Sim, parece que vamos ficar com o referendo entre nós durante mais algum tempo. A participação acabou por não ser tão catastroficamente fraca como parecia que ia ser, bem longe disso. é certo que ainda não chegou aos 50%, mas aproximou-se bastante, e fazendo as contas verifica-se que houve mais um milhão e duzentos mil votos do que em 1998, o que neste país são muitos votos.
Até é possível que tenham votado mais de metade dos eleitores que o são de facto. Não sei bem quanto será a abstenção técnica por estes tempos, é caso para perguntar ao Pedro, que ele é que é o especialista, mas é bem capaz de ser coisa para cobrir os 6,4% que faltaram para chegar aos 50.
(E não seria, já agora, boa ideia arranjar para eventuais futuros referendos um limite de vinculatividade - ui! que palavrão! - que tome a abstenção técnica em conta?)
Quanto ao resultado, foi ótimo. Contra a hipocrisia da igreja católica, contra a mentira sistemática e a histeria demagógica da maior parte dos "nãos", contra a deturpação de quem nos queria convencer de que as palavras não significam aquilo que significam, contra a intolerância dos que acham que a ética deles deve valer mais do que a ética dos outros, o povo que foi às urnas, e em especial o povo jovem que parece que hoje resolveu mesmo aparecer, deu uma lição de inteligência.
Agora passa-se a bola aos deputados, esperando que acabem por aprovar uma lei decente. Com medidas de acompanhamento, com um período de reflexão suficientemente curto para não pôr em causa os prazos, mas suficientemente longo para permitir uma ponderação de cada caso individual, com medidas de incentivo ao aborto químico em detrimento do cirúrgico, muito mais perigoso, muito mais invasivo e muito mais lucrativo para as célebres clínicas privadas. Etc. Há muitos e bons exemplos onde ir buscar inspiração. Façam favor de a ir buscar.
E até pode ser que isto tenha como consequência que até os maiores talibãs do não, aqueles que sempre se opuseram não só ao aborto como também ao uso de contracetivos, ao planeamento familiar e à educação sexual nas escolas, os mais ratos dos ratos de sacristia, acabem por chegar à conclusão de que essas coisas, comparadas com o aborto, são um mal menor e as comecem a promover em vez de lhes pôr travão como até aqui. Não será muito provável, concordo, mas não custa sonhar.
Este referendo não terá posto Portugal no século XXI, como exagerou o Louçã, mas é inegável que nos deixou um pouco mais livres de teias de aranha.
Adiante!
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