Quatro dos principais responsáveis pelo estado miserável a que chegou este país encheram duas horas e tal com conversa fiada.
Não ouvi uma palavra sobre a imensa massa de gatunos que fogem aos impostos. Mas o papão-estado, ui! Chamem os bombeiros que as orelhas lhe ardem com tanta força que já saltou o fogo para o escalpe, pescoço e nariz.
Não ouvi mais que uma menção vaga acerca de investigação e desenvolvimento (nem sombra de uma noção sobre o modo como é possível fazer investigação e desenvolvimento com menos estado, dado o miserável empresariado que temos), mas é dado como adquirido que vamos ("vamos"? Isso implica todos nós, e não apenas os mesmos de sempre) ter de apertar o cinto para, supõe-se, aumentar a competitividade.
Se descontarmos uma ou duas frases do Silva Lopes, o único daqueles homens com um alguns, vagos, sinais de bom senso, nem uma palavrinha houve sobre a cada vez mais imensa desigualdade social em que estamos mergulhados, com medíocres que não pagam impostos a comprar ferraris e cruzeiros às ilhas Phi Phi ao passo que os mesmos do costume trabalham como escravos para passar fome, quando não vão parar ao desemprego. Ou melhor: nem são os mesmos do costume; são cada vez mais, incluindo cada vez mais gente que em tempos não muito distantes tinha vidas confortáveis. Mas a constituição não: a constituição é, para aquela gente, um empecilho, um papel que é preciso abater a qualquer custo.
Chama a RTP àquilo "debate". A uma conversa da treta monolítica, em que as únicas ideias que surgem no meio dum imenso mar de lugares-comuns neoliberais são ideiazinhas que escorrem ranço, quando não são positivamente repugnantes. Ao Medina Carreira só faltou clamar por um Salazar que nos salve, ou pugnar pelo assassínio de tudo quanto for bicho-careta pobrezinho com mais de setenta anos, por exemplo. Ninguém ali havia para lembrar que em Portugal a cultura de todas as organizações hierárquicas, estado e empresas, se baseia quase sempre no tratamento dos trabalhadores como gado, e que a maior parte das pessoas quando é tratada como gado se transforma em grãos na engrenagem. Que quem vê o patrão ou o chefe multiplicar-se em contorcionismos falcatruentos para por um lado fugir ao fisco, por outro fugir ao pagamento de salários dignos às pessoas e por outro não investir um chavo na melhoria da empresa - mas ai de quem sugira que refreie os gastos com as amantes, os carros, as vivendas e os iates, as férias no estrangeiro e os trapos da moda! - o mais certo é passar também a multiplicar-se em contorcionismos para fazer o mínimo possível. Que quem vê quem está por cima preocupar-se apenas com o esquema seguinte para não fazer a ponta dum corno, o mais certo é que passe também a preocupar-se apenas com o esquema seguinte para não fazer a ponta dum corno, isto se não trouxer já a cultura instalada da família e da pavorosa escola que temos.
Mas nada. Nada disso lhes interessa. Julgo até que nem lhes passa pelas privilegiadas cabecinhas.
A vocação de toda aquela gente é a de senhor de roça com mão-de-obra escrava. Ficar sentado à sombra do imbondeiro, abanando o suor com um maço de acções a ver os escravos a trabalhar à força de chicote.
Quanto à coisa a que a RTP chama "debate", parece que volta em Setembro. Vai de férias.
Que fique por lá. E que fique por lá com Belmiros, Medinas e companhia ilimitada.
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