quinta-feira, 10 de junho de 2004

Bem-vindos ao admirável mundo novo dos hospitais-empresa

O meu pai passou esta noite no hospital.

Uma diabetes recém-descoberta, com níveis de glicémia que em análises realizadas há algum tempo eram acima do máximo, mas não muito, mas que entretanto tinham já subido para mais de quatro vezes o máximo, levou-o, primeiro, ao centro de saúde e, depois, às urgências do Hospital do Barlavento Algarvio, onde acabou por ficar internado para observação.

Já saiu, felizmente, com uma receita e instruções vagas sobre o que pode e não pode comer daqui para a frente.

Chegado cá fora, contou-nos a noite que passou.

Uma maca, num corredor, serviu de cama. Um corredor movimentado e, obviamente, bem iluminado, por onde passaram pessoas a noite inteira. Um corredor por onde também se passeou uma corrente de ar frio a noite inteira. Ele, vestido com um pijama fino do hospital, teve direito a um lençol como cobertura e nada mais. Diz que passou frio a noite inteira.

Também passou sede a noite inteira, apesar de a sua ficha dizer explicitamente que precisava de bastante água. Não lha deram. Ou antes, deram um par de garrafinhas pequenas e nada mais.

Também passou fome, apesar do soro, porque o pequeno-almoço chegou já bem depois das 10 de manhã.

E teria ficado entregue à miopia, a tentar adivinhar o que se passava em volta de si pela interpretação do significado de vultos desfocados, se não tivesse exigido (e conhecendo-o, deve ter sido um espectáculo ruidoso) ficar com os óculos. Queriam tirar-lhos. São normas, diziam.

Eu não vi nada disto. Como quando deixam entrar alguém para falar com os doentes é só uma pessoa, fiquei cá fora, à espera, enquanto a minha mãe tratava do que havia a tratar. À espera e na mais absoluta ignorância porque não há ninguém disponível para explicar a quem espera o que se vai passando lá dentro e porque é que as coisas demoram horas.

Para as estatísticas, contam os números: um doente internado, uma dormida, uma alta. Análises ao sangue. Soro, x litros. Duas garrafas de água. Um iogurte.

Poupadinho.

Bem-vindos ao admirável mundo novo dos hospitais SA. Vão-se mentalizando, porque de futuro serão todos assim.

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