terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Ainda os dias solarengos

Isto era suposto ser um comentário a um comentário, mas foi crescendo e achei melhor subi-lo a post. Origina-se num comentário do Zarolho ao post O prazer da língua também é errar, onde ele me espanca sem contemplações e com uma série de argumentos que me parecem, na generalidade, errados. Começa logo pela sugestão de que o novo significado de solarengo se origina por paronímia com soalheiro.

Paronímia entre solarengo e soalheiro?!

Credo!

Que haja paronímia entre soalheiro e soalho, muito bem; que haja paronímia entre solarengo e, sei lá, mulherengo, enfim, ainda vá, agora a única semelhança entre soalheiro e solarengo está nas duas letras com que as palavras se iniciam. Chamar a isto paronímia é o mesmo que dizer que há paronímia entre "pitecantropo" e "pilinha".

Ná! O novo significado da palavra nasceu por causa da polissemia da palavra solar, que pode ser substantivo (agora diz-se o quê? Nome?) para o casarão rural ou adjetivo, relativo ao sol. Nada tem a ver com paronímias.

Quanto à legitimidade da intervenção de qualquer falante, completamente de acordo. Daí o meu post. No momento em que os puristas tentar parar esta mudança em concreto, eu, que acho muito bem que ela aconteça, procuro pôr um bocado de areia nos travões. Pelos motivos expostos no post original e também por mais um:

Eu gosto de sinónimos. Enriquecem a língua, dão-lhe novas camadas de complexidade e fornecem-lhe novos instrumentos. E numa língua que lida tão mal com as repetições como a nossa, quantos mais sinónimos houver, melhor.

E mais um ainda: é da ambiguidade que nascem os melhores jogos de palavras, matéria-prima essencial para qualquer pessoa que lide criativamente com a língua. E não há melhor gerador de ambiguidade do que a existência de significados múltiplos para a mesma palavra ou para palavras muito semelhantes. A língua inglesa, nisso, é exemplar, e é precisamente nisso que baseia boa parte da sua força enquanto instrumento de criação literária.

Nisso e na facilidade que tem na geração de neologismos e na adoção de novos usos para palavras antigas. É, para seu grande proveito, uma língua muito plástica. Que a nossa o fosse igualmente, seria melhor para todos os que a usamos. Em vez disso temos um gigantesco manancial de arcaísmos e uma renovação que se baseia quase exclusivamente em palavras de importação.

De certeza que também há puristas por lá, mas é aparente que têm muito menos força do que os nossos. Sorte deles, azar nosso.

(E acabei de ter uma ideia para dar vida nova a este blog, que até a mim tem aborrecido)

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