiplas pilhas de material para ler à espera de uma aberta. O Caim, claro, mas também As Intermitências da Morte e A Viagem do Elefante. Mas serão lidos, como todos os outros romances já foram (até o Terra do Pecado, esse romance de Saramago que não é de Saramago), e o Objecto Quase. Têm-me dito que são melhores do que A Caverna e principalmente O Homem Duplicado, os dois livros de que menos gostei. Espero que sim. Mais tarde vos direi se são ou não, na minha peculiar maneira de ver a literatura. E direi só mais tarde, porque também não irei lê-los a correr, como muita gente certamente fará (e as vendas hão de subir à estratosfera, porque há um certo tipo de consumidor que está sempre à espera que os artistas morram para lhes mostrar o seu apreço, comprando, quando eles já não podem beneficiar desse apreço, o que é sem dúvida uma perfeita maravilha).
É que Saramago continua vivo apesar de ter morrido, o que faz com que seja uma idiotice eu ter passado o dia inteiro triste e cheio de mágoa. A vida continua como até aqui. A nossa, e a das palavras que ele nos deixou, ele que foi, de muito longe, o melhor de todos nós, aqueles que fazemos da imaginação o principal motor para aquilo que escrevemos. Apesar dos desapontamentos literários e das opiniões discordantes. Meteu-nos a todos num chinelo, obrigou-nos a todos a confrontar a nossa pequenez e mediocridade. Foi uma maldade da parte dele, com certeza, mas a vida nunca deixou de continuar por causa disso.
A vida, sim, continua. E amanhã é outro dia. Ainda andaremos todos por cá, ele incluído. Até amanhã.
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